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A Instituição da Tutela Administrativa: Origem, Papel e Funcionamento, Resumos de Direito

Este artigo explora a instituição da tutela administrativa, investigando sua origem, papel, fundamentos, configuração e dinâmica em diferentes sistemas jurídicos. O texto também ressalta as semelhanças e diferenças entre a tutela administrativa e a tutela civil.

O que você vai aprender

  • Quais são os fundamentos jurídicos da instituição da tutela administrativa?
  • Quais são as finalidades da instituição da tutela administrativa?
  • Quais são as principais diferenças entre a tutela administrativa e a tutela civil?
  • Qual é a origem da instituição da tutela administrativa?
  • Como a instituição da tutela administrativa funciona em diferentes sistemas jurídicos?

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Luiz_Felipe
Luiz_Felipe 🇧🇷

4.4

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DEFINIÇÃO DA
TUTELA
ADMINISTRATIVA
*
CRETELLA
JÚNIOR
••
SUMÁRIO:
Noção
da
tutela
administrativa.
Considerações sôbre o
tema.
Curatela administrativa? Caracterização objetiva da tutela.
Análise
dos elementos integrantes. Semelhança com institutos afins. Defini-
ção
da
tutela administrativa. Nossa definição de tutela adrninistlativa.
1.
Noção
da
tutela administrativa. A
complexidade
extrema
do
Estado
moderno,
resultante
da
multiplicação
progressiva dos serviços públicos, é
fato incontestável. Amplia-se a
cada
instante
a
rêde
dos serviços
administra·
tivos, aprimoram-se
dia
a
dia
os órgãos
da
administração, seleciona-se
median-
te processo científico o pessoal
integrante
dos
quadros,
modernizam-se e
aperfeiçoam-se as técnicas exigidas.
Cresce,
entretanto,
o Estado, alarga-se, congestiona-se, asfixia-se mesmo,
no
afã compreensível
de
a
tudo
atender,
de
ajustar-se às exigências
extraordiná-
rias e
cada
vez
maiores
do
serviço público.
Do
contrário,
perderia
a
razão
de
ser,
por
deficiente e anacrônico.
N estas circunstâncias,
procura
o
poder
central
remover
de
si
determinadas
atribuições, transferindo-as
para
outros
órgãos
ou
pessoas. Descentralizam-se
os serviços.
Alicerçando-se nos fatos,
objetivamente,
o
direito
administrativo
moderno
procede
ao
enquadramento
jurídico
da
realidade,
apoiando-se
na
preliminar
estruturação
científica
procedida
pela
ciência
da
administração,
ou
seja,
em
nosso caso, à
reunião
dos elementos concretos
que
permitam
configurar
o
instituto
da
descentralização.
Numa
primeira
modalidade,
apresenta-se a descentralização orgânica,
através
da
qual
se
descongestiona a
máquina
administrativa
pela
irradiação
de
funções,
do
centro
para
a periferia, dando-se aos órgãos locais
um
papel
maior
de
capacidade
decisória,
do
que
o
deferido
aos órgãos centrais.
Não
basta.
Em
sistemas como o nosso,
em
que
coexistem vários
aparelha-
mentos
administrativos, novos serviços
despontam,
exigindo
sucessivas e
rápi-
BIBLIOGRAFIA
-
MASPtTIOL
e
LAROQUE,
La tutelle administrative, 1930:
DEMBOUR,
Les actes de
la
tutelle administrative en droil belge, 1955;
EISEN!\IANN,
Centralisation
et
decentralisation, 1918;
GIROLA,
Teoria dei decentramento amministrativo, 1929;
BOlZI,
Aldo,
Istituzioni, 1966.
p.
276;
DUVERGER,
Droit public,
4.
a ed., 1966,
p.
224.
••
Advogado
em
São
Paulo.
R.
Dir. adm.,
Rio
de
Janeiro,
96: 28-40,
abr.jjun.
1969
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DEFINIÇÃO DA TUTELA ADMINISTRATIVA *

CRETELLA JÚNIOR ••

SUMÁRIO: Noção da tutela administrativa. Considerações sôbre o tema. Curatela administrativa? Caracterização objetiva da tutela. Análise dos elementos integrantes. Semelhança com institutos afins. Defini- ção da tutela administrativa. Nossa definição de tutela adrninistlativa.

