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Riso e Correção de Costumes: Função Ético-Moral na Sociedade Cidadã de Fortaleza, Slides de Tradução

Este documento analisa a expressão latina 'ridendo castigat mores', traduzida como 'rindo castiga os costumes', e sua importância na sociedade de fortaleza no final do século xix. O texto discute como as folhas pasquineiras, como 'o patusco', serviram como mecanismos de correção de hábitos considerados impróprios e desviantes, gerando sentidos de vergonha e humilhação. Além disso, o documento explora o papel dos 'guardiões' da moral e da ordem na sociedade, e como o riso assumiu um caráter ético-moral.

Tipologia: Slides

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Roseli
Roseli 🇧🇷

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“CORRIGE OS COSTUMES RINDO”: HUMOR, RISO E VERGONHA NA CIDADE DE
FORTALEZA (1850-1900). Marco Aurélio Ferreira da Silva
Professor Assistente – FECLESC/UECE.
Doutor em História pela UFPE
"Corrige os costumes rindo" é a tradução da expressão tomada de empréstimo da
divisa latina "Ridendo castigat mores",1 empregada freqüentemente nos frontispícios dos
jornais pilhéricos, para o lazer e carnavalescos do século XIX. É o caso da pequena folha “O
Patusco”,2 que circulava na cidade de Fortaleza em 14 de dezembro de 1890 e que, além
dessa expressão latina, trazia no alto de sua primeira página, acompanhando o título, a
sentença “Jornal Sério-Moleque”.
A frase latina, “Ridendo castigat mores”, apesar das distintas maneiras de sua
formulação e das diferentes traduções, demonstra sentidos semelhantes: a punição e a
correção pela repreensão ou censura. Ou, ainda, a tentativa de moralizar os costumes pelo
humor. É o intento de reformar hábitos considerados desviantes e/ou subversivos da ordem
social ou simplesmente ridículos ou irracionais, para os "bons cidadãos" travestidos de
críticos e guardiões de costumes. Tais cidadãos "procuravam castigar o que consideravam
errado". Era necessário emendar pela advertência.3
Dentre os principais agentes envolvidos na tentativa de fazer valer um projeto
moderno e civilizado para Fortaleza, que, como vimos, passava por significativas
modificações, havia a participação de muitos dos proprietários/redatores das folhas
pasquineiras. Estes, ao assumirem o papel de “guardiões” da moral e da ordem, precisavam
criar um satisfatório estado de convivência social, pautado por hábitos e costumes
civilizados. Era necessário introduzir "novas" regras de ação prático-normativa que
1 "Em seu levantamento de fontes das citações latinas mais usuais, intitulado Não perca o seu latim (Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1980), o professor Paulo Ronái registra ridendo castigat mores como de autoria do
poeta neolatino Jean de Santeuil (1630-1697), ao propor para dístico de um busto de Arlequim o dito Castigat
ridendo mores. Ao traduzir a frase por 'Rindo castiga os costumes', o erudito autor romeno-brasileiro passa por
alto o sentido original da palavra latina, que antes da idéia de punição privilegiava, com a palavra castigo, o
sentido de obtenção da correção de algo errado pela repreensão ou censura. A melhor tradução de castigat
ridendo mores seria, pois, corrige os costumes rindo, ou com o riso (ou ainda 'a rir', como preferem os
portugueses e, de fato, tornaria a expressão ainda mais clara e expressiva)". TINHORÃO, José Ramos. A
Imprensa Carnavalesca no Brasil: Um Panorama da Linguagem Cômica. São Paulo: Hedra, 2000, p.114.
2 “Adj. 1. que gosta de patuscadas. 2. Brincalhão, divertido; engraçado. 3. Ridículo, extravagante. S.m. 4.
Indivíduo patusco. 5. Pachola. cf. Dicionário Aurélio.
3 GAMA, Lopes. O Carapuceiro: Crônicas de Costumes. Org. Evaldo Cabral de Mello. São Paulo: Cia. das
Letras, 1996. (Retratos do Brasil) e ROQUETTE, J. I.. Código do Bom-Tom: Regras da Civilidade e de Bem
Viver no Século XIX. Org. Lilia M. Schwarcz. São Paulo: Cia. Das Letras, 1997. (Retratos do Brasil)
ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.
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“CORRIGE OS COSTUMES RINDO”: HUMOR, RISO E VERGONHA NA CIDADE DE

