Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Conflitos e formas de resolução: da autotutela à jurisdição, Notas de estudo de Conflito

Pela autotutela (ou autodefesa), o contendor resolve o conflito por sua própria força, agindo de per si para obter uma posição de vantagem em relação à situação ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Adriana_10
Adriana_10 🇧🇷

4.5

(197)

226 documentos

1 / 38

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
343Revista JurisFIB | ISSN 2236-4498 | Volume IV | Ano IV | Dezembro 2013 | Bauru - SP
1. INTRODUÇÃO
Com o desenvolvimento do presente tema, pretende-se trazer à tona
alguns dos problemas enfrentados pelo Poder Judiciário na tentativa
de prestar ao jurisdicionado a tutela de seus interesses de forma mais
adequada e ainda demonstrar a existência de mecanismos alternativos de
solução de conflitos, que visam não somente desafogar o sistema judicial,
como também tratar os conflitos de forma justa.
Através da revisão bibliográfica das obras de juristas e processualistas,
busca-se investigar os procedimentos adotados para melhoria do
atendimento à população, no tocante à solução dos conflitos advindos das
relações entre os seres humanos, sejam eles de ordem social ou contratual.
Aborda-se a legislação processo civil constitucional, ou seja, analisam-
se as normas processuais à luz da Constituição, acerca das formas de
resolução de conflitos, perpassando pelas garantias processuais previstas
pela Constituição Federal de 1988, como a duração razoável do processo
Conflitos e formas de
resolução: da autotutela à
jurisdição
Camilo Stangherlim Ferraresi*
Silmara Bosso Moreira**
*Professor das Faculdades Integradas de Bauru – FIB
**Discente do curso de Direito das Faculdades Integradas de Bauru - FIB
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Conflitos e formas de resolução: da autotutela à jurisdição e outras Notas de estudo em PDF para Conflito, somente na Docsity!

1. INTRODUÇÃO

Com o desenvolvimento do presente tema, pretende-se trazer à tona alguns dos problemas enfrentados pelo Poder Judiciário na tentativa de prestar ao jurisdicionado a tutela de seus interesses de forma mais adequada e ainda demonstrar a existência de mecanismos alternativos de solução de conflitos, que visam não somente desafogar o sistema judicial, como também tratar os conflitos de forma justa. Através da revisão bibliográfica das obras de juristas e processualistas, busca-se investigar os procedimentos adotados para melhoria do atendimento à população, no tocante à solução dos conflitos advindos das relações entre os seres humanos, sejam eles de ordem social ou contratual. Aborda-se a legislação processo civil constitucional, ou seja, analisam- se as normas processuais à luz da Constituição, acerca das formas de resolução de conflitos, perpassando pelas garantias processuais previstas pela Constituição Federal de 1988, como a duração razoável do processo

Conflitos e formas de

resolução: da autotutela à

jurisdição

Camilo Stangherlim Ferraresi*

Silmara Bosso Moreira**

*Professor das Faculdades Integradas de Bauru – FIB **Discente do curso de Direito das Faculdades Integradas de Bauru - FIB

e o acesso à justiça, até a recente Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamentou a implantação dos CEJUSCs – Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania. Por fim, o objetivo do presente trabalho é justificar a utilização dos meios alternativos de solução de conflitos, para se dar o tratamento necessário e adequado a cada situação conflitante, bem como analisar a justiça restaurativa como um novo modelo de justiça, voltado para as relações prejudicadas por situações de violência, buscando assim a pacificação social.

2. CONFLITOS E FORMAS DE RESOLUÇÃO: DA AUTOTUTELA À

JURISDIÇÃO

Antes de iniciar a análise dos Métodos Alternativos de Solução de Conflitos, será feita uma breve exposição dos significados da palavra “conflito” e em seguida, a evolução histórica de formas de resolução de conflitos utilizados no Brasil e no mundo. A palavra conflito é originária do latim conflictus, de confligere, sendo aplicado como sinônimo das situações de embate, oposição, controvérsia, disputa, desacordo, lide (BARBOSA, 2008). Na esfera jurídica o termo mais utilizado é litígio. Porém, para Plácido e Silva (1967, p. 256, apud TARTUCE, 2008, p. 24), o termo é utilizado para definir um entrechoque de ideias ou de interesses onde se instala um embate ou divergência entre fatos, pessoas ou coisas. Dinamarco (2004, p.117), entende o conflito como “a situação existente entre duas ou mais pessoas ou grupos, caracterizado pela pretensão a um bem ou situação da vida e a impossibilidade de obtê-lo”. Por sua vez, Carnelutti (1944 apud TARTUCE, 2008, p. 25) expõe com clareza como se dá o conflito de interesses: “a ambição (ou a necessidade) do homem é ilimitada, enquanto os bens (corpóreos e incorpóreos), passíveis de ser objeto dessa ambição são limitados; a disputa, por conseguinte, é inevitável”. Desta forma, verifica-se que as relações humanas são marcadas por insatisfações. Quando a pretensão de um indivíduo encontra uma resistência, podemos ver instalado um conflito, se fazendo necessário definir quem é o verdadeiro titular do direito ou do interesse que o gerou. Camilo Stangherlim Ferraresi, Silmara Bosso Moreira

