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Direitos Reais: Conceitos, Características e Distinções, Notas de aula de Direito

Este documento aborda os direitos reais, sua relação com a coisa objeto do direito, as suas características, como a aderência, prevalência e taxatividade, além de suas distinções em relação aos direitos pessoais. O texto cita autores como manuel henrique mesquita, josé de oliveira ascensão e orlando gomes, e discute conceitos como obrigações reais, direitos reais sobre coisa própria e direitos reais sobre coisa alheia.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

usuário desconhecido
usuário desconhecido 🇧🇷

4.5

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TOM ALEXANDRE BRANDÃO
CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DAS
OBRIGAÇÕES PROPTER REM
E INSTITUTOS CORRELATOS
Dissertação de mestrado em Direito Civil
Orientação: Professora Titular Teresa Ancona Lopez
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Departamento de Direito Civil
São Paulo
2009
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TOM ALEXANDRE BRANDÃO

CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DAS

OBRIGAÇÕES PROPTER REM

E INSTITUTOS CORRELATOS

Dissertação de mestrado em Direito Civil Orientação: Professora Titular Teresa Ancona Lopez

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Departamento de Direito Civil São Paulo

Agradeço à professora Teresa Ancona Lopez pela orientação, paciência e, sobretudo, amizade ao longo desses anos de intenso convívio. Além dos profundos conhecimentos jurídicos – os quais são notórios e inerentes à posição que ocupa – impressiona a humildade e generosidade no trato com os seus alunos, desde o primeiro ano da graduação. É um exemplo que busco seguir em minha vida.

ABSTRACT

This dissertation discusses the propter rem obligations and related legal aspects.

The propter rem obligations are not a new topic and it was studied by all main civil law scholars. However, there are a many unsolved matters related to such obligations, including its exact definition and extension.

The relevance of propter rem obligations is not limited to an academic debate; in fact it is a recurring matter by commentators and court precedents.

Due to the conceptual misunderstanding as to the correct definition of propter rem obligations, this concept has been mistakenly used in several court decisions.

Courts are creating legal obligations without proper legislation, based solely on the argument that such obligations are based on the propter rem principles, including the attribution of supposed legal effects not related to these obligations.

In this context, we believe it is important to revisit the concept of the propter rem obligations to promote a better understanding of several issues.

SUMÁRIO

PARTE I

PARTE II

  • INTRODUÇÃO
    1. Conceito e conteúdo dos direitos reais CAPÍTULO ÚNICO: ASPECTOS GERAIS DOS DIREITOS REAIS
    1. Os princípios e as características fundamentais dos direitos reais
    • 2.1. Sequela
    • 2.2. Preferência ou prevalência
    • 2.3. Perpetuidade
    • 2.4. Eficácia absoluta (oponibilidade erga omnes )
    • 2.5. A taxatividade e a tipicidade
    • 2.6. Outras características
    1. Classificação dos direitos reais
    • 3.1. Direitos reais de gozo
    • 3.2. Direitos reais de garantia
    • 3.3. Direito real de aquisição
    1. Distinção entre os direitos reais e pessoais
    1. Conceito de obrigações reais CAPÍTULO I: OBRIGAÇÕES PROPTER REM
    1. Dos fundamentos das obrigações propter rem
    1. Breves considerações acerca da origem histórica das obrigações reais
    1. Sujeitos da obrigação real
    1. A terminologia empregada
    1. A natureza jurídica da obrigação propter rem
    1. O conteúdo das obrigações reais
    1. A controvérsia a respeito dos direitos reais in faciendo
    1. A taxatividade das obrigações reais
    1. Transmissão da obrigação propter rem : ambulatoriedade
    1. Renúncia liberatória e abandono
    • 11.1. Aspectos gerais
    • 11.2. Das conseqüências da renúncia em relação às obrigações propter rem

INTRODUÇÃO

Para a correta apreensão da noção de obrigação propter rem é necessária uma análise, ainda que não aprofundada, das principais características dos direitos das coisas.

Decerto, a obrigação propter rem está intimamente relacionada aos direitos reais, na medida em que decorre justamente da titularidade de uma situação jurídica do direito das coisas.

Assim, consideramos imprescindível o conhecimento dos aspectos mais importantes dos direitos reais; abordaremos, também, as diferenças essenciais entre os direitos pessoais e reais, pois a matéria é bastante útil à conceituação e natureza das obrigações propter rem.