  1. Noção da tutela administrativa. A complexidade extrema do Estado moderno, resultante da multiplicação progressiva dos serviços públicos, é fato incontestável. Amplia-se a cada instante a rêde dos serviços administra· tivos, aprimoram-se dia a dia os órgãos da administração, seleciona-se median- te processo científico o pessoal integrante dos quadros, modernizam-se e aperfeiçoam-se as técnicas exigidas. Cresce, entretanto, o Estado, alarga-se, congestiona-se, asfixia-se mesmo, no afã compreensível de a tudo atender, de ajustar-se às exigências extraordiná- rias e cada vez maiores do serviço público. Do contrário, perderia a razão de ser, por deficiente e anacrônico. N estas circunstâncias, procura o poder central remover de si determinadas atribuições, transferindo-as para outros órgãos ou pessoas. Descentralizam-se os serviços. Alicerçando-se nos fatos, objetivamente, o direito administrativo moderno procede ao enquadramento jurídico da realidade, apoiando-se na preliminar estruturação científica procedida pela ciência da administração, ou seja, em nosso caso, à reunião dos elementos concretos que permitam configurar o instituto da descentralização. Numa primeira modalidade, apresenta-se a descentralização orgânica, através da qual se descongestiona a máquina administrativa pela irradiação de funções, do centro para a periferia, dando-se aos órgãos locais um papel maior de capacidade decisória, do que o deferido aos órgãos centrais. Não basta. Em sistemas como o nosso, em que coexistem vários aparelha- mentos administrativos, novos serviços despontam, exigindo sucessivas e rápi-
  • BIBLIOGRAFIA - MASPtTIOL e LAROQUE, La tutelle administrative, 1930: DEMBOUR, Les actes de la tutelle administrative en droil belge, 1955; EISEN!\IANN, Centralisation et decentralisation, 1918; GIROLA, Teoria dei decentramento amministrativo, 1929; BOlZI, Aldo, Istituzioni, 1966. p. 276; DUVERGER, Droit public, 4. a ed., 1966, p. 224. •• Advogado em São Paulo.

R. Dir. adm., Rio de Janeiro, 96: 28-40, abr.jjun. 1969

das providências do Estado. Recomeça o ciclo desonerante, problemas diversos .aparecem, resolvidos agora pela descentralização política, mediante a qual se procede à partilha de atribuições entre os distintos aparelhamentos adminis- trativos coexistentes, no mesmo país, num dado período de tempo. Ainda não é o bastante. Insuficientes as entidades denominadas maiores para resolver todos os problemas surgidos e cooperar com o Estado, no trabalho de descongestionamento, surgem as entidades chamadas menores, dotadas de personalidade própria, de direito público ou de direito privado, ·que caminham paralelamente ao Estado - órgãos paraestatais, em sentido lato- com a incumbência de gerir determinados serviços. É a descentralização por serviços, também denominada especial, técnica 1 ou por colaboração. Delegam-se podêres, repartem-se funções, observando-se, porém, a mais estrita e rígida unidade dentro do sistema. Com efeito, na medida em que preside ao nascimento e estruturação dos entes públicos menores, estabelece o Estado sistemas específicos de intercomu- nicação, de fiscalização, de vigilância permanentes. Condenado estaria o processo descentralizante se tivesse como conse- qüência, media ta ou imediata, privar o Estado de todo direito de fiscaliza- ção sôbre as pessoas e os serviços públicos por êle beneficiados. 2 Criar·se-iam pequenos Estados dentro do Estado, colocando-se em perigo a soberania nacional. Para harmonizar os interêsses especiais das novas entidades com os inte- rêsses mais amplos do órgão-matriz, arroga-se a pessoa de direito público maior uma série de podêres para intervir na vida da pessoa menor autônoma, -examinando-lhe os atos sob certos aspectos e por meio de determinados pro- -cessos, tomando as providências exigidas de acôrdo com a natureza dos casos ·e procedendo às cabíveis responsabilizações. Instituições de fiscalização, vigilância, tutela, estruturam-se no intuito bastante evidente de garantir a perfeição articulatória do organismo, sintoni- zando-se a finalidade de cada uma das seções menores com o fim público, -objetivado pelo organismo maior. É o todo que multiplica, ampliando, suas partes, mas estas, num processo contínuo de reversibilidade, atuam com abso- luta sincronia, a fim de garantir a unidade do sistema. Aliás, "na acepção lógico-jurídica, a palavra conlrôle designa um aspecto do agir humano, necessàriamente secundário e acessório, objetivando a revi- são, o reexame ou a verificação de uma atividade de caráter primário ou

