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Este documento analisa as canções 'construção' de dalton trevisan e 'uma vela para dario' e os modos de relações entre elas em termos de egoísmo e exploração. A primeira canção utiliza mecanismos poéticos tradicionais para enfatizar a visão subjetiva do sujeito da enunciação, enquanto a segunda utiliza uma prosa objetiva e impersonal para priorizar a impassibilidade do sujeito da enunciação. No entanto, ambos os textos apresentam perspectivas diferentes da visão do mundo das personagens. A análise explora as ações e os sentidos opostos atribuídos às ações do sujeito poemático, bem como as modificações morfológicas dos signos e as consequências para a comunicação poética.
Tipologia: Notas de estudo
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Centro, Centros – Ética, Estética UFPR – Curitiba, Brasil
Prof. Dr. Francisco Antonio Ferreira Tito Damazo (UNITOLEDO)
Neste trabalho, pretendemos demonstrar, tendo em conta as temáticas “indiferença”, “egoísmo” e “exploração”, os modos de relações possíveis entre a canção “Construção” de Chico Buarque de Holanda e o conto “Uma vela para Dario” de Dalton Trevisan. A proposta é uma análise comparativa entre os textos sob o estrito ponto de vista da análise literária. O primeiro deles, conquanto seja uma letra de música, está inteiramente construído em forma de poema clássico: versos, estrofes, métrica, rimas, etc., enquanto o segundo trata-se de um conto em prosa, cuja construção prima também pelo rigor formal. Ambos discutem as temáticas referidas em formas distintas, todavia sob uma perspectiva ideológica comum. Palavras-chave : “Construção” e “Uma vela para Dario”; canção e literatura.
Na linha da perspectiva de se desenvolver trabalho de comparação entre a literatura e outras artes, neste caso, entre a canção popular e a literatura, é que se propõe realizar este texto. “Construção” de Chico Buarque e “Uma vela para Dario” de Dalton Trevizan, respectivamente, uma clássica canção da música popular brasileira e um dos contos seminais da ficção treviziana. Dentre as possibilidades de correlações entre ambos, optamos por demonstrar que enveredam por uma trilha temática semelhante, ou seja, esteticamente denunciam a acentuada degradação e coisificação a que é relegada a condição humana por um perverso sistema econômico e social capitalista instituído. Nesse estado de corrosão dos valores essenciais e fundamentais à vida plena, são obliteradas e praticamente desconsideradas as efetivas relações de solidariedade, de igualdade de justiça, imperando desmesurada e desenfreadamente a exploração de toda ordem, o egocentrismo, atingindo a exacerbação do hedonismo do presente. A canção e o conto, numa construção formal rigorosa, artisticamente, como já o dissemos, discutem esses aspectos temáticos. Ambos primam por essa fatura, utilizando-se de recursos estilísticos distintos. A primeira pelo verso e outros mecanismos poéticos tradicionais por meio dos quais se acentua uma visão subjetiva do sujeito da enunciação. O segundo por uma prosa concisa, simples e direta, primando pela objetividade e impessoalidade do sujeito da enunciação, cuja onisciência neutra permite às personagens e ações dizerem por si mesmas. Por fim, cabe ainda ressaltar a intertextualidade destes textos com alguns outros também bastante conhecidos e considerados na cultura artística nacional. De acordo com Fiorin ( 1999, p. 30), pode-se apontar um diálogo do conto com a canção “De frente pro crime” de João Bosco e Aldir Blanc. Também entre “Construção” e a canção “Cidadão” de Lúcio Barbosa, bastante conhecida pela interpretação do compositor e cantor Zé Geraldo, por um lado e, por outro, com poema “O operário em construção” de Vinícius de Moraes se constata um processo de intertextualização. Todavia, nestes casos, os textos desenvolvem uma perspectiva de visão de mundo das personagens de modo divergentes. Logo, ao contrário daqueles, estes, mais do que sintonizarem-se, polemizam.
