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Criatividade no processo de amadurecimento em Winnicott, Slides de Psicanálise

O conceito de criatividade de Winnicott é fundamental em sua teoria e original ... teoria winnicottiana, o viver criativo é necessário para que haja saúde, ...

Tipologia: Slides

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Aldair85
Aldair85 🇧🇷

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Felipe Augusto Ribeiro Pires
Criatividade no processo de amadurecimento em Winnicott
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
São Paulo
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Felipe Augusto Ribeiro Pires

Criatividade no processo de amadurecimento em Winnicott

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

São Paulo 2010

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Felipe Augusto Ribeiro Pires

Criatividade no processo de amadurecimento em Winnicott

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica (Núcleo de Práticas Clínicas), sob a orientação do Prof. Doutor Zeljko Loparic.

São Paulo 2010

RESUMO

O conceito de criatividade de Winnicott é fundamental em sua teoria e original dentro da psicanálise. Neste trabalho ele foi estudado sob o ponto de vista do amadurecimento pessoal. Buscou-se uma compreensão acerca da participação da criatividade em cada etapa do desenvolvimento do indivíduo. Ela é, para Winnicott, um potencial humano inato. O autor acredita que, desde a fase intra-uterina, a psique tem seu início de forma criativa no que ele chama de “elaboração imaginativa”. Nos primeiros relacionamentos com a mãe ocorre a experiência da “criatividade primária” com a ilusão onipotente do bebê de estar criando aquilo com o que entra em contato. A partir disto pode se iniciar o processo de constituição do si- mesmo, que só é possível por meio de experiências criativas. Nas etapas seguintes e por toda a vida a existência criativa é essencial e somente com ela pode-se ter prazer e perceber sentido no que se faz. A criatividade está presente no brincar, nas artes, religião e atividades culturais em geral. Pôde-se concluir que, de acordo com a teoria winnicottiana, o viver criativo é necessário para que haja saúde, desvios no amadurecimento resultantes na deficiência criativa têm como consequência uma personalidade doente. Para Winnicott a criatividade é anterior à experiência e o núcleo pessoal de onde ela provém permanece para sempre inalterado permitindo a manutenção do sentimento de criar o mundo ao longo da vida. Pensamos ser importante atentar à valorização social da utilidade e produtividade que se opõe à experiência criativa cujo fim está em si mesma.

PALAVRAS-CHAVE : Winnicott; Criatividade; Amadurecimento; Brincar; Cultura.

ABSTRACT

Winnicott’s creativity concept is fundamental in his theory and original within psychoanalysis. In this work it’s been studied under the maturational process's point of view. A comprehension of creativity’s participation in each stage of individual development was chased. Creativity is to Winnicott an innate human potential. The author believes that since intra-uterine stage psyche has its begin on a creative way on what he calls “imaginative elaboration”. On the firsts relationships with the mother the experience of “primary creativity” occurs with the omnipotent illusion of the baby of creating what he gets in contact with. Starting from this the process of constitution of the self can initiate, which is only possible through creative experiences. In the following phases and throughout life creative existence is essential and only with it is possible to have pleasure and sense meaning in what you do. Creativity is present on playing, arts, religion and cultural activities in general. It’s being possible to conclude that according to winnicottian theory creative living is necessary so there is health, deviations on maturational process resulting in creative deficiency has as consequence a sick personality. To Winnicott creativity is prior to experience and the personal nucleus from where it comes remains forever unaltered allowing the maintenance of the feeling of creating the world throughout life. We think it’s important to attempt to social valorization of utility and productivity that opposes to creative experience whose end is in itself.

KEY WORDS : Winnicott; Creativity; Maturational process; Playing; Culture.