legítima defesa, na possibilidade de um civil dar voz de prisão em caso de flagrante delito, o proprietário poder retirar o invasor de sua propriedade, etc. Lembrando sempre que em todos esses casos existem limites, que se forem desrespeitados, será considerado crime. O ordenamento jurídico brasileiro prevê outras situações específicas e excepcionais onde se admite o emprego da autotutela, como por exemplo, a regra constante do par. 1º do art. 1.210 do Código Civil, que permite ao possuidor turbado ou esbulhado manter-se ou restituir-se por sua própria força, bem como o artigo 1.467 do Código Civil, permite a utilização da autotutela pelo hospedeiro. Por se tratar de situações excepcionais, e por essa razão, devendo-se interpretá- las e aplicá-las restritivamente, para coibir excessos, se o interessado atuar fora das hipóteses legais, a utilização da autotutela configurará exercício arbitrário das próprias razões, crime previsto no art. 345 do Código Penal: Art. 345: Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência. Parágrafo único - Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa. A própria lei criminal, porém, ressalva a possível atuação em autodefesa nos casos expressos em lei, como a defesa da posse, as obrigações de fazer ou não fazer em casos de urgência. O Código Civil também prevê hipóteses em que se permite o uso da autotutela, como a legítima defesa e o estado de necessidade (Código Civil, art. 188), legítima defesa e desforço imediato na proteção possessória (Código Civil, art. 1.210, § 1º), autotutela de urgência nas obrigações de fazer ou não fazer (Código Civil, art. 249 § único e art. 251, § único), direito de retenção de bens (Código Civil, arts. 578, 644, 1.219, 1.433, II, 1.434), entre outros. Porém, esse instituto deve sempre ser aplicado segundo os princípios da boa fé e da razoabilidade. Além da autotutela, nas mesmas sociedades primitivas, verifica-se a presença do sistema de autocomposição, que perdura até os dias atuais; situação em que uma das partes em conflito ou as duas, abre mão de seu interesse no todo ou em parte, de modo que ambas possam sair satisfeitas. A autocomposição poderia se dar pela desistência ou renúncia à pretensão em favor do outro, pela submissão à pretensão do outro, renúncia à resistência oferecida ou pela transação, onde as duas partes fazem concessões recíprocas. Entretanto, é importante lembrar que: Camilo Stangherlim Ferraresi, Silmara Bosso Moreira

Na autotutela, aquele que impõe ao adversário uma solução não cogita de apresentar ou pedir a declaração de existência ou inexistência do direito; satisfaz simplesmente pela força (ou seja, realiza sua pretensão). A autocomposição e a arbitragem, ao contrário, limitam-se a fixar a existência ou inexistência do direito: o cumprimento da decisão, naqueles tempos iniciais, continuava dependendo da imposição de solução violenta e parcial (autotutela) (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 34). A autocomposição é a forma mais comum de resolução dos conflitos e também a mais consensual, uma vez que os próprios litigantes negociam a solução para a divergência. Os contendores chegam a uma solução através de debates e tratativas. Segundo Niceto Alcalá-Zamora y Castilho (apud TARTUCE, 2008, p. 46), “pode haver consentimento espontâneo de um dos contendores em sacrificar o interesse próprio em todo ou em parte, caso em que opera a resolução altruísta pela autocomposição”. A Transação é negócio jurídico bilateral. Como tal, deve obedecer aos requisitos gerais de validade dos negócios jurídicos: a vontade deve ser livre, o objeto possível e lícito, o sujeito capaz e a forma adequada. Deve sempre se dar na forma escrita, por documento particular ou público (quando necessário), no qual as partes fazem concessões mútuas para possibilitar o entendimento e dar fim à contenda. Segundo Leal (1999, p.178.), transação é a “forma mais civilizada para a solução de conflitos em que há equilíbrio de vontades e harmonização de interesses por iniciativa dos próprios interessados.” Mais tarde, os indivíduos começaram a preferir uma solução amigável e imparcial para seus conflitos, que se daria através de árbitros. Em geral essa interferência era confiada aos sacerdotes, pois se acreditava que sua ligação com os deuses propiciaria uma decisão mais acertada, ou aos anciãos, que tinham conhecimento dos costumes utilizados no grupo em que os interessados estavam inseridos. Conforme menciona Cahali(2011, p. 27): Deixada de lado a imposição da vontade pela força (autotutela ou autodefesa – “a lei do mais forte”), e afastado o entendimento (autocomposição), a solução do conflito é entregue ao terceiro por provocação do interessado, para harmonização das relações sociais intersubjetivas (heterocomposição). Surge então a figura do julgador, ou a arbitragem, que, ainda de acordo com Cahali: é um instituto contemporâneo às relações sociais, através do qual as pessoas indicam um terceiro para resolver seus conflitos”[...] “como, por exemplo, uma autoridade religiosa, um reconhecidamente sábio entre a comunidade, ou mesmo um membro da família experiente e idôneo (CAHALI , 2011, p. 26). Conflitos e formas de resolução: da autotutela à jurisdição

