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Este texto discute a relação entre a imaginação e a realidade, enfatizando a importância da experiência anterior na criação. O autor aborda a atividade criadora da imaginação e sua dependência da riqueza e diversidade da experiência anterior. Além disso, ele discute a forma superior de relação entre fantasia e realidade, que torna-se possível graças à experiência social. O texto também aborda a importância da imaginação na infância e na criação.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
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Imaginação e
criação na infância
Doutora em Educaçãopela Uninamp e pós-doutorada pelo Departamento de Psicologia da UniversidadeClark Professoraassistente doutora na faculdade de Educação da Unicamp
Zoia Prestes
Idestre em Educaçãoe graduada em Pedagogia e Psicologia Pré-escolar pela UniversidadeEstatal de Pedagogiade Magoou
65513
CH::=n;mEH:
marcas de impressões precedentes. Quando me lembro
» O conceito de af/w/date tem raízesno materialismo histórico-dialético de Karl Marx e está relacionado às bases materiais da existên cia. Refere-seà atividade especificamente humana, conscientemente orientada, que só setornou possívelno âmbito das relações sociais, e emergiu na história dessas relaçõesl é mediada por ins- trumentos e signos. Vigotski esteve interessado em inves- tigara atividade psíquica do homem com base nos prin- cípios do materialismo histó- rico-dialético. Distanciando- -se de uma visão naturalista ou estritamentecognitivista da natureza humana, ele re- alça o potencial gerador e transformador da atividade criadora, que possibilita ao hometn planejar, projetar e construirsuas próprias con dições de existência.
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14 VIGOTSKI } ENSAIOS COMENTADOS IMAGINAÇÃO E CRIAÇÃONA INFÂNCIA 15
yqçe a esse segundo gênero de comportamento criador ou »Comoinúmerospensado-:l icombinatório. O cérebro não é apenaso órgão que conser- imaginaçãoa'''c.nt,am-seÍ/va e reproduz nossa experiência anterior, mas também o intrinsecamentearticuladas.IJ que combina e reelabora, de forma criadora, elementos da Aristótelesjádiziaqueme- U .....:4...'. '. .. «óri,e paginaçãoperten-l experiência anterior, erigindo novas situaçõese novo com-
Vigotskiaocérebroindicaa mera reprodução do velho, ele seria um ser voltado somen- buwadasbmesu.i.."''s te para o passado, adaptando-se aoNfüturo apenas na medi- fundamenlosa@gânicmno 'i) da em que este reproduzisse aquelejE exatamente a ativida- "t'-t'. elecHtéaa p"l=1:~j)\idecriadora que faz do homem um ser que se volta para o
deexpn'açã'dofunc.na' \l A psicologia denomina de imaginação ou fantasia essa reduzemmoou ao idealismo.aoa?sociacionis- ljatividade criadora baseadana capacidadell. ,.. de combinação do nosso cérebro. Comumente, entende-se por imaginação »Vgotskiusasemdistinção ou fantasia algo diferente do que a ciência denomina com úzt'tin's.ffaaS«nação.rdi'essaspalavras. No cotidiano, designa-se como imaginação grega.Nahistóriadasideias. ou fantasia tudo o que não e real, que não corresponde à c'con:i'm's.s doist"mw realidade e, portanto, não pode ter nenhum significado prá- Mficados Dependendodocampodemaisospecíncos. tacosério.INa verdade, 4 imaginação, base.dç.tQd&atividçlde.. "'-4r..,.. '--;;-::'o '.I'''''"''' .' ..;lhe.im".toe da'eh'en' credora, ifi.anifesta-se,sem dúvida, em todos os campos da p'i'"'' ilwaai açm pstão ' ,rtvida iiiiiüial, tornando também possível a c:113çãQ.g!:!Íggca, tar maisngadaà formação Í a científica e a técni!!;INesse sentido, necessariamente, tudo de '"g".Santnsó'ias'/«, 1 0 qtlíê-aios cerca e foi feito pelas mãos do homem, toda.g lacionadaaodevaneioe à '. -piunda.da cultura, diferentemente do mundo da natureza,
ficção. ... 'P judo isso é pmduto da:iglaginação e da criação humana
Robot', "antesde armar-se, de realizar-se de fato, manteve-
meio de novas combinações ou correlações, apenas pela