1 ANDRÉ DE LAUBADÉRE leciona que "esta descentralização consiste em conferir uma certa autonomia a um serviço público determinado, dotando-o de personalidade jurídica. O processo técnico de realização da descentralização por serviços é o estabelecimento público" (Traité élémentaire de droit administra ti!, 3.a ed., 1963, vol. I, p. 96).

  • BUTIGENBACH, Manuel de droit administrati!, 1954, p. II4. FRITZ FLEINER escreve: "Os corpos da administração autônoma acham-se submetidos ao contrôle do Estado. O Estado zela, por um lado, para que não ultrapassem a esfera de sua competência, própria ou delegada, por outro lado, para que cumpram suas atribuições e estejam prontos, a qualquer hora, a concretizá-Ias, em particular sob o aspecto financeiro" (Les príncipes généraux du droit administrati! allemand, 1933, p. 78).

Repele-se a denominação tutela administrativa por abrigar em si o ele- mento tutela, apontado como infeliz, desafortunado, acentuando-se, em pri- meito lugar, que a palavra não é sinônima de contrôle,7 depois, que o tutor não ter por missão vigiar, mas substituir o incapaz no exercício de seus direitos. Não há tutela, no sentido moderno do vocábulo, afirma-se, onde não há representação. Ora, quando, por exemplo, o prefeito exerce a tutela administrativa não está de maneira alguma representando a comuna.^3 Adotar tal expressão significaria, para alguns, transportar ao campo do direito público uma instituição do direito civil, cujo objeto é profundamente diferente 9 daquele que se verifica na vigilância jurídica dos entes descen- tralizados. 10

central para apreciar os interêsses de que têm gestão e que reclamam, como o SENHOR Toe- QUEVILLE, contra a insolência da palavra" (Les controverses sur la décentralisation, 189:>, vol. 144, p. 349, apud BERTHÉLEMY, Traité, 9. a^ ed., 1920, p. 99, n.O I). LAUBADERE censura o têrmo tutela "que evoca malencontreusement uma instituição bem diferente da que existe no direito civil" (Traité élémentaire, 3. a^ ed., 1963, voI. I, p .90). VILLEGAS BASAVILBASO: "A locução tutela administrativa tem sido muito criticada. Seu emprêgo, no direito admi· nistrativo francês, é de uso corrente. É uma expressão desafortunada, por quanto significa trasladar para o direito público uma instituição de direito civil, cujo objeto é profunda- mente diferente ao da vigilância jurídica dos entes descentralizados. A tutela sugere a idéia de uma capacidade, de uma proteção em vista de um interêsse individual, ao passo que a vigilância jurídica - com que é conhecida no direito administrativo italiano - tem por função especial a proteção de interêsses públicos" (Derecho administrativo, 1950, voI. 11, p. 307, n.O 85). ARNALDO DE VALLES: "Esta tutela, entretanto, tem apenas uma vaga analogia com os institutos tuteladores do direito privado; não produz incapacidade nas pessoas que lhe são sutopostas" (Elementi di diritto amministrativo, 3. a^ ed., 1965, p. 89). TITO PRATES DA FO:-;SECA esclarece que êste instituto do direito público "faz lembrar a tutela do direito civil no que se refere à assistência aos menores relativamente incapazes. É essa, apenas, uma analogia distante, muito distante, que não nos deve levar pela semelhança, ao descaso pelas acentuadas dissonâncias que existem entre um e outro gênerO' de tutelas" (Lições de direito administrativo, 1943, p. 98). 7 BERTHÉ!.EMY, Traité de droit administratif, 9. a^ 00., 1920, p. 99. B BERTHÉLElIlyl, Traité de droit administratif, 9.a ed., 1920, p. 99, e Dl'EZ e DEBEYRE~ Traité de droit administratif, 1952, p. 69.

