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Simbolismo dos Albinos na Ilha dos Lençóis: 'Ólhos da Lua' e 'Ólhos do Rei', Provas de Construção

Este documento enfatiza a compreensão explicativa das práticas discursivas sobre duas denominações que sintetizam o imaginário sobre os albinos da ilha dos lençóis: 'ólhos da lua' e 'ólhos do rei sebastião'. A autora aborda as construções simbólicas sobre os nativos da ilha, sua comunidade e a presença significativa de albinos, que são considerados 'filhos do rei sebastião'. O texto explora as representações simbólicas e as práticas discursivas do 'universo de fora' (como jornalistas, literatos e compositores) e do 'universo de dentro' (representações nativas).

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Reginaldo85
Reginaldo85 🇧🇷

4.5

(72)

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resumo Este artigo aborda a construção do
imaginário de uma ilha considerada “encantada”: a
Ilha dos Lençóis, no Estado do Maranhão. Apresen-
ta uma simbologia sobre os ilhéus, principalmente
acerca daqueles singularizados por marcas corporais,
os albinos. Enfatiza a compreensão explicativa das
práticas discursivas do “universo de fora” (sobretu-
do matérias veiculadas na imprensa de uma manei-
ra geral) e do “universo de dentro” (representações
nativas) sobre duas denominações que sintetizam o
imaginário sobre os albinos da Ilha dos Lençóis: “�-
lhos da Lua” e “�lhos do Rei Sebastião”.
palavras-chave imaginário, práticas discur-
sivas, albinos, ilha encantada.
“Filhos do Rei Sebastião”, “Filhos da Lua”:
construções simbólicas sobre os nativos da Ilha
dos Lençóis
MADIAN DE JESUS FRAZÃO PEREIRA
Mestre em Antropologia Social pelo PPGAS/
UFPA e doutoranda em Sociologia pelo PPGS/
UFPB.
Artigo aceito para publicação em 28/09/05
abstract �is article approaches the cons-
truction of the imaginary of an island considered
“enchanted”: the “Ilha dos Lençóis” (Lençois Is-
land), in the State of Maranhão. It presents a sym-
bology about the islanders, principally about those
individulized by body birthmarks, the albinos. It
emphasizes the explanatory understanding of the
discursive practices of the “outside universe” (abo-
ve all matters transmitted in the press in a general
way) and of the “inside universe” (native represen-
tations) on two denominations that synthesize the
imaginary on the albinos of the “Ilha dos Lençóis”:
“children of the Moon” and “children of King Se-
bastião”.
keywords imaginary, discursive practices, al-
binos, enchanted island.
Na rota de lugares que incitam o imaginário
sobre paraísos insulares, com uma verve que enal-
tece a vida natural” e elementos “fantásticos”,
insere-se a Ilha dos Lençóis, situada no litoral
norte do Estado do Maranhão. Pertencente ao
município de Cururupu, numa área denomina-
da Reentrâncias Maranhenses, a Ilha dos Lençóis
é singular e merece uma apreciação no intercru-
zamento de suas características naturais, culturais
e simbólicas. Digamos que uma pluralidade sim-
bólica reveste a Ilha, considerada “encantada”, en-
quanto morada do “encantado” Rei Sebastião, e
que abriga uma comunidade de pescadores, com
cerca de 450 habitantes, que pode ser considera-
da sui generis pela presença signi�cativa de quase
3% de albinos em sua população, onde todos os
nativos, albinos e não-albinos, autodenominam-
se como “�lhos do Rei Sebastião”.
Os nativos da Ilha dos Lençóis afetados
pelo albinismo uma anomalia congênita ca-
racterizada principalmente pela ausência total
ou parcial da melanina, do pigmento da pele
– incitam uma simbologia muito rica a partir
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resumo Este artigo aborda a construção do imaginário de uma ilha considerada “encantada”: a Ilha dos Lençóis, no Estado do Maranhão. Apresen- ta uma simbologia sobre os ilhéus, principalmente acerca daqueles singularizados por marcas corporais, os albinos. Enfatiza a compreensão explicativa das práticas discursivas do “universo de fora” (sobretu- do matérias veiculadas na imprensa de uma manei- ra geral) e do “universo de dentro” (representações nativas) sobre duas denominações que sintetizam o imaginário sobre os albinos da Ilha dos Lençóis: “�- lhos da Lua” e “�lhos do Rei Sebastião”. palavras-chave imaginário, práticas discur- sivas, albinos, ilha encantada.

