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Este documento analisa a obra 'mayombe' de pepetela, que retrata a fragmentação de um povo angolano e sua história na luta pela liberdade. O texto explora a fragmentação da narrativa e o uso de focalizadores em primeira e terceira pessoa, além da importância dos micro-relatos na construção da estrutura narrativa. O documento também discute a importância da obra no contexto da literatura oral angolana.
O que você vai aprender
Tipologia: Resumos
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A literatura angolana tem suas origens na tradi?ao oral de transmiss2o de conhecimentos da pràtica vivida. Sabe-se que até a chegada do elem ento colonizador portugués Angola era terra ágrafa, e a oralidade existente nos diversos dialetos locáis somente veio a concretizar-se em letra, séculos mais tarde, na lingua portuguesa. É portanto impossível excluir o elem ento luso do processo de fo rm a d 0 da literatura da colònia. Conforme a d e fin id o de Carlos Ervedosa, a literatura angolana é por exceléncia o reflexo da cultura angolana, que p o rsu av ezé“. .. um resultado. Resulta de urna realidade circunstancial, fundamentalmente européia, e de urna realidade circunstancial africana” ( 8 ). O propósito deste estudo é analisar como esta realidade circunstancial se m anifesta no processo de c r ia d 0 literária, fazendo com que a form a de n a r r a lo esteja de m odo significativo relacionada ao conteúdo narrado. Sendo o texto ficcional um veículo para a ideologia de um povo, veremos em M ayombe como a frag m en tad o da n a d o angolana (contexto) implica diretamente na frag m en tad o da narrativa (texto). Retom am os ao bergo da f i c d ° angolana do século XX, que é justam ente a literatura oral do período pré-colonial, para classificar M ayom be como urna maka , 1 visto que a obra retrata os dois tipos de frag m en tad o de modo todavía original, pois transmite acima de tudo a unidade que é ‘ser angolano,’ núcleo gerador que fez o povo chegar à liberdade. Os portugueses iniciaram a rota da Africa já no inicio do século XV, subjugando sempre os povos nativos. A luta pela lib e rta d o da colònia foi um processo bastante lento, que levou à guerrilha armada em Angola, iniciada em 1961. Foi neste período, que culminou com a independéncia política de Angola em 11 de novembro de 1975, que Arthur M auricio Pestaña dos Santos escreveu Mayombe. Partindo de sua pròpria experiéncia na guerrilha para escrever o romance, o autor,
que assina sob o pseudónimo de Pepetela, mereceu pela obra o Prémio Nacional Angolano de Literatura de 1980. M ayombe, floresta personificada numa síntese de filosofía e realismo, em um primerio plano revela a história de guerrilheiros angolanos na luta pela liberdade de sua nag3o. Em um segundo plano, porém, um discurso subjacente demonstra em Mayombe a fragmentagao de um povo violentado por urna cultura alheia. Esta fragmentagao do contexto (angolano) está refletida no texto propriamente dito, na medida em que temos urna variag3o de estrutura narrativa dentro da obra. O código— narragao— utilizado em M ayombe reflete nítidamente sua mensagem. Analisemos, a seguir, como ocorre a fragmentagao do texto de M ayombe, para mais adiante observam os a do contexto, refletida na tram a da obra. Já ñas prim erias linhas percebe-se tratar de um focalizador (Reis 160) em terceira pessoa:
O rio Lombe brilhava na vegetaglo densa. Vinte vezes o tinham atravessado. Teoría, o professor, tinha escorregado numa pedra e esfolara profundamente o joelho. (6)
E assim seria narrada a história destes guerrilheiros, se, aínda nesta primeira página, nao houvesse urna mudanga de focalizador. Diversas vezes ao longo da obra a focalizagao em terceira pessoa é intercalada por um focalizador-personagem em primeira pessoa. Trata-se nao de um único focalizador-personagem, mas de vários deles; alguns até aparecem repetidamente. A narragao em primeira pessoa é toda feita em itálico, e antes desta lé-se, destacadamente, “EU, O NARRADOR, SOU X ” (X= variável de personagem). A história dos guerrilheiros, no nivel diegético, é próvida de um comego, meio e fim— que se passa dentro de urna linearidade cronológica. No caso da estrutura narrativa de Mayombe, o termo ‘fragm entada’ funciona como um sinónimo de ‘dividida,’ isto é, intercalada. Está intercalada por micro-relatos, narrados pelas personagens. Os relatos constituem entao o nivel pseudo-diegético (Genette 237) da obra. Em resumo, o encadeamento da narrativa é parcial. Os fatos sáo interrompidos na sucessividade das páginas, urna vez que o nivel diegético, narrado em terceira pessoa, encontra-se intercalado pelo nivel pseudo-diegético. Se retirarmos este daquele, ai sim poderíamos falar num encadeamento total da narrativa.
