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considerações iniciais sobre a emenda constitucional n. 45 ..., Notas de estudo de Direito

A nova competência material da Justiça do Trabalho: considerações iniciais sobre a Emenda Constitucional n. 45, de 08/12/2004 ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Neilson89
Neilson89 🇧🇷

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REVISTA OPINIÃO JURÍDICA 69
A NOVA COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO
TRABALHO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A
EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45, DE 08/12/2004
Francisco Gérson Marques de Lima*
1 Propedêutica. 2 Principais modificações imprimidas pela EC 45/
2004. 3 Aspectos gerais da Justiça do Trabalho, segundo a EC 45/
2004. 4 Competência da Justiça do Trabalho (EC 45/2004). 5 Aplica-
ção imediata da EC 45/2004. 6 Conclusões. Referências Bibliográficas.
RESUMO
A Emenda Constitucional n. 45/2004 aumentou a competência
da Justiça do Trabalho, que passou a ser encarregada de
processar, ordinariamente, todos os litígios decorrentes da
relação de trabalho, seja ela pública ou privada. Tal alteração
exigirá mudança na postura dos juízes do trabalho e nova
reciclagem de direito civil, administrativo, processual e
constitucional. De conseqüência, também as atribuições do
Ministério Público do Trabalho foram sensivelmente
elastecidas.
PALAVRAS-CHAVE
Justiça do Trabalho. Mudança de competência. Relação de
Trabalho. Processo do Trabalho. Servidor público.
1 PROPEDÊUTICA
Com a Emenda Constitucional n. 45/2004, implementou-se parte da
Reforma do Poder Judiciário brasileiro, o qual, de fato, precisava urgentemen-
te ser repensado, por razões várias que este breve estudo não permite analisar.
Mas a Reforma mencionada não veio em sua inteireza, embora pontos
essenciais tenham sido mexidos. Pelo menos duas outras relevantes situações se
encontram em curso, sem esquecer que, no âmbito infraconstitucional, vários
Projetos de Lei (PL) tramitam pelas Casas do Legislativo federal. Uma destas
relevantes situações consiste em partes da PEC da Reforma do Judiciário que
ainda serão submetidas à Câmara dos Deputados, eis que a ela retornaram por
questões regimentais. A outra diz respeito a alterações mais polêmicas e que
ainda amadurecem nas discussões da Câmara. Tendo optado por dividir a Refor-
* Doutor em Direito Constitucional. Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Christus. Professor
do Mestrado em Direito da UFC. Procurador Regional do Trabalho na PRT-7ª Região (CE). Membro
fundador da Academia Cearense de Direito do Trabalho.
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R E V I S T A O P I N I Ã O J U R Í D I C A (^) 69

A NOVA COMPETÊNCIA MATERIAL DA J USTIÇA DO

T RABALHO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A

EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45, DE 08/12/

Francisco Gérson Marques de Lima*

1 Propedêutica. 2 Principais modificações imprimidas pela EC 45/

  1. 3 Aspectos gerais da Justiça do Trabalho, segundo a EC 45/
  2. 4 Competência da Justiça do Trabalho (EC 45/2004). 5 Aplica- ção imediata da EC 45/2004. 6 Conclusões. Referências Bibliográficas.

RESUMO

A Emenda Constitucional n. 45/2004 aumentou a competência da Justiça do Trabalho, que passou a ser encarregada de processar, ordinariamente, todos os litígios decorrentes da relação de trabalho, seja ela pública ou privada. Tal alteração exigirá mudança na postura dos juízes do trabalho e nova reciclagem de direito civil, administrativo, processual e constitucional. De conseqüência, também as atribuições do Ministério Público do Trabalho foram sensivelmente elastecidas. PALAVRAS-CHAVE Justiça do Trabalho. Mudança de competência. Relação de Trabalho. Processo do Trabalho. Servidor público.

1 PROPEDÊUTICA

Com a Emenda Constitucional n. 45/2004, implementou-se parte da Reforma do Poder Judiciário brasileiro, o qual, de fato, precisava urgentemen- te ser repensado, por razões várias que este breve estudo não permite analisar.

Mas a Reforma mencionada não veio em sua inteireza, embora pontos essenciais tenham sido mexidos. Pelo menos duas outras relevantes situações se encontram em curso, sem esquecer que, no âmbito infraconstitucional, vários Projetos de Lei (PL) tramitam pelas Casas do Legislativo federal. Uma destas relevantes situações consiste em partes da PEC da Reforma do Judiciário que ainda serão submetidas à Câmara dos Deputados, eis que a ela retornaram por questões regimentais. A outra diz respeito a alterações mais polêmicas e que ainda amadurecem nas discussões da Câmara. Tendo optado por dividir a Refor-

  • Doutor em Direito Constitucional. Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Christus. Professor do Mestrado em Direito da UFC. Procurador Regional do Trabalho na PRT-7ª Região (CE). Membro fundador da Academia Cearense de Direito do Trabalho.

