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Da Profissão à Carreira: o caso dos executivos das transnacionais, Notas de estudo de Ciências Sociais

O sociólogo osvaldo javier lópez-ruiz discute a evolução da noção de profissão para carreira na atual economia global. Ele argumenta que as expressões comuns sobre a necessidade de gerenciar sua própria carreira e a irrelevância do conhecimento empresarial estão contribuindo para este deslocamento. O texto também explora as competências desejadas pelas empresas e a crescente valorização social do generalista em detrimento do especialista.

O que você vai aprender

  • Por que as empresas valorizam as competências de um generalista em detrimento de um especialista?
  • Qual é a diferença entre a noção tradicional de profissão e a noção atual de carreira?
  • Qual é a importância da flexibilidade e da transferibilidade de habilidades entre diferentes tipos de trabalho?
  • Como as empresas estão se adaptando às novas condições e exigências do trabalho na economia global?
  • O que é o que as pessoas mais novas entendem hoje por carreira?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Salome_di_Bahia
Salome_di_Bahia 🇧🇷

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Da “profissão” à “carreira”: o caso dos executivos das
transnacionais*
Osvaldo Javier López-Ruiz é Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais. Pesquisador do
Instituto de Ciencias Humanas, Sociales y Ambientales (INCIHUSA), Consejo Nacional de
Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET), Argentina; e do Grupo de Pesquisa em
Conhecimento Tecnologia e Mercado (CTeMe), IFCH-UNICAMP, Brasil.
Endereço para correspondência: Av. Ruíz Leal s/n Parque General San Martín. Mendoza -
Argentina. CP 5500.
e-mail: osvaldo@infoar.net
Recebido em 06/2009. Aceito em 11/2009.
Embora muitos autores coincidam na grande dificuldade de traçar
uma linha clara que defina quais ocupações são profissionais e quais não
(EVETTS, 2003, p. 397; SASS, 1990, p. 39), parece existir um consenso
mais ou menos generalizado em que “o que distingue os profissionais dos
outros trabalhadores é sua relação vocacional com corpos formais de
conhecimento” (SASS, 1990, p. 37 – nossa ênfase). Essa relação de
compromisso profundo dos indivíduos com o conteúdo de sua atividade,
junto a todo um conjunto de valores que pautam as relações sociais
entre os que exercem a mesma atividade –detêm os mesmos
conhecimentos– e o resto da comunidade, parece, em muitos aspetos,
ter entrado em crise na atualidade. Autores como Catherine Casey
afirmam que “as ocupações especializadas, com corpos de conhecimento
codificados, habilidades, padrões e hábitos de desempenho, estão
declinando.” No caso específico do trabalho dentro das grandes
corporações –ela salienta–, pode ser constatada uma transformação das
ocupações: “pessoas com profissões especializadas tanto quanto os
provenientes das ocupações de comercio e serviços estão sendo
transformados em jogadores de equipe multiface, pan-ocupacionais na
nova organização corporativa.” Nas grandes corporações, estaríamos
* Uma primeira versão deste texto foi discutida no GT “Ocupações e Profissões”, no 12°
Congresso Brasileiro de Sociologia, organizado pela SBS em Campinas, S.P. O autor
gostaria de agradecer aos coordenadores pelos aportes recebidos nessa discussão e a
Rafael Alves da Silva pela revisão do texto e pelos comentários sempre pertinentes.
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Baixe Da Profissão à Carreira: o caso dos executivos das transnacionais e outras Notas de estudo em PDF para Ciências Sociais, somente na Docsity!

Da “profissão” à “carreira”: o caso dos executivos das

transnacionais


Osvaldo Javier López-Ruiz é Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais. Pesquisador do Instituto de Ciencias Humanas, Sociales y Ambientales (INCIHUSA), Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET), Argentina; e do Grupo de Pesquisa em Conhecimento Tecnologia e Mercado (CTeMe), IFCH-UNICAMP, Brasil. Endereço para correspondência: Av. Ruíz Leal s/n Parque General San Martín. Mendoza - Argentina. CP 5500. e-mail: osvaldo@infoar.net

Recebido em 06/2009. Aceito em 11/2009.