  • VILLEGAS BASAVILBASO, Derecho administrativo, 1950, vol. 11, p. 307. MARCELO CAE- TANO ressalta que "não deve confundir-se a tutela administrativa com a civil. A tutela administrativa não se destina a assegurar o exercício dos direitos de um incapaz. As pes- soas coletivas que a lei submete à tutela têm capacidade de exercício dos seus direitos e os respectivos órgãos conservam íntegra a competência, tomando a iniciativa de todos os atos considerados úteis e convenientes aos interêsses coletivos a seu cargo" (Manual de Direito administrativo, 6.a ed., 1963, p. 170). RIVERO diz textualmente: "Ora, estas duas institui- ções não têm absolutamente nada de comum, salvo o nome; a tutela administrativa não é sequer a transposição para o direito público da tutela civil" (Droit administratif, 3.a^ ed., 1965, p. 283). 10 DUEZ e DEBE'RE sublinham que a tutela administrativa nada tem de comum com a: do direi ti civilí (Traité de droit administratif, 1952. p. 69). LAUBADERE ensina que "em direito civil visa à proteção de certas categorias de incapazes (menores, interditos judiciá- rios), ao passo que a tutela administrativa tem por objeto a proteção de interêsses gerais; 2.° o mecanismo das duas instituições é igualmente diverso. A tutela do direito civil li- organizada na base da representação jurídica: é o tutor que executa o ato jurídico em nome do incapaz. A tutela administrativa, ao contrário, só intervém a posteriori, uma vez que o- ato jurídico foi feito pelo agente descentralizado. A iniciativa, na ação, cabe assim, ao órgão>

Por influência da miragem dos vocábulos ouvem-se construções como "os municípios são menores", "o prefeito é o tutor dos municípios", fórmulas <lue se afiguram para alguns autores como juridicamente detestáveis, exigindo banimento da terminologia do direito administrativo. 11 Enfim, como acentua outros, a tutela do direito privado é organizada no interêsse exclusivo do incapaz, que necessita de proteção contra os próprios desregramentos, contra a insuficiente maturidade de espírito que o carac- teriza. 12

  1. Curatela administrativa? Outros autores, esquecendo-se também de que, ao empregar um vocábulo, no direito público, não se pretende de maneira alguma a necessária transposição de institutos de um campo a outro, mas tão só ajustar palavras que já entraram para a terminologia jurídica, em geral, flexionando-as a figuras específicas do direito administrativo, procuram outros símiles com o direito privado, trocando uma solução criticável por outra que com maior razão mereceria repulsa. Assinalando que os processos da tutela administrativa não são os mesmos da tutela civil, visto que, nesta última, nada pode o incapaz fazer por si mesmo, enquanto não se emancipa, agindo em seu lugar o tutor, exclusiva- mente, 13 concluem que a situação da comuna ou do departamento seria com muito mais razão comparável à curatela, porque as autoridades comu-

descentralizado, enquanto que na tutela civil, o representante pennanece inerte. I\ão se deve utilizar a expressão tutela administrativa a não ser depois de ficar bem patente que ela qualifica uma instituição original do direito administrativo, sem analogia com a tutela do direito ciYiI" (Trai/é de dmit adminis/ralif, 1952, p. 69). LAt:BADI:RE ensino que "cm direito civil a tu/ela é uma inótituição cujo fim exclusivo é a proteção do incapaz que lhe é submetido, ao passa que em direito administrativo há também uma idéia de incapacidade jurídica da coletividade dcscentralizada, mas além do fato de que as duas teorias são naturalmente marcadas por diferença que separam sempre instituições paralelas do direito público e do direito privado, a tu/ela administrativa não tem por fim exclusivo, nem mesmo por fim principal, a proteção da coletividade e de seus interêsses" (Traité élé- men/aire de droit administra/if, 3. a^ ed., 1963, voI. I, p. 90). 11 Dt:EZ e DEBEYRE, Traité de droit administratl}, 1952, p. 69. O paralelo entre os menores, do direito civil, e os entes públicos menores, encontra·se, por exemplo, numa das mais perfeitas codificações existentes sob o aspecto técnico, ou seja, no Codex Iuris Canonici, cânone 100, § 3.°: "Personae morales sive collegiales sive non collegiales minoribus aequi· parantur". Sôbre esta passagem veja·se o comentário de UGO FORTl, Lezion~ di diritto a1ll1llinistra/ivo, 1937, p. 108·109. 12 \'ALI~E, Droit administratif, 9. a^ ed., 1963, p. 424. Interessante é observar·se que, no período primitivo do direito romano, a finalidade do instituto da tutela civil era a proteção dos direitos do tutor, herdeiro presuntivo do tutelado, jamais a vigilância sôbre a pessoa d<'ste. Protegia·se, pois, não a pessoa, mas o patrimônio, no interêsse da família (BIO~D1, Biondo. Is/iluzioni di diritto romano, 3. a^ ed., 1956, p. 590). Ver nosso Direito Roma/lO, 2. a^ ed., 1966, p. 100). 13 WALI~E, Droit administratif, 9.a^ ed. 1963, p. 424, Simile defendido, na Bélgica, pelo Professor CRAHAY, segundo BUTrGL-';BAcH, Manuel de droit administralif, 1954, p. 115. ·CIERKE esclarece que "o mais alto poder dêstes meios de contrôle consi~te no estabelecimento de uma curatela estatal sôbre as corporações" (Die Genossenschaftstheorie und die Deutsche Rechtsprechung, 1887, p. 666, n.· 2, in fine).