Centro, Centros – Ética, Estética UFPR – Curitiba, Brasil
O poema compõe-se de oito quartetos e um sexteto de versos alexandrinos rigorosamente distribuídos de forma paralelística. Observando a correlação dos versos, notamos que as quatro segundas estrofes são uma reiteração das quatro primeiras. O primeiro hemistíquio mantém-se imutável nas oito estrofes, demonstrando a sequência das ações do sujeito poemático em sua sucessão lógico-temporal: “amou, beijou, atravessou, subiu, ergueu, sentou, comeu, bebeu, dançou, tropeçou, flutuou, se acabou, agonizou e morreu”. A ordem das ações, cuja sucessividade é evidenciada pelas formas verbais, dá-nos a imagem de um fato com começo, meio e fim. O sujeito poemático, após um ato de amor com sua mulher, beija-a e os filhos, atravessa a rua indo para o trabalho, sobe a construção, trabalha erguendo paredes, senta-se para descansar e comer sua refeição; bebe, soluça, dança, gargalha e atira-se no espaço, acabando-se no chão em que agoniza e morre. Nas estrofes de cinco a oito, tem-se o mesmo primeiro hemistíquio das quatro primeiras e com estas também se identificam no segundo hemistíquio quanto à mesma estrutura sintática de comparação. O diferencial dá-se no emprego das palavras que finalizam os versos do segundo hemistíquio, as quais são também repetidas, porém mudam suas relações com o primeiro hemistíquio, criando sentidos, quando não opostos, distintos quanto ao significado do uso anterior. Desse modo, correlacionam-se entre si, os versos ímpares e os versos pares, ou seja, os versos da estrofe 1 estão em paralelismo com os versos da estrofe 5; os versos da estrofe 2, com os da estrofe 6; os versos da estrofe 3 com os versos da estrofe 7 e os versos da estrofe 4, com os versos da estrofe 8. Esta simetria se quebra na nona estrofe. O termo comparado é que imageticamente confere a dimensão de sentido das ações do sujeito poemático, o comparante. Assim, a mobilização deles, em combinação com as expressões dos primeiros hemistíquios, vai reconceituando a imagem já formulada em verso anterior. Tais termos, por sua vez, ou atuam como adjetivo caracterizando o substantivo que definem o comparado, ou como substantivo, que o representa. Alguns deles aparecem uma única vez: “lágrima” (v. 8) e “pródigo” (v. 20), “máximo” (v. 27) e “próximo” (v. 29) os demais, duas ou mais vezes cada um. Esse jogo e mobilização verbal conduzem ao estabelecimento de pelo menos dois sentidos opostos atribuídos às ações do sujeito poemático, sob a percepção da subjetiva sensibilidade do sujeito poético. Poder-se-ia dizer que, num primeiro plano (as quatro primeiras estrofes), há uma proposição dimensionada pela realidade empírica, enquanto no segundo (as quatro subsequentes), tem-se uma reproposição dimensionada pela livre associação, operada num nível mais fundamente poético. Essa dança dos signos que implica em mudanças de sentido desvela a tensão vivida pelo sujeito poemático. Depreende-se daí uma ambiguidade que implica opacidade quanto à causa do fato ocorrido, resultante de acentuado desequilíbrio mental de quem tenha premeditado o suicídio, ou de queda proveniente de precárias condições de segurança ao trabalho. Ao que parece, estamos diante de um operário de construção, que, ao contrário de outro, o de Vinícius de Morais, em vez de, como este, construir em si a consciência de trabalhador/construtor, decide, caso fiquemos com o suicídio, pôr fim à sua vida em desconstrução. A ambiguidade acima referida se estabelece pela construção da quase totalidade dos versos em período composto por subordinação adverbial comparativa. Nisso consiste a subjetividade que vai projetando possibilidades várias à medida que muda o elemento comparado com as ações do sujeito poemático. Vale reiterar aqui que as modificações de caráter morfológico que estes signos vão assumindo implicam também a mudança de sentido atribuída à ação designada. Tomando, portanto, a correlação dos versos (estrofe ímpar com estrofe ímpar; estrofe par com estrofe par) cujo verbo indicador da ação é o mesmo, temos:
Centro, Centros – Ética, Estética UFPR – Curitiba, Brasil O valor semântico em cada par de versos apresenta-se com significado diverso em função da comparação estabelecida. A denotação/ conotação que a grande maioria deles emite, com este jogo combinatório, instaura concomitantemente um significado estrito e outro metafórico, com o que se vai estabelecendo a comunicação de um fato interpretado pelo olhar poético do enunciador. Quanto à última estrofe, pode-se afirmar que é uma síntese, como se fosse uma recolha do que viera sendo espalhado pelo jogo semântico implementado pela enunciação, finalizando, assim, a comunicação poética do fato. Retomam-se, então, os versos cujos verbos enunciam a progressão das ações sucessivas de um fato comum de construção de prédios, sobretudo numa cidade grande, o qual suscita uma canção, cuja letra, singularmente, sem perder de vista o fato em si, transfigura-o em um objeto estético de conformação poético-musical. Nesse sentido, estamos diante de um poema que, a exemplo do de Bandeira, poderia também ter sido tirado de uma notícia de jornal. O sujeito poemático 1/5/9 Amou daquela vez como se fosse a última/ a única/ máquina 1/5/9 Beijou sua mulher como se fosse a última/ o último/ lógico 2/6/9 Ergueu no patamar quatro paredes sólidas/ mágicas/ flácidas 3/7/9 Sentou pra descansar como se fosse sábado/ um príncipe/ pássaro 4/8/9 E flutuou no ar como se fosse um pássaro/ sábado/ um príncipe 4/8/9 E se acabou no chão feito um pacote flácido/ tímido/ bêbado Percebe-se nesta síntese que cada verbo dos versos reunidos está empregado no nível mais denotativo do significado, tendo em vista a primeira de cada uma das três palavras que com ele se relaciona, como a reiterar o sentido empírico, enquanto que as outras estão empregadas no nível conotativo, ampliando as possibilidades de significação proporcionadas pelas imagens. O verso-refrão que intersecciona as quatro primeiras estrofes das quatro seguintes; estas da última e que, ao final desta, fecha a canção, representa a consumação das ações com a forma verbal “morreu” e a consequência expressa pelo gerúndio “atrapalhando”, cujos objetos, não obstante distintos quanto ao sentido em si, apresentam uma acentuada relação de contiguidade: Morreu na contramão atrapalhando o tráfego/ o público/ o sábado. Note-se que o vocábulo “contramão” também ganha uma significação nova decorrente do contexto de que decorre a construção de sentido. Implica sobretudo um certo contraditório do fluir do tráfego da vida do público, principalmente num “sábado” que é dia convencionalizado ao regalo e não ao trágico. Entretanto é de se notar também que o tom irônico que permeia a canção, acentuadamente reiterado pelo refrão, se constrói sob o trágico e o patético, pois em si a morte não provocaria nenhum efeito de monta, caso não estivesse atrapalhando o tráfego e o público num sábado. A coisificação a que é relegada a personagem de “Construção”, cuja exploração social, como já dissemos, está implícita, evoca algo também semelhante observável numa outra canção da Música Popular Brasileira. Trata-se de “Cidadão” de Lúcio Barbosa, que se popularizou na voz do cantor e compositor Zé Geraldo. Neste caso, a coisificação se explicita pela voz enunciativa do próprio protagonista em forma de melancólico lamento endereçado a um interlocutor: Tá vendo aquele edifício, moço Ajudei a levantar Foi um tempo de aflição (...)