litiscontestatio. As partes podiam escolher o árbitro de sua confiança, que recebia do pretor o encargo de decidir a causa. Afirmam os autores que com o fortalecimento do Estado, este poder a ele conferido foi aumentando, e o que antes consistia numa arbitragem facultativa, passou a ser arbitragem obrigatória: para facilitar a sujeição das partes às decisões de terceiros, a autoridade pública passou a preestabelecer regras destinadas a servir de critério objetivo e vinculativo para tais decisões, afastando os temores de julgamentos arbitrários e subjetivos. Surge assim a figura do legislador.(CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2012, p. 31). Conforme afirmação de René David (1993, p. 17 apud LIMA, 2006), o Direito processual brasileiro sofreu influência do direito romano, segundo o qual, existem duas características que marcaram a natureza do processo civil, no início de sua formação: a primeira é que a revelação do direito, segundo os romancistas, era segredo dos pontífices, a quem cabia o julgamento dos litígios de natureza privada; a segunda é a circunstância de que somente tinha lugar a intervenção de um terceiro imparcial, convocado para dirimir um determinado litígio entre particulares, depois que aquele que se julgava detentor do direito, privadamente, já o tivesse exercido pela força, compelindo o adversário a suportar a autorrealização do próprio direito. Isso quer dizer que o apelo ao julgamento atribuído a um magistrado ou a um árbitro, tinha uma função mais sancionadora ou ratificadora do direito do que competência para um prévio julgamento, como vemos nos dias de hoje. Com a proibição da autotutela, passa a ser do Estado o poder de dizer quem que tem razão em face do caso conflitivo concreto. O Estado assume o monopólio da jurisdição. Surge então o direito de recorrer à justiça, ou o direito de ação. Esse direito de ação inicialmente foi compreendido como o direito à obtenção de uma sentença. Mais tarde é que se percebeu que não bastava conferir ao jurisdicionado apenas o direito a uma sentença, sendo necessário conferir-lhe uma resposta jurisdicional tempestiva e efetiva. Em outras palavras, se o particular foi proibido de exercer a ação privada, o Estado, ao assumir a função de resolver conflitos, teria que propiciar ao cidadão uma tutela correspondente à realização da ação privada, que lhe foi proibida. Dessa forma, conforme preconizam Cintra; Grinover; Dinamarco (2012), através da jurisdição estatal, os juízes passaram agir em substituição às partes. Assim, toda vez que se vêem em meio a um conflito, as partes provocam o exercício da função jurisdicional na busca de uma solução. Assim: Conflitos e formas de resolução: da autotutela à jurisdição

