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Neste texto, freud discute as questões suscitadas pela busca da felicidade e do prazer em face aos paradoxos da satisfação. Ele apresenta suas teses sobre a condição humana, a origem da religiosidade e seu relacionamento com o 'sentimento oceânico'. Freud reflete sobre a necessidade de unidade entre os seres humanos para preservar a existência da humanidade em meio ao conflito entre nossa 'natureza' e as exigências da civilização.
Tipologia: Notas de estudo
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Giselle Falbo
Mantenhamos perante nós a natureza das relações emocionais que existem entre os homens em geral. De acordo com o famoso símile schopenhaueriano dos porcos-espinhos que se congelam, nenhum deles pode tolerar uma aproximação demasiado íntima com o próximo. (Freud, 1921)
Introdução O mal-estar na civilização é uma obra escrita depois da elaboração da segunda tópica, e que permite esclarecer e dissipar as ambigüidades, presentes na obra de Freud, sobre as dificuldades nos relacionamentos entre os homens. Neste texto, Freud discute as questões suscitadas pela busca da felicidade e do prazer em face aos paradoxos da satisfação. E é por isto que deve ser lido, antes de tudo, como uma reflexão ética. Para apreender a importância fundamental deste escrito para o campo da ética, lembramos que o assunto em foco é o antagonismo irremediável entre as exigências da pulsão e as restrições impostas pela cultura. Muito embora tal discussão tenha atravessado toda elaboração teórica de Freud, em 1930, ela é retomada sob uma nova ótica: o prisma da pulsão de morte.
O antagonismo entre a cultura e a satisfação dos impulsos eróticos já havia sido o ponto alto de textos como “Sobre a tendência a depreciação universal na esfera do amor” (1912). Entretanto, ainda que neste escrito já esteja indicada a existência de algo intrínseco à satisfação que é fonte de desprazer e sofrimento, Freud ainda não havia levado esta idéia até as últimas conseqüências. Tal radicalização só ocorre quando se explicita a existência do campo além do prazer. Assim, retomando as idéias inicialmente esboçadas em “Além do princípio do prazer” (1920), e sem fazer concessão à pusilanimidade, Freud apresenta suas teses sobre a condição humana.
A discussão sobre a condição humana, que atravessa o texto, parte do diálogo travado entre Freud e Romain Rolland sobre a origem da religiosidade e sua relação com o “sentimento oceânico”. Na verdade, a correspondência entre estes dois escritores
iniciara-se anos antes, em 1923,^1 quando Freud lhe envia o texto “Psicologia das massas e a análise do eu” (1921). Nesta ocasião, ele escreve ao poeta dizendo-lhe que o nome de Romain Rolland será sempre uma lembrança feliz, pois estará indissociavelmente ligado “à mais preciosa das lindas ilusões, a de que o amor se estende a toda humanidade”. Já nesta ocasião, no entanto, Freud observa que, por ser judeu e pertencer a uma raça que vem sendo alvo de discriminações e perseguições ao longo dos séculos, não lhe é possível partilhar de tais ilusões.
Mas ainda que não compartilhe dessa utopia, Freud acredita que, se no curso do tempo o ser humano não for capaz de “distrair” seus impulsos agressivos do ato de destruir sua própria espécie, se continuarmos a odiar uns aos outros por pequenas disputas e a matar por ganhos mesquinhos, em face ao progresso científico, será difícil preservar a existência da humanidade em meio ao conflito entre nossa “natureza” e as exigências da civilização. O escrito de Freud não visa, como os do poeta, trazer conforto e refrigério ao leitor, mas apresentar um caminho de análise do sujeito e reflexão sobre a sociedade. Assim, se em O mal-estar Freud advoga em favor do estabelecimento de algum modo de unidade, ele não o faz por sentimentalismo ou idealismo, mas por motivos “econômicos” pois, frente às tendências destrutivas e ao modo como se estabelecem os laços entre os homens, ele é forçado a considerar o esforço de Eros necessário à preservação da humanidade. Mas não o faz sem indicar seu limite, Tanatos, e sem nos advertir sobre a contrapartida que acompanha a unidade estabelecida pelo amor: o incremento da agressividade inerente à dimensão dual e a exacebação da severidade do supereu.