'[...] A grande maioria das invenções Éoifeita sabe-se]á por quem. Conservaram-se apenas alguns poucos nomes dos grandesinventores.Aliás, a imaginação sempreperma- nece por si só, quer se manifeste numa pessoa ou coletiva mente. Quem sabe quantas imaginações foram necessárias para que o arado, anteriormente um simples pedaço de pau com aspontas calcinadas a fogo, setransformasse de um ins- trumento manual singelo no que é hoje, após uma série de modiâcações descritas em textos especializados? Do mesmo modo, a chama tênue do graveto de uma árvore resinosa, a grosseiratocha primitiva, leva-nos por uma longa série de invenções até a iluminação a gás e a elétrica. Podemos dizer que todos os objetos da vida cotidiana, sem excluir os mais simples e comuns, são ímagírzação cristalizada.:'
ção não corresponde plenamente à compreensão científica dessa palavra. No entendimento comum, a criação é o des- tino de alguns eleitos, gênios, talentos que criaram grandes obras artísticas, âzeram notáveis descobertas científicas ou inventaram alguns aperfeiçoamentos na área técnica. Reco- nhecemos de bom grado e prontamente a criação na ativi- dade de Tolstoi, Edison e Darwin, porém é corriqueiro pen- sarmosque na vida de uma pessoacomum não haja criação.
eletricidade age e manifesta-se não só onde há uma gran- diosa tempestade e relâmpagos ofuscantes, mas também na
criação, na verdade, não existe apenas quando se criam grandes obras históricas, mas por toda parte em que o ho- mem imagina, combina, modifica e cria algo novo, mesmo que essenovo se pareça a um grãozinho, se comparado às
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Ribot, Théodule Armand(i839-igi6).(N. da t.)
16 ViGOTSKI l ENSAIOS COMENTADOS (^) IMAGINAÇÃO E CRIAÇÃO NA INFÂNCIA 17
» Note-se a ênfase na di- mensão coletiva, histórica.
criações dos gênios. Se levarmos em conta a presença da imaginação coletiva, que une todos essesgrãozinhos não raro insignificantesda criaçãoindividual, veremosque
pertence exatamente ao trabalho criador anónimo e coleti- vo de inventores desconhecidos.
quem, como diz corretamente Ribot. O entendimento cien- tífico dessaquestão obriga-nos, dessaforma, a olhar para a criação mais como regra do que como exceção.É claro que expressões superiores de criação foram até hoje acessíveis apenas a alguns gênios eleitos da humanidade, mas, na vida cotidiana que nos cerca, a criação é condição necessária da existência, e tudo que !ultrapassa os limites da rotina, mes mo que contenha umÃotíildo novo, deve sua origem ao pro cesso de criação do hõíiíêm. Sefor esseo nosso entendimento, então notaremos fa cilmente que)os processos de criação !nanifestam-se com toda a sua força lá na mais tenra infância. fuma das questões mais importantes da psicologia e da pedagogia infantis é a da criação na infância, do desenvolvimento e do significado
amadurecimento da criança. Jána primeira infância', iden- tificamos nas crianças processosde criação que se expres- sam melhor em suasbrincadeiras. A criança que monta tim
menina que brinca de boneca e imagina-se a mãe; a criança que, na brincadeira, transforma-se num bandido, num sol- dado do Exército Vermelho, num marinheiro - todas essas
crianças brincantes representam exemplos da mais autênti- ca e verdadeira criação\É claro que, em suas brincadeiras, elas reproduzem muita do que viram. Todos conhecem o enorme papel da imitação nas brincadeiras das crianças. As brincadeiras infantis, frequentemente, são apenas um eco do que a criança viu e ouviu dos adultos. No entanto, esses \
na brincadeira, exatamente como ocorreram na realidade. l A brincadeira da criança não é uma simples recordação do
sões vivenciadagÉ uma combinação dessas impressões e, baseada nelas, a construção de uma realidade nova que res- ponde às aspiraçõese aos anseios da criança. Assim como na brincadeira, o ímpeto da criança para criar é a imagina- ../ ção em atividade. "0 menino de três anos e meio': conta Ribot, "ao ver um homem manco andando pela estrada, gritou: "'Mãe, veja a perna desse pobre homeml 'Depois, ele começou a contar uma história: o homem estavasentado num cavalo alto, caiu por cima de uma pe- dra grande, machucou a perna; é preciso encontrar algum pozinho para cura-lo;: Nesse caso, a atividade combinatória da imaginação é extremamente clara. Diante de nós, há uma situação criada pela criança. Todos os elementos dessa situação, é claro, são'
contrário, ela nem poderia cria-la. No gQlantg].g:.çombina- çêg.dçlgÊÊ@ntos já rep11çlÊElg..algoEgyo=criado, pró- prio daquela criança e não simplesmente alguma coisa que reproduz o que ela teve a oportunidade de observar ou ver. É essacapacidade de fazer uma construção de elementos,
base dacriação.
