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Uma análise detalhada da comunidade noiva do cordeiro, examinando suas características únicas, como a ausência de propriedade privada, a vivência conjunta e a produção comunal. O autor busca entender a formação e manutenção do sistema econômico da comunidade, identificando as estruturas e instituições que garantem melhorias econômicas e novos comportamentos sociais. O texto também discute as implicações do capitalismo na formação de novas instituições e a relação entre a comunidade noiva do cordeiro e o modo de produção capitalista.
Tipologia: Provas
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Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Administração, para obtenção do título de Magister Scientiae.
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Agradeço aos inúmeros filósofos, sociólogos, antropólogos, administradores e demais pensadores que, através da história, vêm construindo o conhecimento que aqui lhes apresento.
Agradeço ao povo mais que especial da comunidade Noiva do Cordeiro, pelo acolhimento, por ter se tornado uma segunda família e por ter me apresentado uma nova lógica de vida.
Agradeço imensamente à minha família, meus pais e minha irmã, que sempre me deram apoio incondicional a todas as minhas escolhas, ao Pedro que com todo amor, carinho e paciência percorreu esse trajeto ao meu lado, e a todos os demais que mesmo com o inevitável distanciamento sei que sempre pude contar.
Agradeço aos meus queridos amigos e aos inúmeros envolvidos na minha trajetória de vida. Aos colegas, professores e funcionários do DAD-UFV, meu muito obrigado pelo acolhimento, pelos bons momentos, pelos inúmeros ensinamentos e pelas muitas risadas que demos nesses últimos dois anos.
Agradeço também as inúmeras contribuições teóricas feitas pelos professores Alan Freitas e Alair Freitas que, através da sociologia, me apresentaram um universo de possibilidades de análise e de aprendizado junto à comunidade.
Um agradecimento especial aos membros da banca, tanto pela disponibilidade quanto pelas muitas reflexões e discussões que tornaram meus resultados mais robustos e completos.
Por fim, agradeço ao meu Orientador Wescley Xavier. Em especial por ter se tornado meu amigo e por entender e estimular meu modo de pensar, mas principalmente por ter me apresentado a comunidade Noiva do Cordeiro, me proporcionando essa que foi uma das experiências mais ricas da minha vida.
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MORAIS, Luiz Paulo Rigueira de, M.Sc., Universidade Federal de Viçosa, fevereiro de 2018. Comunidade rural Noiva do Cordeiro: Estruturas de um sistema econômico baseado no vínculo comunitário. Orientador: Wescley Silva Xavier.
O presente texto refere-se à pesquisa etnográfica desenvolvida junto à comunidade rural Noiva do Cordeiro, localizada no município de Belo Vale – MG. Os três meses de vivência junto ao grupo me permitiram identificar formas diferenciadas de integrações econômicas e sociais. Com o apoio de teorias organizacionais e sociológicas, tornou-se possível o entendimento dessas relações, evidenciando ser tanto possível quanto real a existência de um sistema econômico baseado no vínculo comunitário e na busca por um bem estar coletivo. Seus processos econômicos não se mostram retrógrados ou desorganizados, pelo contrário, se apresentam como alternativas a muitas das dinâmicas reprodutoras das diferenças sociais nas sociedades de mercado. O reconhecimento no trabalho, a construção de uma base produtiva e intelectual e os aspectos da dádiva observados nas relações produtivas e sociais foram pontos de análise para explicar a manutenção e a reprodução da lógica comunitária. Através de princípios, estruturas e instituições muito próprias, nos quais o dinheiro atua em uma dimensão bastante reduzida e a fraternidade numa dimensão bastante aumentada, a comunidade tem conseguido sua sobrevivência e relativa tranquilidade, mesmo que inserida em uma sociedade predominantemente de mercado. Não negando a lógica capitalista, mas aproveitando de sua estrutura para a disseminação de sua própria lógica produtiva, a comunidade Noiva do Cordeiro se mostra como um caso único, a ser cada vez mais explorado e entendido. Suas práticas e exemplos podem ser de grande valor para pensarmos os problemas no meio rural e para encontrarmos soluções cada vez mais justas de produção e de distribuição de bens.
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MORAIS, Luiz Paulo Rigueira de, M.Sc., Universidade Federal de Viçosa, February, 2018. Rural community Noiva do Cordeiro: Structures of an economic system focused on the group bonding. Advisor: Wescley Silva Xavier.
