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Tipologia: Notas de estudo
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Junho/Julho 2012
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temas de economia aplicada^15
As Deficiências nos Canais de Transmissão e a Ineficácia da
Política Monetária no Brasil
1 Introdução
Ao final da mais recente reunião do Copom/BCB, encerrada em 20 de abril último, foi divulgada a decisão do Comitê de, dando se - guimento ao processo retomado em dezembro de 2010, elevar a taxa Selic em 0,25p.p., levando-a a 12,00% ao ano. Com isso, como tem sido o caso desde pouco antes da estabilização monetária em me- ados de 1994, a taxa básica real de juros no País permanece entre as mais elevadas do planeta.
As altas taxas são geralmente jus- tificadas como necessárias para permitir o controle da inflação no País. Efetivamente, a manipulação da taxa Selic pelo BCB constitui o instrumento principal senão o único na condução da política mo- netária desde a implantação do regime de metas de inflação em meados de 1999. Entretanto, o fato de que, no caso do Brasil, a vigên- cia de taxas de inflação que numa perspectiva internacional não são especialmente reduzidas requeira a manutenção de taxas reais de juros que, nessa mesma perspecti- va, são excepcionalmente elevadas, tem provocado recorrentes ques- tionamentos.
Com efeito, após mais de dez anos os resultados alcançados pela po- lítica em termos do mix das taxas de inflação e juros vigentes não têm sido particularmente brilhan- tes. Isso não deve surpreender se considerarmos que a maioria dos estudos realizados para o caso brasileiro que investigam o impac- to das mudanças nas taxas de juro sobre os preços tende a mostrar um reduzido e mesmo por vezes contraditório efeito das variações nas taxas de juros sobre a inflação (ver survey em ChErnAvSky, 2011, p. 118), apontando a ineficácia da política monetária.
Amplamente reconhecida, essa ineficácia é normalmente explica- da pelas deficiências e incertezas, especialmente agudas em países emergentes, envolvidas no funcio- namento dos canais por meio dos quais as variações nas taxas bási- cas de juro afetam os preços – os canais de transmissão. Buscando avaliar o quão ineficaz a política efetivamente tem sido, analisar-se- -ão a seguir os canais de transmis- são mais frequentemente citados na literatura 1 , verificando se as condições necessárias para que eles operem de forma minimamen-
te satisfatória têm estado presen- tes no Brasil.
2 Os Canais de Transmissão
A transmissão dos efeitos da al - teração na taxa Selic aos preços pode ser dividida em duas etapas. na primeira, a mudança na taxa básica de juros impacta a deman- da agregada e, assim, o nível do produto. Em seguida, a variação do produto conduz à alteração nos preços. O debate tradicional acerca do funcionamento dos ca - nais de transmissão tem se focado essencialmente nos mecanismos que operam na primeira etapa e definem as características de cada canal, e será apresentado breve - mente com base na conhecida ex- posição de Mishkin (1995).
2.1 Canal da Taxa de Juros
Este canal não é nada mais que o mecanismo tradicional capturado pelo esquema IS-LM e proporciona um quadro geral para a análise da transmissão da política monetária. Os demais canais podem, inclusi - ve, ser vistos como extensões ou detalhamento de alguns de seus pontos principais. O canal funciona
16 temas de economia aplicada
da seguinte maneira: um aumento na taxa nominal de juros leva, em razão da presença de rigidezes de preços e salários, ao aumento da taxa real de juros e, portanto, ao aumento do custo do capital diante de uma rentabilidade que, a prin - cípio, não se alterou. Este aumento provoca, em função do aumento do custo relativo do consumo e inves- timento presentes, a redução, por um lado, do investimento das em- presas e, pelo outro, do consumo das famílias, principalmente em moradia e bens de consumo durá - vel. Essa redução, por sua vez, leva à queda da demanda agregada e do produto da economia.
Para que o canal da taxa de juros funcione dessa forma, entretanto, três condições devem ser satis - feitas: 1. a alteração na taxa Selic deve levar à mudança das taxas re- levantes para as decisões de inves- timento das empresas e consumo das famílias; 2. a variação dessas taxas deve provocar um impacto efetivo sobre o volume de crédito demandado; 3. a variação no vo - lume de crédito deve se refletir no nível de atividade. Assumiremos que esta terceira condição de modo geral tem se verificado 2 no Brasil, e discutiremos, a seguir, as duas primeiras.