» Como outros estudiosos na época, Vigotski ressalta o caráter ativo e criativo da brincadeira no desenvolvi- mento infantil. Em suas aná- lises,mostra como a percep- ção imediata da criança e suasaçõessobre osobjetos vão se transformando pela mediação do outro e do sig- no, particularmente. pela apropriação da forma verbal de linguagem. É na brinca- deira que a criança "começa a agir independentemente daquilo que vê' (A formação soc/a/da mente.p- l l O). Palavras e gestos possibili- tam transformar uma coisa em outra. E a linguagem que torna possívelofazde conta, a criação da situação imagi- nária. A criação não emerge do nada, mas requer um tra- balho de construção históri- ca e participação da criança na cultura. A brincadeira in- fantil é, assim, um lugar por excelência de incorporação das práticas e exercício de papéis e posições sociais.
j \
3.Em seus trabalhos, Vigotski refere-se a diversas idades; primeira infância, que seria a criança até três anos, ea idade pré-escolar, que seria a criança acima de três e até seis ou sete anos.(N. da t.)
20 ViGOTSKI l ENSAIOS COMENTADOS (^) IMAGINAÇÃOE CRIAÇÃONA INFÂNCIA 21
ade IAristóteles, Espinosa, Descartes, Diderot, Cassirer. Stanislavski, entre outros) e enveredava pelo conheci+Pi
mento em psicologia. Partiij cipando dos esforços de' tantos autores. suas tentati- vas se esboçam na busca de um princípio explicativoque possibilite a compreensão da imaginação como af/v/da- te banana (não uma facul dade dada a prfor0, elabo- rada com base na experiência sensível transformada pela própria produção do homem, pela possibilidade de signifi- cação,pela cultura.
mas principais de relação entre a atividade .de imaginação e a realidade. Esse esy.arecimento ajudará a compreender que jja imaginação não: é,úm divertimento ocioso da mente, uma l atividade suspensa no ar, mas uma função vital necessária. A primeira forma de relação entre imaginação e reali- dade consiste no fato de que toda obra da imaginação cons- trói-se sempre de elementos tomados da realidade ê"Pre .sentes na experiência anterior da pessoa. Seria um milagre se a imaginação inventasse do nada ou tivesse outras fontes para suascriações que não a experiência anterior. Somente as representações .religiosas e místicas sobre a natureza hu- man!.atribuem a origem das obras da fantasia a uma força estranha, sobrenatural, e não à nossa experiência. De acordo com essavisão, sãoos deusesou os espíritos que inculcam os sonhos às pessoas, a inspiração aos poetas e os Dez Mandamentos aos legisladores. A análise científica das construções mais fantasiosas e distantes da realidade, por exemplo, dos contos, mitos, lendas, sonhos etc., con- vence-nos de que ascriações mais fantásticas nada mais são do que uma nova combinação de elementos que, em última instância, foram hauridos da realidade e submetidos à mo- diõcação ou reelaboração da nossa imaginação. É claro que a ízbzzchka:sobre patas de galinha existe so- mente no conto fantástico, mas os elementos que embasam essa representação fantasiosa foram tomados da experiên- cia humana real. É somente a sua combinação que possui traços do fantástico, isto é, não corresponde à realidade. To- memos como exemplo a imagem de um mundo fantástico
Na enseada, há um carvalho verdejante Nessecarvalho, há uma corrente de ouro, E um gato sábio, de dia e de noite, Anda em círculos pela corrente. Ao ir-à direita, canta uma canção; Vai à esquerda,conta um conto. Lá há magias e silvanos, E uma sereia nos galhos; Lá nas trilhas misteriosas, Há pegadasde animais nunca vistos; A ilbá lá tem patas de galinha, 'Não tem janelas, nem portas.