The present text refers to the ethnographic research developed in the rural community Noiva do Cordeiro, located in the municipality of Belo Vale - MG. The three months of experience with the group allowed me to identify different forms of economic and social integration. With the support of organizational and sociological theories, it became possible to understand these relationships, showing that it is both possible and real to have an economic system based on community bonding and the search for collective well-being. Their economic processes do not turn out to be retrograde or disorganized; on the contrary, they present themselves as alternatives to many of the reproductive dynamics of social differences in market societies. Recognition in the work, the construction of a productive and intellectual base and the aspects of the gift observed in the productive and social relations were points of analysis to explain the maintenance and the reproduction of the community logic. Through its very own principles, structures and institutions, in which money operates in a very small dimension and fraternity in a greatly increased dimension, the community has achieved its survival and relative tranquility, even if inserted in a predominantly market-based society. Not denying the capitalist logic, but taking advantage of its structure for the dissemination of its own productive logic, the community of Noiva do Cordeiro shows itself as a unique case, to be increasingly explored and understood. Their practices and examples can be of great value for us to think about problems in the countryside and to find ever more just solutions for the production and distribution of goods.
A inspiração para estudar um sistema econômico de organização e de produção alternativas ao capitalismo surgiu ainda no início dos meus estudos na Administração Pública e nos Estudos Organizacionais. Especificamente em meados de 2015, por uma série de fatores pessoais e profissionais, decidi experimentar a vida em uma zona rural na comunidade do Botafogo, no município de Teixeiras–MG, e me envolvia cada vez mais nas atividades associativas que emergiam entre as famílias dos pequenos produtores rurais da região. Motivado a auxiliar nas dinâmicas que observava entre meus vizinhos, por muitos meses foquei minhas investigações em teorias e casos empíricos sobre movimentos associativos, seus esforços no combate às assimetrias geradas pelo capitalismo e suas características principais de formação e de manutenção de novos modelos produtivos e organizacionais. Durante esse percurso teórico me deparei com um vasto número de experiências e teorias que se assimilavam com as práticas que de perto acompanhava em minha realidade. Muitos eram os pontos em comum, tanto na formação e nas práticas de sucesso, quanto nos inúmeros entraves aos quais essas experiências eram submetidas, limitando seu potencial em garantir reais melhorias de vida aos envolvidos nas dinâmicas associativas. Tais limitações foram se mostrando não só de ordem prática como também de ordem teórica, em que ficava claro que as organizações em busca do cooperativismo e do associativismo encontravam dificuldades em transpor a barreira organizacional e em atingir um nível de socialização realmente capaz de afetar os aspectos não só da vida produtiva, mas também da vida social dos indivíduos. Frente a isso, a realidade capitalista, na qual todas essas experiências se inserem e muitas vezes buscam negar, se mostrou como a principal limitação. O capitalismo, ao impor suas estruturas e instituições, fazia com que nenhuma experiência se mostrasse completamente alternativa a ele. A necessidade por mercados, por fornecedores, por investimentos e por todo o aparato capitalista, aos poucos mostrava um preço a ser pago, e nesses momentos a lógica capitalista acabava por se reproduzir em meio às associações e cooperativas que por vezes perdiam sua essência, se estagnavam ou até mesmo deixavam de existir.
Foi então que chegou ao meu conhecimento, por meio do meu orientador Wescley Xavier, a existência da comunidade Noiva do Cordeiro, que rapidamente se mostrou um instrumento de estudos adequado aos meus objetivos acadêmicos e pessoais. Essa comunidade me chamou a atenção por sua forma única de organização social e de organização da produção. Sua história é cheia de especificidades e envolve uma série de desventuras que remontam sua origem em 1891, dentre elas o isolamento, o preconceito religioso, a dominação religiosa e patriarcal, a pobreza, a fome e o êxodo rural. A mesma história envolve não só a superação desses episódios como também a construção de um novo sistema econômico, que passou a operar produtivamente através do associativismo produtivo, e politicamente através da organização e mobilização dos membros, investindo principalmente na manutenção de seus valores, instituições e formas de comportamento. Desde que tomei conhecimento da existência da comunidade, passei a investigar os materiais disponíveis sobre a história do local e, ao me deparar com a grande quantidade de materiais midiáticos disponíveis, logo me interessei. Esses materiais eram provenientes tanto da mídia e de suas reportagens, quanto da comunidade, que por iniciativa própria desenvolveu também um acervo on-line contendo informações sobre sua história e sobre seu atual modelo de vida. Hoje me parece mais evidente que o trabalho de marketing realizado pela comunidade e o alto volume de materiais de mídia disponíveis tiveram peso na decisão pelo meu objeto de pesquisa, pois me indicaram a possibilidade de encontrar ali um novo modo de vida e produção a ser entendido e replicado. Essa esperança vinha ao encontro dos meus interesses pessoais e morais de buscar soluções e ideias, pouco exploradas e passíveis de replicação para outras comunidades e regiões, para famílias rurais melhorarem suas condições de moradia, de trabalho e de vida. Após muitas reflexões teóricas e investigações informais através de vídeos e reportagens assistidos, tive a oportunidade de conhecer melhor esse sistema econômico e de me aproximar de centenas de pessoas que passaram a fazer parte do meu cotidiano e do meu aprendizado por, praticamente, três meses da minha vida. As visitas introdutórias nos meses que antecederam a pesquisa de campo fortaleceram a imagem que eu previamente havia formado sobre a comunidade. A primeira delas, na companhia do meu orientador, foi uma experiência bastante única, pois, quando chegamos à comunidade tudo parecia impressionar. A organização, a limpeza, a estrutura, a atenção que nos foi dada, o nível intelectual do grupo, a educação das crianças e demais aspectos que buscávamos observar impressionavam por se diferenciar em muito da realidade urbana em que vivemos.