Em relação à transmissão das va- riações nas taxas básicas de juros às taxas para os tomadores, como o spread bancário historicamente praticado no País tem se mantido
de forma sistemática em pata - mares extremamente elevados, fazendo com que a taxa de juros relevante para a tomada de de - cisões dos agentes privados seja muito superior à taxa básica, as alterações desta, mesmo quando repassadas integralmente, pro - vocam variações percentuais nas taxas finais significativamente me- nores (ChErnAvSky, 2011, p. 128), reduzindo fortemente seu efeito potencial.
Por outro lado, em especial a partir de 2003, importantes mudanças institucionais e de política pública alteraram profundamente as ca - racterísticas do mercado de crédito no País, que passou a se expandir fortemente. Com isso, as operações que até então nunca haviam alcan- çado 30% do PIB, superaram esse patamar no final de 2005 e conti- nuaram crescendo rápida e quase que ininterruptamente até atingir 45% de um produto em expansão no início de 2010. Esse crescimen- to, que se orientou não somente aos gastos com investimento, mas, em grande medida, ao consumo – ge - ralmente menos sensível às flutua- ções na taxa de juros – manteve-se inclusive e notadamente durante e nos meses que se seguiram aos dois períodos de intenso aperto monetário ocorridos entre set/ e ago/05 e entre abr/08 e dez/08, assim como nos intervalos em que a taxa Selic permaneceu estável.
Com isso, o efeito das variações na Selic sobre o volume de crédito às pessoas físicas tem sido pratica - mente nulo, enquanto o impacto negativo sobre o crédito às pessoas jurídicas foi pequeno e estatistica- mente pouco significativo ( ibidem , p. 130).
Ou seja, as mudanças estruturais no mercado de crédito associadas à baixa sensibilidade relativa da taxa final de juros às variações na taxa básica fizeram com que, ao longo do período examinado, os efeitos da política monetária transmitidos pelo canal da taxa de juros fossem inferiores ao que o bom funciona- mento do canal exigiria, compro- metendo sua efetividade.
2.2 Canal da Taxa de Câmbio
A existência deste canal se deve ao fato de que, numa economia aberta, um aumento da taxa de juros do - méstica torna os ativos denomina- dos em moeda local mais atrativos em relação aos ativos em moeda estrangeira e aumenta a demanda por eles, o que leva, mantida a pa- ridade descoberta da taxa de juros, à valorização da moeda. Essa valo- rização, por sua vez, torna os bens produzidos localmente mais caros em relação aos bens estrangeiros, provocando a queda das exporta- ções líquidas e, assim, da demanda agregada e do produto.
18 temas de economia aplicada
Além disso, se o efeito-riqueza da política sobre o consumo é limita- do pela estrutura da dívida pública, o mesmo não ocorre com o efeito- -renda causado por uma elevação da taxa de juros, a qual se reflete inst ant aneamente no aumento dos rendimentos dos detentores dessa dívida que, por sua vez, leva à expansão dos gastos em consumo e, assim, da demanda agregada, gerando um impulso contrário às intenções da política.
Tais considerações fazem com que a eficácia do canal de transmissão do preço dos ativos seja, também, altamente questionável.
2.4 Canal do Crédito
O canal de crédito pode ser dividido em dois subcanais: o primeiro, de empréstimos, apóia-se na especial importância dos bancos na alocação de recursos quando os problemas de informação assimétrica são par- ticularmente pronunciados, como é o caso dos empréstimos concedidos a firmas pequenas e do crédito ao consumidor. Por meio deste canal, um aumento na taxa de juros pro- voca a diminuição dos depósitos e das reservas bancárias, forçan - do os bancos a reduzir a oferta de empréstimos. Com isso, diminuem os investimentos e o consumo, e, assim, a demanda agregada.
O segundo subcanal, do balanço, opera através do impacto da políti- ca sobre o valor líquido das firmas: um aumento da taxa de juros tende a reduzir o valor daquelas e, com
isso, o colateral que podem ofere- cer para garantir os empréstimos tomados. nesse caso, as possíveis perdas dos bancos derivadas da se- leção adversa aumentam. Por outro lado, a redução do valor das firmas eleva o problema do risco moral, uma vez que os proprietários pos- suem agora uma parcela menor das firmas e se tornam mais propensos a participar em empreendimentos arriscados. Ambos os efeitos levam à redução do volume de emprésti- mos concedidos e, dessa forma, à diminuição dos investimentos e da demanda agregada.