regras que governam as duas instituições puramente privadas,18 típicas e inconfundíveis. Por outro lado, cumpre lembrar que a nomenclatura do direito é influen- ciada grandemente pela das ciências biológicas, quer na parte da anatomia, quer na da fisiologia, quer na da patologia. Nem se pretende, por isso, re- formular o léxico tradicional do direito administrativo a pretexto de que os símiles não são exatos ou de que houvera traslado de um caso a outro. Nada disso se verifica, no caso presente, tendo havido, tão só, ressaltamos, aprovei- tamento terminológico, evidentemente, pois não há quem não saiba que tutela, no direito privado, é instituto que tem como pressuposto indeclinável o traço da incapacidade, ao passo que a tutela administrativa se fundamenta numa espécie de emanciPação do órgão administrativo. Surge o ente descentralizado como pessoa já capaz, embora com as necessárias limitações, enquanto que o menor, submetido ao regime da tutela civil, é sujeito de direito, mas orrginà- riamente incapaz. 19 Nestes estudos, o importante é fixar a priori o sentido preciso dos têrmos e expressões, passando-se a trabalhar com o resultado das definições iniciais. 20 Por êsses motivos, aceitamos e defendemos, no âmbito do direito público, a antiga e idônea expressão tutela administrativa, perfeita para traduzir o especial tipo de fiscalização sôbre que estamos escrevendo.

  1. A expressão tutela administrativa.· Tutela administrativa, expressão consagrada na terminologia técnica do direito público, é formada de dois têrmos, ambos correntes nas línguas românicas: tutela, que significa proteção, guarda e administrativa, que significa referente à administração. Antes de pertencer ao vocabulário jurídico o têrmo tutela pertenceu ao vocabulário comum, ingressando, depois, no mundo do direito pelas portas mais antigas do direito privado, com sentido preciso, inconfundível. Ao estruturar-se muito mais tarde o direito adiministrativo criou-se a expressão, por muitos criticada, aliás, sem razão, porque se confundiu adoção de instituto com simples aproveitamento de nomenclatura.

18 BUTrGENBACH, Théorie générale des modes de gestions des semices publics en Bel- gique, 1952, p. 195. Assim também pensa GUIMARÃES ME:-'EGALE (Parecer, em Revista Forense, 135/51), citando DUCROCQ, Droit administratif, vol. I, p. 385. ,. "Si de verborum significatione inter PhilosoPhos semper conveniret, fere omnes illorum controversiae tollerentus" (DFoSCARTES, Regulae, XII, 5, apud ANDRÉ LALANDE, Voca- bulaire technique et critique de la Philosophie, s.a ed., 1947, p. XI do Prefácio). OI) Tal é o raciocínio com que BIELSA combate a expressão tutela administrativa, repe- lindo.a, por imprópria, visto assimilar conceitos antagônicos (Estudios de derecho público, 1950, vol. I, p. 435·437). ~se mesmo raciocínio é por nós utilizado para defender a expressão malsinada.