INTRODUÇÃO

Donald Woods Winnicott (1896-1971) formulou importante teoria sobre a criatividade e propôs o que seria sua base e fundamento sobre o qual se constrói todo o relacionamento entre o mundo e o indivíduo, a criatividade primária. O sentido que pode ser encontrado na vida pelas pessoas saudáveis é resultado direto da expressão e do desenvolvimento criativo. Grande parte da obra de Winnicott está permeada por sua concepção de ser humano como sendo um ser criativo. A busca pela compreensão da criatividade é, portanto, necessária para a compreensão de qualquer aspecto da teoria winnicottiana.

A teoria de Winnicott foi elaborada principalmente a partir do atendimento a crianças e a adultos psicóticos, o que permitiu a observação de questões primitivas do ser humano, como as que deram origem aos desenvolvimentos teóricos relativos à criatividade. Os adultos psicóticos possibilitaram que ele presenciasse estados de regressão que levaram à compreensão de estágios iniciais da vida humana.

Em sua experiência profissional ele pôde estabelecer contato com milhares de crianças levadas até ele, o que o fez questionar a centralidade do complexo de Édipo de Freud, que localiza a etiologia das patologias psíquicas entre os 2 e 5 anos (Winnicott, 1994 [1989f]).

Sua busca por alguém que pudesse compreender de outra forma estas questões mais precoces aproximou-o de Melanie Klein, por quem foi supervisionado. No entanto surgiram algumas divergências, o que levou Winnicott a se afastar dela e de parte de seu desenvolvimento teórico.

Winnicott desenvolveu sua própria teoria a partir de suas discordâncias em relação à psicanálise ortodoxa. Para ele, Freud havia desenvolvido um método de investigação e tratamento de grande valor, entretanto acreditava que algumas questões deveriam ser revistas.

Ao desenvolver seu pensamento, Winnicott afasta-se das abstrações metapsicológicas de Freud e rejeita as heranças naturalistas incorporadas por ele à

teoria psicanalítica. As concepções winnicottianas de ciência e de saúde ilustram uma visão de mundo que não é objetificante nem determinista.

A psicanálise é, escreveu Winnicott, uma ciência; a qual funda algo a partir do qual é possível compreender o homem. Este seria o resultado de um desenvolvimento ao longo dos estágios da vida. A capacidade de existir não é dada ao nascer, é uma conquista que depende de diversos fatores (Winnicott, 2005 [1986k]). Saúde, para Winnicott não é somente a ausência de doenças, mas algo mais complexo e que está relacionado com a capacidade criativa.

A psicanálise ortodoxa e a winnicottiana são divergentes em aspectos bastante fundamentais no que diz respeito à concepção de ser humano.

Segundo Zeljko Loparic (2001), Winnicott introduziu um novo paradigma na psicanálise. Sua pesquisa revolucionária teria proporcionado uma nova perspectiva com a formulação de novas questões e explicações para aquilo que não era solucionado pela teoria vigente.

Loparic acredita que ocorreu uma mudança da teoria da sexualidade para a teoria do amadurecimento pessoal e do complexo de Édipo para o “paradigma do bebê-no-colo-da-mãe” (Loparic, 2001). Assim, a teoria winnicottiana introduz uma reformulação importante na psicanálise. Ela baseia-se em uma nova concepção do mundo e do ser humano.

De acordo com Winnicott, este ser humano, que é um constante devir, possui uma natureza caracterizada pela tendência inata ao amadurecimento, o que significa tendência inata à integração em uma unidade. No processo de amadurecimento, se tudo correr bem, o homem vai aos poucos realizando suas potencialidades, descritas por Winnicott como tarefas a serem cumpridas ao longo da vida, correspondendo cada tarefa ao seu devido momento.

Principalmente nas fases mais primitivas da vida o meio externo deve prover um mínimo de cuidado ao bebê para que possa realizar seu processo natural de amadurecimento. A saúde física e o decorrer do tempo não são suficientes para que seja atingida a condição de ser humano integral e o sentimento de estar vivo. Isto é apenas uma potencialidade que só poderá ser atingida com as condições ambientais adequadas. Quando essas condições não se apresentam há uma falha, uma perturbação no desenvolvimento, e o indivíduo não consegue atingir a integração.

entrada nesta nova fase é adquirida a capacidade de concernimento ,^2 o que significa capacidade de responsabilizar-se por seus instintos e de preocupar-se com suas consequências. Assim, é também desenvolvida a capacidade reparatória, que alivia a ansiedade proveniente da culpa em relação à atuação dos impulsos destrutivos.