Pode-se seguir essetrecho inteiro, palavra por palavra, e demonstrar que, nesse conto, apenas a combinação de ele- mentos é fantástica, ao passo que os elementos em si foram hauridos da realidade. O carvalho, a corrente de ouro, o gato e as canções existem na realidade; apenas a imagem do
contando contos, apenasa combinação desseselementos é que é fantástica. Quanto às imagens de cunho puramente fantástico que âguram em seguida, como os silvanos, a se reia, a izbz4c/zkasobre patas de galinha, todas são tão so- mente uma combinação complexa de alguns elementos su- geridos pela realidade. Na imagem da sereia, por exemplo, encontram-se a representação da mulher e a de pássaro no galho; na ízbzzc/zkaencantada, a representação das patas de galinha e a de uma isbá, e assim por diante. Dessa forma, a imaginação sempre constrói de mzltg-
mais, novos níveis de combinações, concertando, de início;jl l 'i;i elementos primários da realidade(gato, corrente, carva: Ul
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i. Diminutivo de izba(em português, isbá), nome dado à casa camponesa de ma- deira. (N. da t.) z. Puchkin, Aleksandr Aleksandrovitch(i799-i837), um dois maiores poetas rus sos. (N. da t.)
(^22) VIGOTSKI l ENSAIOSCOMENTADOS IMAGINAÇÃO E CRIAÇÃO NA INFÂNCIA 23
Iho) e, posteriormente, as imagens de cunho fantástico (se- reia, silvano etc.). Porém, os elementosprimários dos qual se cria uma representaçãofantástica distante da realidade serão sempre impressões da realidade. Deparamo-nos, então, com a primeira e a mais impor tante lei a que se subordina a atividade da imaginação. Essa lei pode ser formulada assim: a atividade criadora da ima- ginação depende diretamente da riqueza e da diversidade da experiência anterior da pessoa,porque essaexperiência '/jconstitui o material com que se criam as construções da /jfantasia. Quanto mais rica a experiência da pessoa, mais 11material estádisponível para a imaginação dela. Eis por que 1 1a imaginação da criança é mais pobre que a do adulto, o que se explica pela maior pobreza de sua experiência. ./' Quando acompanhamos a história das grandes inven ções, das grandes descobertas, quase sempre é possível notar que elas surgiram como resultado de uma imensa experiên- cia anterior acumulada. A imaginação origina-se exatamen te desse acúmulo de experiência. Sendo as demais circuns- tâncias as mesmas,quanto mais rica é a experiência, mais rica deve ser também a imaginação. ':Após o momento de acúmulo de experiência': diz Ri-
(incubação). Ele durou i7 anos para Newton, que, quando ânalmente confirmou sua descoberta em cálculos, foi to mado por um sentimento tão forte que precisou confiar a
ton diz que o seu método dos quatérnios de repente apare- ceu-lhe completamente pronto, quando estavasobre a pon- te de Dublin: 'Naquele momento eu obtive o resultado de l anos de trabalhosDarwin coletou material durante suasvia- gens, observou plantas e animais por um longo período e somente após a leitura do livro de Malthus, que caiu em
suasmãos por acaso e o impressionou, é que definiu a forma final de seu estudo. Exemplos semelhantes são encontrados em um grande número de obras literárias e artísticas" A conclusão pedagógica a que se pode chegar com base nisso consiste na afirmação da necessidade de ampliar a ex- periência da criança, caso se queira criar bases suficiente-