Embora muitos autores coincidam na grande dificuldade de traçar uma linha clara que defina quais ocupações são profissionais e quais não (EVETTS, 2003, p. 397; SASS, 1990, p. 39), parece existir um consenso mais ou menos generalizado em que “o que distingue os profissionais dos outros trabalhadores é sua relação vocacional com corpos formais de conhecimento ” (SASS, 1990, p. 37 – nossa ênfase). Essa relação de compromisso profundo dos indivíduos com o conteúdo de sua atividade, junto a todo um conjunto de valores que pautam as relações sociais entre os que exercem a mesma atividade –detêm os mesmos conhecimentos– e o resto da comunidade, parece, em muitos aspetos, ter entrado em crise na atualidade. Autores como Catherine Casey afirmam que “as ocupações especializadas, com corpos de conhecimento codificados, habilidades, padrões e hábitos de desempenho, estão declinando.” No caso específico do trabalho dentro das grandes corporações –ela salienta–, pode ser constatada uma transformação das ocupações: “pessoas com profissões especializadas tanto quanto os provenientes das ocupações de comercio e serviços estão sendo transformados em jogadores de equipe multiface, pan-ocupacionais na nova organização corporativa.” Nas grandes corporações, estaríamos

  • (^) Uma primeira versão deste texto foi discutida no GT “Ocupações e Profissões”, no 12° Congresso Brasileiro de Sociologia, organizado pela SBS em Campinas, S.P. O autor gostaria de agradecer aos coordenadores pelos aportes recebidos nessa discussão e a Rafael Alves da Silva pela revisão do texto e pelos comentários sempre pertinentes.

então, segundo a autora, diante da emergência do trabalho pós- ocupacional , mudança essa que tem fundas implicações tanto para o indivíduo quanto para a sociedade (CASEY, 1995, pp. 185-188). Por outra parte, também nas grandes corporações, a preocupação dos profissionais parece estar cada vez mais voltada para a carreira, para o desenvolvimento da carreira pessoal: o que se deve observar é que existe uma marcada preocupação com a trajetória ocupacional. Desta forma, atualmente a principal preocupação parece estar na posição ocupada e no tempo que leve ocupar uma nova posição, assim como em como tudo isto reflete na empregabilidade do indivíduo. Expressões como “não existe mais garantia de emprego”, “você profissional é o dono da sua carreira e você não pode delegar a gestão de sua carreira para ninguém” são comuns no dia a dia das empresas e são repetidas uma e outra vez tanto na literatura de gestão e administração quanto na literatura de auto-ajuda dirigida aos profissionais que se desenvolvem nesse setor. 1 O profissional é visto essencialmente como o gestor de sua própria carreira. A gestão de sua carreira é sua principal responsabilidade: “quem tem que gerenciar a carreira são as pessoas”, “cada um de nós deve cuidar de si mesmo”, “cada um tem a obrigação de se auto promover, de maximizar o seu retorno”, “cada profissional é responsável pelo seu próprio sucesso”, “sou eu quem deve cuidar de minha carreira”, “carreira significa agregar, aumentar o nível de qualificação e de diferenciação que a pessoa tem, carreira significa aumentar o seu ativo”. 2 Diante desta situação, particularmente retratada aqui a partir das expressões dos profissionais que trabalham em grandes empresas, parece possível afirmar que a “profissão”, e a figura do “profissional” como foram entendidos tradicionalmente, estão perdendo terreno –em termos de significado e relevância social– na frente das novas condições e exigências do trabalho no atual contexto econômico-tecnológico da “nova economia”. Toda uma série de interpretações e intérpretes parecem reafirmar isto quando salientam, por exemplo, que:

(^1) Neste sentido, resulta curioso constatar até que ponto o desenvolvimento profissional – entendido fundamentalmente como o desenvolvimento da própria carreira– se confunde hoje com o desenvolvimento pessoal. 2 As frases citadas no sucessivo, surgem da pesquisa realizada no pólo industrial São Paulo-Campinas entre 2000 e 2004 que envolveu entrevista com executivos de corporações transnacionais, participação em eventos empresariais e em palestras de recrutamento em universidades. Cf. LÓPEZ-RUIZ (2007a).