“Filhos do Rei Sebastião”, “Filhos da Lua”:

construções simbólicas sobre os nativos da Ilha

dos Lençóis

MADIAN DE JESUS FRAZÃO PEREIRA

Mestre em Antropologia Social pelo PPGAS/ UFPA e doutoranda em Sociologia pelo PPGS/ UFPB. Artigo aceito para publicação em 28/09/

abstract �is article approaches the cons- truction of the imaginary of an island considered “enchanted”: the “Ilha dos Lençóis” (Lençois Is- land), in the State of Maranhão. It presents a sym- bology about the islanders, principally about those individulized by body birthmarks, the albinos. It emphasizes the explanatory understanding of the discursive practices of the “outside universe” (abo- ve all matters transmitted in the press in a general way) and of the “inside universe” (native represen- tations) on two denominations that synthesize the imaginary on the albinos of the “Ilha dos Lençóis”: “children of the Moon” and “children of King Se- bastião”. keywords imaginary, discursive practices, al- binos, enchanted island.

Na rota de lugares que incitam o imaginário sobre paraísos insulares, com uma verve que enal- tece a “vida natural” e elementos “fantásticos”, insere-se a Ilha dos Lençóis, situada no litoral norte do Estado do Maranhão. Pertencente ao município de Cururupu, numa área denomina- da Reentrâncias Maranhenses, a Ilha dos Lençóis é singular e merece uma apreciação no intercru- zamento de suas características naturais, culturais e simbólicas. Digamos que uma pluralidade sim- bólica reveste a Ilha, considerada “encantada”, en-

quanto morada do “encantado” Rei Sebastião, e que abriga uma comunidade de pescadores, com cerca de 450 habitantes, que pode ser considera- da sui generis pela presença signi�cativa de quase 3% de albinos em sua população, onde todos os nativos, albinos e não-albinos, autodenominam- se como “�lhos do Rei Sebastião”. Os nativos da Ilha dos Lençóis afetados pelo albinismo – uma anomalia congênita ca- racterizada principalmente pela ausência total ou parcial da melanina, do pigmento da pele

  • incitam uma simbologia muito rica a partir

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de suas marcas corporais e do espaço onde seus símbolos estão alocados – numa ilha “encanta- da”, “isolada”^1 e “misteriosa”. A Ilha dos Lençóis é considerada uma ilha encantada, enquanto lugar privilegiado para mo- rada de El Rei Dom Sebastião, �gura histórica, morto em batalha contra os mouros, nos campos de Alcácer-Quibir, na África, no ano de 1578. Segundo a crença messiânica, difundida em vá- rias partes do Brasil, Dom Sebastião, o jovem rei de Portugal, não morrera, ele havia se encantado com todo o seu reinado, por sortilégio dos mou- ros, numa ilha (provavelmente marcada por mui- tas dunas à semelhança do deserto marroquino onde ocorrera a batalha), e que um dia ele há de emergir do fundo do mar, onde está sediado seu palácio de riquezas, para instaurar seu Império e distribuir bens materiais para os seus adeptos. Crenças e mitogeogra�a permeiam a cons- trução de um imaginário fantástico sobre a Ilha dos Lençóis. Segundo Pedro Braga (2001: 32):

Os primeiros portugueses que se instalaram na- quela região, provavelmente escolheram as praias dos Lençóis para habitat do Rei pelo fato de suas dunas sugerirem alguma semelhança com a pai- sagem do Norte da África, onde desaparecera Dom Sebastião; ou talvez porque era presumi- velmente a Ilha Afortunada a que se referem os textos antigos.^2

  1. A Ilha dos Lençóis, caracterizada pelo seu imponente conjunto de dunas, é uma ilha déltica (�uviomarinha), localizada no arquipélago de Maiaú, a 160 km noroes- te da capital do Maranhão, São Luís. O acesso à ilha é muito difícil, somente de barco ou de avião mono ou bimotor. A viagem de barco dura, em média, 12 horas a partir de São Luís e 7 horas a partir de Cururupu. Essa di�culdade de acesso é signi�cativa na constru- ção do imaginário sobre os mistérios de Lençóis. Uma “ilha encantada” não é para ser conhecida facilmente; as di�culdades fazem parte de um processo de desa�o imposto aos aventureiros, àqueles que querem olhar o “Reino Encantado de Dom Sebastião”.
  2. Poderia ser considerada uma das “ilhas afortunadas”