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ma do Judiciário em “partes”, o constituinte aprovou de logo o que era menos polêmico. Talvez, por outro lado, tenha-o feito com o objetivo de dar imediata satisfação internacional da atuação do Governo vigente. Isto é sentido pela forma atabalhoada como se aprovou a EC 45, no dia 08/12/2004, às pressas, para não se perder o propício Dia da Justiça, quando já convidadas autoridades ilus- tres e exponenciais do Poder Público brasileiro e anunciada a Reforma para os organismos internacionais. Houve, neste tirocínio, desconsideração de obstácu- los formais ( rectius, exigências do processo legislativo) e pacto de cavalheiros entre os integrantes das duas Casas do Congresso Nacional. Acordos políticos, pactos de tolerância legislativa, compromissos de consertos rápidos... Foi neste ambiente que aflorou a EC 45/2004, suada pelos anos, sofrida e tão esperada.

Entre os temas que retornam à Câmara dos Deputados, porque sua re- dação foi alterada pelo Senado Federal, estão: proibição ao nepotismo no Judi- ciário; o estágio probatório de 3 anos para aquisição de vitaliciedade por ma- gistrados e membros do Ministério Público; competência dos Tribunais de Jus- tiça para julgar Prefeitos; alteração na composição do Superior Tribunal Mili- tar (STM); edição de súmula impeditiva de recursos, pelo STJ e TST, etc.

Por enquanto, seguem estas primeiras considerações, que, por serem iniciais, ainda precisam de amadurecimento e maiores discussões, se é que teremos tempo para discuti-las, pois outras alterações provavelmente virão muito em breve, dando continuidade à tal Reforma do Judiciário.

De há muito se sabe da necessidade de reforma do Judiciário, que não consegue prestar eficazmente a tutela jurisdicional, por vários fatores que não nos propomos a analisar no presente estudo. Por fim, houve exigências dos próprios organismos internacionais, com reflexos nos acordos com o FMI, impondo modificações conjunturais, primando por juízes mais céleres e mais técnicos, com menos senso crítico do seu papel social. Nesta conjuntura, havendo um tal de risco Brasil e problemas de credibilidade internacional, o país precisava mostrar aos organismos internacionais que atendia à pauta por eles imposta. E, daí, a pressa em promulgar a Reforma do Judiciário ain- da em 2004, uma medida que satisfazia à agenda de compromissos internaci- onais e demonstrava o poder político de aglutinação do governo atual.

Apesar dos altos e baixos (e para a Justiça do Trabalho, foi muito me- lhor, arrastando consigo o Ministério Público do Trabalho), a mudança legislativa abre espaço para mudança, também, na ideologia, na mentalida- de dos juízes, a compreensão de seu papel social e da sua responsabilidade.

Muito da EC 45/2004 é comum a todos os ramos do Judiciário. Mas reservamos este estudo à apreciação da competência da Justiça do Trabalho.

2 PRINCIPAIS MODIFICAÇÕES IMPRIMIDAS PELA EC 45/

Ao todo, a EC 45/2004 alterou 27 artigos da CF, acrescentando-lhe outros três, e incluindo vários parágrafos, incisos e alíneas, além de ter revo-

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k) autorização para os tribunais funcionarem de forma descentraliza- da, bem como instituírem a justiça itinerante, para facilitar o acesso a todas as instâncias da Justiça;

l) exigência inequívoca de publicidade das sessões administrativas dos tribunais, o que requererá intensa fiscalização pelo Ministério Público para que a norma seja, enfim, cumprida;

m)equiparação dos tratados e convenções internacionais sobre direi- tos humanos a emendas constitucionais, desde que aprovados em 2 turnos, por 3/5 dos votos de deputados e senadores;

n) sujeição do Brasil ao Tribunal Penal Internacional; o) previsão de que todos os processos, judiciais e administrativos, te- nham duração razoável, muito embora o conceito indeterminado exigirá ativa participação do intérprete para que obtenha real eficácia;

p) nas hipóteses de grave violação de direitos humanos e visando a assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacio- nais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, o Procurador-Geral da República poderá postular, perante o STJ, em qualquer fase do inquérito ou processo, o deslocamento de competência para a Justiça Federal; e

q) asseguramento de autonomia administrava e financeira às Defensorias Públicas.

Há reações a algumas disposições da Emenda, provenientes de vários setores, no que interesse a cada um. A Justiça Federal, p. ex., opõe-se vee- mente à outorga de competência da Justiça do Trabalho para julgar lides en- volvendo servidores públicos estatutários. Por trás dos fundamentos jurídicos, está a luta pela reserva de poder, considerando que este tipo de litígio atinge a essência funcional da Administração Pública, vale dizer, do Poder Público. Entre as razões jurídicas apresentadas e a política (dissimulada) renova-se antigo embate, que permeia a luta dos juízes trabalhistas pelo aumento da competência da Justiça do Trabalho e é freqüentemente submetido às Casas do Congresso Nacional, com decisiva participação do Supremo Tribunal Federal.