A jurisdição visando à realização dos fins do Estado; fins que tomam a liberdade e a igualdade em termos que diferem amplamente daqueles que influenciaram as mais prestigiadas teorias sobre a jurisdição. O acesso à justiça objetivando a superação das desigualdades que impedem o acesso , bem como a participação através de processo mediante paridade de armas, inclusive a participação do cidadão na gestão do bem comum, ponto, esse último, que também está entre os escopos da jurisdição. (MARINONI, 1999, p. 23) Fernanda Tartuce (2008) preceitua que a solução judicial da controvérsia constitui modalidade de heterocomposição apta a propiciar a resposta ao conflito de interesses que não pôde ser debelado pelos próprios envolvidos na relação litigiosa: “o direito à tutela jurisdicional implica que toda pessoa possa exigir que se faça justiça, devendo sua pretensão ser atendida por um órgão judicial que atue em um processo que disponha das garantias mínimas”. De acordo com Giusepe Chiovenda (apud TARTUCE, p.82), a jurisdição constitui a atuação da lei mediante a substituição da atividade alheia pela atividade de órgãos públicos, que devem afirmar a existência da vontade da lei e colocá-la em prática. Francesco Carnelutti (apud TARTUCE, 2008, p.82) considera a jurisdição segundo seu escopo maior: “a atividade jurisdicional visa à composição, nos termos da lei, do conflito de interesses”. Para o autor, a idéia de pretensão resistida, caracterizadora da controvérsia, é essencial para justificar a atuação do Estado. Por sua vez, Cintra; Grinover; Dinamarco (2012), entendem que a tarefa da ordem jurídica é a de harmonizar as relações sociais intersubjetivas, sob o critério do justo e do equitativo, de acordo com a convicção prevalente em determinado momento e lugar. Assim: Por isso, pelo aspecto sociológico, o direito é geralmente apresentado como uma das formas – sem dúvida a mais importante e eficaz dos tempos modernos – do chamado controle social, entendido como o conjunto de que a sociedade dispõe na sua tendência à imposição dos modelos culturais, dos ideais coletivos e dos valores que persegue, para a superação das antinomias, das tensões e dos conflitos que lhe são próprios (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2012, p. 27). Por fim, conclui-se que jurisdição é a capacidade que o Estado tem de decidir imperativamente e impor decisões. O que a distingue das demais funções do Estado é precisamente a finalidade pacificadora com que o Estado a exerce.

3. CONJUNTURA DO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO ATUAL

Entre todos os direitos garantidos aos cidadãos é certo que o acesso à justiça figura como um dos principais, haja vista seu caráter de pressuposto e alicerce das Camilo Stangherlim Ferraresi, Silmara Bosso Moreira

Menciona Tartuce (2008), que tal noção abarca uma série de verificação e realização da justiça, o que coaduna com nossa realidade multifacetada de um sistema jurídico processual. A primeira onda renovatória de universalização do acesso focou a assistência judiciária, a fim de prestar serviços jurídicos aos pobres; a segunda onda buscou reformar os sistemas jurídicos para dotá-los de mecanismos de representação jurídica dos interesses difusos; a terceira onda trouxe uma concepção mais ampla, com a inclusão da advocacia judicial e extrajudicial e especial atenção aos mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e prevenir disputas nas sociedades modernas. Sampaio (2009) pondera que essas mobilizações visavam o estabelecimento dos ideais do Estado Democrático de Direito e o fortalecimento das nossas instituições, entre elas a Justiça, garantindo as bases de fortalecimento dessa nova concepção de Estado e como fonte da expressão máxima da cidadania, atendendo os anseios do povo e proporcionado meios para a excelência do serviço público prestado à sociedade. Na visão de Cintra; Grinover; Dinamarco: Acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. Como se verá no texto, para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente (inclusive em processo criminal), sendo também condenáveis as restrições quanto a determinadas causas (pequeno valor, interesses difusos); mas, para a integralidade do acesso à justiça, é preciso isso e muito mais (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2012, p. 42). Conforme preconizam os autores Gunther; Pimpão (2013), desde as décadas de 80 e 90, estudos sólidos sobre a justiça no Brasil indicavam uma situação de esgotamento das vias judiciárias, fazendo uma referência à obra de José Eduardo Faria (1995), cujo trabalho aponta para o improvável: A pouca responsividade da justiça no Brasil está ligada principalmente às grandes corporações e às entidades do próprio governo brasileiro, que obstruem, com uma enxurrada de processos, os Tribunais (GUNTHER; PIMPÃO, 2013, p. 41). Maria Tereza Sadek (2007, apud TJSP, 2013), em sua obra mais recente, lembra que apenas 33% das pessoas envolvidas em conflitos buscam os Tribunais para resolvê-los e previne para o drama institucional ocasionado pelo aporte eventual das demandas daqueles que não procuraram até aqui a Justiça, mas que se decidem a fazê-lo. Camilo Stangherlim Ferraresi, Silmara Bosso Moreira