O sebastianismo foi transplantado para o Brasil sob várias vertentes, tais como: a dos movimentos messiânicos ocorridos no século XIX, com caráter de fanatismo, em torno de lí- deres carismáticos que se diziam reis e que pre- gavam o desencantamento de Dom Sebastião à custa de muito sangue, como nos movimentos da Cidade do Paraíso Terrestre (Monte Rode- ador – PE), da Pedra Bonita (Vila Bela – PE) e do Império de Belo Monte (Canudos – BA) (cf. Queiroz 1976; Ribeiro 1982); e a verten- te da Encantaria. Interessa-nos aqui destacar esta última vertente, na qual o gentil ou �dal- go Dom Sebastião surge como Rei Sebastião, uma entidade de cultos afro-brasileiros iden- ti�cada como “encantado”, categoria – retira- da da Pajelança amazônica – utilizada para se referir àqueles que viveram na Terra há muitos anos, “venceram a morte” e continuam “vivos” nas “encantarias”: “...que geralmente são con- cebidas como mundos situados no fundo das águas, dentro das árvores, ou abaixo da Terra (em outro planeta).” (Ferretti 2000: 108). Segundo Maués & Villacorta (2001: 19), o Rei Sebastião “...habita em várias praias de ilhas existentes ao longo do litoral entre Belém e São Luís...”. No Pará, na região do Salgado, as “moradas” que se destacam são a da ilha de Maiandeua (no município de Maracanã) e a da ilha de Fortaleza (no município de São João de Pirabas). No Maranhão, muitos pescadores e adeptos do Tambor de Mina – religião afro- brasileira predominante neste Estado – não têm dúvidas de que o “encante” mais forte está na “Praia do Lençol”.^3

(Insulae Fortunae), na medida em que se localiza no Oceano Atlântico, à esquerda da Mauritânia, como sugeria Santo Isidoro de Sevilha, a respeito da exis- tência dessas ilhas, consideradas “ditosas”, que não deveriam ser confundidas com o paraíso bíblico. (Cf. Holanda 1994: 159).

  1. “Praia do Lençol” ou “Praia de Lençóis” são os termos mais populares, utilizados sobretudo pelos ilhéus, re- ferentes tanto ao povoado quanto à parte desabitada

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Lençóis: estudo sobre a construção da identidade albina numa ilha maranhense” (Pereira 2000), por meio da qual busquei analisar as práticas discursivas do “universo de fora” (sobretudo ma- térias veiculadas na imprensa, de uma maneira geral, e fragmentos encontrados na literatura, nas artes e nos registros de visitantes da ilha) e do “universo de dentro”, através de pesquisa de campo, apreendendo representações nativas, no sentido de perceber a construção do imaginário possibilitada por tais discursos e representações. Colocando em evidência pontos dessa empreitada, através do intercruzamento das temáticas sobre corpo, imaginário e encanta- ria sebastianista, o presente artigo apresenta, de forma mais detida, uma parte do material proposto na dissertação, em que procuro es- miuçar as duas denominações que são funda- mentais na construção da comunidade da Ilha dos Lençóis: 1) “os Filhos da Lua” – criação de fora, sobretudo de repórteres, a qual os ilhéus (albinos e não-albinos) rejeitam, posto que a consideram numa concepção negativa, que os estereotipa numa imagem de anormalidade;

  1. “os Filhos do Rei Sebastião” – vertente da Encantaria, aceita por eles, na qual se pensam coletivamente nessa descendência mitológi- ca cujo imaginário marca uma �liação com o “dono da ilha”.

O discurso de fora sobre os “Filhos da Lua”

Como ilha encantada, cheia de mistérios, ainda considerada isolada, criou-se um imagi- nário sobre o desconhecido:

Conta-se que lá vive um bando de gente bran- ca, de pele e cabelos da cor das dunas, que não suportam a luz do sol. Cognominaram-nos de ‘Filhos da Lua’, supondo que ela os teria con- cebido. E nas noites de luar mais intenso, essa mesma gente saía em longas caminhadas pelas

praias (romarias), cantando hinos estranhos numa linguagem indecifrável (Vasconcelos in Manchete 1980: 36).

A divulgação de um exotismo da Ilha dos Lençóis e de seus habitantes – dos albinos, em es- pecial – se dá sobremaneira pelo discurso literário da imprensa, que ao exaltar “o natural” mantém estereótipos sobre esses ilhéus que entranham no imaginário dos receptores de tal discurso. A imprensa sensacionalista, de uma maneira geral, utiliza a expressão “os Filhos da Lua” para se refe- rir aos albinos da Ilha dos Lençóis, com o intuito de “vender” uma imagem de exotismo. O levantamento desse aspecto discursivo, que apresento em minha pesquisa,^6 consiste na apreciação de um material que se pode designar como documento de divulgação sobre a Ilha dos Lençóis e seus habitantes. Nesse material, estão inseridos, por exemplo, artigos de revistas de circulação nacional, artigos disponibilizados na internet, artigos de jornais locais, catálogos, informativos turísticos e vídeos-documentários transmitidos em canais televisivos. De antemão, coloco que, dentre o material analisado, a divulgação do imaginário sobre os albinos é exaltada com uma reportagem da re- vista Manchete, de 24 de maio de 1980.^7 Em tal