A perplexidade com que nos deparamos provém de algumas vozes da própria Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho no sentido de interpretar restritivamente a nova disposição constitucional (EC 45/2004), para limitar a competência destas instituições. Na contramão da história, estas vozes tendem, a nosso ver, a incidir no erro de não valorizar uma dura conquista e permitir, mais uma vez, que se restrinja dita competência, tal como sucedeu com o caso dos servidores públicos estatutários, logo após a Lei n. 8.112/90, quando as instituições trabalhistas se amofinaram, deixando que a matéria ficasse com a Justiça Comum (Federal e Estadual). 1

Não é de nosso intuito estimular discórdias, concorrências ou medi- ção de forças entre instituições. Mas é hora de se contemplar a Justiça do

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Trabalho e o Ministério Público do Trabalho com competências e atribuições mais efetivas, à altura das demais justiças e ramos do Ministério Público, podendo fazer, no seu âmbito, o mesmo que as instituições assemelhadas fazem, sem dependências. A questão da falta de pessoal não é privilégio da Justiça do Trabalho ou do MPT; todas as outras instituições também enfren- tam este mesmo problema. A luta, doravante, deverá ser a de contornar esta dificuldade, ao invés de fugir dela.

Daí, segue a nossa contribuição doutrinária, nestas primeiras conside- rações, expendidas na efervescência da EC 45/2004, que desafia vasta inter- pretação e estimula acirrado debate, como é natural, aliás, nas democracias, especialmente ante assunto tão relevante.

3 ASPECTOS GERAIS DA JUSTIÇA DO TRABALHO, SEGUNDO A

EC 45/

As alterações imprimidas à Justiça do Trabalho foram grandes, fican- do outros assuntos para as demais PECs ainda em tramitação. Surgiram algu- mas angústias e perplexidades, que podem ser minimizadas nas etapas se- guintes da Reforma do Judiciário. O certo (e bom) é que a espinha dorsal do Judiciário foi retraçada pelo constituinte derivado.

Centraliza-se a Reforma da Justiça do Trabalho nos artigos 114 e 115 da Constituição Federal, referentes à composição de seus órgãos e de suas com- petências. Mas, conforme já mencionado há pouco, a Justiça do Trabalho tam- bém foi afetada por disposições gerais referentes à magistratura nacional. E, na mesma senda, também o Ministério Público do Trabalho se viu atingido pelas modificações genéricas do Ministério Público. Até mesmo os órgãos do Mi- nistério do Trabalho foram abrangidos parcialmente pela EC 45/2004, na parte referente às conseqüências judiciais do processo administrativo de fiscalização.

Temas gerais como súmula vinculante, controle externo, escola naci- onal da magistratura, etc., são pontos comuns a todo o Judiciário brasileiro, mesmo quando a previsão seja em dispositivos diferentes, porquanto a reda- ção é a mesma, conforme se pode perceber da leitura da reportada EC 45/04. A bem da verdade, considerável número deles situa-se na parte geral do Judiciário, tratado na Constituição Federal.

Novidades dignas de registro logo nesta oportunidade são a perma- nência do poder normativo da Justiça do Trabalho e o aumento de sua com- petência. Com efeito, se de um lado a EC 45/04 se referiu apenas a Dissídio Coletivo de natureza econômica , de outro introduziu os conflitos de representatividade sindical, matéria muito mais apropriada à Justiça do Tra- balho do que à Justiça Comum. Entretanto, a mesma Emenda não aprovei- tou a oportunidade para inserir o acidente de trabalho na alçada da Justiça laboral. Esta última situação por certo não se sustentará por muito tempo, pois perdeu completamente seu sentido na história, porquanto resta cons- titucionalmente superado o entendimento de que a Justiça do Trabalho só

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ta, exige cautela e compreensão da sua magnitude. Pois bem: a EC 45/ (Reforma do Judiciário) alterou profundamente a competência da Justiça do Trabalho, passando a prescrever:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II – as ações que envolvam exercício do direito de greve; III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o ; VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; IX – na forma da lei, outras controvérsias decorrentes de dissídios individuais e coletivos nas relações de trabalho. § 1º. Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. § 2º. Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. § 3º. Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.

Cumpre-nos esclarecer que o fato de a EC 45/2004 ter aumentado a competência da Justiça do Trabalho não implica dizer que o direito material aplicável nos processos a ela submetidos será sempre o da CLT e legislação correlata. Com efeito, os litígios decorrentes de prestação de serviço não su- bordinado possuem legislação própria, máxime o Código Civil. Assim, o juiz do

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trabalho aplicará a legislação comum, o direito comum, e não a CLT, pois a natureza do contrato permanecerá sendo civil. O rito processual, a seu turno, será o trabalhista, porque inerente ao exercício da jurisdição laboral. O au- mento da competência de um órgão jurisdicional não implica, por si só, que o direito material a ser aplicado também mudará. Mudarão as concepções, o modo de pensar os problemas, as perspectivas dos institutos, etc. Todavia, a regulamentação material da questão jurídica permanecerá a de antes, salvo se ela própria for modificada pelo Direito, através de instituto jurídico adequado.

A EC 45/2004 mudou a regra da competência geral da Justiça do Tra- balho. Agora, havendo relação de trabalho, seja ela qual for, o princípio é de que a lide será da competência dessa Justiça. O benefício da dúvida remete a ação à alçada da Justiça laboral, numa guinada epistemológica espetacu- lar, que se opõe frontalmente ao que se tinha antes da Reforma do Judiciá- rio. Em outras palavras: a Justiça do Trabalho passou a ser, pela EC 45/2004, o ramo do Judiciário com competência ordinária para julgar litígios decor- rentes da relação de trabalho em geral. Somente em casos excepcionais é que a Justiça Comum (federal ou estadual) terá competência para processar ações que envolvam prestação de serviço.