a criança viu, ouviu e vivenciou, mais ela sabe ç !!$imiJQy; quanto maior a quantidade ile êleinêntos da realidade de que ela dispõe em sua experiência - sendo.gs.demais,cir- cunstâncias as mesmas -, mais signiíicativae produtiva será'a atividade de sua imaginação. Po! essaprime.irajQrma de relação entre.fantasia e realidade, .já é fácil perceber o quãiito é .equivocadocontrapâ-las. A atividade combinató- ria'êo nosso cérebro não é algo completamente novo em relação à atividade de conservação, porém torna-a mais complexa. A fantasia não se opõe à memória, mas apoia-se nela e dispõe de seus dados em combinações cada vez mais novas. A atividade combinatória do cérebro baseia-se, em última instância, no mesmo processo pelo qual os traços de excitações anteriores são nele conservados. A novidade dessafunção encontra-se no fato de que, dispondo dos tra- ços das excitaçõesanteriores, o cérebro combina-os de um modo não encontrado na experiência real. A segunda forma de relação entre fantasia e realidade é diferente, mais complexa, e não diz respeito à articulação entre os elementos da construção fantástica e a realidade, mas sim àquela entre o.pKodutQ.anal da fantasia e um fenó- meno .complexo da realidade. Quando, baseando-me em estudos e relatos de historiadores ou aventureiros, compo-
Francesa ou do deserto africano, em ambos o quadro resul- ta da atividade de criação da imaginação. Ela não reproduz
» A possibilidadedecriação âncora-se na experiência. Podemos, certamente, pen sar que qualquer experiên cia humana tem sua riqueza, suas possibilidades, suas formas de realização. No que serefere às práticas pe dagógicas, no entanto,tra- ta-se doincansáveltrabalho de inventar e planejar, a cada dia. como viabilizar. de maneira mais efetiva. o acesso das crianças ao co- nhecimento produzido e sua participação na produção histórico-cultural. Podemos aquipensarna própria ativi- dade pedagógica como ati- vidade criadora. Esse modo de concebertraz significati vas implicações sociais e políticas, e tem repercus' sões importantes, em parti cular no âmbito da educa ção pública e nas situações de maior precariedade nas condições de vida.
» Um dos pontos mais po- lêmicos apresentados no texto. Vigotski fala em rique- za e pobreza de experiência relacionada ao acúmulo ou quantidade. O problema. então, é como quantificar e qualificar a experiência. Há que se entenderesse argu- mento. no entanto. com base no princípio da nature- za social do desenvolvimen- to humano. Se pensarmos no caso de crianças aban- donadas, sem contato com outros humanos. como Vitor de Aveiron. ou Amala e Kamala, na Índia, podere- mos compreender melhor a posição de Vigotski. A expe- riência social faz a diferen. ça. No capítulo 4, ele expli- cita mais detalhadamente esse argumento ao analisar as transformações da imagi- nação nainfância e na ado- lescência.
j \
» Podemos formar imagens. criar mentalmente cenas e cenários, imaginar, tomando porbaseaexperiênciaalheia. Isso se torna possível pela linguagem. Tanto a narrativa de uma pessoa quanto o efeito dessa narrativa no ou- tro mobilizam e produzem imagens. Tanto a ficção (can- tos de fadas. por exemplo) quanto a história(os acinte cimentos vividos e narrados) implicam a atividade criado- ra da imaginação.