A boa integração da vida instintual permite que a criança entre no estágio de independência relativa que se inicia na fase edípica, passando pela latência, adolescência, idade adulta, velhice e termina com a morte.

Neste contexto do amadurecimento pode ser observada, atuando de diferentes formas em cada estágio, a criatividade humana. Ela é essencial no processo de amadurecimento e é dentro dele que a expressão criativa pode ser compreendida.

Winnicott, ao formular seu conceito de criatividade, leva algo novo para a teoria psicanalítica. Esta novidade desempenha papel fundamental naquilo que é considerado pelo autor como a natureza humana. Ele considera a criatividade presente ao longo de toda a vida do indivíduo saudável, manifestando-se nos primeiros estágios da infância e estendendo-se para a idade adulta na qual se expressará por meio das artes, religiões etc.

O autor considera a criatividade própria da natureza humana. No início ela permite que seja estabelecida uma relação saudável com o mundo objetivo e ao longo da vida é somente por meio dela que a realidade poderá ganhar sentido. O ser humano como um sujeito saudável, com um si-mesmo bem integrado que se relaciona com o mundo externo de forma própria, e não simplesmente respondendo aos estímulos, teve um bom desenvolvimento de sua criatividade no decorrer de seu processo de amadurecimento.

Neste caminho em direção a um si-mesmo independente a criatividade é necessária para que se alcance a verdadeira existência. Antes da presença de um sentimento de estar vivo, momento no qual não há um “eu” que delimita o indivíduo e o separa do mundo externo, já há expressão criativa e sem ela não seria possível a superação deste estágio.

A criatividade é, para Winnicott, uma forma de se relacionar com o mundo, o modo como ele se apresenta é reflexo desta capacidade, sem a qual tudo

(^2) Neologismo comumente usado como tradução do conceito winnicottiano concern.

é destituído de sentido. O mundo subjetivo dá significado ao mundo objetivo pela criatividade e o império de qualquer um dos dois implica em patologia.

As origens da criatividade remontam aos primeiros momentos de vida do bebê, quando ele tem a ilusão de que o mundo externo é criação sua. Isto é desenvolvido na relação com a mãe, que, na saúde, permite esta ilusão.

Este trabalho busca uma compreensão do conceito de criatividade de Winnicott tendo em vista sua contribuição à teoria psicanalítica. Elsa Dias (2003), assim como outros autores, reconhece o caráter inédito deste conceito e sua relevância teórica.

Tendo como objetivo compreender a criatividade conforme formulada por Winnicott dentro do processo de amadurecimento, será realizado aqui um estudo qualitativo teórico para o qual se utilizará a leitura das obras do autor e de outros autores que contribuíram para a compreensão do conceito winnicottiano de criatividade. As fontes pesquisadas consistem em livros, dissertações, teses e artigos. A partir desta leitura poderá ser realizada a análise do conceito em questão levando em conta que aquilo que será feito é o resultado de uma possibilidade de compreensão baseada em certos pressupostos teóricos.

O presente trabalho tem como perspectiva para a análise da obra winnicottiana sua teoria do amadurecimento. Dias, em seu livro A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott (2003), expõe tal teoria e organiza o pensamento de Winnicott sob esse ponto de vista que guiará a investigação do conceito estudado.

Serão aqui buscados os escritos acerca do conceito de criatividade referentes às diferentes épocas do amadurecimento e aos diferentes aspectos da vida em que pode ser estudado.

