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definição de cultura na cf/88
Tipologia: Notas de estudo
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IV ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil.28 a 30 de maio de 2008
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar, com base no espaço discursivo que compreende o período de existência do Estado Constitucional Brasileiro, o conceito de “cultura” delineado na Constituição Federal de 1988, ápice do ordenamento jurídico nacional, de onde emanam todos os demais textos de direito positivo.
Palavras-Chave: Constituição – Cultura – Patrimônio – Valor – Povo
entanto, a recente história da aplicação das normas insertas em tais leis, alicerçadas nas noções esparsas de cultura presentes no texto constitucional, acabou por converter-se em distorções de toda ordem. Tais desalinhos devem-se, muitas vezes, à própria incompreensão do conceito de cultura esboçado nas normas do instrumento normativo máximo do ordenamento jurídico – a Constituição da República. O objetivo do presente trabalho é extrair do próprio texto constitucional as dimensões possíveis de significação do vocábulo cultura, a partir da formação ideológica do enunciador constituinte^3. Pode-se dizer, primordialmente, que, em oposição à figuratividade, a cultura é um tema, enquanto categoria ordenadora de fatos observáveis. Um termo que designa algo não-presente no mundo natural, que, com o aparecimento da Constituição de 1988, passou a desfrutar de um tratamento normativo jamais dantes visto. A cultura encabeça o capítulo III do título VIII, da Constituição Federal, junto à “educação” e ao “desporto”, e possui seção própria que estabelece minúcias até então olvidadas pelos enunciadores constituintes precedentes. Há, portanto, a criação de novas realidades em torno da noção de cultura. Pelo menos outros dez dispositivos constitucionais ajudam a tecer o conceito de cultura, ora perpetuando pré-conceitos, ora fazendo retinir um caráter mais universalista. De qualquer modo, percebe-se que a noção de cultura na Constituição da República é sempre talhada segundo articulações valorativas de sentido, sendo referida em diversas acepções, como: bem, patrimônio, valor, ação, produto, status de desenvolvimento social, e até mesmo sendo homologada às idéias de idoneidade moral e etnia.
(^3) “O texto é o ponto de partida para a formação das significações e, ao mesmo tempo, para a referência aos entes significados, perfazendo aquela estrutura triádica ou trilateral que é própria das unidades sígnicas” – leciona Paulo de Barros Carvalho, referindo-se ao suporte físico, à significação e ao significado, segundo a terminologia de E. Husserl.
Importante diferençar esta acepção do termo cultura da anteriormente delineada, pois aqui cultura possui o sentido de “conjunto de bens com valor econômico determinado”. É o inciso LXXIII do art. 5º, conhecido rol das garantias fundamentais, que introduz no plexo normativo a expressão “patrimônio cultural”, conforme observamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
No item acima, asseveramos que a noção de “bem” alcança tudo o que possa ser objeto do direito, passível ou não de aferição econômica, ao passo que a “coisa” restringe-se àquilo que possui valor pecuniário, isto é, possui utilidade patrimonial. Chegamos então, sem percalços, ao conceito de patrimônio, que corresponde ao conjunto de direitos e obrigações de uma pessoa, pecuniariamente apreciáveis. O patrimônio abarca todas as relações jurídicas de conteúdo econômico das quais participe o sujeito de direito. É, em resumo, a “representação econômica da pessoa”^6. Verifica-se que o caput do art. 5º, acima transcrito, introduz a idéia de “inviolabilidade” de diversos direitos: direito à vida, à liberdade, à segurança, à igualdade e à propriedade. A inviolabilidade destes dois últimos direitos culmina, segundo a letra do inciso LXXIII, na legitimidade de “qualquer cidadão” para que mobilize o Poder Judiciário, por meio de ação popular, visando à anulação de ato que fira ou possa ferir o “patrimônio histórico e cultural”. Observe-se, de antemão, que a Constituição garante que a defesa deste “patrimônio” não implica o alcance, por parte do Estado, do patrimônio pessoal do cidadão, já que este estará, no momento mesmo
(^6) Orlando Gomes, Introdução ao Direito CivilOp. Cit., p.202.