26 V,GOTSKii ENSAIOS COMENTA00S (^) IMAGINAÇÃOE CRIAÇÃONA INFÂNCIA 27
determinado instante. Qualquer um sabe que vemos ascoi- sascom olhares diferentes conforme estejamos na desgraça
externa, corporal!.pias também uma interna, que se reflete na seleção de ideias, imagens, impressões: Esse fenómeno 6oi denominado por eles delei da dupla expressão dos seü-
pela palidez, tremor, secura da garganta, alteração da respi- ração e dos batimentos cardíacos, mas também mostra-se no fato de que todas as impressões recebidas e as ideias que vêm à cabeça de uma pessoa, naquele momento, estão co- mumente cercadaspelo sentimento que a domina. Quando
pressupõe-se exatamente essainfluência do sentimento que colore a percepção dos objetos externos. Do mesmo modo que, há muito tempo, as pessoas aprenderam a expressar externamente seus estados internos, as imagens da fantasia servem de expressão interna dos nossos sentimentos. A desgraçae o luto de uma pessoa são marcados com a cor preta; a alegria, com a cor branca; a tranquilidade, com o azul; a rebelião, com o vermelho. As imagens e as fantasias propiciam uma linguagem interior para o nosso sentimen to. O sentimento seleciona elementos isolados da realidade,
mente pelo nosso ânimo, e não externamente, conforme a lógica das imagens.
emocional comum. A essênciadessalei consiste em que as impressoes ou as imagens que possuem um signo emocio-
emocional semelhante, tendem a seunir, apesarde não ha-
ver qualquer relação de semelhança ou contiguidade explí- cita entre elas. Daí resulta uma obra combinada da imagi- nação em cuja base está o sentimento ou o signo emocional comum que une los elementos diversos que entraram em relação. '%.simpressões':diz Ribot, "que sãoacompanhadaspelo mesmo estado afàivo da reação, posteriormente associam -seentre si; a semelhança afetiva une e entrelaça impressões diferentes. Isso difere da associação por contiguidade, que representa a repetição da experiência, e da associação por
porque percebemos as relações de semelhança entre elas, mas sim porque têm um tom afetivo comum. A alegria, a tristeza, o amor, o ódio, o espanto,o tédio, o orgulho, o can faço etc. podem se transformar em centros de gravidade que agrupam impressões ou acontecimentos sem relações racionais entre si, mas marcados com o mesmo signo ou traço emocional: por exemplo, alegres,tristes, eróticos etc.
senta-se em sonhos ou devaneios, isto é, em um estado de
ao acaso,de qualquer jeito. É fácil entender que essainflu-
recer o surgimento de agrupamentos totalmente inespera- dos, representando um campo quase ilimitado para novas combinações, já que o número de imagens que têm a mes- ma marca afetiva é extremamente grande' Como exemplos simples desse tipo de combinação de
apontar casoscotidianos de associação de duas impressões
fato de nos provocarem estados de ânimo semelhantes.
» Em Psicologia da arte, Vigotskifazreferência à con- tribuição específica de Zienkovski (Ps/co/og/a da arte. p 2581. que mostra como as emoções se articu- lam a imagens, que, por sua vez,transformamasemoções. Daí sua dupla expressão.
j \
» Refere-se à convergência ou (con)fusão de imagens distintas pela prevalência de um afeto ou sentimento co- mum. A emoção ou o senti- mento agregam imagens, enquanto o estado emocio- nal atua na significação de uma experiência.
28 ViGOTSKI l ENSAIC'S COMENTADOS IMAGINAÇÃO E CRIAÇÃO NA iNfÂNciA 29
Quando dizemos que o tom azul-claro é frio e o vermelho é quente, aproximamos a impressão azul e a impressão frio
zem em nós. É fácil entender que a fantasia guiada pelo fa tor emocional pela lógica interna do sentimento cons- tituirá o tipo de imaginação mais subjetivo, mais interno.
imaginação e emoção. Enquanto, no primeiro caso que descrevemos,os sentimentos incluem na imaginação, nes se outro, inverso, a imaginação influi no sentimento. Esse
Robot do seguinte modo: "Todas as formas de imaginação
que qualquer construção da fantasia influi inversamente sobre nossos sentimentos e, a despeito de essaconstrução
que provoca é verdadeiro, realmente vivenciado pela pe! soa, e dela se aposta. Vamos imaginar um simples caso de
fosse alguém estranho ou um bandido que entrou na casa.