  • BIBLIOGRAFIA - RIVERO, Droit administratif, 3." ed., 1965, p. 283; VEDEL, DTOit administratif, !I.a^ ed., 1964, p. 487; MASPÉTIOL e LAROQUE, La tutelle administratif, 1930, p. 10; 'VALINE, Droit administratif, 9. a^ ed., 1963, p. 423; LESsoNA, lstituzioni, 5. a^ ed., 1948, p. 203 e lntroduzione, 1960, p. 128; VITrA, Diritto amministrativo, 3.a^ ed., 1949, vol. I, p. 137; DE VALLFoS, Elementi, 2.a^ ed., 1951, p. 85 e 3.a ed., 1965, p. 89; BUTfGENBACH, Ma- nuel, 1954, p. 115; DEMBOUR, Les actes de la tutel/e administratif, 1955, p. 1; MAllCELO CAETANO, Manual, 6.a ed., 1963, p. 170; MARIENHOFF, Tratado, 1965, vol. I, p. 405.

. T~tela.. administrativa é expres~ão técnica que designa, dum modo geral. a fIscahzaçao que o Estado exerce sobre um órgão descentralizado, dentro dos limites precisos que a lei lhe assinala. 21 Nem se pretendeu, como acentuam alguns mestres, assinalando que o têrmo foi mal escolhido, designar "um modo de gestão dos bens de pessoas incapazes", 22 mas tão SÓ, o contrasteamento que os agentes do Estado exer- cem sôbre os atos dos órgãos descentralizados para fazer respeitar a legalidade. evitar possíveis abusos e preservar o interêsse nacional ao invés dos interêsses locais ou técnicos. 23

  1. Caracterização objetiva da tutela. Muito se discorreu sôbre a descen- tralização e sôbre a tutela no plano das puras concepções da ciência política e da ciência administrativa, sem o cuidado de observar que tais colocações nem sempre se ajustavam à realidade do direito positivo. 24 O importante passo preliminar é estabelecer o conceito jurídico da tutela administrativa, mas para isso é indispensável estudar a natureza da tutela em si, na realidade com que se apresenta aos olhos de quem a analisa porque antes de ser privativa do mundo jurídico, o instituto é fato do mundo. apresentando-se como fenômeno que se reveste de traços típicos. No mundo dos fatos, o instituto da tutela administrativa oferece as. seguintes notas que a caracterizam, na prática, de maneira indiscutível: 1. Sujeito ativo, que é o Estado, representado, nos diversos sistemas. pelas respectivas pessoas jurídicas de direito público interno, maiores. 2. Sujeito passivo, representado pelas pessoas jurídicas públicas menores. 3. A tividades tutelares, conjunto de providências visíveis que a pessoa maior toma relativamente aos atos da pessoa menor. 4. Texto legal que designa a autoridade tutelar, detentora da tutela. exercida em nome do Estado, bem como os limites e os processos que serão observados.
  2. Análise dos elementos integrantes. Vários, pois, os traços típicos da tutela administrativa, de tal maneira característicos que conferem ao instituto conformação ineludível. Em primeiro lugar, o Estado, a quem compete normalmente a atribuição. fiscalizadora, que é o sujeito ativo da tutela. Nos diferentes sistemas jurídicos. as pessoas jurídicas de direito público interno, denominadas maiores (União. Estados, Municípios, no Brasil; Departamentos, Comunas, na França; Regiões. Províncias e Comunas, na Itália), são encarregadas de fiscalizar as pessoas menores. Em segundo lugar, colocam-se na posição de sujeito passivo da tutela administrativa os entes públicos menores - autarquias, fundações, COl"pora- ções, estabelecimentos públicos.

n RlVERO, Droit Administratif, 3. a^ ed., 1965, p. 283. lO VEDEL, Droit Administratif, 3.a^ ed., 1964, p. 487 .. VEDEL, Droit Administratif, 3.a^ ed., 1964, p. 487. .. BUTfGENBACH, Prefácio à tese de DEMBOUIt, Les actes de la tutelle administra/fue' 1ft droit belge, 1955, p. VII.