de ingresso da ação, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência^7. Neste sentido, pretende o enunciador constituinte conferir, efetivamente, ao enunciatário o direito à igualdade, reservando-lhe a segurança de que poderá operar a defesa de um patrimônio que pertence a toda coletividade sem que se desfaça de valores pecuniários componentes de seu próprio patrimônio - situação em que haveria desigualdade, segundo a ótica do Estado Democrático de Direito. Ao conferir, efetivamente, ao enunciatário o direito à igualdade, o enunciador acaba, por fim, outorgando-lhe, também efetivamente, o direito à propriedade do “patrimônio histórico e cultural”. A garantia de tal propriedade é, entretanto, bastante discutível, juridicamente. A propriedade é um direito real por excelência. Explica-se: os direitos reais são classificados, genericamente, em duas categorias – sobre coisa própria e sobre coisa alheia. Em suma, a propriedade consiste em direito sobre coisa própria, sendo direito real pleno. O direito sobre coisa alheia constitui direito real limitado de fruição, gozo, garantia, além do direito à posse^8. Enquanto titular de um direito real pleno, o proprietário goza de diversas prerrogativas em relação à coisa: usar, gozar, dispor e reaver. Os direitos de usar, gozar e reaver o “patrimônio cultural” justificam-se no próprio texto do artigo 5º, de sorte que todo cidadão poderá servir-se do bem coletivo, assim como mover ação para anular “ato lesivo”, o que inclui a posse injustificada e a detenção do bem sem causa jurídica. No entanto, as prerrogativas de gozar e dispor do “patrimônio cultural” não se confirmam na realidade jurídico-social brasileira. O direito de gozar implica a percepção dos frutos, a utilização dos produtos da coisa^9 , e, quando verificamos no texto do art. 216, da Constituição Federal, os bens que constituem o “patrimônio cultural brasileiro”, concluímos não ser verdadeiro que qualquer cidadão possa perceber os frutos de criações científicas, artísticas e tecnológicas, de obras, edificações, conjuntos urbanos e sítios de valor “histórico-cultural”. Tampouco poderá qualquer cidadão “dispor” do patrimônio coletivo, isto é, consumir o bem, transformá-lo, alterá-lo. Desse modo, o direito à propriedade atribuído a todos os “brasileiros natos e aos estrangeiros residentes no País” não pode alcançar o patrimônio histórico e
(^7) Ônus atribuído à parte perdedora da ação (valor arbitrado pelo juiz), correspondente ao pagamento de honorários ao advogado da parte vencedora 8 Posse e propriedade são institutos distintos. É possível possuir um bem sem ser proprietário (ex: o “batedor-de-carteira” possui objeto alheio, sem ser proprietário). É possível também ser proprietário de um bem e não possuí-lo (ex: a USP é autarquia proprietária de uma série de bens móveis e imóveis, no entanto, durante a greve de 2007, os alunos turbaram-lhe a posse do prédio da reitoria e de diversos bens móveis). 9 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Vol. VI, p. 94.