Esta alteração de competência atingiu em cheio a essência da Justiça do Trabalho, porque firmou amplamente a competência material para julgar, processar e conciliar litígios decorrentes da relação de trabalho. Pouco faz caso das pessoas envolvidas nos litígios, se são empregados, autônomos ou profissionais liberais: preocupa-se com a relação jurídica, a de trabalho. É de todo salutar relembrarmos que o critério da competência material é aquele fundado no tipo de relação jurídica submetida a juízo.

A adaptação de competência é não apenas compreensível como, tam- bém, necessário. As relações de trabalho se tornaram, no século XX, muito mais complexas, mais ricas em modalidades; apareceram relações muito além das de emprego; os contratos civis cresceram e assumiram várias conotações; o trabalho informal superou o número dos empregados com Carteira de Tra- balho assinada, situação que exige um tratamento mais meticuloso e rápido do Estado; a própria idéia de subordinação foi modificada no dia-a-dia, ins- pirada pelas novas tecnologias, pelas necessidades do século... Vieram o teletrabalho, o trabalho à distância, o trabalho sem controle de jornada, o trabalho em domicílio, etc. Por fim, tem-se percebido que o contrato de emprego conviverá com inúmeras outras formas de trabalho, algumas, por sinal, muito parecidas entre si e com a idéia tradicional de emprego.

Nesta inquietante ebulição social, econômica e jurídica, a Justiça do Trabalho não podia mais ficar apenas com os litígios da relação de emprego tradicional, realidade cada vez menor. A modernização do trabalho exigiu uma nova feição para o ramo do Judiciário que trata exatamente dos litígios envolvendo os agentes da produção: o empresário e o trabalhador, subordi- nado ou não.

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sobre as empresas unipessoais). É preciso termos cuidado para não nos deixar- mos levar pelo argumento da relação de consumo, regida pelo Código de De- fesa do Consumidor, para remeter os litígios laborais à Justiça Comum. Contra este risco, convém relembrarmos, conforme dito há pouco, que a mudança de competência não altera o direito material em si. Portanto, o princípio é de que o litígio envolvendo trabalho pessoal é da alçada da Justiça do Trabalho, agora caracterizada como órgão jurisdicional ordinário para processar este tipo de matéria. Cabe cindir a relação jurídica, especialmente nas relações triangula- res, desnudando o aspecto trabalhista da relação de consumo , a fim de se ana- lisar o primeiro na própria Justiça do Trabalho e remeter o segundo à Justiça Comum. Assim, se o sujeito A, mesmo que autônomo seja, trabalha para a em- presa B, confeccionando peças para ela, e B as vende ao público consumidor, é óbvio que esta última é relação de consumo, enquanto a existente entre A e B é tipicamente de trabalho, a atrair a competência da Justiça do Trabalho. Parece- nos, até, que podemos estabelecer uma fórmula inicial: as relações de compra e venda em geral não se caracterizam como relação de trabalho, sendo reguladas estritamente pela legislação civil e pelo Código de Defesa do Consumidor.^6

O novo dispositivo constitucional abriga o que a legislação ordinária já previa, referente aos trabalhadores avulsos. Subordinados ou não, inde- pendentemente de sua sindicalização, os avulsos prestam serviços apenas eventualmente para a empresa, sem se fixarem a um só tomador de serviço, daí porque não são empregados. Ex.: o amarrador, o consertador de carga e descarga, os estivadores, o vigia portuário, o classificador de frutas, etc. (Dec. n. 63.912/68). Competem à Justiça Obreira os dissídios entre trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços (art. 643, CLT).^7

Sucede o mesmo com relação ao dissídio entre pequeno empreiteiro e empreitador (tomador de serviços ou dono da obra): a empreitada é contrato civil, de resultado, no qual se visa à entrega de uma obra, mediante um preço. Os riscos correm por conta de quem executa a obra, o empreiteiro, que, frise-se bem, não é empregado. Pequeno empreiteiro diz-se de quem é o próprio executor da obra, o próprio artífice. Devido sua fragilidade econô- mica, a lei atribuiu competência à Justiça do Trabalho para dirimir os confli- tos da pequena empreitada (art. 652, III, CLT), embora o contrato não seja de atividade, de prestação de serviço.^8 Embora o processo seja trabalhista, os direitos são civis. Se o prestador dos serviços explorar economicamente a atividade, em escala comercial, a empreitada deixará de ser pequena.

Na mesma linha se encontram os parceiros, meeiros e os arrendatári- os, quando não houver exploração comercial na atividade dos contratantes.