Eros como necessário é, portanto, a conclusão do percurso que Freud traça passo a passo em seu texto, e não um princípio. Esta trilha inicia-se com a desconstrução da idéia de que o sentimento oceânico – a sensação de fazer Um com o próximo – é um vinculo primário, passa pelo Homo homini lupus – a agressividade inerente ao ser humano – , para só então concluir que a civilização é um mal necessário. Nas linhas que se seguirão, acompanharemos a argumentação de Freud, procurando extrair as conseqüências de suas reflexões sobre o tema.
(^1) Carta de Freud a Romain Rolland de 4/3/1923, in: Sigmund Freud, Correspondência de amor e outras cartas , Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
tomado como ”exterioridade” – em função da ação específica, mediada pela linguagem,^2 através da qual o próximo veicula satisfação aos estados de tensão gerados pelas urgências da vida. Mas o maior incentivo, tanto para que o eu se diferencie quanto para o reconhecimento de um exterior, é certamente proporcionado pelas freqüentes e inevitáveis sensações de sofrimento e desprazer. É pela via da não relação entre o eu e o objeto da satisfação, pelo viés portanto do desprazer, que o próximo surge como dessemelhante, estranho. Conseqüentemente, a introdução da relação de objeto se faz, primariamente, sob a marca do ódio e do estranhamento, e se estrutura sobre a falta do objeto de satisfação que, perdido desde sempre, só existirá como nostalgia.
Primitivamente o eu incluía tudo. Posteriormente separa, de si mesmo, um mundo externo. O sentimento que temos do nosso eu não passa, portanto, de um mirrado resíduo de um sentimento muito mais inclusivo, sobre o qual se sustentará a crença na existência de um vínculo primário e íntimo entre o eu e o mundo que o cerca; e que permanecerá vivo ao lado do sentimento do eu mais estrito e nitidamente demarcado. Para Freud o sentimento oceânico, vivenciado por pessoas como Romain Rolland, só pode ser pensado como uma tentativa de restauração do narcisismo ilimitado vivenciado no auto-erotismo.
Tendo situado o sentimento oceânico como nostalgia do narcisismo ilimitado, a questão que se formula em seguida é: em que medida esse sentimento pode ser considerado como fonte para a religiosidade? De acordo com Freud, um sentimento só pode ser considerado como fonte de energia quando ele próprio é a expressão de uma necessidade intensa, e observa que não há anseio maior na infância do que o da proteção de um pai. Desta forma, conclui que a necessidade de religião é derivada do estado de pré-maturação característico do bebê, em decorrência do qual o infans fica completamente dependente de um outro que promova as ações necessárias à eliminação dos estados de tensão geradores de mal-estar.
Através dos argumentos de Freud, fica claro que o sentimento de vínculo indissolúvel com o universo – que constitui o conteúdo ideacional do sentimento oceânico
(^2) Por estar inserida da linguagem, a ação do próximo desnaturaliza as necessidades e verte o choro do infans em apelo, grito. A satisfação dos estados de necessidade é incompleta e deixa, como resto, a inscrição de traços e um resto de tensão que não se resolve.
Deus como ficção
A partir da desconstrução da ilusão de existência de vínculo primário com o outro, Freud retoma o tema anteriormente trabalhado no texto “O futuro de uma ilusão” (1927): a origem psíquica das idéias religiosas. Para Freud, os ensinamentos religiosos não resultam do ato de pensamento ou da experiência, são “ilusões, realizações dos mais antigos, fortes e prementes desejos da humanidade” (Freud 1927, p. 39). E o segredo de sua força reside na intensidade de tais desejos.