Em ambos os casos, aumentos (re- duções) nas taxas básicas de juro devem conduzir à diminuição (ex- pansão) da oferta de crédito por parte dos bancos. Entretanto, como mostra a notável expansão do cré- dito, sustentada e pouco sensí - vel às variações na taxa básica de juros, comentada acima no caso do canal da taxa de juros, os impactos das mudanças institucionais e de política pública têm superado am- plamente os eventuais efeitos da política monetária transmitidos por ambos os subcanais. Com isso, a efetividade também do canal do crédito, no período examinado, se vê fortemente questionada.
3 Flutuações do Produto e os Preços
Em função das deficiências apon- tadas no funcionamento dos canais de transmissão no Brasil, o impac- to das variações na taxa básica de juros sobre o produto industrial
tem sido muito tímido ( ibidem , p. 138). Esse impacto não é, contudo, o objetivo final da política monetá- ria, que busca, por meio das varia- ções no produto, afetar o nível de preços.
Entretanto, não se deve esperar que isto ocorra sem dificuldades numa economia tal como a brasi - leira, fortemente oligopolizada, na qual a atividade industrial (cujos preços são mais flexíveis) respon- de por apenas entre 25% e 30% do produto total, e onde os preços administrados possuem uma par- ticipação particularmente elevada nos índices de inflação (mais de 30% do IPCA). Estas condições, que normalmente levam a uma rigidez importante na formação dos pre- ços, impedem que a variação nas quantidades produzidas se reflita total e rapidamente nos preços industriais e fazem com que os mo- vimentos destes apenas de forma lenta e gradual sejam transmitidos aos demais preços da economia. Com efeito, o impacto das varia - ções no produto industrial sobre o IPCA tem se mostrado, desde janei- ro de 2003, extremamente baixo e não significativo ( ibidem , p. 139).
Com isto e com o impacto limitado das variações na taxa básica de juros sobre o produto industrial acima verificado, dificilmente a política monetária poderia mos - trar-se eficaz. E de fato, o impacto das variações na taxa Selic sobre a inflação medida pelo IPCA, além de extremamente modesto, tem sido
temas de economia aplicada^19
estatisticamente não significativo ( ibidem , p. 139).
Tal resultado, que aponta a gran- de ineficácia da política, não é em absoluto original. Com efeito, as evidências na literatura empírica sobre o assunto que comprovariam os impactos do aumento da taxa básica de juros sobre a taxa de inflação são em geral estatistica - mente não significativas, enquanto os indícios apontando a existência de um price puzzle^3 na operação da política monetária são bastan- te robustos. Assim, os resultados aqui apresentados, produto de exercícios com séries de dados mais recentes e extensas do que na maior parte da literatura, apenas confirmam as evidências anterio- res, apontando o desempenho es- pecialmente acanhado da política monetária como instrumento de combate à inflação no Brasil.
4 Considerações Finais
Após análise do funcionamento dos principais canais mais frequente - mente citados por meio dos quais as alterações na taxa básica de juros afetam os preços, verificou- -se que as condições necessárias para o bom funcionamento desses canais, no caso do Brasil, ou não estão presentes ou estão apenas de forma muito parcial, e são marca- das por uma profunda incerteza, si- tuação que resulta das caracterís- ticas estruturais da economia do País e das importantes alterações
institucionais e comportamentais que vêm se verificando ao longo do período no qual a política tem sido implantada. Em razão da vio- lação dessas condições, a eficácia da política na situação concreta vigente no país tem se mostrado extremamente baixa, quando não mesmo nula.
Diante dessa ineficácia e conside- rando os elevados custos envolvi- dos, questiona-se aqui se a decisão de aplicar uma política rigorosa ao longo de já mais de uma década tem sido de fato a mais adequada ou se, ao contrário, nas condições objetivas existentes na economia brasileira o papel central assumido pela taxa básica de juros na busca do controle da inflação deveria ser rejeitado e ela utilizada de forma muito mais parcimoniosa e em combinação com outros instru - mentos.