4.3 Servidores públicos da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 114, I, CF)

Por força da EC 45/2004, a Justiça do Trabalho, que já tinha compe- tência para julgar os litígios entre a Administração Pública e os servidores

Francisco Gérson Marques de Lima

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celetistas, passou a ser competente para processar, também, os servidores pú- blicos estatutários, em qualquer das esferas de governo. Só escaparam desta abrangência da competência os militares (membros das Forças Armadas, poli- ciais militares e corpos de bombeiros militares ¾ arts. 42 e 142, § 3º, CF). Nesta ótica, até os integrantes da Polícia Federal, das Polícias Rodoviárias, das Polícias Civis e Guardas Municipais foram incluídos na alçada da Justiça do Trabalho; bem ainda as lides envolvendo a Administração Pública de qual- quer esfera e os magistrados, os membros do Ministério Público, das Defensorias, das Procuradorias Judiciais e Administrativas, etc. Com efeito, a nova redação do art. 114, I, CF, não excluiu os estatutários, aí encontrando-se os agentes que desenvolvem funções típicas de Estado. 9 O texto foi publicado como saíra da Câmara dos Deputados, sendo que o Senado Federal incluiu, ao final deste inc. I, a frase “exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provi- mento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da Federação”. Esta parte devia ter sido submetida ao crivo da Câmara, em novo turno de votação, para que fosse aprovada (art. 60, § 2º, CF). E, de fato, acabou voltando à Câmara, onde aguarda apreciação.

Esta incumbência da Justiça do Trabalho para processar litígios de servidores públicos estatutários e, sobretudo, de agentes políticos (magistra- dos, membros do MP, procuradores judiciais, etc., de qualquer esfera admi- nistrativa) abre um abismo na Justiça Comum, na Justiça Federal e nos de- mais órgãos de Poder. De um lado, pode melhorar o acesso dos juízes estadu- ais à discussão de seus problemas administrativos fora do âmbito da estrutura militarizada da Justiça a que pertencem, possibilitando maior democracia, igualdade e isenção nos julgamentos; mas, de outro lado, não interessará aos tribunais de justiça e TRFs, porque terão de compartilhar seus problemas com outros órgãos da estrutura do Estado, como o Ministério Público do Trabalho, que poderá, inclusive, investigar e questionar nomeações de ser- vidores, promoções de magistrados, concursos para os cartórios, etc. Este papel fiscalizador seria, com certeza, exercido pelo MPT porque: (a) é do seu espírito e talhe enfrentar desafios novos, descobrindo os meandros das entrelinhas das relações de trabalho em geral; (b) por não pertencer nem ter vinculação nenhuma com a Justiça Comum, sentir-se-ia completamente li- vre e politicamente desimpedido para questionar práticas, às vezes historica- mente viciadas e imunes, de órgãos judiciários; (c) isto acarretaria uma aber- tura maior, cognitivamente, da forma dos atos administrativos em geral, pos- sibilitando o conhecimento e o debate pela sociedade, sem o receio das re- taliações internas que caracteriza a realidade de algumas Instituições. A de- mocracia destas estruturas melhoraria, em benefício do regime da legalidade, algo muito afinado com o espírito de uma verdadeira Reforma do Judiciário.

Contudo, os interesses políticos tendem a falar mais alto. Havíamos vaticinado, logo após a publicação da EC 45/2004, que os juízes federais não se conformariam em ter suas lides julgadas pelos juízes do trabalho; e os Tribunais de Justiça sequer cogitariam de permitir que a Justiça do Trabalho

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imunidades das pessoas jurídicas de direito internacional são muito mais pertinentes ao seu papel político na aldeia global, havendo, por isto mesmo, tratamento diferenciado no campo do Direito Penal aos seus agentes, para melhor desempenharem suas funções públicas.

De todo modo, lembrando as lições de Del Vecchio ( A Justiça. São Paulo: Saraiva, 1960, passim ), é certo que as regras básicas de justiça são mundiais, internacionalizadas e tendentes a serem gerais, com pontos comuns em todas as regiões do globo terrestre. Não soa bem, neste diapasão, coonestar atos de injus- tiça, como a inobservância a direitos humanos, na espécie de direitos sociais. E muito menos se afigura adequado que um ente internacional, do porte e res- peitabilidade dos organismos internacionais, preste-se a invocar sua pretensa imunidade diplomática para não pagar direitos trabalhistas tão básicos e cuja importância financeira se perde na sua capacidade orçamentária.

A imunidade é tema que requer a máxima atenção, porquanto envol- ve, a um só tempo, os requisitos básicos para o exercício de funções interna- cionalmente relevantes, reconhecidas em tratados internacionais, e a sobe- rania nacional. O TST e o STF têm rejeitado a tese da imunidade de juris- dição em casos trabalhistas, 13 sobretudo na fase de conhecimento da ação. E, mesmo na fase de execução, o TST aponta a sua complexidade, negando a imunidade quando o ente público externo não renuncia a ela. 14

4.5 Trabalhador temporário (art. 19, Lei n. 6.019/74)

Trabalhador temporário é aquele que labora para a empresa cessionária, substituindo seu pessoal (v. Enunc. 331-TST), como terceirizado. Os conflitos en- tre as duas empresas competem à justiça comum, pois o contrato entre elas não é trabalhista, mas civil (prestação de serviços interempresarial); os do empregado, com qualquer das empresas, competem à Justiça obreira. A rigor, esta competência cai na regra geral, preceituada no art. 114, I, CF, por envolver relação de trabalho.