semantizada com a promulgação da Constituição de 1934^11 , baseada na Constituição alemã de Weimar, de orientação nazista. Em capítulo à parte, intitulado “Da Educação e da Cultura”, o enunciador constituinte estabelece que “Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, (...) bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual”. Note-se que, neste momento, cria-se uma realidade: é o momento da nomeação. A cultura, apesar da atribuição anódina aos entes federados, passa a existir na acepção corrente, a partir deste momento. Nas palavras de José Luiz Fiorin^12 , a realidade só tem existência para os homens quando é nomeada. O constituinte discursiviza a noção de cultura, homologando-a à idéia de erudição e é firmada a oposição cultura (erudição) vs. não-cultura (trabalho braçal). As Constituições brasileiras posteriores reafirmam esta construção do mundo. Em 1937, a Constituição outorgada pelo Estado Novo determina, expressamente, em seu art. 52, que a nomeação de membros do Conselho Federal, órgão de importância estratégica nacional e internacional, realizada pelo Presidente da República, somente poderia “recair em brasileiro nato, maior de trinta e cinco anos e que se haja distinguido por sua atividade em algum dos ramos da produção ou da cultura nacional”. Aqui a noção de cultura sobe mais um degrau em seu fado de elitização. A noção de cultura é homologada à noção de proeminência. Não basta ser erudito, é preciso que o sujeito seja notoriamente reconhecido por sua atividade, é preciso que ele seja um sujeito positivamente destacado (e elevado) no meio social, segundo os próprios valores decantados da sociedade. A expressão “cultura nacional” abre as portas para uma perspectiva social que pretende fazer sobrelevar uma certa “cultura oficial”, de que são dotados os eruditos formadores de opinião, eliminando possibilidades de identidades diversificadas de acordo com diferentes contingências. A Constituição de 1946 ressente-se de certa “timidez” no trato da democracia econômica e social^13. Este instrumento normativo verticaliza a feição ilustrada da cultura, homologando “missões culturais” a “missões diplomáticas”, “conferências”, e “congressos”, de que podem participar deputados e senadores. Em dispositivos vizinhos, faz menção à liberdade das ciências, letras e artes, bem como
(^11) A Constituição imediatamente anterior à de 1934, decretada e promulgada pelo Congresso Constituinte de 1891, convocado pelo governo provisório da República recém-proclamada, é marcada pela ausência do termo 12 cultura. 13 José Luiz Fiorin,^ Introdução à Linguística, p. 55. Alfredo Bosi, Cultura Brasileira – Temas e Situações, p. 212.
outorga à lei a competência para a criação de institutos de pesquisa, “de preferência junto aos estabelecimentos de ensino superior”. Após o golpe de 1964, o Congresso Nacional, transformado em Assembléia Nacional Constituinte, elaborou a Constituição de 196714 , que deu respaldo à ditadura militar. Neste instrumento normativo, a formação ideológica tendente à supervalorização positiva da cultura, como algo relacionado à família, artes, letras, ciência e status social, atinge seu fastígio. O artigo 118 do referido diploma, afirma que os Juízes Federais, serão nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros, maiores de trinta anos, “de cultura e idoneidade moral, mediante concurso de títulos e provas”. Aqui temos, finalmente, a noção de cultura homologada à noção de caráter, de moralidade, aproximada, enfim, da idéia de virtude perseguida pelo modelo político vigente. Erudição, proeminência e idoneidade moral: o sujeito dotado de cultura, segundo a orientação histórico-jurídica da formação ideológica da sociedade brasileira, é um ser apoiado nesta tríade. Alguém mil vezes elevado nos ares acima do homem comum. A cultura, conforme se denota dos textos constitucionais, é atributo para bem poucos afortunados! Daí seu caráter contundente de valoração. Cultura é valor. E digno de quantas genuflexões agüente o joelho dos pobres mortais! Por isso, preocupou-se o enunciador constituinte em aludir tantas vezes a bens “de valor cultural”, como o faz no art. 23, incisos III e IV, da Constituição de 1988, assim como pretende “assegurar” o “respeito a valores culturais”, de que fala no art. 210, ou incentivar a “produção e o conhecimento de bens e valores culturais”, referidos no § 3º do artigo 216. Importante salientar que quem atribui valor às coisas é o ser humano. Desse modo, construída a realidade segundo a qual a cultura é um tema associado a formas de existência social tão elevadas, como as acima verificadas, permaneceu no texto da Constituição Federal de 1988 um imaginário social resultante de compacta formação ideológica^15 , herdeiro de uma tessitura jurídica e social trançada em preto e branco. Por fim, registre-se que resultantes dessa formação ideológica são as normas programáticas atinentes ao chamado “desenvolvimento cultural”, por meio de incentivo ao mercado interno que, nos termos do artigo 219, integra o patrimônio nacional, bem como por meio do “Plano Nacional de Cultura” (§ 3º do artigo 215). A
(^14) A Constituição de 1969, retoma conscientemente a palavra do constituinte de 1967. (^15) Para Norma Discini, os “Temas e figuras, observados como componentes da semântica discursiva, reproduzem nos textos o imaginário social”, em A Comunicação nos Textos, p. 284.