uma passagem do paradigma da “profissão” para o paradigma da “carreira”? Para abordar essas questões propomos analisar o caso específico dos profissionais que trabalham como executivos em corporações transnacionais 3 deixando aberta, no entanto, a questão de se essa tendência é generalizável a outras profissões também. Antes, porém, vamos sintetizar no que chamaremos de “três grandes mitos ”, 4 o que, conforme a nossa opinião, resume boa parte das interpretações sobre as mudanças ocorridas a partir da revolução das tecnologias da informação; mudanças estas que, por outra parte, explicariam por que é nova a “nova economia” e por que seria preciso pensar em novas formas de relações trabalhistas. Estes mitos teriam contribuído – se nossa hipótese for correta – para o deslocamento referido do paradigma da “profissão” para o da “carreira”. O primeiro mito é o de que o conhecimento está na rede. Segundo seus muitos propagadores, hoje “tornou-se irrelevante para o profissional deter o conhecimento porque o conhecimento está disponível na Internet” ou, o que é quase o mesmo, nas intranets das empresas. 5 Neste sentido resulta ilustrativo, por exemplo, ver como uma consultora transnacional se orgulha de seu Global Experience Center no qual diz “coletar toda a experiência empírica da empresa” – todos os projetos desenvolvidos a nível mundial– e disponibilizá-la pela Internet, da mesma forma em que “todas as ferramentas conceituais” por ela desenvolvidas são colocados também na rede a través de sua Virtual University. 6 O segundo mito é o do fim do emprego mas não do fim do trabalho : o que começa a estar em crise hoje, e acabará no futuro, não é o trabalho, é apenas o vínculo empregatício. No futuro, cada indivíduo

(^3) Algumas das corporações pesquisadas foram: AmBev, Boehringer, Merck Sharp & Dohnme, Motorola, Nortel, PriceWaterhouse Coopers, Reckitt Benckiser, Spencer Stuart, Unilever, entre outras. 4 Ao chamá-los de “mitos”, não pretendemos colocar em questão a verdade ou falsidade dessas “imagens” da realidade. Trata-se de narrativas – de repertórios de interpretação da realidade – que podem ter maior o menor correspondência com as mudanças acontecidas, mas têm se tornado uma espécie de senso comum. 5 Note-se que “disponível na Internet” não significa acessível para qualquer um. Os espaços de acesso restrito dos sites corporativos na Internet, da mesma forma que as intranets das empresas, requerem de um password e estabelecem hierarquias diferenciais de acesso. (^6) Palestra de recrutamento da BAIN & Company, UNICAMP, 23/08/01.

procurará seu trabalho em forma autônoma e independente. Esse postulado, constantemente repetido, tornou-se um clichê de moda dentro do mundo corporativo. Desta forma, o que seriam certas tendências das relações trabalhistas – como a da substituição do vínculo empregatício por contratos temporários de trabalho, de prestação de serviços – são enfatizadas através de uma leitura admirada que projeta essas tendências praticamente como a solução a todos os problemas: “...e para isso não vai ter necessidade de ter vínculo com a empresa. Você tem vínculo com um job que você vai fazer, algo que você vai fazer e vai enviar, e vai cobrar por esse serviço.” Ou, como afirmava outro entrevistado:

Concordo com que esse modelo [o do vínculo empregatício, o da carteira assinada] não é sustentável e o sistema vai ter que buscar outro tipo de equilíbrio. Respeito do vínculo, a resposta não está do lado da empresa. Se o indivíduo entender que ele faz parte de uma lógica econômica como o capitalismo em que hoje se vive, ele terá que procurar... A solução não está do lado do sistema, mas do lado do indivíduo.