Pela denominação, a atrair confusão entre os dois tipos de trabalhado- res, é salutar esclarecer que os casos de contratação temporária, da Lei n. 9.601/98, são modalidades de contrato de trabalho por tempo determinado, pertencendo, portanto, à categoria de emprego , sobre a qual não paira dúvi- da quanto à competência da Justiça do Trabalho.

4.6 Dissídios coletivos e greve (art. 114, II e §§ 2º e 3º, CF)

A EC 45/2004 restringiu os dissídios coletivos aos de natureza econômi- ca (aqueles que visam a regular as condições de trabalho e estabelecer pautas entre as entidades pactuantes), mantendo a competência da Justiça do Traba- lho. Os de natureza jurídica, assim entendidos aqueles que visam a mero es- clarecimento de cláusulas, ficam a cargo das próprias entidades sindicais inte- ressadas resolverem por outros métodos, extrajudiciais (novos negócios coleti- vos) ou embargos de declaração em dissídio coletivo de natureza econômica.

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Não andou bem a EC 45/2004 quando fez constar, na redação do § 2º do art. 114, CF, que as partes têm a faculdade, “de comum acordo” , de ajui- zarem dissídio coletivo. Talvez não seja exatamente o que o constituinte quis dizer, mas houve um condicionamento para o ajuizamento da ação: ambas as partes têm de concordar com isto. Ora, levando em conta a cultura laboral brasileira, especialmente a empresária, o dispositivo inviabiliza o acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF); fragiliza as categorias profissionais, que depen- derão da aquiescência empresarial para promoverem a ação; estimula o in- desejável movimento paredista, uma vez que a greve é o único outro caso autorizador da instauração da instância coletiva, o que vai contra o princí- pio da paz social. Além de afrontar o princípio da razoabilidade, a disposição constitucional fere a inquebrantável cláusula pétrea do acesso à justiça (art. 60, § 4º, IV, CF). Tudo isto torna flagrante a inconstitucionalidade da nova disposição, que pode ser combatida tanto pela via concentrada, quanto pela via do controle difuso, incidentalmente em cada dissídio coletivo promovido nos Tribunais do Trabalho (TRTs e TST).

Os conflitos coletivos que envolvam paralisação coletiva (greve) são da competência da Justiça do Trabalho. No âmbito das relações privadas de trabalho, o tema não é novo nem inspira grandes novidades. Até a previsão de que o MPT é legitimado para ajuizar o dissídio “em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público” (art. 114, § 3º, CF) já vinha expressa na LC n. 75/93, art. 83, VIII ( “VIII - instaurar instância em caso de greve, quando a defesa da ordem jurídica ou o interesse público assim o exigir” ). A modificação literal, neste último caso, foi para restringir a atuação do MPT, agora limitada à paralisação em atividade es- sencial. Entretanto, a interpretação sistemática da Constituição não impede que o MPT promova outros tipos de ação, inclusive de ordem coletiva, para a preservação do interesse público e da sociedade, quando ameaçados pelo movimento paredista. Esta interpretação provém da necessidade de preser- var os direitos fundamentais, como de resto os indisponíveis, dos usuários e dos envolvidos no próprio conflito coletivo; e do papel do MPT como agente público defensor dos interesses públicos e da sociedade (artigos 127 e 129, II, CF). É possível que se depare com situações em que a greve seja deflagrada em setor não considerado essencial pela Lei n. 7.783/89, mas que, em situações concretas, demonstrem o risco para a sociedade, o caráter inadiável do servi- ço, a ofensa ao interesse público, à ordem ou à segurança públicas. Não pode- rá, então, em tal hipótese, a sociedade ficar na dependência da boa vontade das categorias conflitantes (de empregados e de empregadores). É exatamen- te para isto que ela conta com um Ministério Público, capaz de defendê-la e com coragem para ousar, para desafiar novas interpretações; é para isto que os membros do Ministério Público são altamente qualificados e ativos.

Já a greve no serviço público vai depender do que vier a ser definido a propósito dos servidores públicos. Não é sustentável o argumento de que todos os dissídios de greve sejam da competência da Justiça do Trabalho

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ção lógica e sistemática da CF), as de restituição de indébito, de depósito judicial, de cumprimento de cláusulas normativas, que visem a obrigar uma entidade a cumprir convenção ou acordo coletivo, inclusive quanto à apli- cação de multas previstas no instrumento coletivo, as de eleição sindical, de trabalhador avulso e seu sindicato, de direito de filiação e desfiliação, de prerrogativas sindicais, etc.

Novamente se torna mister atentar para o fato de que as lides envol- vendo sindicatos de servidores públicos estatutários (como os fazendários, p. ex.) versus Administração Pública continuarão na alçada da Justiça Comum (Estadual ou Federal) se persistir a liminar concedida pelo Min. Nelson Jobim, em 27/01/2005, sobre o inc. I do art. 114, CF, excluindo da competência da Justiça do Trabalho os litígios envolvendo servidores estatutários (ADIn 3395). Caso contrário, todas estas querelas seguirão para a Justiça laboral.