Este trabalho, em conformidade com os apontamentos de Gadamer (1997), não busca eliminar os preconceitos dos quais se parte, o que seria impossível, mas reconhecê-los e trabalhar com eles de forma crítica na compreensão do texto a ser estudado. No trabalho de interpretação os preconceitos atuantes devem ser reconhecidos para que haja abertura em relação ao texto que se apresenta.

Nos textos de diversos comentadores de Winnicott pouca importância parece ter sido dada a um conceito tão fundamental que é a criatividade e muitos

1 ASPECTOS GERAIS SOBRE O CONCEITO DE CRIATIVIDADE EM

WINNICOTT

No pensamento de Winnicott tudo que se relaciona com a criatividade tem sua base no que ele chama de criatividade primária, conceito fundamental para a compreensão de sua teoria. Tal ideia é inédita dentro da psicanálise, inaugura uma nova perspectiva de compreensão do ser humano abrindo um campo inexplorado.

A criatividade primária não se confunde com os conceitos de sublimação ou de reparação, as principais respostas elaboradas até então pela psicanálise ortodoxa no que se refere à etiologia da expressão criativa. Também não é resultado da projeção de algo introjetado, sua existência é anterior ao desenvolvimento desses mecanismos e a qualquer estruturação psíquica (os conceitos aqui apresentados em oposição ao da criatividade primária serão discutidos adiante). A respeito da criatividade primária Dias escreve:

O conceito winnicottiano de criatividade originária é inédito no âmbito da psicanálise. Alterando por completo a ideia de que o psiquismo é constituído, já de início, na base de mecanismos mentais de projeção e introjeção, e, ainda, de que a criatividade humana é tributária das pulsões sublimadas, Winnicott formula a ideia de uma criatividade psíquica originária que é inerente à natureza humana e está presente desde o início (Dias, 2003, p. 169). Winnicott começa a elaborar a ideia do que seria a criatividade primária em seu texto Desenvolvimento emocional primitivo (2000 [1945d]). Nele é apresentado o momento de manifestação criativa que passou a lhe servir como modelo de ilustração do primeiro contato do ser humano com o mundo externo (então não percebido como tal, pois o bebê, no começo, não tem consciência de si e, portanto, não faz a separação entre o que é eu e não-eu). A situação apresentada é a primeira mamada teórica; representação do conjunto das primeiras mamadas reais. Sua descrição de 1945 reaparece mais de uma vez em trabalhos posteriores.

Neste texto, apesar de Winnicott versar acerca da ilusão que o bebê tem de conjurar o seio de acordo com sua necessidade,^3 a questão da criatividade ainda não parece ganhar tanta importância quanto posteriormente, a palavra criar não é utilizada em relação ao seio como em outros textos escritos depois e a expressão criatividade primária não aparece. No entanto, já é feita uma importante diferenciação em relação à teoria psicanalítica ortodoxa e um apontamento a respeito do caráter primário da fantasia e de sua importância na vida do ser humano:

devemos considerar, portanto, que a fantasia não é algo criado pelo indivíduo a fim de lidar com as frustrações da realidade externa. Isto só é verdade em relação ao devaneio. A fantasia é mais primária que a realidade, e o enriquecimento da fantasia com as riquezas do mundo depende da experiência da ilusão^4 (Winnicott, 2000 [1945d], p. 228). No famoso texto de 1951, Objetos transicionais e fenômenos transicionais (1975 [1953c]), publicado pela primeira vez em 1953, Winnicott expõe novamente sua ideia da primeira mamada teórica além de outras questões às quais se refere o título.^5 Desta vez o estudo da criatividade é bastante aprofundado e são apresentados conceitos novos e marcantes para a psicanálise. A criatividade primária é caracterizada como algo absolutamente próprio do indivíduo que se expressa em um impulso original ganhando forma e sentido ao encontrar o mundo.

A criatividade primária é um potencial inato do ser humano. Winnicott acredita que sejamos dotados de uma capacidade criativa própria de nossa natureza. Isto significa disposição para a criação de algo próprio, independente da internalização de objetos para que estes sejam projetados. Esta criação não é reprodução, mas sim uma elaboração pessoal com a atribuição de um sentido particular.