Gunther; Pimpão (2013, p. 42) discorrem sobre a necessidade de sensibilização e informação do jurisdicionado sobre as formas de resolução de conflito: O problema do acesso à justiça no Brasil, seja ele material, processual ou simbólico, ainda carece de cuidado e muito investimento. Assim, o presente trabalho reconhece os méis consensuais de tratamento de conflitos como uma das soluções legítimas para contribuir ao aprimoramento necessário a esse acesso. Faz-se, entretanto, um apelo à prudência: à justiça formal não cabe julgar todas as questões que lhe são endereçadas, ao passo que os meios consensuais não podem e não devem resolver todas as questões que lhes são levadas a conhecer. É necessário senso de adequação e de oportunidade, como também ações pedagógicas visando a sensibilizar o público de cidadãos sobre a existência de diferentes mecanismos de regulação, bem como suas particularidades, vantagens e limites (GUNTHER; PIMPÃO, 2013, p. 42). A desigualdade socioeconômica também acaba dificultando o acesso à justiça, pois grande parte da população não possui recursos financeiros suficientes para arcar com as despesas oriundas da demanda judicial. Por outro lado, ainda que se assegure o acesso, é necessária a instrumentalização de procedimentos adequados à tutela jurídica justa, a fim de minimizar a desigualdade material: [...] a desigualdade material, em contraste com a igualdade formal prevista no ordenamento jurídico, acaba por colocar o sujeito mais pobre em situação de desvantagem no desenvolvimento do processo (RODRIGUES, 2008, p. 252). Outro ponto importante a ser destacado é a necessidade de advogado para ter acesso à justiça. Diante dessa obrigatoriedade, um aspecto a ser considerado é a impossibilidade econômica da maioria da população. Nesse sentido, o Estado ao criar as Defensorias Públicas, tentou possibilitar àqueles mais carentes o acesso à justiça, entretanto, a realidade não condiz com o objetivo estatal. A falta de mecanismos e recursos materiais e humanos impossibilitam o atendimento a todos os necessitados, além é claro, do perfil do defensor, que, em geral, quer cada vez menos serviços, pois o sistema de concurso, na forma como ele é hoje, não identifica a ideologia e a vocação do sujeito. Contudo, a prática demonstra que em diversas ocasiões a falta de um advogado prejudica o pleno exercício do direito de ação para aqueles que se utilizam do jus postulandi. Os Princípios formadores dos Juizados Especiais Cíveis: informalidade ou simplicidade; economia processual e celeridade, que atingem diretamente a premissa estatuída na Carta Magna Brasileira, conforme o seu artigo 5º: Conflitos e formas de resolução: da autotutela à jurisdição

que impedem seu acesso e, por outro lado, a jurisdição deve ser capaz de realizar, de forma efetiva, todos os seus objetivos. Dessa forma: Ao administrador do sistema da justiça compete encaminhar os contraditores aos mecanismos adequados para composição de controvérsias. Afinal, às partes devem ser disponibilizados todos os meios jurídicos para que possam defender seus interesses (TARTUCE, 2008, p. 124). Sabiamente, os autores Cappelletti; Garth (1988, p. 8 e 15) destacam que “a justiça social […] pressupõe o acesso efetivo”; todavia, este, que é aceito nas sociedades como direito social básico, é por si só, algo vago. Segundo Curi (2010, p. 1), “a efetividade do acesso à justiça é utopia, pois as diferenças entre as partes jamais serão completamente erradicadas”. Ante tal exposto, constata-se através da exposição dos entraves que se colocam ao efetivo acesso à justiça (a pobreza, a necessidade de advogado e a demora na prestação jurisdicional), que a finalidade da jurisdição, a qual foi criada para dar efetividade à institucionalização das regras sociais, com o objetivo de realização do bem comum, não está sendo respeitada. Na verdade, para alcançar esta efetividade deveria haver um sistema equilibrado, justo e capaz de eliminar concretamente as insatisfações e os conflitos. A esse respeito, preconiza Curi (2010): Desse modo, concluir-se-á que para amenizar a inefetividade da jurisdição, disponibilizando o acesso à justiça, a solução está em superar a diferença socioeconômica, bem como implementar mecanismos e recursos materiais e humanos, de forma efetiva, nas Defensorias Públicas, garantindo àqueles que não possam pagar um advogado uma assessoria jurídica qualificada e acessível. Da mesma forma, é indispensável a contratação de servidores, a modificação na estrutura administrativa, a realização de cursos de formação para a melhoria dos serviços prestados; a informatização dos tribunais, o aumento do número de juízes (quiçá com a mesma organização da Justiça do Trabalho), o incentivo e a implementação à mediação e conciliação, o aperfeiçoamento da legislação de acordo com as necessidades reais, também contribuem para que a realização da justiça social, possibilitando o acesso à justiça.(CURI, 2010. p. 1) Explica Marinoni (1999), que a universalização do procedimento ordinário também é responsável pela lentidão da justiça. Menciona ainda o autor, que a neutralidade do procedimento ordinário não permitiu ao processualista, por muito tempo, sequer perceber que o ônus do tempo do processo não pode ser jogado nas costas do autor, como se este fosse o culpado pela má estrutura do Poder Judiciário e pela falta de efetividade do procedimento comum (MARINONI, 1999). Conflitos e formas de resolução: da autotutela à jurisdição