A presente descrição sobre como se mantém a ordem comunitária da Noiva do Cordeiro, além de contribuir nos estudos sobre a comunidade e possibilitar um entendimento sobre os principais elementos que sustentam esse sistema alternativo, na Administração Pública pode inspirar novos olhares sobre o comportamento social e produtivo, campo pouco explorado na área. Com ela busco dar voz a ideias e formas cada vez mais justas de produção e de redistribuição de bens. Tal análise tem a capacidade de fornecer subsídios para (1) o entendimento sobre a influência das instituições contemporâneas em sistemas alternativos, (2) explorar novas maneiras de produção e de vida no meio rural e para (3) melhor compreender o comportamento de grupos que se distanciam das dinâmicas capitalistas geradoras de assimetrias sociais. A existência de sistemas alternativos como o presente em Noiva do Cordeiro é de grande valor para reforçar a ideia de que a lógica capitalista não é a única possível de guiar uma sociedade, mesmo que esta tangencie e se reproduza dentro de tais sistemas. Partindo desses interesses, defini como objetivo do estudo: analisar a formação e a manutenção do sistema econômico da comunidade Noiva do Cordeiro, no intuito de identificar as estruturas e instituições que vêm garantindo melhorias econômicas e novos comportamentos sociais em meio ao grupo. Busquei, de maneira específica, (1) contextualizar a trajetória histórica da comunidade Noiva do Cordeiro; (2) mapear elementos centrais e estruturas que permitem a manutenção do sistema; e (3) identificar efeitos da nova organização produtiva nos ganhos econômicos da comunidade, no comportamento social e na coesão do grupo. Para que tais objetivos pudessem ser de fato atingidos, essa dissertação foi dividida em cinco partes que incluem: (1) a presente introdução do estudo; (2) uma sessão teórica com as principais categorias de análise utilizadas; (3) uma sessão em que exploro as características metodológicas da pesquisa; (4) uma sessão de análise teórica das observações etnográficas; e (5) uma sessão de conclusão na qual apresento os principais achados do estudo. No capítulo de conceitos teóricos apresento ideias e categorias trazidas por autores essenciais para o entendimento de como a manutenção do sistema na comunidade se torna possível. Para enriquecer as análises, optei aqui por me desvencilhar de modelos pré- concebidos que enquadrassem a realidade da comunidade em um tipo organizacional, buscando compreendê-la como um sistema econômico diferenciado dos moldes tradicionais.