A existéncia do focalizador-personagem nao ocorre para complementar, como poderiamos pensar de inicio, o conhecimento do idealizador em terceira pessoa, pois, como já afirmamos, este último é omnisciente. A focaüzagáo interna possui em Mayombe outras fungóes, como por exemplo, retardar o desenlace da trama, explicar alguns fatos, e principalmente fragm entar a estrutura narrativa. Vejamos agora com o estes m icro-relatos causadores da fragmentagáo textual estao inseridos na narrativa de Mayombe, em relagáo a seu conteúdo e ao nivel diegético. Tom a-se necessàrio, de inicio, esclarecer que os micro-relatos nao estao totalmente disconectos dentro da e v o lu to do enredo de M ayombe. Constituem urna espécie de ‘parénteses, ’ um acréscimo de informagáo que se situa e se relaciona com aquilo que está sendo tratado pelo idealizador omnisciente em urna determinada circunstancia. Por exemplo, no segundo capitulo o Comandante Sem Medo, discutindo com M undo Novo sobre os objetivos da revolugao, confessa estar ali sem fé, por saber que o ideal nunca será alcangado por completo. No último parágrafo de focalizagao omnisciente o Comandante Sem Medo volta a seus afazeres, e Mundo Novo lá permanece, observando “o deus M ayombe.” Neste momento, após “EU, O NARRADOR, SOU M UNDO NOVO,” ao invés do focalizador omnisciente transm itir o que M undo Novo sente e pensa em relagao à sua conversa com o Comandante, a pròpria personagem o faz:
Recuso-me a acreditar no que diz Sem Medo. Lá está ele, ali, no meio de jovens, rasgando-se ñas raizes da mata,.... Como é possível que diga que todos sao egoístas? É vaidade, vaidade pequeño-burguesa, e mais nada. Nao posso acreditar, recuso-me a acreditar. (82-83)
Como vemos, o m icro-relato de M undo Novo náo é urna continuagáo do que o focalizador omnisciente havia iniciado. Suas palavras, inseridas na cronología do nivel diegético, fomecem m aior informagáo sobre a própria personagem que narra, assim como aquela (o Comandante) que desencadeou a narragáo. Como já mencionado anteriormente, a narrativa no nivel diegético segue urna linearidade cronológica. As narrativas intercaladas (ou micro-relatos) que compoem o nivel pseudo-diegético, apesar de inseridas nesta linha cronológica de acontecimentos, ás vezes utilizam
o recurso de ‘flash-back,’ buscando in fo r m a le s no passado que contribuem para o entendimento do momento/personagem, como em:
Manuela sorriu-me e embrenhou-se no mato, no mato denso do Amboim, onde despontava o café, a riqueza dos homens. O café vermelho pintava o verde da mata. Assim Manuela pintava minha vida. (11-12)
Este exemplo de anacronia (flashback), assim como alguns outros presentes em M ayombe (17,32,131,203), ilustram o que Mieke Bal classifica com o retroversáo (53), ou seja, urna volta ao tempo passado. A retroversáo subdivide-se em objetiva, onde há urna ruptura clara do tem po diegético, e subjetiva, encontrada em M ayombe, onde um momento F ocorre só na m ente de urna personagem qualquer que, juntam ente com as demais, vive cronológicamente um momento G. Os m icro-relatos poderiam ser excluidos da estrutura de Mayombe, sem que o nivel diegético ficasse comprometido, pois ainda teríamos o focalizador omnisciente contando a história da guerrilha. A supress5o dos relatos implicaría apenas em duas conseqiiéncias: a prímeira délas, quanto á forma, sería simplesmente urna redundo do número de páginas; a segunda conseqüéncia, relacionada ao conteúdo, seria um estreitam ento do campo de visáo do leitor, prejudicando profundamente o entendimento da obra em si e seu caráter filosófico, urna vez que é principalmente através dos micro-relatos dos personagens que sáo tratados tem as como marxismo, comunismo e revolusáo, entre outros:
Eu n2o sou egoísta, o marxismo-leninismo mostrou-me que o homem como individuo nao é nada, só as massas constroem a História. (83)
Ressaltam os ainda o fato de que, ás vezes, o focalizador refere- se diretamente ao leitor, como se este fosse urna espécie de confessor, ou aliado. Por exemplo, ao iniciar seu m icro-relato no qual fala sobre o tribalismo, M ilagre diz:
Viram como o Comandante se preocupou tanto com os cem escudos desse traidor de Cabinda? Nao perguntam por qué, naos eadmiraml Pois eu vou explicar-vos. (47, grifo pròprio)
de sua mensagem é, de forma direta ou indireta, um exemplo de fragm entado contextual. Vejamos, a título de exemplo, o primeiro micro-relato apresentado: Teoria exterioriza um dilema existente dentro de si, que é o fato de ser filho de urna m ie negra e um pai branco:
Da terra recebi a cor escura de café, vinda da mae, misturada ao branco defunto do meu pai, comerciante portugués. Trago em mim o inconciliável e este é o meu motor. Num universo de sim ou n3o, branco ou negro, eu represento o talvez. (7)
Ainda em um momento introdutório de M ayombe surge já o primeiro tipo de fragm entado: a genética. Trata-se de um c o m e d émico determinado interna e estruturalmente, que transpoe o leitor para o mundo ficcional. Consideremos este momento da narrativa o ‘incipit’ da obra definido como “via de acesso aos fundamentáis elementos do universo diegético a representar” (Reis 193). É, pois, neste ‘incipit’ introduzido o tem a que decorrerà por toda a obra: a fragm entado, m oldura de Mayombe. Teoria traz a frag m en tad o em suas células, devido ao “pecado originai do pai-branco” ( 17). Milagre, próxima personagem a apresentar seu micro-relato, a traz na memòria:
Era miudo na altura de 1961. Mas lembro-me ainda das cenas de crianzas atiradas contra as árvores, de homens enterrados até ao pescoso, cabera de fora, e o trator passando, cortando as caberas com a làmina feita para abrir a terra, para dar riqueza aos homens. (32)
Percebem os que a fragm entado é apresentada em níveis diferentes, cada um mais abrangente que o outro. Passa do ámbito individual para o coletivo com a questào do tribalismo, que cria diversos desentendim entos entre os guerrilheiros. As personagens interpretam todos os acontecimentos a partir do ponto de vista tribal. Suspeitava-se haver até um traidor entre o grupo: Lutamos, o único guerrilheiro da regiào de Cabinda. Os kikongos desconfiavam dos kim bundos, que desconfiavam dos bailundos, que po r sua vez desconfiavam dos kiocos. Sem m encionar que uns falam umbundo, outros fió te, outros bailundo, entre outros dialetos da regiáo. O tribalismo é apresentado como um fator de desagregado entre os
guerrilheiros e sua ideología: “E viram a raiva com que ele agarrou o Ingratidao? Por qué? Ingratidáo é kimbundo, está tudo explicado” (47). Retomando a classifíca^áo das narrativas oráis angolanas feita por Heli Chatelain, afirmamos a partir da questáo do tribalismo que Mayombe é urna moka de fundo didático. Através de toda a fragméntamelo há urna mensagem, um ensinamento transmitido:
Lutamos, que era cabinda, morreu para salvar um kimbundo. Sem Medo, que era kikongo, morreu para salvar um kimbundo. É urna grande limSo para nós, camaradas. (267)
Eram de tribos diferentes, mas lutavam por um mesmo ideal e venceram. Assim como vitórias e derrotas de um passado angolano sáo contadas de geramáo em geragáo, será também a história dos guerrilheiros d e Mayombe.
1 Heli Chatelain, ao estudar a literatura oral de Angola, definiu seis categorías básicas, dentre as quais a de moka (vocábulo kimbundo): estórias verdadeiras, ou tidas como verdadeiras, com fmalidade geralmente didática (101-103).
2 Afocalizafáo interna variável está presente emMaycwwbequinzevezes (6,11,16,32, 47,67,82,109,131,185,203,229,243,257,269), com um total de nove focalizadores- personagens diferentes.
3 Omnisciencia do leitor seria po-lo no mesmo nivel que o focalizador em terceira pessoa. O resultado da técnica narrativa de Mayombe chega a elevar o leitor a um nivel de cumplicidade, mas náo de total omnisciencia.
Bal, Mieke. Narratology: Introduction to the Theory o f Narrative. Toronto: U of Toronto P, 1985.
Chatelain, Heli. Contos Populares de Angola. Trans. M. Garcia da Silva. Lisboa: Agencia Geral do Ultramar, 1964.