Essas questões serão desenvolvidas na primeira parte da dissertação.

A segunda parte, que constitui a essência do nosso trabalho, tratará dos fundamentos teóricos das obrigações reais e institutos correlatos.

Pretendemos atualizar o conceito de obrigação real, destacando as suas características mais importantes. Envidaremos esforços para estabelecer critérios que permitam identificar se determinada relação jurídica pode, ou não, ser considerada uma obrigação propter rem.

Trataremos dos atributos que geralmente são associados às obrigações reais, em especial quanto à origem legal (taxatividade), transmissibilidade (ambulatoriedade) e possibilidade de exoneração pela renúncia.

Um ponto de destaque em nossa dissertação diz respeito à diferenciação das obrigações reais e situações jurídicas assemelhadas; é o que ocorre com os ônus reais e as obrigações com eficácia real.

Não raro, essas expressões são utilizadas de forma indiscriminada pela doutrina e jurisprudência, como se sinônimos fossem, em prejuízo à boa técnica.

A terceira parte é dedicada a uma análise detida nas hipóteses mais corriqueiras de obrigações reais.

Abordaremos a contribuição condominial em seus diversos aspectos; serão discutidas a noção de condômino e as conseqüências da transmissão da propriedade em relação às dívidas condominiais pendentes.

Outrossim, trataremos de importante questão debatida em nossos tribunais a respeito da contribuição em condomínios irregulares ou de fato. Para tanto, importa verificar se essas despesas realmente podem ser cobradas pelas associações de moradores e, em caso positivo, se aderem ao imóvel na hipótese de transmissão da propriedade.

As obrigações propter rem têm destaque em matéria ambiental.

É o que acontece, por exemplo, na responsabilidade civil por danos ao meio ambiente. Há acórdãos da lavra do Superior Tribunal de Justiça que estabelecem a obrigação do atual proprietário de área desmatada em promover a recuperação, mesmo que não tenha sido ele o causador da degradação.

Ainda que se admita a importância e o interesse social que motivam essas decisões, é preciso questionar se tal obrigação é realmente propter rem , ao menos segundo os critérios estabelecidos pela nossa doutrina.

Os impostos cujo fato gerador consistem na propriedade de bem imóvel (IPTU e ITR) são comumente considerados pela doutrina obrigações propter rem ou ônus reais.

CAPÍTULO ÚNICO: ASPECTOS GERAIS DOS DIREITOS REAIS

1. Conceito e conteúdo dos direitos reais

Os direitos reais expressam uma verdadeira ideologia e demonstram a forma como a sociedade civil se organiza e se estrutura^1.

Consistem, na definição de Clóvis Beviláqua, no complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem^2. Em termos mais simples, tratam das relações existentes entre os homens e as coisas.

Arnoldo Wald destaca que o direito das coisas “ se caracteriza por um colorido profundamente nacional, sendo marcado por sua época ” 3.

É antiga a discussão a respeito da terminologia apropriada. Os alemães usam a designação Sachenrecht , que pode ser traduzida como direito das coisas. Em Portugal predomina a expressão direitos reais^4.

Para José de Oliveira Ascensão, os direitos reais “ são direitos absolutos, inerentes a uma coisa e funcionalmente dirigidos à afectação desta aos interesses do sujeito”^5.

(^1) Para Orlando Gomes (Direitos Reais, p. 16), “ o Direito das Coisas entende diretamente com a organização social porque regula o poder dos homens sobre os bens e as formas de sua utilização econômica. É a estrutura das fortunas privadas que a ordem jurídica informa, disciplinando o fim da atividade econômica individual 2 ”. Direito das Coisas, p. 9. Os bens imateriais, a exemplo dos direitos autorais, são disciplinados em leis especiais. O Código Civil só disciplina, no Livro do Direito das Coisas, os bens materiais ou corpóreos. Há, ademais, uma série de leis especiais que são inseridas no conceito do Direito das Coisas, a exemplo da legislação sobre loteamentos. 3 Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas , p. 16. E, portanto, afirma que o intérprete deve admitir com reservas as lições do direito estrangeiro sobre a matéria. 4 Entre nós, o Código Civil de 2002 manteve a denominação direito das coisas, que já prevalecia no Código anterior. Para Luciano de Camargo Penteado (Direito das Coisas, p. 72), a expressão direito das coisas é mais ampla, pois abrange também o fenômeno da posse. Decerto, fundamenta o autor, a posse não é caracterizada como direito real pelo artigo 1.225 do Código Civil. Em nosso trabalho, usaremos as expressões direitos reais e direitos das coisas indistintamente. 5 Direito Civil - Reais, p. 44.