Na França, a partir do início do século se procurou conceituar o instituto que estamos analisando, ressaltando BERTHÉLEMY que "os serviços públicos referentes aos interêsses regionais ou locais não são independentes mesmo na esfera legal em que se movimenta sua atividade. A maior parte de seus atos é submetida à fiscalização das autoridades centrais. Enfim, fiscalização de seme- lhante natureza é atribuída às autoridades central, regional ou local, simul- tâneamente ou separadamente, sôbre a administração dos estabelecimentos públicos. A estas diferentes espécies de fiscalizações é que se dá o nome, aliás, infeliz, de tutela administrativa". 32 HAURIOU esclarece que, "além da sujeição legislativa, as administrações descentralizadas estão submetidas a uma fiscalização administrativa do poder central que tem o nome de tutela administrativa, se bem que não mantenha esta relação a não ser remota com a tutela do direito privado". 33 Em monografia famosa e clássica a respeito do tema, MASPÉTIOL e LARo- QUE definem a tutela como "o conjunto dos podêres limitados conferidos pela lei a uma autoridade superior sôbre os agentes descentralizados e seus atos, como um fim de proteção do interêsse geral". 34 WALINE define, de maneira genérica, a tutela administrativa como o "conjunto de fiscalizações que se exercem sôbre uma pessoa administrativa descentralizada ou também, excepcionalmente, sôbre uma pessoa de direito privado". 35 A autoridade de LAUBADERE vê o instituto como "a fiscalização exercida pelo poder central sôbre as autoridades descentralizadas". 36 Em notável trabalho, VEDEL define a tutela administrativa como a "fisca- lização que os agentes do Estado exercem sôbre os atos dos órgãos descentra- lizados para fazer respeitar a legalidade, evitar possíveis abusos e preservar o interêsse nacional com relação aos interêsses locais ou técnicos. 37

RIVERO define a tutela administrativa como "a fiscalização exercida pelo Estado sôbre um órgão descentralizado, nos limites fixados pela lei". 38 Na Itália, autores de tôdas as épocas se preocuparam com a tutela admi- nistrativa, evitando, entretanto, com honrosas exceções, o pronunciamento conceitual. RISPOLI, tratando dos entes autárquicos, assinala que se acham sob a vigilância do Estado, exercitada pela tutela, paravra que não lhe parece bem apropriada. 39

OI TraiU élémentaire de droit administratif, 9.a ed., 1920, p. 99. .. Précis de droit administratif et de droit public, l1. a^ ed., 1927, p. 64. .. La tutelle administrative, 1930, p. 10. .. Droit administratif, 9. 3 ed., 1963, p. 423. .. TraiU élémentaire de droit administratif, 3. a^ ed., 1963, p. 90, voI. I. 31 Droit administratif, 3. a^ ed., 1964, p. 487. .. Droit admirzistratif, 3. a^ ed., 1965. p. 23. DUVERGER denomina "poder de tutela" o poder exercido pelas autoridades centrais sôbre as autoridades locais descentralizadas. A tutela abrange um poder sôbre as pessoas e um poder sôbre os atos" (Droit publicj 4.'" ed., 1966, p. 224). Ou: "Conjunto de prerrogativas que possuem as autoridades centrais sôbre as autoridades locais descentralizadas" (DUVERGER, Droit pub[ic, 4.a^ ed., 1966, p. 212).