FORTALEZA (1850-1900). Marco Aurélio Ferreira da Silva Professor Assistente – FECLESC/UECE. Doutor em História pela UFPE "Corrige os costumes rindo" é a tradução da expressão tomada de empréstimo da divisa latina "Ridendo castigat mores" ,^1 empregada freqüentemente nos frontispícios dos jornais pilhéricos, para o lazer e carnavalescos do século XIX. É o caso da pequena folha “O Patusco”,^2 que circulava na cidade de Fortaleza em 14 de dezembro de 1890 e que, além dessa expressão latina, trazia no alto de sua primeira página, acompanhando o título, a sentença “Jornal Sério-Moleque”. A frase latina, “Ridendo castigat mores”, apesar das distintas maneiras de sua formulação e das diferentes traduções, demonstra sentidos semelhantes: a punição e a correção pela repreensão ou censura. Ou, ainda, a tentativa de moralizar os costumes pelo humor. É o intento de reformar hábitos considerados desviantes e/ou subversivos da ordem social ou simplesmente ridículos ou irracionais, para os "bons cidadãos" travestidos de críticos e guardiões de costumes. Tais cidadãos "procuravam castigar o que consideravam errado". Era necessário emendar pela advertência.^3 Dentre os principais agentes envolvidos na tentativa de fazer valer um projeto moderno e civilizado para Fortaleza, que, como vimos, passava por significativas modificações, havia a participação de muitos dos proprietários/redatores das folhas pasquineiras. Estes, ao assumirem o papel de “guardiões” da moral e da ordem, precisavam criar um satisfatório estado de convivência social, pautado por hábitos e costumes civilizados. Era necessário introduzir "novas" regras de ação prático-normativa que (^1) "Em seu levantamento de fontes das citações latinas mais usuais, intitulado Não perca o seu latim (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980), o professor Paulo Ronái registra ridendo castigat mores como de autoria dopoeta neolatino Jean de Santeuil (1630-1697), ao propor para dístico de um busto de Arlequim o dito Castigat ridendo mores. Ao traduzir a frase por 'Rindo castiga os costumes', o erudito autor romeno-brasileiro passa poralto o sentido original da palavra latina, que antes da idéia de punição privilegiava, com a palavra castigo, o sentido de obtenção da correção de algo errado pela repreensão ou censura. A melhor tradução de castigatridendo mores seria, pois, corrige os costumes rindo, ou com o riso (ou ainda 'a rir', como preferem os portugueses e, de fato, tornaria a expressão ainda mais clara e expressiva)". TINHORÃO, José Ramos. Imprensa Carnavalesca no Brasil: Um Panorama da Linguagem Cômica. São Paulo: Hedra, 2000, p.114. A (^2) “Adj. 1. que gosta de patuscadas. 2. Brincalhão, divertido; engraçado. 3. Ridículo, extravagante. S.m. 4. Indivíduo patusco. 5. Pachola. cf. Dicionário Aurélio. (^3) GAMA, Lopes. O Carapuceiro: Crônicas de Costumes. Org. Evaldo Cabral de Mello. São Paulo: Cia. das Letras, 1996. (Retratos do Brasil) e ROQUETTE, J. I.. Viver no Século XIX. Org. Lilia M. Schwarcz. São Paulo: Cia. Das Letras, 1997. (Retratos do Brasil) Código do Bom-Tom: Regras da Civilidade e de Bem