Não são todos os bens que interessam ao direito das coisas, mas apenas aqueles úteis à satisfação de necessidades pelo homem.

Do mesmo modo, os bens de extrema abundância (o ar atmosférico e a luz solar como usualmente exemplifica a doutrina) não são abrangidos pelo direito das coisas, pois inexiste interesse econômico que justifique a sua regulação.

Miguel Maria de Serpa Lopes ressalta que a coisa, para consistir em objeto de um direito, deve apresentar os seguintes pressupostos: a) ser representada por um objeto capaz de satisfazer um interesse econômico; b) ser suscetível de gestão econômica autônoma; c) ter capacidade para ser objeto de uma subordinação jurídica^6.

O caráter corpóreo como requisito necessário à configuração de uma situação jurídica real gera polêmica. No Código Civil de 1916 havia um capítulo, no Livro do Direito das Coisas, que tratava da propriedade literária, artística e científica.

Todavia, consideradas as especificidades desses direitos, notadamente pela íntima relação com os direitos extrapatrimoniais, tornou-se necessário um regramento específico^7.

A lei admite, excepcionalmente, a existência de direitos reais sobre bens incorpóreos^8. Os casos mais importantes são o usufruto sobre universalidades e os direitos de garantia sobre direitos ou títulos de crédito.

É importante ressaltar, como será desenvolvido ao longo deste trabalho, que a relação jurídica real não implica apenas poderes e direitos do sujeito sobre a coisa objeto do direito, mas também gera deveres^9.

(^6) Curso de Direito Civil – Direito das Coisas, p. 40. (^7) Cf. Lei 5.988/72 e, posteriormente, a Lei nº 9.610/98. (^8) É a opinião de Orlando Gomes ( Op. cit. , p. 20): “ Objeto de direito real podem ser tanto as coisas corpóreas como as incorpóreas. Sua limitação às primeiras não se justifica. É reconhecida a existência de direitos sobre direitos, que são bens incorpóreos. Admite-se que o usufruto e o penhor possam ser objeto de outro direito real. Discute-se, porém, sobre a possibilidade de ter um direito por objeto um direito pessoal. Admitido que o usufruto e o penhor podem recair em créditos, que são direitos pessoais, nenhuma dúvida subsiste para uma resposta afirmativa. Desde que o poder do titular se exerça diretamente sobre um crédito, em intermediário, como se exerce sobre uma coisa corpórea, o direito é de natureza real ”. Distinta é a posição de Serpa Lopes, para quem é impossível que um direito tenha por objeto outro direito ( Op. cit. , p. 50).

Numa expressão metafórica, o direito real adere à coisa como a lepra ao corpo ( uti lepra cuti )^15.

Observa Oliveira Ascensão que apenas os direitos reais têm sequela^16. A característica é peculiar a toda espécie de direito real e pode voltar-se, inclusive, contra o proprietário^17.

Para Menezes Cordeiro, usualmente os direitos reais são exercidos por meios materiais, de sorte que a sequela só surge como manifestação patológica, isto é, quando o titular é obrigado a recorrer a meios jurídicos para reaver a coisa^18.

2.2. Preferência ou prevalência^19

Restrito aos direitos reais de garantia, consiste no privilégio de obter o pagamento de uma dívida com o valor do bem aplicado exclusivamente à sua satisfação^20.

Nesse passo, uma vez constituído o direito real de garantia, a responsabilidade da obrigação se concentra sobre determinado bem do patrimônio do devedor, excluindo o direito de outros credores que tenham apenas direito pessoal ou, ainda, direito real com inscrição posterior.

Miguel Maria de Serpa Lopes afirma que a preferência pode ser compreendida em dois aspectos: temporal e espacial^21.

(^15) Orlando Gomes (Direitos Reais, p. 19). Para Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil Brasileiro, Vol. V, p.