irreal, mas o medo e o susto que vivenda são verdadeiros, são vivências reais para ela. Algo semelhante ocorre com qualquer construção fantasiosa. É essalei psicológica que
fantasia de seus autores, exercem uma ação bastante forte em nos. As paixões e os destinos dos heróis inventados, sua ale-
giam-nos, apesar de estarmos diante de acontecimentos in verídicos, de invenções da fantasia. Isso ocorre porque as
emoções provocadas pelas imagens artísticas fantásticas
tamente reais e vividas por nós de verdade, franca e profun- damente. Muitas vezes, yma.simples -combinação. de impressões externas - por exemplo, uma obra musical - provoca na pessoaque a ouve um mundo inteiro e comple xo de vivências e sentimentos. Essaampliação e esseapro-
lação entre fantasia e realidade. Por um lado, essa forma liga-se intimamente com a que acabamos de descrever, mas, por outro, diferencia-se dela de maneira substancial.
pode ser algo completamente novo, que nunca aconteceu na experiência de uma pessoa e sem nenhuma correspon: dência com algum objeto de fato existente; no entanto, ao ser externamente encarnada, ao adquirir uma concretude material, essaimaginação "cristalizada': que se fez objeto,
tras coisas. Essaimaginação torna-se realidade. Qualquer dispo
carnada. Pises dispositivos técnicos são criados pela ima- ginação Combinatória do homem e não correspondem a
de, porque, ao se encarnarem, tornam-se tão reais quanto
os cerca. Essesprodutos da imaginação passaram por uma lon- ga história, que, talvez, deva ser breve e esquematicamen-
» Também chamada por Vigotski de /e/ da rea//date dos sentimentos \Psicologia da arte, p- 260), ou /e/ da sensação real Cobras esco- g/das, v. IV. p. 434). Vigotski chamaa atenção para a for- ça da ;mugem em ação e a realidade da sensação/emo- ção por ela provocada.O exemplo do medo realmente experienciado na situação imaginada ajuda a compre' ender o argumento. j \
32 viaoTSKil ENSAios COMEM'rAOOS IMAGINAÇÃOE CRIAÇÃONA INFÂNCIA^33
corvo começou a bicar a refeição e a se deliciar com ela. A águia bicou uma vez, bicou outra, bateu as asase dis- se: "Não, irmão corvo, melhor uma vez beber sangue vivo do que passar trezentos anos alimentando-se de carniça. E o futuro, seja o que Deus quiser!" Eis o conto calmuco.
vocada pela invenção: 'a.s invenções fazem-me derramar em lágrimas't Para convencer-se de que a imaginação, nes- se caso,descreveo mesmo círculo completo que quando é
ação que a obra artística provoca na consciência da socie dade. Gogol criou O í/zspeforgeral e os atores interpreta-
uma obra de fantasia, enquanto a própria peça, interpreta da no palco, desnudava com muita clareza todo o horror
costumes aparentemente inabaláveis, mas que sustenta vam a vida, que todos sentiram que continha uma enorme ameaçapara o regime por ela retratado. E o tsar, presente à estreia, sentiu isso mais que qualquer um: "Hoje sobrou
11 As obras de arte podem exercer essainfluência sobre a consciência social das pessoas apenas porque possuem sua
assim como Pugatchiov- combina as imagens da fantasia não à toa e sem propósito ou amontoando-as casualmente,
:- 'de arte seguem a lógica interna das imagens em desenvol- vimento, lógica essaque se condiciona à relação que a obra estabeleceentre o seu próprio mundo e o mundo externo. No conto do corvo e da águia, as imagens são dispostas e
forças daquele período e que se fazem presentes nas pes
desse tipo de círculo completo que descreve a obra artísti- ca é apresentado por L. Tolstoi em suas declarações. Ele
Guerra e paz:
imaginação e pode-se dizer até de uma imaginação total- mente desvinculada da realidade. Corvo e águia falantes existem apenascomo invencionice da velha calmuca. No entanto, é fácil constatar que em outro sentido essacons
influi. SÓque essarealidade não é externa, e sim intern!