Nessa perspectiva, de acordo com Marinoni (1999), até poderíamos dizer que nenhuma justiça é boa ou má, ou efetiva ou inefetiva, já que ela sempre será da “forma” que os detentores do poder a desejarem e, portanto, para alguns, sempre “boa e efetiva”. Por fim, enfatiza Marinoni (1999, p. 33-34), que “o uso arbitrário do poder, sem dúvida, caminha na direção proporcionalmente inversa da efetividade da tutela jurisdicional”. Porém, o que se observa é que a intervenção estatal resolve apenas a lide processual e não a lide sociológica, ou seja, os reais interesses que motivaram o conflito. Por isso se diz que a sentença judicial, quase sempre, é incapaz de gerar a pacificação da desavença porque não enfrenta as causas do conflito. Dentre os inúmeros entraves a efetividade do acesso a justiça, está a duração do processo. a justiça Segundo Marinoni (1999): A lentidão da justiça civil deve exigir cada vez mais atenção dos estudiosos do processo civil. Não há dúvida de que um dos principais leitmovit recorrentes na história do processo seja o problema da relação entre a aspiração à certeza – e a exigir a ponderação e a meditação da decisão no esforço de evitar a injustiça – e a exigência de rapidez na conclusão do próprio processo. (MARINONI, 1999, p. 32). Declara ainda o autor, que a morosidade processual estrangula os direitos fundamentais do cidadão: Talvez falte vontade política para a redução da demora processual. Tal demora, segundo alguns, não seria meramente acidental, mas fruto de vários interesses, até mesmo o de limitar o afluxo de litígios ao Poder Judiciário. (MARINONI, 1999, p. 32). A lentidão do processo pode transformar o princípio da igualdade processual, na expressão de Calamandrei (cit. p. 146, apud MARINONI, 1999, p. 36), em “coisa irrisória”. Desse modo: A morosidade gera a descrença do povo na justiça; o cidadão se vê desestimulado de recorrer ao Poder Judiciário quando toma conhecimento da sua lentidão e dos males (angústias e sofrimentos psicológicos) que podem ser provocados pela morosidade da litispendência. Entretanto, o cidadão tem direito a uma justiça que lhe garanta uma resposta dentro de um prazo razoável.(MARINONI, 1999, p. 36). Muitas das garantias processuais contidas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), já se encontram contempladas em nossa Constituição. Um delas é a garantia do direito ao processo em prazo razoável. Camilo Stangherlim Ferraresi, Silmara Bosso Moreira