4.8 Ações constitucionais (art. 114, IV, CF)

A EC 45/2004 prevê, expressamente, ser da competência da Justiça do Trabalho processar “os mandados de segurança, ‘habeas corpus’ e ‘habeas data’, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição”. O sujeito passivo destas ações são as autoridades públicas que pratiquem atos com abuso de poder ou ilegalmente, desde que referentes à relação de trabalho público. Por força da liminar concedida pelo Min. Nelson Jobim, em 27/01/ 2005, sobre o inc. I do art. 114, CF, excluindo da competência da Justiça do Trabalho os litígios envolvendo servidores estatutários, estas ações constitu- cionais não serão ajuizáveis na Justiça Obreira quando a relação jurídica- base for de regime administrativo.

O dispositivo constitucional só menciona expressamente estas ações. Já foi um passo. Defendíamos, há tempos a competência da Justiça do Traba- lho para processar e julgar estas ações, pois regidas pelo Processo Constituci- onal, que é amplo. 15 Agora, a EC 45/2004 pôs fim a qualquer dúvida sobre o assunto. Os atos combatíveis pelo mandado de segurança, p. ex., são os de qualquer autoridade pública, e não mais só de autoridade judiciária do tra- balho. Assim, se um gestor público praticar ato ilegal ou com abuso de auto- ridade, referente à relação de trabalho (e não só à relação de emprego), o writ será impetrado no juízo de primeiro grau da Justiça do Trabalho. O mesmo critério da hierarquia de autoridade pública, para definir a compe- tência do Juiz de primeiro grau ou do Tribunal, existente nos demais ramos processuais, também se aplicará à Justiça do Trabalho.

Quanto aos habeas corpus, o constituinte derivado pôs fim ao entendi- mento esposado pelo STF de que a Justiça do Trabalho não tinha competên- cia para processá-los. Atualmente, portanto, está firmada dita competência, cabendo o processamento e julgamento aos Juízes das Varas do Trabalho quando o ato coator relacionar-se à relação de trabalho, como o cárcere

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privado e atos de autoridade adotados em função da relação de trabalho; os TRTs em relação a ato de juiz do trabalho de 1o^ grau ou de autoridade que tenha foro privilegiado Regional, e do TST em relação a ato de TRT, de seus membros ou de autoridade submetida à sua jurisdição originária, por privilé- gio de foro.

O raciocínio tecido para o mandado de segurança vale, também, para o habeas data, sempre que os dados da informação tiverem pertinência com relação de trabalho, sejam mantidos pelo empregador ou por órgão, público ou privado, desde que, nos casos privados, a informação se destine a público, na forma de cadastro.

De todo modo, mais uma vez precisamos recorrer à interpretação, para esclarecer ao leitor que há outras ações de índole constitucional da alçada da Justiça do Trabalho. É o caso do mandado de injunção (art. 105, I, h, CF) e da ação civil pública (art. 129, III, CF; art. 83, III, LC 75/93). Inclui-se, aí, ainda, o mandado de segurança coletivo e, quando a pretensão for a moralidade administrativa ou o meio ambiente do trabalho, atendidos os demais requisitos constitucionais, a ação popular (art. 5º, LXXIII, CF). Par- ticularmente, entendemos que a reparação civil, no caso de ato ofensivo ao princípio da moralidade pública, em sede de relação de trabalho, é da com- petência da Justiça do Trabalho. É o caso, p. ex., de gestores públicos que, por contratações viciadas de servidores ou nomeações políticas ilegais, pre- cisarão reembolsar o erário ou responder civilmente por seus atos, incidentalmente a ações trabalhistas.

O rito processual destas ações será o da legislação especial, que trata de cada uma delas, acrescentando-lhes os princípios tuitivos do Processo do Trabalho, dentro do ambiente de compatibilidade processual (art. 769, CLT).

4.9 Conflitos de competência (art. 114, V, CF)

Os conflitos de competência entre as autoridades judiciárias do trabalho são da alçada da Justiça obreira. A alteração constitucional só ressalva a compe- tência do STF para processar “os conflitos de competência entre o STJ e quais- quer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribu- nal” (art. 102, I, o). Se um dos órgãos judiciários envolvidos no Conflito não tiver jurisdição trabalhista, a competência será do STJ (art. 105, I, d).

4.10 Ações de indenização por danos morais e patrimoniais (art. 114, VI, CF)

A EC 45/2004 consagrou o entendimento do TST e do STF, no parti- cular. Assim, qualquer dano decorrente de relação de trabalho (e não só da relação de emprego) pode ter sua indenização pleiteada na Justiça Obreira. Isto, na realidade, é sucedâneo do que já dissemos há pouco, ao comentar- mos o inc. I do art. 114 da CF, para onde remetemos o leitor. Os contornos do

A nova competência material da Justiça do Trabalho: considerações iniciais sobre a Emenda Constitucional n. 45, de 08/12/

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Em nossa visão, os atos do Ministério Público fogem a esta competên- cia. Primeiro, porque ele não tem poderes para aplicar penalidades adminis- trativas (multas) aos empregadores, não lhe cabendo a idéia de autoridade administrativa do trabalho para efeitos do preceito constitucional. Segundo, porque seus atos, como autoridade pública federal, resvalam na regra geral da competência da Justiça Federal ou, em se tratando de ação promovida ou passível de ajuizamento na Justiça do Trabalho (ação civil pública, ação anulatória, etc.), a competência já está definida pelos demais dispositivos do art. 114, CF.