FORTI acentua que "a tutela consiste numa fiscalização dirigida a corrigir a oportunidade da ação do ente fiscalizado". 40 SILVIO LESSONA, referindo-se à vigilância e à tutela, formas pelas quais o Estado exerce suas atividades fiscalizadoras, define a tutela administrativa como a que "tem por objetivo fazer com que os atos das administrações sejam conformes ao interêsse que as próprias administrações dever cuidar". 41 Traçando um paralelo entre os dois tipos de fiscalizações, acima referi- dos, TEsAuRo ensina que "a fiscalização de legitimidade dá origem, segundo a terminologia corrente, à atividade de vigilância do Estado sôbre os entes autárquicos, ao passo que a fiscalização de mérito origina a atividade deno- minada tutela". 42 CIxo VrITA é dos poucos autores italianos que definem o instituto, apresentando-o como "não só o poder mediante o qual o Estado se reserva a aprovação de alguns iltos principais, se não de todos os que, emanados de uma pessoa jurídica, depois de haver verificado que correspondem a uma administração conveniente e oportuna, como também o poder concernente ao Estado de substituir-se à pessoa jurídica que não tenha praticado os atos que por lei lhe competiam praticar". 43 DE VALLES acentua que "o ente se acha sob tutela, quando a ação fisca- lizadora do Estado objetiva fazer com que sua ação corresponda a princípios de oportunidade e de economia". 44 N a Bélgica, particular atenção se deu à tutela administrativa, "necessi- dade já reconhecida pela primeira assembléia revolucionária francesa, mani- festada no direito belga por uma tutela, exercida menos sôbre as próprias autoridades comunais do que sôbre seus atos". 45 CARPAT assinala que "a Constituição belga proclama o princípio da descentralização administrativa, temperada, entretanto, pela instituição de uma tutela exercida pelo poder central sôbre os atos das províncias e das comunas e, observemo-lo de passagem, pelo poder provincial sôbre os atos das autoridades locais". 46 "\VIG:-.iY entende os podêres tutelares como "os limitados, e geralmente de simples fiscalização, que as autoridades superiores exercem sôbre os órgãos das pessoas públicas descentralizadas para vigiar a legalidade de sua atividade e fazer respeitar o interêsse geral". 47 BUTTGENBACH define a tutela administrativa como o conjunto dos podê- res limitados conferidos pela lei a uma autoridade administrativa sôbre os agentes dos serviços públicos descentralizados e sôbre seus atos a fim de asse- gurar-lhes a legalidade da atividade e proteger o interêsse geral". 48

3!) lstituzioni di diritto amministrativo, 1929, p. 99. ." Lezioni di diritto amministrativo, 1937, p. 107. fi Istituzioni di diritto pubblico, 5. a^ cd., 1948, p. 203, e Introduzione ai diritto ammi- nistrativo e sue structture fondamentali, 1960, p. 128. '" Isttuzioni di diritto pubblico, 1961, voI. 11, p. 357. ." Diritto amministrativo, 3.a ed. 1949, voI. I, p. 137. .. Elementi di diritto amministrativo, 2. a^ ed., 1951, p. 85 e 3. a^ ed., 1965. 45 ERRERA, Traité de droit pubiic beige, 1909, p. 477. .., Droit administratif élémentaire, 2. a^ ed., 1924, p. 15. .. Droit administrati!, 1953, p. 107.

exerce por direito próprio sôbre os órgãos descentralizados, ao passo que BIELSA 57 aceita a clássica definição de MASPÉTlOL e LAROQUE.

11. Nossa definição de tutela administra. A análise das definições apre- sentadas mostra que o entendimento do instituto que estudamos depende do sistema jurídico-administrativo em que se insere, porque ou se referirá às entidades descentralizadas territoriais ou às institucionais, ou num~ compre~ ensão global a ambas. Dêsse modo, lato sensu, definimos a tutela administrativa como o con- junto de podêres expressos em lei, mas limitados, que o Estado confere aos órgãos centrais a fim de que exerçam ininterrupta vigilância jurídica sôbre os atos editados pelos órgãos ou pelos agentes das pessoas administrati- vas descentralizadas, territoriais ou institucionais, para garantir-lhes a legali- dade e assegurar a consecução dos interêsses coletivos. Stricto sensu, que é o sentido em que deve ser tomada no sistema pátrio, tutela administrativa, é o conjunto de podêres expressos em lei, mas limita- dos, que o Estado confere aos órgãos centrais, da União, dos Estados: ou do~' Municípios, a fim de que exerçam ininterrupta vigilância jurídica sôbre 03 atos editados pelos órgãos ou pelos agentes das autarquias institucionais para garantir-lhes a legalidade e assegurar a consecução dos interêsses coletivos.

57 Estudios de derecho público (derecho administrativo), 1950, voI. I, p. 435. HORACIO H. HEREDIA, em clássica obra, dedicada ao tema, diz que se entende por "contralor admi- nistrativo sôbre as entidades autárquicas o juízo que um órgão da administração ativa realiza a respeito do comportamento positivo ou negativo de uma entidade autárquica ou de um seu agente, com o fim de estabelecer se se conforma com as normas e princípios que o regulam e cuja decisão se concretiza em um ato administrativo" (ContraloT administrativo sobre los entes -autárquicos, 1942, p. 29).