O autor aponta por diversas vezes para diferenças neste ponto entre seu pensamento e o de Melanie Klein (1882-1960), autora que o supervisionou por um período e que muito o influenciou, apesar de haverem se distanciado devido a divergências teóricas. Klein versa a respeito de alguns mecanismos descritos por

(^3) Sobre a questão da primeira mamada teórica e da ilusão onipotente do bebê de ser responsável pela criação do seio e do mundo de acordo com seus próprios impulsos, vide item 3 do capítulo II: “Primeira mamada teórica”. (^4) A experiência de ilusão será discutida no item 3 do capítulo II: “Primeira mamada teórica”. (^5) Vide item 5 do capítulo II: “Transicionalidade”.

depressiva^7 nas primeiras semanas; além disso examinou a influência do ambiente apenas superficialmente, nunca reconhecendo realmente que juntamente com a dependência da fase precoce da lactação há, na verdade, um período em que não é possível descrever um lactente sem descrever a mãe de quem o lactente ainda não se tornou capaz de se separar para se tornar um self^8 (Winnicott, 1983 [1965va], p. 161). Afirmar que criatividade primária é pessoal e que não é introjeção seguida de projeção não significa, porém, que ela não dependa do mundo. A experiência criativa necessita de objetos para que neles possa se realizar. O que não implica em que aquilo que é encontrado pelo indivíduo é por ele copiado. O bebê que começa a entrar em contato com objetos ou sensações, quando o faz de forma criativa, tem a ilusão de criar aquilo que encontra e nisto contribui com algo original e pessoal. Neste processo o mundo é constituído pelo indivíduo e dotado de significado particular para aquele que o cria.

Segundo Winnicott é necessário que haja um mundo previamente estabelecido para que nele o indivíduo possa expressar sua criatividade. O autor

(^7) Conceito elaborado por Klein e que descreve uma etapa do desenvolvimento do bebê de início próximo aos seis meses, caracterizada pelo sentimento de culpa resultante dos impulsos destrutivos. Winnicott baseia-se nesta fase para descrever o que chama de estágio do concernimento ( concern ou em algumas traduções “preocupação”). Diferentemente da posição depressiva, para ele o início do concernimento se dá somente após o primeiro ano de vida e sua ênfase não está na culpa, mas na capacidade de se preocupar com o outro. Sobre a questão vide capítulo III item 1. (^8) De acordo com Winnicott o si-mesmo ( self ) é um desenvolvimento do ser humano que, apesar de ser determinado por uma tendência inata, não tem como garantida sua consolidação, pois depende, além da integridade orgânica, de um ambiente propício. “No começo teórico existe o estado de não integração, uma ausência de globalidade tanto no espaço quanto no tempo. Neste estágio não há consciência” [Winnicott, 1990 [1988], p. 136]. É em tal período que, segundo o autor, o bebê deve ser descrito não como uma unidade, mas em sua relação com a mãe. Esta é sentida pelo lactente, que ainda não é capaz de conceber o eu ou o outro, como parte dele. No texto Sobre as bases para o self no corpo [Winnicott, 1994 (1971d)] Winnicott define o si-mesmo como “a pessoa que é eu, que é apenas eu, que possui uma totalidade baseada no funcionamento do processo de maturação. Ao mesmo tempo, o self tem partes e, na realidade, é constituído dessas partes. Elas se aglutinam desde uma direção interior para exterior no curso do funcionamento do processo maturacional, ajudado como deve ser (maximamente no começo) pelo ambiente humano que sustenta e maneja e, por uma maneira viva, facilita. O self se descobre naturalmente localizado no corpo, mas pode, em certas circunstâncias, dissociar-se do último, ou este dele. O self se reconhece essencialmente nos olhos e na expressão facial da mãe e no espelho que pode vir a representar o rosto da mãe. O self acaba por chegar a um relacionamento significante entre a criança e a soma das identificações que (após suficiente incorporação e introjeção de representações mentais) se organizam sob a forma de uma realidade psíquica interna viva. O relacionamento entre o menino ou a menina e suas próprias organizações psíquicas internas se modificam de acordo com as expectativas apresentadas pelo pai e pela mãe e por aqueles que se tornaram importantes na vida externa do indivíduo. São o self e a vida do self que, sozinhos, fazem sentido da ação ou do viver desde o ponto de vista do indivíduo que cresceu até ali e está continuando a crescer, da dependência e da imaturidade para a independência e a capacidade de identificar-se com os objetos amoroso maduros, sem perda da identidade individual” (p. 210).