  1. Durante a elaboração da dissertação de Mestrado �z um levantamento, sobremaneira, de matérias veicula- das na imprensa que discorrem sobre a excentricidade da Ilha dos Lençóis. Atualmente, estou dando conti- nuidade a esse levantamento (sem pretensões de fazê- lo exaustivamente) na minha pesquisa de doutorado, cujo projeto de tese intitula-se Ecoturismo e patrimônio cultural na “ilha encantada”. Nesse empreendimento, colocam-se questões emergentes no momento em que em que a Ilha dos Lençóis é apresentada como vitrine num dos pólos de ecoturismo do Estado do Maranhão, procurando identi�car o que e de que forma está sendo exposto como atrativo turístico e em que medida os nativos estão re-elaborando suas posições nesse novo cenário, com vistas tanto à conservação da biodiversi- dade local como do seu patrimônio cultural.
  2. Em conversa com alguns nativos da ilha e com outras

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matéria, lê-se a a�rmação de que durante muito tempo a presença da colônia de albinos na ilha foi fruto de lendas e histórias fantásticas, mas que uma tentativa de desmisti�cação foi feita quando da expedição organizada pela OMS ao local, para estudar as características de tal albi- nismo e a sua origem. Alguns resultados da in- vestigação, realizada por essa expedição médica, foram apontados na matéria jornalística. Contu- do, o estilo de um jornalismo literário encontra- do na matéria contribuiu para que o imaginário sobre os albinos continuasse vivo, através de um discurso que concebe os albinos como pessoas arredias, descon�adas e de difícil contato, prin- cipalmente em relação ao assédio da imprensa. Pela força de tais práticas de linguagem, os albinos ainda hoje são pensados como seres arre- dios. Uma gente estigmatizada por um discurso que além de ter sido impresso repetidamente, é expresso, transmitido de “boca em boca”, por aqueles que têm um conhecimento super�cial ou ao menos já “ouviram falar” da Ilha dos Len- çóis e seus mistérios. Mas se os albinos são assim considerados, não se descarta a hipótese de que haja uma base para que o estigma se perpetuasse; ou seja, apreendendo-se algumas representações nativas sobre o conteúdo dessa matéria, nota-se que alguns albinos tornaram-se por certo tem- po arredios numa atitude reativa ao contato que para eles foi mal sucedido. Entre os escritos analisados, um dos que chama maior atenção é o do jornal Vagalu- me (jan.-fev. 1989) – suplemento cultural do

pessoas de São Luís que tiveram acesso às primeiras formulações escritas sobre os albinos da Ilha dos Len- çóis, essa construção primeva se deu no ano de 1972 com duas reportagens: uma da revista O Cruzeiro e a outra da revista Veja. A referência da matéria principal- mente da revista O Cruzeiro está no discurso dos nati- vos, como a reportagem que primeiro lançou mão da denominação “Filhos da Lua” para se referir aos albinos da localidade, cujo conteúdo é criticado pelos nativos porque, segundo seus relatos, foi muito pejorativo em relação a eles e cheio de “invenção de repórter”.

Diário O�cial do Estado do Maranhão – que é uma compilação de várias matérias sobre a Ilha dos Lençóis em que se percebe, de uma maneira geral, um discurso naturalista presen- te nos textos. Uma matéria (sem autoria) do referido jornal apresenta o povo da Ilha como fatalmente marcado pelo determinismo do meio, reforçando a idéia de que tudo é pro- visório e precário, e, ainda mais, a ressaltar o destino a que os albinos da Ilha estão sujeitos, devido ao envelhecimento precoce e doenças de pele.

Para o nativo, principalmente os albinos, tudo é provisório, precário. Existencialistas, os seres humanos da Ilha dos Lençóis constroem suas casas de estrutura leve, isto é, de madeira, sobre jiraus – casas modestas, simples, sem a expectativa da permanência, do imóvel construído para durar. Tem o habitante de Lençóis o instinto de que a vida para eles é breve e não alimenta sonhos para o futuro. Existe e aproveita o tempo pre- sente (Vagalume 1989: 6).

Além do discurso naturalista, nota-se que em todos os escritos há uma exaltação da beleza fantástica do lugar, e que a maioria privilegia o mito sebástico e os mistérios da Ilha. Senão vejamos:

Tal qual o mito que a cerca, Lençóis, uma das muitas ilhas das Reentrâncias Maranhenses, pa- rece impalpável. Vista do ar, das janelas de um velho Sêneca que a sobrevoa, é como uma pérola luzidia em meio ao oceano, tantas e tão brancas são as suas areias. Neste pedaço do mar ociden- tal do Maranhão, banhado e escurecido por um incontável número de rios a fazer meandros e a criar mangues, ela salta aos olhos. Ilha-mito- miragem (Rocha 1996: 78).