tes não pela verdade externa, mas pela verdade interna. É
e de vida, duas maneiras diferentes de relaçãocom o mun- do e, de um modo que não era possível esclarecer por
modo de sua expressão na história, essa diferença impri- me-se na consciência com muita clareza e com enofme~ força de sentimento. O conto ajuda a esclareceruma relação cotidiana CQn!.- plexa; suasimagens iluminam um problema vital, e o que não pode ser feito de um modo frio, em prosa, realiza-se .nahistória pela linguagem figurativa e emocional. Eis por que Puchkin está certo quando diz que o verso pode gol- pear o coração com uma força nunca vista; eis por que, em
» Vigotski se refere aqui. mais especificamente, à criação literária e teatral,. mas aponta que a obra de arte não se reduz a essas formas de criação. Como construção humana, como atividade criadora do ho- mem, a obra literária implica um trabalho composicional específico, uma arqu.ífefón/- ca, como diria Bakhtin. A reunião de imagens. a carac terização de personagens,a descrição de cenas, o de senrolar da trama; os modos de narrar,as escolhasde pa- lavras e pontos de vistajas imagens dé l5ossíveis enter: locutoresltudoissofaz par- te desse trabalho! cyjgprp: duto final transcende o momento de criação, adqui re uma existência autónoma, e escapa do domínio do criador.produzindo efeitos e afetos no próprio autore na queles que o i;éõébem.
j \
VIGOTSKI ENSAIOS COMENTADOS
"Peguei a Ténia'l diz ele, "remoí com a Sânia, então, saiu a Natacha' Ténia e Sânia são, respectivamente, sua cunhada e es- posa, duas mulheres reais. Da combinação das duas foi pro- duzida uma imagem artística. Os elementos hauridos da realidade, longe de se combinarem pelo livre desejo do ar- tista, fazem-no segundo a lógica interna da imagem artísti ca. Certa vez, Tolstoi ouviu a opinião de uma das leitoras a
heroína de seu romance, obrigando-a a jogar-se debaixo do trem. Tolstoi, então, disse; 'Issolembra-me um casoocorrido com Puchkin. Certa vez, ele disse a um de seus colegas: 'Imagine o que Tatiana aprontou comigo. Ela casou-se. Jamais esperava isso dela O
meus heróis e heroínas, às vezes,fazem coisas que eu nao esperava.Eles fazem o que devem fazer na vida real, como acontece de verdade na vida real, e não o que eu quero Verificamos essetipo de declaração em vários autores, que destacam a lógica interna que norteia a construção de uma imagem artística. Num exemplo maravilhoso, Wundt expressou essa lógica da fantasia ao dizer que a ideia de ca-. samento pode inculcar a ideia de sepultamento (união e
dente.
mosjustaposições de traços distantes uns dos outros e apa' rentemente desconexos, que, todavia, não são e$tEêDhos uns aos outros, como a ideia de dor de dente e de casamen-
» Quando fala em lógica in- terna - do sentimento. da imaginação, da imagem artís- tica. da obra de arte --, Vigotski se refere à dimensão intrínseca, própria de uma es- fera de atividade;àquilo que constitui uma especificidade, um modo característico de operar; àquilo que sustenta uma consistência interna e a prevalência de alguns senti- dos historicamente construí- dos. Aproximando-sedos ob- jetos de estudo pelo prisma do materialismo histórico- .diabético,ele procura com- preenderás relações e a di- nâmica internas a urDfenó- meno nas suas contr::lições, buscando incorpor#las nas análises. Em /)s/CQ©gé.da arte, por.exempjg-Vigotski mostra como a obra de qrtg. mobilizaemoções contradité. rias e produz um efeito?.99tê: iiêãããBüperaçãg gêtSP!)' {i:ãdiçõeg. Essa busca se intenslficae se explicita no es- tuda'da$1.!gjações.entrepen-- lamento. linguagem. cone. ciêhÕb,1lgQÜ@ç;'.