aponta para a existência de um paradoxo que é o fato de o objeto descoberto pelo bebê ser ao mesmo tempo por ele criado e também por ele encontrado.

Quando estamos em gozo de nossa sanidade, realmente só criamos aquilo que descobrimos. Até mesmo nas artes não podemos ser criativos no vácuo, a menos que sejamos solistas num hospício ou num asilo de nosso próprio autismo (Winnicott, 2005 [1986h], p. 38- 39). Uma ideia que Winnicott desenvolve a partir do paradoxo constatado na infância é a de que por toda a vida somente é possível ser original com base na tradição (Winnicott, 1975 [1967b], p. 138). É o estudo de um determinado campo do conhecimento humano que possibilita a expressão da criatividade em tal campo ( Idem , 2005 [1986h], p. 39).

A expressão criativa precisa ir de encontro a um mundo organizado para nele tomar forma. No começo não há estruturação psíquica, ou consciência de si mesmo ou do outro, somente a não-integração e a amorfia. É desta amorfia que parte o impulso próprio, a criatividade primária, que ganha forma nos objetos mundanos.

Com o passar do tempo, a não-integração dá lugar à integração com o ganho gradual da consciência do eu e do mundo, e com a aglutinação de aspectos inicialmente dissociados do si-mesmo. Isto significa que o corpo passa a ser percebido como parte de um si-mesmo, as experiências vividas começam a se relacionar e os diferentes humores começam a ser percebidos como aspectos de um mesmo eu.^9 Para Winnicott, a tendência à integração é inata, mas sua concretização depende de um ambiente favorável, o que corresponde a cuidados adequados por parte da mãe ou de quem realize este papel.

Com a integração torna-se possível a desintegração. No princípio existem apenas momentos de integração que, com o passar do tempo, vão se tornando mais frequentes e duradouros. “Enquanto a integração vai se tornando um estado contínuo do indivíduo, a palavra desintegração revela-se mais apropriada para descrever o negativo da integração do que o termo não-integração” (Winnicott, 1990 [1988], p. 137). Diferentemente da não-integração, a possibilidade de desintegração é geradora de angústia. “Gradualmente, à medida que o self se desenvolve em força (^9) No esclarecimento do processo de integração, Winnicott aponta para os três principais aspectos que o constituem, o que ele chama de “tarefas fundamentais”. Tal assunto é tratado no item 4 do capítulo II: “Criatividade e desenvolvimento das tarefas fundamentais”.

este momento ao discutir criatividade primária, o potencial criativo é inato e, já no útero, o feto tem elaborações criativas, conforme crê o autor.

O que é necessário para que então a criatividade possa se manifestar é um mundo no qual ela o faça, e isto é apresentado através da mãe e mais especificamente de seu seio nas primeiras experiências de amamentação. O bom funcionamento desta primeira mamada teórica depende da relação entre mãe e bebê. Se tudo ocorrer de forma satisfatória, nesses primeiros contatos a experiência criativa pode ser experimentada e desenvolvida ao longo da vida. Em oposição, um começo problemático pode corromper a capacidade de sentir-se criativo de forma a afetar todo o processo de amadurecimento.