Segundo Marinoni (1999), o excessivo custo do processo representa uma dificuldade para o efetivo acesso à justiça. Problema esse que atinge principalmente as camadas de baixa renda da população brasileira. Em decorrência, ressalta-se que: O custo do processo, aliado a outros fatores de ordem social e cultural,, pode impedir o cidadão comum de recorrer ao Poder Judiciário.Em estudo sociológico foi constatado que em determinados países, o custo do processo aumenta à medida que baixa o valor da causa. [...] Tais estudos revelam não só que a justiça civil é cara, mas, principalmente, que ela pode ser mais cara para os menos favorecidos, já que é possível dizer que são esses, em grande proporção, os litigantes nas causas de pequeno valor, e nessas o custo do processo pode não guardar proporção com o valor da causa, atingindo valores insuportáveis (MARINONI, 1999, p. 29). De acordo com Curi (2010), outro ponto importante a ser destacado é a necessidade de advogado em todo processo, salvo em algumas poucas exceções (impetrar habeas corpus; nas ações de alimentos; nas ações da Justiça do Trabalho, limitando-se às Varas e aos Tribunais Regionais, conforme Súmula 425 do TST e, nas ações do Juizado Especial com valor da causa de até 20 salários mínimos). Diante dessa obrigatoriedade, torna-se necessário levar em conta a impossibilidade econômica da maioria da população. Afirma Marinoni (1999, p. 30), que “o custo do processo é agravado pelos honorários do Advogado”. Segundo ele, nos sistemas que trabalham com o ônus da sucumbência, o risco é muito maior e pode inibir o litigante em potencial de ingressar em juízo, já que, se vencido, além de arcar com os honorários de seu advogado, terá que arcar com os honorários do advogado da parte contrária, não permitindo assim que o eventual litigante dimensione o risco que terá de enfrentar. Por um lado, a presença do advogado é importante para garantir um processo justo e democrático e para que as partes estejam em situação de igualdade jurídica, por outro lado, como afirma Marinoni (1999, p. 31), “é preciso que haja entre as partes igualdade técnica e também econômica”. Nas palavras de Calamandrei (cit. p. 145, apud MARINONI, 1999, p. 31): “A lei é igual para todos” é uma bela frase que consola o pobre quando a vê escrita acima das cabeças dos juízes, nas paredes de fundo dos tribunais; mas quando se apercebe de que, para invocar a igualdade da lei em sua defesa, é indispensável o auxílio do dinheiro que ele não possui, então aquela frase lhe parece um escárnio à sua miséria. Dispõe o art. 133, da Constituição Federal que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. O caput do art. 134 do mesmo dispositivo, define a Defensoria Pública como a “instituição essencial à função jurisdicional do Estado, Camilo Stangherlim Ferraresi, Silmara Bosso Moreira

incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”. Nesse sentido, conforme Curi (2010, p. 1), o Estado ao criar as Defensorias Públicas, tentou possibilitar àqueles mais carentes o acesso à justiça, entretanto, a realidade não condiz com o objetivo estatal. A falta de mecanismos e recursos materiais e humanos impossibilitam o atendimento a todos os necessitados. Marinoni (1999), observa que a lentidão processual pode ser convertida num custo econômico adicional, e este é proporcionalmente mais gravoso para os pobres. Cita como exemplo, o que ocorre na justiça do trabalho onde, não raro, o trabalhador, por não poder suportar a espera daquilo que lhe é devido, aceita conciliar em condições favoráveis à parte reclamada. Ressalta ainda o autor, que determinadas provas utilizadas para a solução da lide não são realizadas pelo Estado, nem gratuitamente por particulares, ficando distante, em virtude dos altos custos, da parte economicamente menos favorecida. Ocorre que, apesar de todo esforço em possibilitar o acesso à justiça aos economicamente menos favorecidos, não se tem obtido os resultados esperados, seja pela falta de profissionais, ou por outras dificuldades encontradas, uma grande parcela da população ainda não consegue se utilizar das vias judiciais.

4. DADOS ESTATÍSTICOS

Segundo dados extraídos do Portal do Conselho Nacional de Justiça (2012), no ano de 2011 a população buscou mais o Poder Judiciário do que nos anos anteriores. Enquanto o total de processos ingressados cresceu 7%, a população brasileira cresceu menos de 1% no último ano. Com isso, o número de casos novos por 100 mil habitantes passou de 8.775 em 2009, para 9.081 em 2011. Outro aspecto interessante com relação a esse indicador é sua regionalização, já que os Estados localizados nas áreas norte e nordeste do país tendem a apresentar menor índice de litigiosidade do que aqueles localizados nas regiões sul e sudeste. No decorrer de 2011, tramitaram na Justiça Estadual cerca de 70 milhões de processos, 2,2% a mais que no ano anterior. Desse volume processual, 73% (51,7 milhões) já se encontravam pendentes desde o término do ano anterior, o que demonstra que a maior dificuldade do Poder Judiciário nos estados está na liquidação de seu estoque, pois, de forma geral, a Justiça Estadual tem sido capaz de baixar os processos em quantitativo equivalente ao total ingressado. Conflitos e formas de resolução: da autotutela à jurisdição