Argumenta-se assim que nesta nova modalidade de relação o indivíduo ganha em liberdade, não tendo que se submeter a horários fixos ou as mesmas rotinas sempre – “o modelo que temos hoje de empresas não é aceitável. Não é aceitável ter ainda funcionários com carteira assinada. O profissional é um prestador de serviços”. Conseqüentemente, o indivíduo torna-se gestor de seu próprio trabalho, cabe a ele, portanto, ao longo de sua vida profissional, estar sempre na procura de trabalho, de novos trabalhos que possam ser vendidos em forma de serviços (LÓPEZ-RUIZ, 2006; 2007a). E isto, em principio, em função de suas capacidades, preferências e gostos pessoais. Por outra parte, neste novo esquema de relacionamento dentro do mundo do trabalho, é fundamental que o indivíduo conte com uma boa dose de empreendedorismo – “o sonho [do jovem hoje na universidade] é ser um empresário dele próprio, liberal, onde ele possa prestar serviço. Não mais ser funcionário de uma grande corporação...”. Ser empreendedor, isto é, estar sempre procurando “coisas” novas para fazer –ou novas maneiras de fazer as mesmas “coisas” –, vai lhe garantir o sucesso num mundo onde sempre haverá muito trabalho para fazer – ou para inventar

  • embora acabe o emprego.

administração de empresas. Hoje não é incomum encontrar em posições de coordenadores, gerentes, diretores, vice-presidentes ou até presidentes de empresas, profissões das mais variadas como engenheiros, físicos, economistas, psicólogos, médicos, ou químicos. Podemos afirmar inclusive que essa situação tem se tornado praticamente a regra. 8 Geralmente, trata-se de profissionais formados em diversas áreas que fazem, ou planejam fazer, algum curso de administração como pós-graduação. Exemplo típico são as diversas modalidades de MBAs, de maior ou menor duração, lato sensu ou stricto sensu , e com cada vez mais oferta de especialização em áreas de interesse diversas. No entanto, essa tendência a que posições de gestão sejam ocupadas por pessoas provenientes de diversas profissões não é própria apenas dos níveis médios e altos da organização. Basta ver o perfil de graduados universitários que as grandes corporações incorporam em suas fileiras ano a ano – geralmente a partir de programas bem estruturados de estágios para os ainda não formados e de trainees , para os recém formados–, não sendo a profissão a que determina a vaga a ser preenchidas, ao menos não em primeira instância. Isto não significa, porém, que qualquer profissão ou que todas as profissões oferecem as mesmas possibilidades de ingresso ou são igualmente requeridas dentro das grandes corporações. Contudo, o fato é que interessa menos o título profissional do que certas capacidades específicas de quem procura ingressar no mercado de trabalho. Muitas destas capacidades, por outra parte, têm menos a ver com a formação profissional do que com características específicas da personalidade, experiências vividas ou o aprendido na família. Um exemplo claro disto pode ser observado nas palestras de recrutamento oferecidas pelas empresas nas universidades, assim como também nas distintas fases em que comumente são organizados os processos seletivos. Os aspirantes aos programas de treinamento ou estágio devem geralmente fazer seu cadastro e enviar seu curriculum através do site da empresa na Internet. A avaliação do curriculum constitui a primeira fase do processo seletivo embora em algumas empresas, quando se trata de

(^8) Segundo um entrevistado: “se fez uma pesquisa o ano passado em que a maioria dos presidentes de empresa são engenheiros, então, nem é administrador de empresas. (...) Poucos dos que saem da Poli [Escola Politécnica da USP] vão ser engenheiros de fato. (...) Então, a profissão deles é engenheiro mas a carreira é outra.”

estudantes ou recém formados provenientes das universidades melhor conceituadas, os candidatos são aceitos diretamente para a segunda fase. A segunda etapa consiste de duas provas: um exame de raciocínio lógico – curiosamente chamado por algumas empresas de “exame de cultura geral” – e um exame de inglês e/ou de redação em português. Os exames são de opção múltipla e de tempo de duração predefinido. Em muitos casos o exame de raciocínio lógico (do tipo do norte-americano GMAT) é feito em língua inglesa. O número e o conteúdo das fases seguintes do processo seletivo variam um pouco de uma empresa para outra, mas geralmente consiste de uma serie de entrevistas, de dinâmicas de grupo, etc. É importante salientar que além do curriculum e do exame de raciocínio lógico e de línguas, o que é avaliado nas fases finais do processo seletivo, e o que geralmente define ditos processo, são as competências pessoais. Um trecho de uma entrevista mantida depois de uma palestra de recrutamento em uma universidade pública no Estado de São Paulo com um gerente de uma corporação transnacional (“A”) e um trainee que ingressou há um ano na mesma empresa (“B”) ilustram bem o que é entendido atualmente nas empresas por competências:

A: Podemos dividir em três níveis o processo de seleção: Um deles é o dos conhecimentos. Quanto uma pessoa sabe de isto ou aquilo, ou que aprendeu na escola, fazendo faculdade, etc. Outro nível é o das habilidades : se sabe mexer com o computador, etc. O terceiro que é o diferencial é o das competências e isso tem a ver com a atitude geral que a pessoa tem para se relacionar, para aprender coisas novas, etc. B –acrescenta– são as coisas que a gente aprende na vida quotidiana, jogando bola, ou que vem da família... A: Sobre as competências é principalmente onde se concentra o processo seletivo. Se a pessoa não sabe mexer no computador, mas dá para ver que tem as competências que interessam para a empresa, a gente não vai deixar o cara fora, dá um curso de computação e pronto. OLR: Mas, dá para ver as competências num processo seletivo? Como vocês as avaliam? A: Bom, existe já há algum tempo, não sei se você conhece, um conjunto de técnicas que são chamadas de "entrevistas de competência". São dinâmicas e atividades, por exemplo, a resolução de cases , onde os que estão fazendo o processo de seleção são colocados a resolver um caso junto com gerentes e

profissionais específicas nos processos seletivos das empresas. A idéia comumente transmitida é que o profissional que ingressa numa empresa irá adquirindo conhecimentos e competências ao longo de sua carreira e em função das posições que for ocupando e do tipo de trabalho que venha a fazer. Desta forma, inúmeros cursos de “pós-graduação”, de atualização, de línguas e treinamentos de todo tipo (de cursos e treinamentos sobre o uso de um novo software, até indoors ou outdoors trainings para estimular a motivação, a integração ou a competitividade), irão acompanhá-lo ao longo de seus anos de trabalho no mundo corporativo. Em muitos casos estes cursos e treinamentos são oferecidos pela própria empresa – algumas inclusive já abriram sua própria “universidade corporativa” –, mas a responsabilidade pela formação permanente , por manter o curriculum vitaeup-to-date” é do próprio profissional, do empregado – e da mesma forma é dele a responsabilidade pelo investimento de tempo e de importantes somas de dinheiro (LÓPEZ-RUIZ, 2006, pp. 92-97). Um outro aspecto importante a ser levado em consideração é o conhecido fato de que os profissionais não permanecem na mesma empresa ao longo de toda sua carreira profissional. Hoje em dia o turnover, a rotação de empregados entre empresas é muito elevada se comparada com antigamente. A média vai variar consideravelmente dependendo, entre outras coisas, do setor de negócios – em consultoria, por exemplo, chega-se a níveis muito altos se comparados com as empresas que operam na produção– e das possibilidades que cada empresa em particular ofereça para a rotação interna –dependendo isto, por sua vez, do tamanho da empresa e de quão diversificada seja sua área de atuação. Aqui, o que merece destaque, porém, é que a rotação tem se tornado hoje uma exigência do mercado de trabalho. Um profissional que permaneça na mesma empresa ou na mesma função por um longo período é visto com receio pelo “mercado” – sob a suspeita de que não tem iniciativa, que não tem ambição, etc. É curioso, neste sentido, constatar como a alta rotação se aplica inclusive aos níveis mais altos da diligência empresarial. Alguns estudos mostram que no caso dos presidentes corporativos, os CEOs ( Chief Excecutive Officer ), há uma média de turnover que está em torno dos cinco anos. Neste vertiginoso mundo do trabalho parece lógico, portanto, que prevaleça a preocupação com a carreira, com as diferentes posições ocupadas ao longo da vida de trabalho e com as melhores colocações a