como o faz o art. 215, § 1º da Constituição Federal. Tal categorização, ao mesmo tempo em que pensa as “culturas” como segmentos formadores da sociedade brasileira, identifica-as também, num olhar mais panorâmico, à idéia de grupo homogêneo particularizado por sua maneira de ocupar o mundo, de coletividade amalgamada por suas idiossincrasias, enfim, de “povos”. Aqui, a amusia repugnada pelas chamadas “elites intelectuais” não tem o condão de despir o indivíduo de seu papel, ou mesmo existência, cultural. A cultura, sob este prisma, compreende todo o complexo tradicional de normas de conduta determinadas não pela lei, mas pelo costume de tais povos, pelo seu modo de existir (agir), e abrange os produtos desta existência (das ações), bem como os valores que conduzem a este ou aquele comportamento. Nesta esfera de observação, cultura é identificada como um organismo, é o próprio “ser vivente” de que fala Frobenius, não correspondente tão-só a certas técnicas específicas, mas a um todo social, à própria energia despendida no exercício das aptidões, ao próprio ajuste de condutas. Cultura compreenderá o mecânico-tradicional, o orgânico–continuador e o espiritual-criativo^17. Esta identificação de cultura com a idéia de povo é determinante para o alcance da significação do conceito de cultura no texto da Constituição Federal de 1988. Partindo-se do pressuposto de que o texto, no caso constitucional, é um todo de significação, observa-se que as noções de “formas de expressão”, “modos de viver” e a própria idéia de “formação do povo brasileiro” acabam por abarcar as noções de cultura anteriormente delineadas: bem, conjunto de bens (patrimônio) e valor. É, portanto, esta a noção de cultura que sobressai, que orienta os fios na tessitura do conceito na Constituição, uma vez que, tendendo à universalização, deixa de anular as outras possibilidades de significação, incluindo-as.
(^17) Luiz da Câmara Cascudo, Cultura e Civilização, p.41.
Pela transmissão, geração a geração, deste tema sempre associado à figura do Estado, bem como a outros temas, tais quais amparo, proteção, incentivo, diversas passagens do Texto Constitucional de 1988 tratam a cultura na acepção de “bem” a ser protegido e alcançado, de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que devem proporcionar aos cidadãos os adequados meios de acesso. É na Constituição Federal de 1988 que, pela primeira vez, aparece a noção de cultura homologada à noção de “patrimônio”. O patrimônio abarca todas as relações jurídicas de conteúdo econômico das quais participe o sujeito de direito. Aqui, a cultura possui o sentido de conjunto de bens com valor econômico determinado. Conferindo ao enunciatário o direito à igualdade, o enunciador constituinte acaba por lhe outorgando também o direito à propriedade do “patrimônio histórico e cultural”. Enquanto “valor”, o conceito de cultura, segundo a orientação histórico- jurídica da formação ideológica da sociedade brasileira, apóia-se na seguinte tríade: erudição, proeminência e idoneidade moral. Por conseguinte, o enunciador constituinte de 1988 alude, em diversos momentos, a certos bens detentores de “valor cultural”, assim como pretende assegurar o respeito a tais valores. Por fim, a Constituição da República homologa a noção de cultura à noção de “povo”. Partindo de investigações etnográficas, pode-se dizer que cultura corresponde ao conjunto de técnicas de produção, doutrinas e atos, passível de apreensão pela convivência ou ensino. É um caráter mais universalista. Sob este enfoque, toda forma humana de estar no mundo, todo modo de existência, transmitido de uma geração a(s) outra(s), constitui cultura. Todo esse aparato contribui para a identificação do conceito constitucional de cultura com horizontes mais amplos.