Fernanda Tartuce (2008, p. 208) define mediação da seguinte forma: A mediação consiste na atividade de facilitar a comunicação entre as partes para propiciar que estas próprias possam, visualizando melhor os meandros da situação controvertida, protagonizar uma solução consensual [...] o mediador não impõe decisões, mas dirige as regras de comunicação entre as partes. A indicação da mediação, de acordo com Cahali (2011), pressupõe terem as partes em conflito uma relação mais intensa e prolongada, verificando o relacionamento tanto por vínculos pessoais como jurídicos. Utiliza-se a medição em conflitos envolvendo relações familiares e na dissolução de empresas e também em outras relações continuadas, como de vizinhança, etc. Assim, observa-se que esse método não se atém aos problemas pontuais, mas mergulha no relacionamento existente entre os contendores, busca descobrir qual a verdadeira razão do conflito, que nem sempre é aquele trazido pelas partes. Nesses casos, quase sempre, o problema trazido é fruto de desentendimentos constantes, que desgastam o relacionamento e devem então ser desconstruídos, reatando a amizade outrora existente. Conforme Cahali (2011, p. 38), o foco na mediação é o conflito e não a solução, ao contrário do que ocorre na conciliação, onde o foco é a solução e não o conflito: “e com tratamento às partes, pretende-se na mediação o restabelecimento de uma convivência com equilíbrio de posições, independentemente de se chegar a uma composição, embora esta seja naturalmente desejada”. Afirma ainda o autor: A principal função do mediador é conduzir as partes ao seu apoderamento, ou seja, à conscientização de seus atos, condutas e de soluções, induzindo-as também, ao reconhecimento da posição do outro, para que seja ele respeitado em suas posições e proposições. [...] Aliás, pela origem dos conflitos, muito maior o desafio de minimizar os efeitos do rancor, da mágoa, do ressentimento perversos ao pretendido diálogo (fala e escuta), pois aqueles sentimentos podem gerar a má vontade na busca de solução consensual (CAHALI, 2011, p. 39). Para Cahali (2011, p. 39), “o mediador não deve julgar nem intervir nas decisões, tampouco interferir nas propostas, oferecendo soluções, pois estas deverão vir dos próprios mediandos”. Segundo Bacellar (2013, p. 231), “a mediação corre de forma sigilosa e demanda mais tempo do que a conciliação”. Não se pode deixar de citar que a mediação também pode ocorrer no curso do processo. Conforme o projeto de Lei nº 94/2002, é chamada de mediação Conflitos e formas de resolução: da autotutela à jurisdição

paraprocessual e será conduzida por mediadores designados pelo juiz da causa e como regra, esses mediadores serão advogados. De acordo com Braga Neto (apud TARTUCE, 2008), a mediação poderá ocorrer a pedido de uma das partes, antes do início da demanda ou durante o curso do processo, caso haja consenso entre elas. Segundo Souza Neto (2000, p. 51), o Juiz não pode ser confundido com um mediador, em sua atuação durante o processo. Dessa forma: Um mediador, via de regra, tem um poder de tomada de decisão limitado ou não oficial; ele não pode unilateralmente mandar ou obrigar as partes a resolverem suas diferenças e impor a decisão. Esta caracetrística distingue o mediador do Juiz ou do árbitro [...] O objetivo de um processo judicial ou quase-judicial não é a reconciliação ou o acordo entre os lados, mas uma decisão unilateral da terceira parte sobre qual dos litigantes está certo (MOORE, apud SOUZA NETO, 2000, p. 51). Porém, preconiza o autor (SOUZA NETO, 2000), que tanto o Juiz como o advogado devem atuar como mediadores dentro do processo, buscando ajudar as partes a examinar seus interesses e necessidades e a negociar, da seguinte forma: 1) facilitando a comunicação; 2) permitindo que as pessoas em disputa examinem o problema baseadas em várias perspectivas, ajuda nas definições das questões e dos interesses básicos e procura de opções mutuamente satisfatórias; 3) auxiliando a elaboração de um acordo razoável e viável. Assim, a decisão obtida com a mediação judicial terá mais probabilidade de conseguir resultado eficiente, obtendo soluções que satisfaçam o maior número possível das necessidades de ambas as partes. Bacellar (2013, p. 230), quando fala em mediação, afirma que “não basta resolver a lide processual, se os verdadeiros interesses que motivaram as partes a litigar não forem identificados e resolvidos”. Percebe-se que a mediação é uma técnica com algumas peculiaridades, mas que basicamente possui a missão de conduzir as partes a um consenso, diante da situação levada à presença do mediador. O mais importante, nesse método, é que os contendores se sintam à vontade para expor seu problema e depositem confiança no mediador, que será responsável por conduzir o diálogo até que se alcance o acordo almejado e a restauração da relação, que pelo visto, é o objetivo primeiro da mediação. Camilo Stangherlim Ferraresi, Silmara Bosso Moreira