  1. a aderência do direito real à coisa não é senão a constatação do fato de que o direito real permanece incidindo sobre o bem, ainda que este circule de mão em mão e se transmita a terceiros, pois o aludido direito segue a coisa 16 (jus persequendi)”. 17 Op. cit. , p. 625. 18 Miguel Maria de Serpa Lopes,^ Op. cit. , p. 29. Op. cit. , p. 319. Não é o que ocorre, diz o autor, nos direitos reais de garantia e aquisição, nos quais o exercício é jurídico e a sequela se manifesta habitualmente. 19 Luís A. Carvalho Fernandes sustenta que a designação preferência deve ser evitada, pois tem sentido técnico preciso, qual seja, a faculdade obrigacional ou real reconhecida a alguém de ser preferido a terceiros na aquisição de um direito ( 20 Op. cit. p. 70). É expresso no artigo 1.419: “ Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação 21 ”. Op. cit. , p. 30.

O primeiro é restrito ao âmbito dos direitos reais de garantia. Em caso de conflito entre dois direitos reais de igual conteúdo, mas de titulares diversos, prevalece aquele que for inscrito em primeiro lugar.

A ordem espacial significa que o bem onerado com a garantia deverá ser alienado e o produto da venda, utilizado, prioritariamente, para o pagamento do titular do direito real correspondente.

José de Oliveira Ascensão afirma que a prevalência é uma consequência do direito real, que se apresenta como distintiva dos direitos reais e dos créditos^22.

Menezes Cordeiro se opõe à prevalência do direito real sobre o direito de crédito e argumenta que, com a constituição do direito real, o direito de crédito se extinguiria pela impossibilidade do seu objeto.

2.3. Perpetuidade

Os direitos reais tendem à perpetuidade. Nas palavras de Luciano de Camargo Penteado, possuem forte disposição para permanecer na esfera jurídica do titular^23.

Pela perpetuidade entende-se que o direito real não se perde pela falta de uso, mas apenas pelos meios e formas legais. Nesse particular, diferenciam-se dos direitos pessoais, que, em regra, são instantâneos.

A. Santos Justo rejeita essa característica, pois considera que há direitos reais temporários, tal como o usufruto, e outros que se extinguem pelo exercício, como os direitos reais de garantia. Assim, a perpetuidade não seria uma característica dos direitos reais, mas apenas uma tendência^24.

(^22) Op. cit. , p. 630. (^23) Op. cit. , p. 89. (^24) Direitos Reais, p. 23/24. Nesse mesmo sentido, Oliveira Ascensão ( Op. cit. p. 622). Realmente, a característica expressa uma tendência, mas admite exceções. O direito real do promitente comprador de imóvel (artigo 1.225 do Código Civil) é temporário, pois em regra é extinto com a transmissão da propriedade (é o seu objetivo). Em relação aos direitos pessoais, a obrigação de não fazer tem característica de permanência.

Essa característica, contudo, perde sua importância, pois a moderna doutrina reconhece que mesmos os direitos pessoais, considerados relativos, devem ser respeitados por todos.

Nessa linha de raciocínio, todos os direitos seriam dotados de oponibilidade absoluta^29.

2.5. A taxatividade e a tipicidade

Vigora, entre nós, o sistema do numerus clausus , de modo que os direitos reais são taxativamente enumerados na lei^30.

Conforme esclarece Gustavo Tepedino, o princípio do numerus claususse refere à exclusividade de competência do legislador para a criação de direitos reais, os quais, por sua vez, possuem conteúdo típico, daí resultando um segundo princípio, corolário do primeiro, o da tipicidade dos direitos reais, segundo o qual o estabelecimento de direitos reais não pode contrariar a estruturação dos poderes atribuídos ao respectivo titular ” 31.

Assim, prossegue o autor, embora aparentemente coincidentes, o “ numerus clausus” e a tipicidade “ diferenciam-se na medida em que o primeiro diz respeito à fonte do direito real e o segundo à modalidade de seu exercício ” 32.

À época da promulgação do Código Civil de 1916, indagou-se qual o regime adotado pelo legislador pátrio: numerus clausus (enumeração taxativa) ou numerus apertus (enumeração simplesmente exemplificativa).

(^29) Cf. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, p. 301/316. (^30) O artigo 1.225 do Código Civil estabelece que são direitos reais: a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor, a hipoteca, a anticrese, a concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão de direito real de uso. Vale advertir que a taxatividade não significa a proibição de criação, pelo legislador ordinário, de novas categorias de direitos reais, mas apenas que a vontade particular não é autônoma para a formação de novas figuras. 31 32 Multipropriedade Imobiliária ,^ p. 82. Em raciocínio semelhante, vale conferir Edmundo Gatti (Teoria General de Los Derechos Reales, p. 126- 127): assevera que os conceitos de numerus clausus e tipicidade dos direitos reais podem, conforme o sentido que se dê à tipicidade, identificar-se ou não.