disciplinassem os contatos e circulação entre os indivíduos, os hábitos (sexuais, alimentares etc.), o lazer e as formas de pensar e agir das populações (em especial as populares). Tratava-se de conseguir tomar medidas com antecipação contra a delinqüência, os "desvios" morais, a ociosidade etc. Precisava-se vigiar, combater e controlar tudo aquilo que fosse considerado nocivo ao bem estar de todo o corpo social. A moda, os passeios, os bailes, as festas espontâneas/particulares e públicas (religiosas e políticas), os hábitos sociais, a irreverência popular e os tipos populares, necessitavam ser duramente vigiados e disciplinados para dar efetiva concretização de uma sociedade rumo à modernidade. Aquelas relações afrouxadas, tendo no cotidiano um tempo cíclico e um espaço definidos e regulados pelo sagrado, precisavam ser combatidas, submetidas e modificadas para dar lugar a uma vida do dia-a-dia com elevação de um tempo do repetitivo e do linear. Pois, assim, neste contexto, na vida cotidiana, com a ascensão do tempo linear repetitivo, base para a produção de bens e da organização social, também seria de se esperar que todas as relações entre as pessoas estivessem imersas no mesmo padrão.^4 Esta padronização é tentada e/ou intermediada pelas folhas circulantes, que, repetitivamente, através de seus artigos, não se cansavam de trazer à tona uma série de proibições para o indivíduo melhor se portar socialmente. Então, uma pauta de interdições ou normas de ação e de boa conduta deveriam ser seguidas por todos os grupos envolvidos num processo de interação social da cidade. Na medida que os indivíduos vivem um processo de socialização, eles aprendem e incorporam, mas também constroem e (re)elaboram normas de ação para se conduzirem na sociedade. É como se confeccionassem um manual não escrito presente constantemente na consciência cotidiana de cada um, além das normas escritas e “acordadas” por todos para fim de vivência e experiência coletiva.

(^4) MARTINS, José de Souza. Vergonha e Decoro na Vida Cotidiana da Metrópole. São Paulo: Hucitec, 1999, p. 20-1.

Mais hoje mudão de figura Tomão até limonada! Como o tempo está virado... De tudo "si vesse". As pequenas folhas, ao virem a público, diziam sair com o fim de divertir a população^ Chiquinho. e, em especial, o "belo sexo" (a mulher). No entanto, na medida que envolviam seus leitores com curiosas "fofocas" sobre a vida do outro, terminavam por apontar ações que consideravam ilícitas para o decoro da convivência social e que colocavam em risco uma ordem que se estabelecia como moderna e civilizada. Acabavam, ainda, por estimular o olhar do outro e coadjuvante da ação (o leitor) a assumir o papel de quem corrige e/ou restabelece hábitos adequados à ordem de interação social moderna para a cidade. Seja quem escreve ou quem lê, atua como coadjuvante na preservação das relações entre os indivíduos no grupo. Pois, como observam Miagusko e Ferreira: O papel [das] personagens secundárias é fundamental para o bom andamento da interação. A eles cabe a função de cuidar damelhor maneira de agir e assegurar que as ações 'terminem bem'. Na vida em sociedade, a todo momento somos atores principais e coadjuvantes.consciência do papel de reguladores das situações, não nos sendo Porém, é na segunda situação que temos maior indiferente a quebra do decoro.^6 Investigar com curiosidade a vida íntima do outro, além de "divertir" ("Matar" a curiosidade ao bisbilhotar o viver alheio; rir da desgraça alheia etc.), funcionava como um mecanismo regulador comportamental. Desta forma, o jornal trabalhava como um estratégico mecanismo, não só de divulgação de normas de ação, mas também como um elemento para ajudar no alerta (chamar a atenção) e na internalização de um decoro que mediava a construção das relações sociais. É possível examinar detidamente esta prática corretiva, reguladora e modeladora dos costumes na linguagem humorística e, muitas vezes, insultuosa e pornográfica dos pasquins que circularam em Fortaleza, a partir de meados do século XIX. O cômico/riso assumiu um caráter ético-moral, porque existe no intertexto dos seus artigos o que chamamos de "humor