Centro, Centros – Ética, Estética UFPR – Curitiba, Brasil Hoje depois dele pronto Olho pra cima e fico tonto Mas me chega um cidadão E me diz desconfiado, tu tá aí admirado Ou tá querendo roubar (...) Vou pra casa entristecido Dá vontade de beber E pra aumentar o meu tédio Eu nem posso olhar pro prédio Que ajudei a fazer (...) Lá eu quase me arrebento Pus a massa fiz cimento Ajudei a rebocar Minha filha inocente Vem pra mim toda contente Pai vou me matricular Mas me diz um cidadão Criança de pé no chão Aqui não pode estudar (...) Foi lá que Cristo me disse Rapaz deixa de tolice Não se deixe amedrontar Fui eu quem criou a terra Enchi o rio fiz a serra Não deixei nada faltar Hoje o homem criou asas E na maioria das casas Eu também não posso entrar (...) (ZÉ GERALDO, http://letras.terra.com.br/ze-geraldo/)
Dario ia apressado por uma calçada, sentiu-se mal e escorregou duma parede, sentando-se no chão. A aglomeração de pessoas em torno dele era contínua. Cada qual apontava um problema nele. Dario não conseguia falar. O tempo escorre, ele vai sendo conduzido de um ponto a outro daquele logradouro e, efetivamente, nenhuma providência de socorro é tomada. Mesmo a polícia que, violentamente, aparece, levando as pessoas apavoradas de medo a fugirem atabalhoadamente, pisoteando muitas vezes Dario, não intervém, alegando que se tratava de um caso para o rabecão. Assim, “quase duas horas depois”, ele acaba morrendo e completamente destituído de todos os pertences: cachimbo, guarda-chuva, os sapatos, o alfinete de pérola na gravata, o paletó e a aliança de ouro. Um senhor piedoso tirou o paletó de Dario e o colocou como amparo à cabeça e também cruzou as mãos ao peito, mas não conseguiu cerrar-lhe nem os olhos, nem a boca. Em seguida surge “um menino de cor e descalço” acende uma vela ao cadáver e a chuva que voltara a cair apagou-a, estando ela ainda na metade. O narrador, em onisciência neutra, representa a sucessão cronológica das ações das
Centro, Centros – Ética, Estética UFPR – Curitiba, Brasil Prá fazer Pastel E um bom churrasco De gato Quatro horas da manhã Baixou o santo Na porta bandeira E a moçada resolveu Parar, e então... (...) Sem pressa foi cada um Pro seu lado Pensando numa mulher Ou no time Olhei o corpo no chão E fechei Minha janela De frente pro crime... Tá lá o corpo Estendido no chão... (BOSCO, 1999) Semelhantemente também, como já vimos, no conto [...] Ocupado o café próximo pelas pessoas que vieram apreciar o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozavam as delícias da noite.” “[...] Apenas um homem morto e a multidão se espalhou, as mesas do café ficaram vazias. Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos”. “[...] Dario levara duas horas para morrer, ninguém acreditou que estivesse no fim. Agora, aos que podiam vê-lo, tinha todo o ar de um defunto.” “[...] Fecharam-se uma a uma as janelas e, três horas depois, lá estava Dario à espera do rabecão”. (TREVISAN, s/d, p. 245).
Tanto em “Construção” quanto em “Uma vela para Dario” relata-se uma desconstrução da vida da personagem protagonista. Na canção, a desconstrução se dá em virtude do procedimento de agentes econômicos exploradores que, embora fisicamente ausentes, são perfeitamente suscetíveis de nomeação, ao passo que, no conto, a desconstrução ocorre de forma diferente. A categoria social dos agentes, conquanto seja economicamente subjugada aos mesmos exploradores da personagem da canção, naquela circunstância particular, atua como agente explorador de uma personagem que se vincula a categoria social mais elevada. Portanto, no caso da canção, há uma exploração decorrente de um sistema sociopolítico e econômico estabelecido. No conto, a exploração acontece de forma desorganizada e individualizada por explorados que, no dizer de Paulo Freire (1973), tão logo possa, se aproveitam da primeira ocasião para atuar como exploradores. Não canção este fato se dá em virtude do procedimento de agentes, economicamente exploradores, ausentes, mas suscetíveis de nomeação, ao passo que, em “Uma vela para Dario”, a desconstrução ocorre de outra forma. Os exploradores de Dario são uma massa anônima de gente que, embora explorados pelos mesmos agentes exploradores da canção, atuam, nesse caso, como exploradores. Relegado à condição de trabalhador braçal, o operário da canção é desconstruído, enquanto