serem ainda alcançadas, do que com os conteúdos específicos que definem o campo de ação de uma profissão. Isto inclusive é interpretado como uma libertação do indivíduo. Este parece se livrar assim de identidades profissionais rígidas para, dessa forma, ir traçando seu próprio caminho conforme seus interesses e desejos ao longo da vida de trabalho. No entanto, sem cair em qualquer tentação de sugerir que “qualquer tempo passado foi melhor” – de fato, para muitos a profissão foi uma pesada couraça a ser carregada durante a vida toda; muitos padeceram da “prisão” da identidade profissional, vale a pena nos perguntar que espaço resta para uma relação profunda e prolongada com certas áreas de conhecimento num mundo onde o profissional tem – e é obrigado a ter– como principal preocupação a construção da própria carreira de sucesso? Obviamente que esta questão não tem uma resposta simples. Sem duvida a situação vai variar muito de um setor para outro, de um tipo de profissão para outra. Para quem entra, nas empresas hoje, existe, no entanto, basicamente duas escolhas: o perfil técnico ou o perfil gerencial. Essas duas grandes linhas em função das quais são orientadas atualmente as carreiras dos profissionais dentro do mundo corporativo apresentam, porém, não poucas dificuldades tanto para as próprias empresas quanto para os indivíduos que são confrontados, bem cedo, com essa escolha decisiva. De várias formas, o que é avaliado socialmente como “sucesso profissional” se inscreve hoje muito mais do lado da carreira gerencial do que da técnica. E isto não é apenas uma apreciação em termos de status profissional senão que, geralmente, tem um correlato muito concreto nos níveis salariais que podem ser alcançados seguindo um ou outro caminho. Para as empresas torna-se também um dilema como manter os bons quadros de nível técnico sem que saiam para outras empresas ou que acabem optando pela carreira gerencial. Para tentar resolver isto, em alguns casos é adotada uma política de carreira em “Y” como forma de estruturar cargos e salários. Isto é, o profissional que ingressa na empresa começa em um nível básico comum – ou seja, independente do tipo de função que desempenha – e com um mesmo nível salarial. Num certo ponto, assim que vai progredindo na sua carreira, quem não tem um perfil gerencial pode escolher pelo técnico, com a garantia de que vai ser tratado da mesma forma dos que têm atribuições de gestão. Por essa razão, todos depois do nível básico são considerados executivos, têm o mesmo status

funcionamento da empresa, mas ao entorno todo, incluindo necessariamente “a questão política” do business. Para outros, no entanto, a noção “especialista” vai continuar sendo usada num sentido mais tradicional e principalmente para aludir aos que detêm conhecimentos técnicos aprofundados sobre aspectos operacionais da produção ou do serviço em questão. Por outra parte, como já foi salientado, para muitos o conceito “generalista” remete a uma visão global dos processos de gestão, principalmente administrativo/gerenciais. Nesta acepção, a noção de generalista tem um quê de genérico: se o generalista é quem entende dos processos gerais de administração e gestão de negócios, não é alguém que detém conhecimentos específicos, portanto, pode ser facilmente substituído/transferido de uma 12 indústria para outra. Contudo, esta associação de “generalista” com “visão global” – “visão de conjunto”, “visão genérica”, “visão ampla” – é entendida por muitos em termos de “uma visão global do negócio”, ou seja, é generalista quem entende do negócio (particular, específico de uma indústria) como um todo. Este generalista é, no entanto, um especialista nesse negócio. Resulta curioso notar aqui como se sobrepõe essa última definição de “generalista” com uma das de “especialista” aludida acima. A forma de referir a mesma idéia utilizando conceitos entendidos comumente como contrapostos, apareceu inclusive de maneira explícita nas entrevistas quando alguns dos entrevistados responderam à pergunta sobre o perfil profissional buscado hoje pelas empresas dizendo: “generalistas especializados” ou “especialistas generalizados”. Finalmente, outra constatação também interessante foi a de que o conceito “generalista” é usado por outros, em outros casos, para nomear a quem “deve entender de tudo” dentro de uma área técnica específica. Curiosamente, chega-se nesta definição de generalista pela via da diversificação e especialização alcançadas nos domínios técnicos. Como exemplo, pode ser citada a área “tintas” e a subárea “tintas de exterior”. “Generalista”, neste caso, é quem tem uma visão geral sobre a grande variedade e diferenciais de composição, utilização, etc., das tintas para uso externo.