(^6) MIAGUSKO, Edson e FERREIRA, Lúcia M. Puga. "Circunstantes e Coadjuvantes na Interação Social: O Poder da Vergonha". In: MARTINS, José de Souza.Hucitec, 1999, p. 18. Vergonha e Decoro na Vida Cotidiana da Metrópole. São Paulo:

costumbrista" (sic),^7 que buscava, por meio do riso, corrigir, regular e modelar hábitos. O objetivo era que a livre manifestação dos sentimentos e intenções deveriam ser contidas. Era preciso seguir à risca códigos específicos de comportamentos enquadrados nas regras de civilidade. As regras de sociabilidade "acordadas" pelo grupo social "devem" ser seguidas. As quebras, mesmo que momentâneas da normalidade, são caracterizadas como desvio/vício. E, assim, o riso surge com a função de corrigir e flexibilizar o desvio social. Com o objetivo de correção (Humor de caráter e de marca ético-moral), uma espécie de "trote social":

seu sonho.^ O riso ocorre no caso para corrigir o desvio e tirar a pessoa do Se é lícito comparar grandes coisas com coisas pequenas, lembraremos aqui o que se passa quando entramos paraas escolas. Depois de passar nas terríveis provas de admissão, o candidato tem de submeter-se a outras, que os veteranos lhe preparam para ajustá-lo à nova sociedade e, como costumam dizer,para lhe amaciar o caráter. Toda sociedade pequena que se forma assim no seio da grande é levada, por um vago instinto, a inventar um modo de correção e de amaciamento para a rigidez dos hábitosadquiridos noutros lugares e que será preciso modificar. A sociedade propriamente dita procede exatamente do mesmo modo. Impõe-se que cada um de seus membros fique atento ao que o circunda, semodele pelos circunstantes, e evite enfim se encerrar em seu caráter como uma torre de marfim. E por isso a sociedade faz pairar sobre cadaperspectiva de uma humilhação que, por ser leve, nem por isso é um, quando não o ameaça de um castigo, pelo menos a menos temida. Tal deve ser a função do riso. O riso é verdadeiramentehumilhante para quem é objeto dele uma espécie de (^). 8 trote social, sempre um tanto Como o objetivo desta forma de comicidade, presente nos pasquins, era a correção e a modelagem de hábitos, precisava-se gerar concomitantemente à prática cômica um sentimento de vergonha e de embaraço, para que o elemento desviante, ao ser constrangido, corrigisse e/ou internalizasse o que esperava e impunha a classe social dominante, que tinha como horizonte uma sociedade mais urbana e moderna. O conceito de vergonha usado aqui deve ser entendido como um sentimento associado às idéias de exposição pública por outrem, de juízo negativo e de humilhação.^9 Isso, porque os artigos tinham o intuito de humilhar, rebaixar e inferiorizar publicamente.

(^78) Lopes GAMA, O Carapuceiro: Crônicas de Costumes , p. 10. 1987, p. 72.BERGSON, Henri.^ O Riso: Ensaio sobre a significação do cômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, (^9) LA TAILLE, Yves de. Vergonha, a ferida moral. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 73-112.