O texto constitucional menciona “as ações relativas às penalidades ad- ministrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho”. O termo “relativo” confere uma amplitude considerável às espé- cies de ações ajuizáveis na Justiça do Trabalho. Tudo que for referente ou concernente às penalidades administrativas a que se reporta pode ensejar ação na Justiça Obreira. Esta pertinência, por conseguinte, é tanto a direta quanto a indireta. E abarca, ainda, a execução fiscal das multas aplicadas pelas Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs), seguindo-se o rito da Lei n. 6.830/80, com a observância dos regramentos gerais do Processo do Trabalho.

4.12 Ações executivas e de cumprimento

Incumbe à Justiça do Trabalho, ainda, executar suas próprias deci- sões, conhecer e julgar as ações de cumprimento das sentenças normativas (art. 872, parágrafo único, CLT), bem como os dissídios que tenham origem no cumprimento de convenções coletivas de trabalho, mesmo quando ocor- ram entre sindicatos ou entre sindicato de trabalhadores e empregador (Lei n. 8.984/95). Incluem-se, aqui, os dissídios sobre contribuições sindicais estabelecidas nas negociações coletivas ou nas sentenças normativas. En- contra-se, aqui, ainda, a execução, de ofício, das contribuições previdenciárias e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que a Justiça do Traba- lho proferir (art. 114, VIII, CF). Esta competência executiva das sentenças é ínsita ao Judiciário em geral e vincula-se ao princípio do juiz natural, que, no particular, expressa-se pela preservação da competência originária (salvo a mudança legal da competência absoluta) e da perpetuatio jurisdictione. En- fim, a regra é: quem julga executa sua própria sentença.

4.13 Atos de jurisdição voluntária

São ditos atos de jurisdição voluntária aqueles nos quais não há litígio, caracterizando-se por atos administrativos na essência, mas judiciais na forma (daí, chamá-los de judicialiformes ). Sua aplicabilidade é bastante tênue na Justi- ça do Trabalho, valendo citar, antes da CF/88 e até os primeiros anos da Lei n. 8.036/90, a opção retroativa pelo FGTS; e, até a EC 28/2000, o caso da prestação qüinqüenal das contas laborais por parte do empregador rural (art. 233, CF).

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4.14 Outras competências da Justiça do Trabalho

No inc. I do art. 114 da CF está definida a competência da Justiça do Trabalho para processar “as ações oriundas da relação de trabalho”. E, no inc. IX, seguinte, consta competência à mesma Justiça para processar “na forma da lei, outras controvérsias decorrentes de dissídios individuais e coletivos nas rela- ções de trabalho”. Apesar das dúvidas e incompreensões iniciais, perfeita- mente esperadas e comuns nestas situações, entendemos que já podemos adiantar algumas opiniões.

O ponto chave está nas palavras “oriundas” (inc. I) e “decorrentes” (inc. IX). Segundo o Dicionário Aurélio, oriundo significa originário, prove- niente, procedente, natural; e decorrente é o que decorre, que passa, que se escoa, decursivo, ou, ainda, o que se origina. Isto demonstra que as ações oriundas (inc. I) são aquelas que nascem da relação de trabalho, direta e imediatamente, como nos conflitos entre o trabalhador e o tomador do servi- ço, a propósito da labuta prestada, sendo o palco onde se discutirão os direi- tos e obrigações desta relação contratual. Já as controvérsias decorrentes são aquelas que surgiram da labuta, indiretamente, podendo se referir a tercei- ros que se viram atingidos, de alguma forma, pela prestação dos serviços, ou cujas obrigações não sejam especificamente laborais; assim, pode a legisla- ção incluir na competência da Justiça do Trabalho outras controvérsias que não sejam as propriamente trabalhistas, como algumas de caráter peculiar- mente civil, comercial ou, mesmo, de consumo, desde que decorrentes de relação de trabalho.

Com espeque no art. 114, CF, tem-se atribuído à Justiça do Trabalho competência para conciliar e julgar quaisquer demandas que tenham causa na relação de emprego, como complementação de pensão por ex-empregado (Precedente 26-SDI/TST), preservação do meio ambiente de trabalho, ações civis públicas para resguardo da relação de emprego e da liberdade de asso- ciação sindical (ex.: imposição e cobrança de contribuições indevidas pelas entidades sindicais), ações possessórias, seguro-desemprego e PIS. Todas estas ações recebem, agora, pela EC 45/2004, novo impulso, para alcançar, no que possível for, as relações de trabalho em geral. Assim, os conflitos envolvendo associações profissionais e seus membros, ou entre associações, ou entre es- tas e os sindicatos; os danos decorrentes de acidentes de trabalho em geral, seja o acidentado empregado ou trabalhador não subordinado; etc.

Dentro do espírito de autonomia administrativa, os tribunais do traba- lho possuem a competência para apreciar, administrativamente, todos os pe- didos de seus servidores e juízes do trabalho.

5 APLICAÇÃO IMEDIATA DA EC 45/

A EC 45/2004, publicada no DOU 31/12/2004, está em pleno vigor, modificando a competência material da Justiça do Trabalho e, por conseqü-

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