São miragens que despontam no desenho irre-

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discursos analisados são reveladores de como as imagens sobre a Ilha dos Lençóis são reinter- pretadas e reapresentadas constantemente. O imaginário em torno da Ilha é marcado por es- sas leituras através de lentes. Tem-se uma visão ofuscada pela rememoração dos muitos mitos contados e pelo contato direto com a “geogra- �a fantástica”. São construídos, assim, discur- sos literários, entre a �cção e a realidade. Ainda sobre meios de comunicação que par- ticipam da construção do imaginário sobre os albinos da Ilha dos Lençóis, não poderia deixar de mencionar uma das matérias sobre o assun- to em que fui solicitada a conceder entrevista, como pesquisadora do universo de representa- ções sobre os albinos da “ilha encantada”.^10 A respeito da referida matéria, da revista Seara, há uma deturpação muito grande das informações passadas por mim ao repórter, e que não pude revisar porque não tive acesso ao material antes de sua publicação. E um fato a mais a destacar: como se trata de uma revista evangélica, sua divulgação �ca muito restrita ao circuito das igrejas evangélicas, em especial, da Assembléia de Deus, ou à compra pelo sistema de assinaturas.^11 A matéria é construída por fragmentos da minha entrevista (por três vezes são citadas fa- las minhas) e por depoimentos de um pastor que faz pesquisa sobre o mito do sebastianismo e que esteve na ilha no ano de 1984. E o que chama muito a atenção são os estereótipos atri-

o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, que se localiza na porção oriental do Estado, ocupando uma área de 155 mil hectares, e que vem se consolidando como o carro-chefe do turismo no Maranhão.

  1. Concedi entrevistas a jornalistas das seguintes revis- tas: Parla (Garrone & Fávia Regina fev. 1999), Se- ara (Soarez abr. 1999), National Geographic Brasil (Moura & Correa fev. 2004) e Almanaque JP Turismo (Moura & Correa ago./set. 2004).
  2. Lamentavelmente, só recebi um exemplar da revista em dezembro de 1999, enquanto que a mesma foi posta em circulação desde abril daquele ano.

buídos aos albinos e a insistência na urgente propagação do evangelho na comunidade de Lençóis. Assim, encontram-se na matéria de Soarez (Seara abr. 1999) trechos tais como:

O fenômeno genético chamado albinismo está presente em toda população local [...] Seriam extra-terrestres? Gente de outro mundo? A�nal, que seres humanos são esses que assustam uns e chamam a atenção de outros?! (: 13).

O pastor acredita que um trabalho de evangeli- zação adequado deva ser feito com urgência, pois atualmente, embora seus descendentes estejam nascendo de cor diferente e conseguindo pro- longar um pouco mais seus anos de vida, outro fator constitui desa�o para a obra missionária: os moradores cultuam o rei Sebastião e a�rmam que um dia ele virá para arrebatá-los. (: 14).

Na exaltação da diferença são atribuídos fortes estigmas e preconceitos. No discurso evangélico os albinos estão fora da cultura e fora da religião que lhes possibilitaria a salva- ção. Há um clamor para que um forte trabalho de evangelização não tarde a chegar na “comu- nidade de albinos” que, para os evangélicos, se encontra adormecida sob o mito sebastianista, sem conhecer a salvação em Jesus Cristo. A grande maioria das matérias da impren- sa escrita sobre o imaginário da Ilha dos Len- çóis procura instigar o leitor sobre as lendas e mistérios do lugar, enfatizando a excentricida- de dos albinos que ali residem, através de um estilo de discurso que designo como pseudo- documentário (apresentado por meio não só

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de textos como de imagens), 12 interessado em propagar o imaginário sobre lugares e pessoas “exóticas”. O fato é que essas reportagens aca- baram gerando muito constrangimento para a comunidade, principalmente para os albinos. Desde a década de 1970, a Ilha sofre visitas, so- bretudo de repórteres que por lá aportam, em busca do exótico ou da sua invenção, o que de alguma forma agrediu a população. Chega-se a essa conclusão através do bloqueio colocado por alguns albinos e moradores mais antigos da Ilha. Tal bloqueio se dá, por exemplo, na forma de taxas cobradas para entrevistas e fotogra�as aos visitantes, com certas exceções a pesquisa- dores que conseguem estabelecer uma relação de maior con�ança.

O discurso de dentro: albinismo, en- cantaria e os “Filhos do Rei Sebastião”

Além de me enveredar em destrinchar os discursos de fora, o empreendimento antropo- lógico vigente consiste na abordagem da com- preensão explicativa, tomando a cultura como um texto a ser interpretado, investigando como os observados representam e através de quais lentes percebem suas próprias crenças e con- dutas, apreendendo, assim, as representações nativas pelo exercício da interlocução. Como entender então um pouco do “uni-

  1. Chama-se a atenção aqui para uma das matérias mais recentes de circulação nacional que foi a da revis- ta Isto É – Filhos do Encanto (06 fev. 2002). O fato é que “o diferente” é apresentado como uma peça à visitação de curiosos, como foi mostrado – pelos responsáveis da reportagem – o corpo de Seu Ma- cieira, um dos albinos mais velhos da comunidade
    • atualmente, residente em Cururupu – que sempre se mostrava muito simpático e receptivo para dar informações às pessoas de fora. E com tanta recepti- vidade, e talvez ingenuidade, foi alvo de exploração, no que se refere à exposição indelicada que teve de suas marcas corporais, já tão combalidas pelo câncer de pele.