fugissem à moral civilizacional. Era preciso rir de alguém, quando essa pessoa manifestava um defeito ou uma "marca de vergonha" que a tornava ridícula. A intenção dos proprietários/redatores, dentro de um debate moral, era de tentar mover ou comover o público a aderir a seu ponto de vista. Precisavam falar e escrever, de modo que as pessoas envolvidas não apenas ficassem convencidas, mas fortemente comovidas. Para isso, uma questão prática irrompia: a da utilização de técnicas de retórica para despertar as emoções profundas e, conseqüentemente, conseguir a adesão do público. Com as técnicas de retórica, nossos redatores procuravam aumentar o assentimento dos espíritos às suas teses. Assim, usavam técnicas que manipulavam as figuras e os tropos do discurso, onde se valiam de argumentos adequados e recursos os mais diversos^11 para melhor influir sobre o ânimo do público leitor.^12 Diante disso, recorreram a uma categoria específica do tropos chamada "tropos zombeteiro", cuja finalidade era suscitar o riso, o "riso de exclusão". Porquanto, ...o fato de o riso exprimir desprezo interessa essencialmente à esfera do discurso público. Como o riso é uma manifestação exterior dessas emoções particulares, (...), podemos esperar fazer dele uma arma de potência incomparável para o debate moral e político.^13 Daí, concluímos que o humor empregado nos pasquins fortalezenses (intertexto dos artigos/colunas) não foi exclusivamente produzido para divertir os leitores. Mas, que este funcionou como arma de convencimento e conquista do seu público leitor, do seu "auditório", e, ainda, como elemento de ataque aos adversários num debate moral e político. Com isso, por meio do humor e do riso, buscava-se manter a hierarquia social. Precisava-se demarcar o lugar para cada indivíduo, pois, numa sociedade altamente estratificada, não existia alguém que se pensasse igual a qualquer outro. Todos estavam (^11) Foram muitos os casos em que lançaram mão de uma linguagem vulgar, que não permaneceu confinada somente à oralidade ou à "epistolografia familiar", mas que se fazia necessária para serem compreendidos e,também, para despertar as identidades e provocar paixões nos leitores. (^12) Estejamos informados que "uma das regras básicas da retórica é que quem escreve tem de saber para quem está escrevendo, conhecer o público que compõe seu auditório. A cada público e de cada redator, o estilocorrespondente. O orador deve ter do seu auditório uma idéia tanto quanto possível próxima da realidade, uma vez que um erro sobre esse ponto pode ser fatal para efeito que ele quer produzir; é em função do auditório quetoda argumentação se deve organizar se esta quiser ser eficaz. A qualidade do auditório determina a argumentação". LUSTOSA, Isabel. 1823). São Paulo: Cia. das Letras, 2000p. 433-434. Insultos Impressos. A guerra dos jornalistas na Independência (1821- (^13) SKINNER, Quentin. “A arma do Riso”. In Folha de São Paulo, 04/08/2002.

contidos numa ordem hierárquica, ocupando as posições de estar acima ou abaixo dos outros. Ao se reforçar a hierarquia social, beneficiava-se todos aqueles que estavam no cume da pirâmide social e política. Eram esses que se encontravam no topo da pirâmide, os que definiam o feio, o torpe, o vil. Porque, possuidores de determinadas concepções morais e seguindo definidas convenções, moldavam um "padrão" moral e ético de comportamento e de ação. E, então, aquele ou aquilo que escapasse a esse "padrão" hegemônico das relações, podia ser vítima da comicidade.^14 Isto levava aquele que não se enquadrava nessa ética comportamental que se pretendia dominante, à sua imediata associação ao baixo, ao menor, ao defeituoso, sem ordem etc., e, assim, sujeito ao cômico moralizador. O riso denunciador desses costumes, que representavam quebra da normalidade do processo interativo, trouxe à superfície um sentimento de vergonha manifesto pelo embaraço daqueles envolvidos, direta e indiretamente, em determinada situação social. Porquanto, quem age de acordo com o decoro age para evitar embaraço (...) A definição da conduta adequada (e também da conduta imprópria) não se da estritamente por um sistema de regras quepodem ser conscientemente apontadas pelos atores. É o embaraço que cada um sente em face de condutas impróprias de terceiros ou de si mesmo que expressa exteriormente a regra interiorizada e é oembaraço que revela à consciência do ator que a conduta está se Seguindo este caminho reflexivo sobre a convivência urbana de Fortaleza, isto nos desenrolando de modo impróprio.^15 faz atentar que o controle da vida social não se dava somente com a fiscalização por parte do Estado, mas, nesse caso, do próprio cidadão, internalizando regras sociais de conduta ("civilidade", "urbanidade" e "etiqueta"). Seria um guardião do decoro, da moralidade, impondo limites entre os comportamentos sociais e secretos. Ou seja, incorporaria o comando do que deveria ser demonstrado ou contido em público, em situações de convívio social.

(^14) Definidos então os adversários, era preciso demoli-los através da sátira, da ironia e da descrição das feições físicas. Estas feições físicas podem ser associadas ao grotesco e/ou à animalidade. (^15) José de Souza MARTINS (Org.), Vergonha e Decoro na Vida Cotidiana da Metrópole , p. 12-3.