A impressão aterrorizante de desamparo,^4 vivenciada na infância, é o que desperta o anseio por proteção, através do amor, depositado na figura do pai. Durante esta etapa da vida, o sujeito tenta salvar o pai de modo a manter resguardada sua imagem ideal. Posteriormente, o confronto inevitável com suas falhas e insuficiências provoca uma dessuposição de saber, uma primeira separação, em virtude da qual o pai é destituído da posição de ideal.^5
(^3) Aqui, primário deve ser tomado no sentido de originário. (^4) Na leitura que os psicanalistas pós-freudianos fazem do termo desamparo, este ganha uma conotação psicológica, referida à crença na possibilidade de amparo. Com o intuito resgatar a direção indicada por Freud em seu escrito, Lacan assinala que o significante desamparo refere-se ao fato de que aquele (o Outro) que garante a nossa existência não existe fora do simbólico, ou seja, a unidade (o Um) só se agüenta pela essência do significante (Lacan 1972-73/1985, p. 14). (^5) Gostaríamos de acrescentar que, nos casos de neurose, ainda que destituído da posição de ideal, a referência ao pai será mantida.
“seu bem”, sua causa de desejo. Como contrapartida, em respeito aos seus mandamentos, dele exige a renúncia de suas satisfações ou, nas palavras de Lacan, ceder de seu desejo por medo de perder o amor da autoridade – a Providência Divina – e, conseqüentemente, ficar exposto à sua ira, o que faz do temor e da busca de garantia sérios entraves para a via do desejo.
Ao desvelar o vazio que sustenta a imagem de Deus, ou melhor dizendo, os desejos infantis que sustentam o pensamento religioso, o que interessa a Freud é questionar a idéia de que há apenas um único caminho para a felicidade. Tal como lista em seu texto, existem muitas trilhas que podem conduzir à felicidade, mas nenhuma que possa ser percorrida com segurança integral; e mais, cada caminho terá um preço a ser pago. No caso da oferta feita pela religião, sua técnica consiste em depreciar o valor da vida e em deformar o quadro do mundo real de maneira delirante, projetando a felicidade em um porvir. O preço a pagar é a fixação do sujeito a um estado de “infantilismo psicológico”, no qual a responsabilidade por seu destino fica depositada nas mãos de Deus. Freud observa que, embora prometida, a pretensa felicidade não é garantida e as infelicidades às quais o sujeito está exposto seguem por conta dos “desígnios inescrutáveis de Deus”.
Civilização, renúncia e sofrimento
Se a felicidade só pode ser fruída de maneira intermitente e episódica, o sofrimento é muito mais fácil de ser vivido e nos acossa a partir de três fontes: a fragilidade de nossos corpos, o poder superior da natureza e o relacionamento entre os homens. Cada uma delas porta algo daquilo que Lacan nomeou o Real, o impossível. Os dois primeiros são mais facilmente reconhecidos como inevitáveis, reconhecimento que não tem efeito paralisador e mesmo aponta uma direção para nossa atividade. Já a terceira fonte de sofrimento não é aceita como parte da vida. A infelicidade que advém da relação com o próximo é recorrentemente considerada como um acréscimo, um a mais. Não a admitimos de maneira alguma, e não conseguimos perceber por que os regulamentos
estabelecidos pelas leis não representam proteção e benefício para cada um de nós. Toda a argumentação de Freud se fará no sentido de demonstrar que, também neste ponto, jaz oculta uma parcela de “natureza inconquistável” – o impossível – referida a nossa própria constituição psíquica e que está na causa do mal-estar.
Na origem da civilização, Freud situa Eros e Ananke: a compulsão para o trabalho e o poder do amor, que “faz o homem relutar em privar-se de seu objeto sexual – a mulher – e a mulher, em privar-se daquela parte de si própria que dela fora separada – seu filho” (Freud 1930, p. 106). A civilização é descrita como “a soma integral das realizações e regulamentos que distinguem nossas vidas das de nossos antepassados animais, e que servem a dois intuitos (...): o de proteger os homens contra a natureza e o de ajustar seus relacionamentos mútuos” (Idem, p. 96). Mas cumpre suas funções de modo sempre precário, já que é incapaz de proteger satisfatoriamente o homem dos perigos e sofrimentos que a natureza e seu corpo lhe impingem, e tampouco é eficaz na tarefa de regular os relacionamentos mútuos.