verso de dentro”? Como os nativos da Ilha dos Lençóis se auto-representam? Diante disso, co- mecei as minhas indagações sobre a genealogia da suposta genitora da “história” da localidade, D. Sebastiana Silva. Para tanto, busquei apre- ender fragmentos de narrativas biográ�cas de três albinos, descendentes de D. Sebastiana Silva: D. Neusa (80 anos), Seu Macieira ( anos) e Telma (38 anos).^13 Os dois primeiros são netos de D. Sebastiana Silva e são primos paralelos. Telma é bisneta de D. Sebastiana Sil- va, sendo �lha de uma prima paralela de D. Neusa e de Seu Macieira. Segundo seus rela- tos, da união de D. Sebastiana Silva com Seu Tributino Marino Oliveira nasceram quatro �- lhas não-albinas – Basília, Vicência, Raimunda Amada e Alzira – que geraram �lhos albinos.^14 Uniões entre parentes são freqüentes na comunidade de Lençóis, o que nos leva a pen- sar numa tendência endogâmica. Di�cilmente uma mulher se casa com um homem “de fora”. Aliás, casamento não é um termo muito utili- zado pelos nativos de Lençóis. Como a maioria dos casais não são reconhecidos pelo contrato civil e/ou religioso, isto é, não são casados for- malmente, alguns interlocutores, no início da minha investigação, diziam que em Lençóis não havia casamentos entre parentes, muito menos entre primos. Fiquei então intrigada: como se justi�ca a tese de que o alto índice de albinismo na Ilha é devido a casamentos consangüíneos? Somente com a observação direta e com conversas informais junto a diversas pessoas da localidade é que percebi que eu estava formu- lando perguntas “atropeladas”, sem, portanto, utilizar o vocabulário nativo. Quando as re- formulei, indagando se havia parentes que se

  1. Os trechos das entrevistas apresentados neste ensaio foram coletados, em sua maioria, em 1999, porém as idades dos meus interlocutores estão atualizadas, isto é, referentes ao ano de 2005.
  2. D. Neusa é �lha de Basília, Seu Macieira é �lho de Vicência, e Telma é neta de Alzira.

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ros dessas mulheres nunca são citados, a não ser que se insista em perguntar quem eram eles. A ausência dos nomes dos “maridos” das �lhas de D. Sebastiana na rememorização da árvore ge- nealógica dos albinos acentua, portanto, o viés matrilateral da comunidade. A rede de parentesco de qualquer pessoa na- tiva é bastante signi�cativa. Todos sobrevivem através de suas relações com parentes, principal- mente no que diz respeito às pescarias, das quais, geralmente em grupo, eles obtêm seu sustento. Os albinos, como os outros ilhéus, participam das pescarias sem nenhum tipo de discriminação. Entretanto, não se pode dizer que eles interagem em perfeita harmonia com o ambiente natural que os cerca, pois sentem na pele, literalmente, os efeitos de um trabalho sob o sol escaldante. Sem poderem se proteger habitualmente (com óculos escuros, chapéu, camisa de manga comprida e bloqueador solar) contra os raios ul- travioletas, os albinos são vítimas de doenças de pele, e alguns foram levados ao mais grave tipo de câncer de pele: o melanoma. Estes albinos morreram precocemente por falta de uma assis- tência médica adequada. A única assistência que tinham, de fato, segundo alguns depoimentos, era a de suas mães (principalmente), de �lhas ou de irmãs. A maioria dos outros parentes tinham “nojo” e nem chegavam perto do convalescen- te. Esta constatação leva-nos à observância do princípio de “distância de sangue”, trabalhado por Woortmann: “...quanto maior a distância, tanto menor a obrigação. [...] Teoricamente os laços mais fortes seriam aqueles entre dois pa- rentes afastados um grau (irmãos, pais e �lhos) que vivem próximos um do outro e que man- têm contato constante...” (1987: 156).

cessivos que condicionam o albinismo. “Como cada pessoa recebe um ou outro desses genes [A e a], atra- vés de cada gameta que recebe de seus pais, há indiví- duos AA, Aa e aa. Os indivíduos AA e Aa são normais (o alelo A é dominante; o a é recessivo); os indivíduos aa são albinos.” (Freire-Maia 1987: 33; grifo meu).