Prevaleceu a primeira posição^33 , mantida com o novo Código Civil.

A questão é tormentosa, também, no direito estrangeiro. O Código Civil Português, em seu artigo 1.306, foi o primeiro Código europeu a resolver expressamente o problema, destacando que “ não é permitida a constituição, com carácter real , de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito senão nos casos previstos em lei”.

O sistema fechado também prepondera nos ordenamentos suíço, austríaco, sueco, holandês e argentino. Na França e na Espanha, ao revés, concluiu-se pela existência de um numerus apertus.

O numerus clausus se justifica pela oponibilidade erga omnes dos direitos reais. Com efeito, entende-se que não seria razoável admitir que a autonomia da vontade gerasse vínculos que atingissem situações jurídicas de terceiros^34.

Nesse mesmo sentido, assevera A. Santos Justo^35 que “ impedindo a proliferação de direitos reais e a sua contitularidade, afasta embaraços à livre circulação de bens; permite a melhor exploração das coisas; evita atritos; e afasta a possibilidade de alguns agravarem a liberdade dos restantes membros da comunidade”.

(^33) Explica o Darcy Bessone (Direitos Reais , p. 9) que Lafayette, Dídimo da Veiga e Pontes de Miranda, dentre outros, entendiam que a lista do artigo 674 do Código Civil de 1916 era taxativa. Outra corrente, sustentada por doutrinadores de renome como Afonso Fraga, Lacerda de Almeida e Carvalho Santos consideravam o rol exemplificativo. O debate é interessante e merece o registro: “O último grupo se vale do argumento de que, no projeto elaborado por Clóvis, estava expresso que somente se consideram direitos reais, além da propriedade, os arrolados por lei. O advérbio somente foi suprimido em conseqüência de emenda aprovada. De outra parte, acrescenta, podendo o domínio ser decomposto em tantos direitos quantas sejam as frações de utilidade econômica que da coisa se obtém, não é possível determinar-se, em um texto legal, o número desses direitos. Não se deve, por isso mesmo, restringir a aplicação do princípio da liberdade das convenções, nesse terreno. A esses argumentos, podem ser opostos outros, como o de que a supressão do advérbio somente visou apenas aprimorar a redação do texto, sem lhe comprometer o alcance, ou o de que, quando um direito é considerado real pela lei, todas as partes, em que ele se decomponha, serão também reais, por força da lei, já que a realidade do todo se comunica, necessariamente, às partes resultantes de seu fracionamento. Assim, o caráter real, nesses casos de decomposição do direito real, teria origem na lei, não na convenção. Por fim, deve-se ter em vista que, destinando-se o direito real a operar contra todos, não deve ter origem apenas na vontade das partes, recomendando-se, por isso mesmo, que tenha base legal”. 34 Para Gustavo Tepedino ( Op. cit. , p. 84) “tal concepção, ainda hoje justificada, sobretudo pelo princípio da relatividade dos contratos, segundo o qual a autonomia privada não pode criar vínculos que atinjam situações de terceiros, veda a criação de direitos reais que, sendo dotados de eficácia erga omnes , criariam o dever genérico de abstenção, sem o prévio consenso da coletividade e sem a generalidade e abstração próprias da norma jurídica. Só a lei, no sistema democrático, revela o consenso social capaz de permitir a produção de efeitos 35 erga omnes”. Direitos Reais, p. 36.

Todavia, mesmo reconhecendo a plena validade dos princípios da taxatividade e tipicidade, não se pode excluir a autonomia da vontade do âmbito dos direitos reais.

Decerto, ainda que necessária a previsão legal, existe um amplo campo para que as partes definam o conteúdo e a estrutura desses direitos^40.

Gustavo Tepedino sustenta que há margem para a atuação da autonomia privada no âmbito de cada direito real^41. Partindo dessa constatação, conclui que a discussão quanto ao numerus clausus deve ser redimensionada, pois o estabelecimento de situações jurídicas com eficácia real, cuja origem é convencional, é uma realidade.

Assim, na opinião do renomado autor, é preciso que se estabeleça um controle de legitimidade sobre tais vínculos^42.