No entanto, não fosse essa tentativa – sempre falha – de regulação, os relacionamentos ficariam sujeitos à vontade arbitrária do indivíduo, situação na qual o homem fisicamente mais forte decidiria o destino dos demais de acordo com seus próprios interesses e impulsos pulsionais. Retomando “Totem e tabu”, Freud escreve:
A vida em comum só se torna possível quando se reúne uma maioria mais forte do que qualquer indivíduo isolado e que permanece unida contra todos os indivíduos isolados. O poder dessa comunidade é então estabelecido como “direito”, em oposição ao poder do indivíduo, condenado como “força bruta”. A substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma comunidade constitui o passo decisivo da civilização. (Freud 1930, p. 101)
O trecho citado descreve o caminho que se estende da violência ao direito, à lei, cuja essência é repartir, distribuir e redistribuir o gozo (Lacan 1972-73/1985). O cerne da substituição do poder pelo direito reside no fato de que seus membros restringem as suas possibilidades de satisfação, enquanto o indivíduo que dela não participa desconhece tais restrições. De acordo com Freud, a primeira exigência da civilização é a justiça, a garantia de uma lei que, uma vez criada, não será violada em favor de nenhum indivíduo. E para o estabelecimento deste estatuto legal é necessário que todos contribuam com o sacrifício da satisfação de suas pulsões, uma perda de gozo nomeada por Freud castração.
princípio do prazer é preconizado pela religião e está estreitamente ligado ao ponto vista ético que considera a disposição para o amor universal pela humanidade e pelo mundo o ponto mais alto a ser alcançado. Posição ética à qual Freud se opõe categoricamente: “um amor que não discrimina me parece privado de parte de seu próprio valor, por fazer uma injustiça a seu objeto” (Freud 1930, p. 108). O amor que não porta a marca de um interesse especial, a marca do desejo, é destituído de valor; uma paixão que é ignorância do desejo (Lacan 1972-73/1985, p. 12) e entrave para sua trilha.
Homem lobo do homem
Com o intuito de interrogar as enigmáticas tendências da civilização – em restringir a vida sexual e ampliar cada vez mais a unidade cultural – , Freud ficciona a existência de uma comunidade ideal composta por “indivíduos duplos” e libidinalmente satisfeitos, vinculados uns aos outros através dos elos formados pelo trabalho comum. Se tal circunstância hipotética fosse exeqüível, não seria preciso extrair energia alguma da sexualidade. Esse estado de coisas atenderia perfeitamente aos anseios do amor, relacionamento entre dois para o qual um terceiro é supérfluo e perturbador. Sobre o amor, Freud escreve:
Quando um relacionamento amoroso se encontra em seu auge, não resta lugar para outro interesse (...) em nenhum outro caso Eros revela tão claramente o âmago do seu ser, o intuito de com mais de um, fazer um único; contudo, quando alcança isso de maneira proverbial, ou seja, através do amor de dois seres humanos, recusa-se a ir além. (Freud 1930, p. 113)
No entanto, a realidade nos mostra que a civilização não se contenta com as ligações que lhe concedemos. E, colocando-se em confronto com o amor, exige que ele vá mais além. Com o intuito de unir, ela emprega todos os meios possíveis: favorece as identificações entre seus membros e convoca a libido inibida em sua finalidade, de modo a fortalecer o vínculo comunal através das relações de amizade. Esforço que torna inevitável a restrição imposta à vida sexual, uma vez que o impulso que dela deriva é
capaz de reunir consideráveis quantidades de pessoas de um modo muito mais intenso que o trabalho.