A “doença que come as partes do corpo” 18 de certa forma é um assunto tabu para os ilhéus que se consideram, pelo menos por enquanto, estar livres da doença. O câncer é uma doença da qual se evita comentar, pois é “a antivida em estado puro, objeto de vergonha e de escânda- lo” (Laplantine 1991: 103). O câncer do qual os albinos padecem, particularmente, manifes- ta-se no mais exposto órgão humano (o mais exteriorizado e visualizado), a pele, e, portanto, sujeito à percepção dos sinais corporais e à es- tigmatização. Embora os ilhéus não exprimam com cla- reza a origem ou as causas das “feridas” ma- lignas, eles consideram que os “brancos” estão mais sujeitos à doença por conta da fragilidade de suas peles em exposição excessiva ao sol. Os nativos colocam as representações do câncer assentadas em causas naturais, ou simples- mente acham que a doença seja uma fatalida- de; isto é, que alguns podem ser acometidos, outros não. Assim, o câncer é pensado como doença individual e não coletiva. Em contra- partida, a anomalia congênita caracterizada pela falta de pigmentação na pele é tida como uma manifestação corporal muito mais coleti- va que individual, não importando o pequeno número de albinos da localidade que expressa essa coletividade. Para acrescentar um ponto já ventilado, uma das representações coletivas sobre os albi- nos de Lençóis é a de que eles se con�guram como uma “raça amaldiçoada”. Aqui recorro a Laplantine (1991: 229), que nos faz pensar na categoria “doença-punição”, que é a repre-

  1. O câncer de pele é denominado pelos nativos através dos termos “canco”, “ferida”, “doença que come as partes do corpo”, “doença que maltrata os brancos”. A presença do “canco” só é reconhecida quando a doença se apresenta bastante explícita. Muitas pessoas de Lençóis com certo grau de albinismo apresentam uma pele bastante espessa com manchas na pele e pequenas feridas, mas a�rmam que isso é uma coisa normal, uma conseqüência da expo- sição excessiva ao sol, sem maiores complicações à saúde.

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sentação da doença como “...conseqüência de uma transgressão coletiva das regras sociais, [...] conseqüência do pecado coletivo e individual”. Desse modo, os albinos de Lençóis puderam ser pensados na categoria de “raça amaldiçoa- da”, como relatou o curador/pai-de-santo Zé Mário, como um castigo merecido para a co- letividade pelo fato de determinados integran- tes do grupo terem transgredido a uma lei: a proibição do incesto. Porém, há de se levar em conta que essa de�nição é a mais fracamente percebida no universo das representações nati- vas sobre o albinismo; talvez porque seja muito mais interessante os ilhéus se pensarem en- quanto uma “raça” privilegiada, “Filhos do Rei Sebastião”, partícipes da corte “encantada”, a se pensarem enquanto uma “raça” castigada. O que está em questão é que nas represen- tações nativas o albinismo sempre se manifes- tará: “Essa raça dos ‘brancos’ sempre vai ter, porque acredito que isso é do lugar.” (Zé Mário 26.05.1999); “...uns morrem, outros já nascem: assim é que é.” (Seu Macieira 19.01.1999). Independente da causa da morte, pessoa al- guma falecida é enterrada na Ilha dos Lençóis, a não ser natimortos, os “anjinhos”. Na Ilha dos Lençóis não há cemitério. O receio, então, não é só com as pessoas acometidas pelo câncer de pele. Alguns depoimentos sobre a ausência de cemitério na ilha fornecem representações sobre o fato:

O �nado Sissi e a Zuca tentaram reunir algumas pessoas do Lençol pra fazer um cemitério, mas o pessoal não tinha coragem de fazer o cemitério aqui no lugar. Morre uma pessoa tem que enter- rar lá no Bate-Vento... (D. Neusa 04.07.1999).

Não tem cemitério por causa do encante e porque a terra anda muito. Eles têm medo. Eu tenho certeza que Lençóis é encantado (Zé Mário 26.05.1999; grifo meu).

A partir desses depoimentos, extrai-se o se- guinte dado: os nativos de Lençóis têm medo de construir um cemitério no lugar, uma mo- rada (no plano material) para os mortos, por causa do “encante” da ilha – mundo do fundo onde “vivem” pessoas que nunca morreram. Os mortos, situados “nas fronteiras do no man’s land antropológico” (Morin 1997: 24), são seres ambíguos que precisam ser colocados em seus devidos lugares, de acordo com o tra- tamento dado pela cultura especi�cada. Para os nativos de Lençóis, enterrar o corpo morto “é um meio de a comunidade assegurar a seus membros que o indivíduo morto caminha na direção da ocupação do seu lugar determinado, devidamente sob controle.” (Rodrigues 1986: 53). E é justamente isso que não aconteceria em Lençóis se ali fossem enterrados os seus mortos, pois supõe-se que debaixo daquelas areias há um mundo da Encantaria que repro- duz o mundo real, cheio de vitalidade. Com a constatação desse fato, pude perce- ber o quão é signi�cativa a crença na Encan- taria sebastianista, interferindo no ethos e na visão de mundo dos nativos, dando subsídios para se analisar as construções simbólicas em torno da nominação “Filhos do Rei Sebastião”. Por outro lado, muitas pessoas “de fora” fazem referência aos albinos através da seguinte des- cendência mitológica: “Filhos da Lua”. Essa de- nominação foi memorizada através da recepção de um discurso dos meios de comunicação que assim faziam suas “chamadas”. Na matéria da revista Manchete (1980), o repórter atribuiu a origem dessa cognominação a uma história in- ventada pelo patriarca da Ilha, Saturnino Oli- veira, pai de D. Neusa. Com uma conotação de um furo jornalístico, o repórter diz o que o patriarca da Ilha lhe confessou:

O patriarca da ilha, Saturnino de Oliveira, que diz ter oitenta e tantos anos, bom de conversa e com a vitalidade de um pescador mais jovem,

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quando é retratada pelos meios de comunica- ção, pelo teatro e pela literatura, é apresentada sob os adjetivos: encantada, misteriosa, fan- tástica, fascinante, isolada etc. Tais adjetivos tornam-se ícones do imaginário sobre o lugar, tanto pela formação geográ�ca marcada por um imponente conjunto de dunas, como pela Encantaria, morada do Rei Dom Sebastião. O “cenário fantástico” se completa com a presen- ça de “nativos exóticos”: os albinos.

Re-signi�cações sobre a �liação dos nativos da “ilha encantada”

A representação do “diverso”, através da pig- mentação da pele, está em pauta. Identi�ca-se a construção de um estigma a partir de marcas corporais e também do imaginário mítico que o envolve, onde se dá a explicação da existência desses seres humanos “descoloridos” através da �liação no universo mítico, ora como “Filhos do Rei Sebastião”, ora como “Filhos da Lua”. E através desta última designação, alguns ele- mentos dão subsídios para ser pensada a cria- ção de um imaginário fantástico – a cor da pele (a “não-cor”) dos albinos e o lugar “encantado” onde vivem – com a possibilidade de se re�etir sobre uma gênese ambígua:

Brilho da Lua Cheia Mulher Grávida Feto (atingido) = Albino � �� �� � (Natureza) (Humanidade) (Natureza/Humanidade)

Se levarmos em conta que esta tríade apon- tada seja uma operação de uma estrutura mítica, logo devemos pelo menos suspeitar que haja em seu conjunto uma mensagem cifrada que precisa ser interpretada. O mito sobre “os Filhos da Lua”, embora rechaçado pelos albinos, possui um gran- de valor não em termos de uma “verdade”, mas sim por possuir uma e�cácia ao criar e projetar para o “universo de fora” uma imagem “exótica” dos ilhéus “descoloridos” de Lençóis. Imagem

essa reforçada pelos princípios estruturais do mito, no qual a gênese dos albinos não pressupõe um tempo cronológico e é marcada pelo desapa- recimento de barreiras entre Natureza e Cultura (Humanidade), e por isso a comunicação e a fer- tilidade entre esses planos tornam-se possíveis. Concebo que, pela análise privilegiada na presente abordagem, a perplexidade é o foco instaurador da identidade/alteridade. Forneci- da pelos discursos “de fora”, a perplexidade con- tribui para apresentar os albinos numa imagem estereotipada, em que o ethos do grupo é condi- cionado pela natureza somática dos indivíduos, tendo sua gênese condicionada também à “exó- tica” natureza mesológica da “ilha encantada”. E assim tem-se uma identidade sobre os albi- nos construída, sobretudo, pela terminologia “os Filhos da Lua”. Por outro lado, os nativos reforçam uma identidade de pertencimento a um povo, mas não como descendente do saté- lite natural, e sim como descendente do rei que se encontra “encantado no fundo” da Ilha dos Lençóis: seriam “os Filhos do Rei Sebastião”. As representações “de dentro” a respeito de símbolos diferenciadores, contrastados em rela- ção a outros grupos, como por exemplo em rela- ção às comunidades vizinhas de pescadores, vêm à tona quando propagam que os nativos da Ilha dos Lençóis são “Filhos do Rei Sebastião”, con- cebendo a presença dos sinais adscritos marcados nos corpos de determinados ilhéus como revela- dora de uma identidade que se estende a toda co- letividade nativa. Ou seja, é reveladora de que não são só as pessoas estigmatizadas que representam o sobrenatural, mas que toda a Ilha dos Lençóis é misteriosa, cujo o reinado é do Rei Sebastião, e, portanto, todos os nativos são seus �lhos/súditos. Dessa forma, o “outro” não quer ser apresentado como “exótico” no plano da natureza, mas sim identi�cado no plano da sobrenatureza, identi�- cação esta em direção a uma identidade onírica de pertencimento a um povo “eleito”.

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