2.6. Outras características

A aquisição dos direitos reais exige visibilidade (característica da publicidade ). Em se tratando de bens imóveis, os direitos reais só se adquirem com o registro. Para os móveis, é necessária a tradição.

(^40) André Pinto da Rocha Osorio Gondinho, em interessante monografia sobre o tema da autonomia da vontade nos direitos reais (Direitos Reais e Autonomia da Vontade, p. 35 ) , alcança igual conclusão: “Assim é que a autonomia da vontade, conquanto esteja proibida de constituir tipos exóticos de direitos reais, pode intervir na modelação dos direitos reais estatuídos em lei, sempre que isto seja permitido, quer seja mediante disposições genericamente permissivas (...), quer seja através do simples afloramento do princípio geral de que os direitos reais menores se regem pelos seus respectivos títulos. Na verdade, a tipologia dos direitos reais satisfaz-se com a descrição fundamental das situações jurídicas com essa natureza, mas não exclui que nelas se encontre ainda um conteúdo acessório, que pode ser obra das partes. A admissão, portanto, em nosso Direito, do princípio do numerus clausus não impede que se acatem modificações dos direitos reais por obra da autonomia da vontade. Com efeito, o tipo de direito real tem todo um conteúdo acessório, que é vastamente moldável pela atuação dos sujeitos de direito interessados, através da substituição de disposições supletivas” 41. 42 Ob. cit. , p. 83. Op. cit. p.85: “ Reside aí, a rigor, o verdadeiro significado de que se reveste o princípio da tipicidade, capaz de evitar vínculos (e, de uma maneira geral, formas de aproveitamento de coisas) prejudiciais para os contratantes e para a coletividade. O controle de legalidade não pode limitar-se, por isso mesmo, ao princípio do numerus clausus (no sentido de impedir o surgimento de situações reais) e tampouco à legislação ordinária, devendo abranger a tutela constitucional da iniciativa privada e da propriedade, de maneira que a atividade econômica se submeta aos princípios constitucionais, fazendo incidir, nas relações privadas, no âmbito das quais se inserem as relações de multipropriedade, os valores existenciais e sociais situados no vértice do ordenamento.

A oponibilidade erga omnes torna necessário que todos conheçam – ou possam conhecer – os titulares do direito real. Deste modo, o registro e a tradição funcionam como meio de publicidade da titularidade dos direitos reais.

Não existem dois direitos reais, de igual conteúdo, sobre a mesma coisa. Trata-se da característica da exclusividade^43. O poder real e imediato sobre uma coisa exclui a existência de outro direito real idêntico sobre o mesmo objeto.

Admite-se, todavia, o desmembramento dos direitos reais (princípio da elasticidade ). Como observa A. Santos Justo, o direito sobre uma coisa tende a abranger o máximo de utilidades que proporciona, de modo a estender-se para abranger as faculdades que abstratamente contém^44.

É o caso, por exemplo, do usufrutuário, que exerce seus direitos sobre a coisa de modo independente aos direitos do nu-proprietário. E, quando o direito se extingue, retorna às mãos do proprietário, em função da característica elástica dos poderes.

3. Classificação dos direitos reais :

A doutrina apresenta diferentes classificações para os direitos reais. Predomina aquela que os ordena em direitos reais de gozo, de garantia e de aquisição^45.

3.1. Direitos reais de gozo

Os direitos reais de gozo conferem ao seu titular o poder ou a faculdade de utilizar, total ou parcialmente, a coisa, e também de se apropriar dos seus frutos.

(^43) O condomínio não contraria a ideia da exclusividade, pois cada condômino exerce seu direito sobre porções ideais, distintas e exclusivas. 44 45 Op. cit. , p. 29. Maria Helena Diniz adota a classificação de Serpa Lopes, seguindo o critério da extensão dos seus poderes atribuídos pelo direito real. Assim, a propriedade “seria o núcleo do sistema dos direitos reais devido estar caracterizada pelo direito de posse, uso, gozo e disposição. A posse aparece como exteriorização do domínio. Os demais direitos reais formam características conforme atinjam o jus disponendi, utendi ou fruendi” ( Op. cit. 20). É a mesma classificação adotada por Washington de Barros Monteiro. Assim, de um lado se coloca a propriedade (direito sobre a própria coisa) e, de outro, os chamados direitos reais limitados ou direitos reais sobre coisa alheia.