A vida não criativa é patológica no entendimento de Winnicott. A criatividade primária quando não experimentada na infância pode levar ao desenvolvimento de um adulto que não age no mundo por vontade própria, mas respondendo às demandas externas sem que a vida faça sentido para ele. Indivíduos assim se submetem à realidade à custa de sua pessoalidade, pois foi o que aprenderam a fazer. Este tipo de comportamento implica na supressão da própria subjetividade, que é totalmente substituída pelo mundo objetivo.

Na vida adulta, quando há saúde, a criatividade se faz presente como um desenvolvimento do potencial criativo primário. Conforme escreve Winnicott ela é expressa na arte, religião e manifestações culturais em geral. Qualquer atuação saudável e prazerosa no mundo tem em sua base um impulso criativo próprio. O ser humano que não vive criativamente não sente prazer no que faz, ele pode perceber- se como indiferente à vida.

Uma autora que compartilha grande parte das ideias de Winnicott a respeito da criatividade é Marion Milner (1900-1998). Os trabalhos de ambos se relacionam e eles mantinham contato realizando constantes discussões teóricas. Ela o conheceu em uma de suas palestras e passou a frequentar sua clínica no hospital infantil Paddington Green como observadora (Milner, 1987 [1972], p. 245-246).

Milner, assim como Winnicott, concebe a criatividade como uma forma de expressão que torna próprio aquilo que pertence ao mundo e aponta para o brincar e para a arte como duas possibilidades desta apropriação. Em concordância com Winnicott ela acredita serem necessários “estados de ilusão de unicidade com o

meio” (Milner, 1987 [1952], p. 105) para que seja alcançada uma relação saudável com os objetos;

as identificações básicas que tornam possível encontrar novos objetos, encontrar o familiar no que não é familiar, requerem uma capacidade de tolerar uma perda temporária do self ; requerem uma desistência temporária do ego discriminante, que fica apartado tentando ver objetivamente as coisas, tentando vê-las racionalmente, sem as cores emocionais (Milner, [1952], p. 102). Apesar desta convergência de pensamentos, as ideias de Winnicott diferem das de Milner em um aspecto essencial: a autora ainda vê a criatividade como fruto da projeção de algo introjetado, já a teoria winnicottiana introduz uma grande inovação em relação à psicanálise ao discordar desta concepção e, ao contrário, conceber a criatividade como aquilo que possibilita que o mundo se inaugure frente ao bebê de forma pessoal antes da existência de um si-mesmo no qual possa haver introjeções. Isto significa que para Winnicott a criatividade é primária.

Esta é uma questão de extrema importância, pois está na base da diferença entre a teoria de Winnicott e a da psicanálise ortodoxa. Para Freud, o fator de maior relevância no desenvolvimento psíquico do ser humano é a sexualidade. Isto fica claro em sua obra Três ensaios sobre sexualidade (1996 [1905]), na qual concebe o ser humano como movido por pulsões sexuais desde seu nascimento, as quais teriam papel fundamental nas interações com o mundo e possibilitariam que ele se tornasse significativo para o indivíduo por meio da internalização dos objetos.

Estabelecemos o conceito da libido como uma força quantitativamente variável que poderia medir os processos e transformações ocorrentes no âmbito da excitação sexual. (...) Deveria ser tarefa de uma teoria da libido, no campo dos distúrbios neuróticos e psicóticos, expressar todos os fenômenos observados e os processos deduzidos em termos da economia libidinal (Freud, 1996 [1905], p. 205-206). De forma diferente, Winnicott concebe o desenvolvimento humano em termos de amadurecimento pessoal, o que significa constante processo de integração do si-mesmo. A criatividade exerce papel fundamental nisso, sendo imprescindível em uma interação saudável com o mundo, pois somente ela permite sua significação. Nas palavras de Phillips:

desde o início, ele (Winnicott) afirmava, o bebê buscava contato com uma pessoa, não a gratificação instintual de um objeto. (...) ele clama