Referências
ChErnAvSky, E. Efeitos estruturais da política monetária e o canal de custos. Informações Fipe , n. 336, set. 2008. ChErnAvSky, E. No mundo da fantasia: uma investigação sobre o irrealismo na ciência econômica e suas causas. Tese (Doutorado). FEA – Universidade de São Paulo, 2011. LIMA, G. T.; SETTErFIELD, M. Pricing behav- iour and the cost-push channel of monetary policy. XIII EnCOnTrO nACIOnAL DE ECOnOMIA POLíTICA, João Pessoa, 2008. MIShkIn, F. S. Symposium on the monetary transmission mechanism. The Journal of Economic Perspectives , v. 9, n. 4, p. 3-10, Autumn 1995.
1 Que não exaurem, contudo, todas as formas possíveis de transmissão das variações na taxa de juro aos preços, notadamente o ca- nal de custos da política monetária (LIMA; SETTErFIELD, 2008) e os efeitos estruturais da taxa de juros (ChErnAvSky, 2008) que condicionam a evolução dos preços, ne- gligenciados pela abordagem convencional com base nas hipóteses de que os choques de custos são aleatórios e que o produto potencial é independente da evolução da demanda. A atuação destes mecanismos torna a eficácia da política monetária ainda menor. 2 O que não é inteiramente verdade, consi- derando que grande parte da expansão do crédito tem sido absorvida pelo aumento no preço dos ativos, financeiros e reais, já existentes, e não pelo aumento do nível de atividade. 3 Situação em que o aumento da taxa de ju- ros conduz, contrariamente ao esperado, à elevação da taxa de inflação.
(*) Doutor em Teoria Econômica pela FEA/ USP. (E-mail: echernavsky@gmail.com).
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manda; b) a taxa de juros é operada com o objetivo de controlar a demanda agre- gada; c) alguma variação na taxa de câmbio ocorre como um efeito colateral das mudanças na taxa de juros. Apesar de sua ampla aceitação, estas três proposições básicas, a rigor, só se sustentam se quatro pressupostos fundamentais do modelo teórico do “novo con- senso” forem válidos. Estes pressupostos são: 1) que o hiato do produto (e/ou do emprego) afeta a inflação de forma sistemática; 2) que os choques inflacionários têm persistência total, isto é, os coeficientes de inércia e de expectativas inflacioná- rias, somados, se igualam à unidade; 3) que o produto potencial é independente da evolução da demanda; 4) que os choques de custo são aleatórios, causados, por exemplo, por safras agrícolas abundantes ou excepcionalmente fracas. Somente se estes quatro pressupostos forem válidos a visão consensual faz sentido. Os pressupostos 2) e 3) implicam que o Banco Central deve se preocupar exclusivamente com a meta de inflação, pois a política monetária é neutra e a lon- go prazo não afeta nem o produto nem a capacidade produtiva da economia. Os demais pressupostos garantem a possibilidade de atingir a meta da inflação con- trolando a evolução da demanda agregada (pressuposto 1) e que não se pode (nem se deve) fazer muito para alterar a inflação de custos (pressuposto 4). O pequeno problema é que, no caso da economia brasileira no período de 1999 até os dias atuais, nenhum destes quatro pressupostos se sustenta. Em primeiro lugar, não se observa uma relação empírica sistemática entre o hiato do produto e a aceleração da inflação – a rigor, nem com o nível da inflação. As estimativas de diversos estudos econométricos mostram a não significância do hiato do produto na chamada Curva de Phillips (ver, por exemplo, Ferreira & Jayme Júnior, 2005). Com efeito, uma recente estimativa do próprio Banco Central (2008, p. 133) aponta um coeficiente positivo para o período de 1996 a 2006, indicando que um aumento do desemprego aceleraria a inflação (ver também Ver- nengo, 2008). Mesmo considerando-se apenas o núcleo da inflação dos preços livres do IPCA, não existe relação definida entre a aceleração da inflação e o grau de utilização da capacidade produtiva da indústria (Freitas, 2006). Em segundo lugar, no caso da economia brasileira recente, os choques infla- cionários não têm persistência total sobre a inflação. Estimativas para a persistên- cia inflacionária no