Centro, Centros – Ética, Estética UFPR – Curitiba, Brasil constrói em favor de uma classe econômica alta que o menospreza, na medida em que o tem na conta de reles construtor de obras, por isso, pertencente a uma categoria subalterna de trabalhador, sem quaisquer relevâncias, objeto meramente disponível para seus interesses. No conto, a massa anônima de transeuntes se transmuta em expectadores indiferentes e oportunistas aproveitadores, que, destituídos da compaixão e caridade manifestadas pelo “senhor piedoso” e o “menino de cor e descalço” não têm nenhuma preocupação em agir em favor da vida de um homem que, visivelmente, está morrendo. Outro aspecto do conto oposto ao da canção é que a morte em progressão é o gatilho disparador das ações, enquanto que em “Construção”, ela é o fecho, o epílogo. Na canção, temos uma espécie de morte que vem sendo anunciada pela narrativa, em “Uma vela para Dario”, o mal súbito de que é acometida a personagem, no “passeio público”, abre expectativas de uma morte a ser evitada, que não atrapalha, mas atrai a atenção do “tráfego”. Mas o desencadeamento das ações vai também enunciando a progressão da morte. Assim, pode-se também apontar neste caso, a exemplo do que se observou na canção, a desconstrução da vida da personagem , entretanto por ações destrutivas distintas. Na canção, o agente (ou agentes) da desconstrução está subposto e decifrável, no conto, os agentes estão visivelmente atuando. Se ainda quisermos categorizá-los socialmente, diríamos que há, semanticamente considerando, índices de que, em “Construção”, a personagem situa-se em classe socioeconômica baixa, ao passo que em “Uma vela para Dario” assiste-se à compactação das ações de personagens transeuntes de classe social médio-baixa que, entre a curiosidade e a rapinagem, vão saqueando uma personagem de classe social mais elevada que, naquele momento, precisava de imediatos socorros. Ambos os textos, pois, lidam com situações que seriam consideradas triviais e comuns, tanto que envolvem gente comum que compõe a massa popular anônima do dia a dia das grandes cidades. Em “Construção”, temos um descaracterizado operário vivenciando seus últimos momentos de vida em “contramão”, cuja morte torna-se uma atrapalhação à vida automatizada e anônima de sociedade cujo público/tráfego indiferente, centrado em si mesmo, tem muita pressa. No conto, cada indivíduo dessa massa anônima age concentrado em seu exclusivo interesse. Haja vista que as personagens não são nomeadas, são caracterizadas por seus componentes físicos. Até mesmo a personagem central pertence a esse anonimato, pois os dados identificadores são insuficientes para personalizá-lo. Pode-se dizer que tanto a canção quanto o conto são uma rigorosa construção formal. Vimos acima que, em “Construção”, há oito quartetos e um sexteto em dodecassílabos com versos paralelísticos e rimas esdrúxulas. O conto, por sua vez, em simples, mas rigorosa concisão linguística, frases e períodos diretos sem contornos e torneios descritivos, palavras precisas, com o que se imprimem o rigor e a concisão à narrativa, primando por uma história enxuta, curta e objetiva. Esse rigor de composição, sem subterfúgios, enseja ao ouvinte e ao leitor condições e possibilidades de apreensão dos temas dos textos com clareza, nos quais subjaz a mesma ideologia. A narrativa, in media res, sem recorrência tanto a anacronias quanto a anisocronias, compõe um enredo às histórias com a sucessividade das ações. Há uma situação inicial, situando as personagens protagonistas já com seus conflitos, gerando o desenvolvimento cujos desfechos apresentam finais trágicos como soluções. Nos dois textos, há uma paulatina sucessividade das ações, mas, ao contrário do enredo da canção, no conto, o narrador representa a diegese numa perspectiva de quase absoluta isenção e neutralidade. Desta perspectiva, como uma câmera, focaliza a relação desencontrada entre a ação da personagem central e as ações das personagens-transeuntes, as quais apenas simulam uma atuação de adjuvantes que, efetivamente, agem como antagonistas de Dario.
Centro, Centros – Ética, Estética UFPR – Curitiba, Brasil PAZ, Octavio. El Arco y La Lira. Lengua y estudios literários. 3ª ed. Fondo de Cultura Económica,
SILVA, Manuel de Aguiar e. Teoria da Literatura. 8ª. ed. Coimbra: Portugal, 1999.