(^12) Isto não significa que “o generalista” jogue nisto necessariamente um papel passivo. Pelo contrário, em muitos casos esta “transferibilidade” é assumida como uma vantagem a seu favor. Do lado da empresa, por sua vez, pode significar uma ameaça de perda de seu “capital humano” e, portanto, um problema a resolver.

No que respeita à passagem da profissão para a carreira, resulta interessante constatar como, enquanto “generalista” é comumente associado, prima facie , à gestão e à visão global, –e conseqüentemente aos níveis hierárquicos mais altos dentro da organização–, “especialista” é, por sua vez, associado com os caracteres próprios da profissão da qual se lhe considera um especialista. Sendo assim, podemos argumentar que o deslocamento valorativo que vai do paradigma da profissão para o paradigma da carreira parece guardar relação direta com a crescente valorização social que é dada, na atualidade, ao generalista – associado nas entrevistas à gestão, ao management, à flexibilidade (entendida em termos de sua transferibilidade de um tipo de trabalho para outro ou de uma indústria para outra), ao global (“visão global”, “globalização dos negócios”), ao “desafio”, ao “risco” – em detrimento do especialista – associado, por sua vez, aos níveis técnicos e não gerenciais e, de certa forma também, à rotina, aos longos estudos e trabalhos minuciosos, contrastante com a intuição do empreendedor. 13 O generalista é quem “sabe interagir com os diferentes stakeholders ”; quem tem de “ser capaz de costurar... uma colcha de retalhos”, “saber colar informações e elementos diferentes e fazer disso uma coisa que faz sentido”; o generalista, da forma que é entendido este conceito dentro das empresas hoje, é “uma pessoa com perfil de negócios”, “é um armador”, “um diretor de orquestra”, “é um estrategista”, é “quem atua no ponto, mas conhece o todo” do negócio, é “aquele que sabe das implicações do business como um todo”. Por último, particularmente expressiva do tipo de profissional que é procurado hoje pelas empresas e das capacidades e competências valoradas e incentivadas pelo mercado, é a resposta dada pelo diretor de vendas e distribuição de uma grande empresa de bebidas a um estudante de química interessado em saber sobre as possibilidades de desenvolver uma carreira de tipo técnica dentro da empresa:

O grande objetivo de nosso programa de trainee é formar generalistas, futuros líderes de equipe... Quem está em áreas específicas tem uma limitação de carreira dentro da empresa. A gente acha que é mais importante passar pelos

(^13) Ver SCHUMPETER (1961, p. 118) sobre a “intuição” como característica do tipo empreendedor e oposta ao tipo de trabalho, de interesses e de talentos que caracterizam ao especialista. Sobre o declínio nos anos de 1950 e posterior revival da figura do empreendedor no final do século XX, cf. LÓPEZ-RUIZ (2007a).

importância de mantê-la porque “existe em principio” e é “historicamente importante” (Weber, 1964, pp. 91-92). Ora, em que sentido pode ser importante essa classificação ainda hoje? Continua existindo a oposição entre especialização e especificação de serviços dentro da “nova economia”? É válida ainda a definição de profissão que nela se baseia? Voltemos mais uma vez a Weber:

Considerada desde o ponto de vista do método, a divisão profissional na economia de mercado é muitas vezes tecnicamente especificação irracional de serviços mais do que especialização racional, pois orienta-se pelas probabilidades de venda e, por isso, pelos interesses dos compradores o consumidores, os que determinam o conjunto dos serviços oferecidos por uma e a mesma exploração com desvio da sua especialização, obrigando a combinações dos mesmos de caráter irracional do ponto de vista do método (WEBER, 1964, p. 112).