Brasil mostram que esta não pode ser considerada completa, isto é, a soma dos coeficientes da inflação passada (inércia) e futura (expectativas inflacionárias) na Curva de Phillips é inferior à unidade. Existe uma persistência na inflação, mas esta é apenas parcial – em torno de 0,7 no máximo (Summa, 2007a; Maia & Cribari-Neto, 2006). Tais fatos não podem ser refutados através do argu- mento das “expectativas racionais” dos agentes do mercado, pois há forte evidên- cia de que os dados sobre a inflação esperada pelo mercado também apresentam correlação (cerca de 0,4) com a inflação passada efetivamente ocorrida, indícios de existência, em algum grau, de expectativas adaptativas. A terceira hipótese descrita acima, de que o produto potencial é independente do produto corrente, é totalmente refutada pela literatura moderna de séries tem- porais (Braga, 2006), tanto no Brasil quanto nos demais países. As evidências de
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existência estatística de uma raiz unitária (e, portanto, de uma tendência estocás- tica) no PIB mostram que a tendência do produto é totalmente correlacionada com a evolução do produto corrente (a chamada histerese para o produto). Isto parece confirmar que o investimento que cria capacidade para o setor privado é basica- mente induzido pela evolução da demanda final de consumo, investimento residen- cial, exportações e gastos do governo, o que é compatível com o modelo do super- multiplicador (Serrano, 2007), que combina o efeito multiplicador no consumo e acelerador flexível no investimento. Um estudo recente de Barbosa-Filho (2008) mostra a forte correlação também entre o grau de utilização da capacidade produ- tiva e o desvio da produção industrial em relação à sua média móvel de 12 meses, evidenciando o efeito histerese no produto, que significa que qualquer crescimento mais persistente na demanda acaba estimulando aumentos do investimento e da capacidade produtiva. Finalmente, o quarto dos pressupostos da interpretação consensual do sistema de metas, a ideia de que os choques de oferta são aleatórios, definitivamente não se aplica ao Brasil, por diversas razões. Em primeiro lugar, temos os preços moni- torados, que crescem bem acima dos demais preços livres de 1999 a 2006. A maior parte dos preços monitorados são atrelados contratualmente ao IGP-M que, em geral, cresceu bem mais do que o IPCA, o que provavelmente implicou numa ten- dência ao aumento das margens de lucro das empresas destes setores ao longo do período como um todo. Além disso, os preços internacionais do petróleo crescem desde 1999 e os das demais commodities desde 2002, impondo crescimento seme- lhante aos preços dos bens importados (e pressionando para cima os preços no mercado interno dos bens exportáveis), como se vê no Gráfico II abaixo. Finalmen- te, o salário mínimo nominal também tem evoluído continuamente bem acima do IPCA devido à política do governo de recomposição do seu poder de compra, que está retornando aos níveis dos anos 1960.
JUrOS, CâMBIO E INFLAçãO
Como nenhum dos quatro pressupostos se sustenta, é evidente que o sistema de metas no Brasil não pode funcionar da maneira em que é descrito consensual- mente. Ainda assim, bem ou mal, o sistema funciona: a inflação crônica não retor- nou a partir de 1999 e ficou contida dentro da faixa estipulada pelas metas em 1999, 2000, 2005, 2006 e 2007 (ficando acima da meta em 2001, 2002, 2003 e 2004). Então fica a questão: como é possível controlar a inflação a partir da taxa de juros, numa economia em que não há evidência de que o controle da demanda agregada seja capaz de conter diretamente o aumento de preços ou salários nomi- nais, e onde há um conjunto de pressões inflacionárias pelo lado dos custos? A resposta é que, na prática, o sistema funciona da seguinte maneira: aumen- tos da taxa de juros valorizam a taxa de câmbio nominal; as mudanças na taxa de câmbio, por sua vez, com alguma defasagem, têm um forte impacto de custos, di- retos e indiretos, sobre todos os preços da economia, inclusive os “livres”.