Apesar de atribuir boa parcela do mal-estar que experimentamos aos excessos cometidos pela cultura em sua exigência de renúncia à satisfação, Freud pondera que um empenho desta monta só se justifica pela presença de algum fator excessivamente perturbador: a existência de algo intrínseco à condição humana que seja contrário à felicidade. “Às vezes, somos levados a pensar que não se trata apenas da pressão da civilização, mas de algo da natureza da própria função que nos nega satisfação completa e nos incita a outros caminhos” (Freud 1930, p. 110-111). Se o amor proporciona as mais intensas experiências de satisfação, por que romper a inércia do amor? O que nos impele a introduzir, no laço a dois que estabelece a relação dual, um terceiro termo?
A resposta para esse enigma é extraída, por Freud, da análise que faz do mandamento Amarás a teu próximo como a ti mesmo. A articulação que ele produz em torno desse imperativo possibilita desfazer as ambigüidades presentes em sua obra no que concerne ao amor. E permite verificar por que que a concepção de “amor maduro” – entendido como uma espécie de síntese ou unificação em direção a genitalidade, capaz de eliminar o conflito inerente à relação com o próximo – constitui um desvio em relação ao aspecto subversivo da psicanálise, desvio que reduz sua ética a um moralismo como outro qualquer.
Iniciando sua reflexão, Freud observa uma pessoa só pode ser amada se merecer o amor de alguma maneira.^6 E escreve:
Ela merecerá meu amor, se for de tal modo semelhante a mim , em aspectos importantes, que eu me possa amar nela; merece-lo-á, também, se for de tal modo mais perfeita do que eu, que nela eu possa amar meu ideal de meu próprio eu. Terei ainda que amá-la, se for filha de meu amigo, já que o sofrimento que este sentiria se algo lhe ocorresse seria meu sofrimento também. (Freud 1930, p. 114)
Nos casos considerados, Freud circunscreve o amor estritamente dentro das linhas demarcadas pelo narcisismo: o semelhante a mim ou o meu ideal. A este respeito, Lacan
(^6) Freud retira de sua análise o uso que se possa fazer da pessoa como objeto de amor, bem como a sua significação para o sujeito, circunstâncias em que algo do desejo se veicula através do amor.
finalidade, daí a restrição à vida sexual, e, também, o mandamento ideal do amor ao próximo, exigência que se justifica pelo fato de que nada vai tão frontalmente contra a natureza original do homem. Entretanto, o que a análise da proposição do amor universal – que atravessa o texto “O mal-estar na civilização” – revela é que a mediação que resulta do apelo à imagem do semelhante, da reciprocidade inerente ao amor, é precária. Ou seja, se por um lado o narcisismo favorece alguma forma de harmonia, por outro, o circuito dual está profundamente marcado pela rivalidade e pela tensão entre o amor e o ódio. Na dimensão imaginária não há saída possível, já que as relações se desdobram sempre na linha do “matar” ou “morrer”. Por esta razão, a regulação estabelecida através das exigências morais é precária e traz, como contrapartida, a exacerbação da agressividade. No nível do sujeito, a agressividade incrementada pelos ideais se manifesta na severidade do supereu, versão degradada do pai; no nível da coletividade, surge na violência dirigida contra o estrangeiro, aquele que é excluído da unidade promovida pelo amor.
A hostilidade primária entre os seres humanos – em virtude da qual a civilização se vê permanentemente ameaçada de desintegração – é estrutural, e decorre do fato de que o eu se constitui a partir da imagem emprestada pelo semelhante. Só a mediação simbólica possibilita sair do impasse constitutivo da relação imaginária. Para finalizar, interpretando a epígrafe que recortamos de “O eu e o isso” (1923), concluímos que é preciso encontrar a boa distância em relação ao próximo, distância que só se estabelece pela intervenção de um nome: o Nome-do-Pai.
Freud, S. Correspondência de amor e outras cartas 1873-1939. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. _____ Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud_. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996. ____ (1923) “Um tipo especial de escolha feita pelos homens”, vol. XI. ____ (1927) “O ego e o id”, vol. XIX. ____ (1927) “O futuro de uma ilusão”, vol. XXI. ____ (1930) “O mal-estar na civilização”, vol. XXI. Lacan, J. O seminário. Livro 7. A ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1959- 60/1988. ____ O seminário. Livro 20. Mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1972- 73/1985.