Resulta interessante constatar aqui como o que de alguma maneira tinha sido a característica da divisão profissional das indústrias na Idade Média, volta a aparecer, por outros motivos, na economia de mercado moderna, isto é: a especificação irracional de serviços. Na economia de mercado, o serviço torna-se, em última instância, um produto –e como tal, poderíamos dizer, um “resultado final”– vendável. Esse resultado final, esse produto, muitas vezes é conseguido com desvio da especialização e da racionalidade dos meios para alcançá-lo. Resulta claro então como, pela própria lógica de funcionamento da economia de mercado, a “flexibilidade” se torna uma característica tão importante na atualidade –embora ela implique em muitos casos irracionalidade do ponto de vista técnico. Se retomarmos neste ponto a nossa discussão sobre os “especialistas” e “generalistas”, poderíamos dizer conseqüentemente que o “generalista” é quem melhor encarna essa lógica, o espírito – hoje mais radicalizado do que quando escrevia Weber– da economia capitalista. Da forma em que parece ser entendido hoje pelo mercado, o generalista pode ser também definido como alguém com a capacidade de “se desviar de sua especialização”, tendo “visão geral do negócio”; isto é, a capacidade de entender e executar ou fazer executar as especificações de serviços dos consumidores por mais (tecnicamente) irracionais que estas sejam. Ainda mais, levando este raciocínio um passo a frente, parece possível afirmar que o summum

bonum do generalista hoje procurado pelas empresas, não é aquele que está “do lado da demanda”. Não, ele deve estar “do lado da oferta”. Isso porque, lembremos, pelo seu conhecimento geral do mercado – não apenas do negócio–, o generalista deve antecipar especificações dos consumidores sem “ficar preso” –ou dito de outra forma: sendo o suficientemente “flexível”– com as irracionalidades que estas especificações (“inovações”, criações) possam apresentar do ponto de vista técnico.

Considerações finais

Nas grandes corporações, o cuidado da carreira recebe hoje uma ênfase especial. O que se promove é uma visão da “carreira” como algo que excede as atividades econômicas de alguém, algo que vai além do trabalho profissional para se tornar um “projeto de vida” e numa fonte de “realização pessoal”; a carreira é apresentada como a estrada principal na vida das pessoas onde devem ser tomadas as principais decisões – e, portanto, é nela que é preciso fazer as escolhas certas. A carreira e a vida pessoal aproximam-se e sobrepõem suas lógicas de forma surpreendente. Assim, no “mundo do fim do emprego”, o executivo é incentivado permanentemente a “cuidar” da sua carreira e a “gerir” a sua vida. O objetivo é ter sempre o que oferecer no mercado: tornar o seu “produto” sempre vendável para conseguir se manter no mercado. Mas, finalmente, qual é o seu produto? Havendo se distanciado do conteúdo da sua profissão, ao não dominar mais um campo de conhecimento, o que é que ele tem para oferecer? Seu produto é ele mesmo: “um profissional é um produto, você é um produto” – repetia varias vezes um consultor e acrescentava – “cada um de nós deve cuidar de si mesmo”; “hoje o mercado reconhece o profissional que cuida de si mesmo”; “você deve cuidar de você produto como cuidaria do produto de sua empresa”. 15 O profissional encontra-se diante a exigência constante de responder a especificações que lhe são externas, que não respondem necessariamente à natureza (técnica) de um tipo de serviço para o qual ele se especializou. O mercado, ou seja, os desejos e interesses –atuais e futuros– dos consumidores, é quem determina estas especificações e faz isto com independência da racionalidade ou

(^15) Carlos Diz (Consultor da Spencer Stuart), “Gerenciamento de carreira”, Career Fair – Você S.A.: A sua feira de carreira , São Paulo, 27-28 de maio de 2002.

a sociedade como um todo, e analisar até que ponto o paradigma da carreira possa estar também influenciado com seus valores a outras profissões e âmbitos da vida social. 17

Referências

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(^17) Sobre a difusão da “forma empresa” e de um “ ethos empresarial” em outras esferas do social, cf. LÓPEZ-RUIZ (2007b).