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elevados, ao valorizar a taxa nominal de câmbio, gera diretamente um choque positivo de custos em moeda local. 3 Assim, dada a ausência do canal de transmissão tradicional da demanda para a inflação e a força do canal de transmissão dos juros para o câmbio e do câmbio para os preços, o efeito dos juros sobre a demanda agregada, na realidade, se torna apenas um efeito colateral da política monetária. Note que, mesmo quando a economia sofreu choques cambiais adversos, advindos de problemas nas contas externas, como em 2002, o papel principal dos juros elevados não foi propriamente conter a demanda para evitar o repasse aos preços da desvalorização inicial, mas sim parar e depois reverter a desvalorização cambial nominal. Não é por outro motivo que, como nos lembra Barbosa-Filho (2007), em todos os anos que a inflação ficou dentro da faixa estipulada como meta (fora o ano de 1999 que marca a transição para o sistema) o câmbio nomi- nal se valorizou. 4 Nos anos mais recentes, o grande diferencial de juros e a con-
preços de muitos bens não transacionáveis são determinados com base em seus custos. Além disso, também não se observa flexibilidade nos salários nominais. Tudo isso restringe a possibilidade de al- gum efeito da demanda sobre a inflação à fração dos setores não transacionáveis que forem altamente competitivos, como o de alguns tipos de serviços pessoais, por exemplo. Outra possibilidade seria a de que muitos preços só se tornem realmente flexíveis a níveis muito elevados de pressão de demanda e certamente não ocorreram episódios deste tipo no Brasil de 1999 para cá. (^3) Note que como o câmbio afeta muito os preços por atacado e estes o índice que reajusta os preços monitorados a ideia muito difundida entre defensores e críticos do sistema de que os preços monitora- dos, por serem independentes da demanda não são afetados pela taxa de juros é totalmente incorreta, pois os juros afetam diretamente a taxa de câmbio. (^4) No caso de 1999 o sistema funcionou por poucos meses e a faixa da meta foi ajustada para cima. Note que em 2003 o câmbio nominal também se valorizou, mas havia se desvalorizado tanto em 2002 que, mesmo assim, a meta não foi atingida, por conta das defasagens entre câmbio e inflação.
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Centro da Meta Preço Importações em Dólares (var. a.a.9%)
Centro da Meta Preço Importações em Reais (var. a.a.9%)
médio real pregados –
endimento abitual –
Custo Unitário Nominal (Média Móvel 12 meses da var % a.a.)
Inflação (Média Móvel 12 meses da var % IPCA a.a.)
Gráfico II
68 Revista de Economia Política 30 (1), 2010
tínua valorização nominal do real manteve a inflação dentro da meta, apesar do forte crescimento dos preços internacionais das commodities e do petróleo em dólares. A outra característica fundamental do sistema é que, embora o núcleo da in- flação brasileira recente seja de custos, não tem havido inflação puxada pelos sa- lários nominais médios (a despeito do grande crescimento nominal do salário mí- nimo). Em geral, os custos unitários do trabalho em termos nominais só têm crescido menos e depois do aumento da inflação, independentemente do nível de atividade da economia. No fundo, é a ausência de indexação salarial e a baixa resistência salarial real que explicam tanto a pouca persistência dos choques infla- cionários quanto o fato da inflação crônica não retornar, mesmo quando ocorreram grandes desvalorizações cambiais. O Gráfico III mostra como as variações nominais da taxa de câmbio levam diretamente a variações reais nos salários, ilustrando a aparente ausência de resistência do salário real médio e o Gráfico IV ilustra como o crescimento dos custos salariais unitários na indústria seguem a inflação com uma defasagem. Temos então que operação concreta do sistema de metas inflacionárias no Brasil tem as seguintes características: i) o núcleo da inflação é de custos; ii) as variações na taxa de juros afetam a taxa de câmbio; iii) as variações no câmbio afetam os custos e posteriormente os preços de todos os setores da economia. O primeiro impacto se dá nos preços dos transacionáveis e dos monitorados (estes via indexação ao IGP-M) e, posteriormente, o impacto dos preços por atacado afeta os custos e os índices de preços “livres” e dos não transacionáveis; iv) o efeito dos juros na demanda agregada é, afinal, apenas um efeito colateral da política mone- tária e v) a âncora do sistema é a baixa resistência dos salários reais médios.
Gráfico III
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Diferencial de juros com Embi Taxa de câmbio (eixo direito)
Cent Preço (var.
Rendimento médio real habitual – empregados – setor privado – com carteira assinada PME – (var % a.a.) – Eixo Esquerdo Taxa de câmbio R$ / U$$ (Média Móvel 12 da Variação Anual %) – Eixo Direito
Polinômio (Rendimento médio real habitual – empregados – setor privado – com carteira assinada – PME – (var % a.a.) – Eixo Esquerdo