Assim, os conhecimentos teóricos serviram majoritariamente para subsidiar minha compreensão sobre o sistema econômico formado e seus impactos no comportamento do grupo. Ainda, possibilitou clarear o entendimento sobre os diferentes tipos de operação de troca e sobre a influência dessas trocas na formação de vínculos comunitários, na manutenção de tradições e condutas e na reprodução da lógica formada na comunidade. Primeiramente, abordo características elementares do modo de produção capitalista, suas estruturas de mercado, seus impactos na vida social e as alternativas organizacionais e produtivas que vêm surgindo em meio às suas dinâmicas. Na sequência, através dos escritos de Polanyi (2012), estimulo uma reflexão sobre como a forma clássica de se encarar a economia é apenas uma das formas de se encará-la, abrindo espaço para um novo entendimento sobre as relações econômicas. Além disso, nesta sessão trago demais reflexões de Polanyi, nas quais o autor esclarece o papel das instituições contemporâneas na priorização dos nossos movimentos e operações de troca, influenciando diretamente nosso comportamento social. Por fim, abordo os conceitos do sociólogo Mauss (1988), a respeito dos sistemas baseados majoritariamente em movimentos de integração pautados na reciprocidade, observando as diferenças de comportamentos e condutas em comparação às tradicionais economias de mercado. As teorias acima descritas apoiam uma análise econômica a partir das relações sociais e não apenas da organização material. Assim, busco me distanciar de uma visão atomizada do homem frente à economia formal, uma vez que parto do entendimento de que a economia precisa ser contextualizada socialmente, e não apenas pautada na questão da escassez de recursos. Com isso, tornou-se possível entender a comunidade não apenas como um conjunto de interações econômicas mecânicas, mas sim como um sistema econômico inserido num contexto social mais amplo, que lhe atribui sentido e o torna único. No capítulo seguinte, denominado “Percurso Metodológico”, apresento o processo de construção do desenho de pesquisa e inicio tal sessão abordando as motivações para a escolha da etnografia enquanto método adequado e suficiente para se entender a realidade da comunidade. Apresento ainda as principais características do método etnográfico, exploro os padrões normativos deste, descrevo aspectos do processo preparatório, de coleta e de análise dos dados coletados e discuto sobre os principais acertos e erros durante o processo de pesquisa.
Este capítulo é destinado à construção de um arcabouço teórico para o entendimento das forças e instituições que agem em prol da manutenção do sistema econômico da comunidade Noiva do Cordeiro. O capítulo se inicia com o estudo do capitalismo e de algumas de suas dinâmicas. Na primeira sessão, apresento categorias relacionadas aos modos de produção, às economias de mercado, e aos reflexos de tais dinâmicas no comportamento e na vida dos indivíduos. O capitalismo e suas assimetrias foram os propulsores do meu interesse inicial por organizações alternativas e movimentos associativos, assim como pelo meu interesse na comunidade. Apesar de não explicitamente, a lógica capitalista é a mais desafiada quando se observa o modelo produtivo da comunidade. Ao mesmo tempo, o capitalismo é pano de fundo para todas as dinâmicas da comunidade, que usa da estrutura capitalista e dos frutos do capital para seu próprio ganho e reprodução de sua lógica. Na segunda sessão busco explorar conceitos econômicos alternativos, formas de relações sociais e de integrações econômicas derivadas de sistemas econômicos específicos, além de entender o papel das instituições e das estruturas que dão suporte à reprodução de sistemas assim construídos. Em especial, a Economia Substantiva de Polanyi serviu para se lograr uma nova forma de ver os processos econômicos da comunidade Noiva do Cordeiro, alcançando uma visão mais ampla e social da economia. As categorias provenientes de Polanyi serviram também para classificar a economia desta comunidade segundo suas formas principais de integração econômica. Por fim, através dos aspectos da Sociologia da Dádiva, trazidos por Mauss (1988), a última sessão do capítulo busca entender os efeitos da intensificação de princípios alternativos sobre o comportamento social. Segundo Mauss (1988), forças sociais agem para garantir a coesão de grupos assim organizados, processo bastante comum em meio a sociedades que têm a reciprocidade como princípio central em suas relações econômicas. Dessa forma, para melhor planificar tais entendimentos, busco resgatar os conceitos trazidos pelo sociólogo ao caracterizar a comunidade como um possível sistema de dádivas, o que auxiliaria no entendimento de muitas das dinâmicas e forças de coesão ali estabelecidas.
2.1.Modos de produção, capitalismo e alternativas
Desde o início da humanidade se tem estabelecido, cada um a seu tempo, um determinado modo de produção, sendo possível afirmar que cada um deles, com suas peculiaridades, fortaleceram uma forma de comportamento social específica. Gaiger (2003) descreveu alguns desses modos: o modo de produção tribal, no qual a produção se sustentava pelas relações de parentesco e domínio coletivo da terra e de seus recursos; o modo de produção feudal, em que a produção se sustentava pelos vínculos da obrigação servil; e finalmente, o modo de produção capitalista, que se instaurou e se sustenta através de relações de compra e venda de trabalho, de terra e de demais recursos produtivos. As estruturas e os arranjos sociais que moldam o processo de trabalho determinam o papel das forças produtivas e a capacidade dos agentes econômicos de usufruir dos frutos da produção, assim, a instauração plena de um modo de produção exigiria previamente a construção de formas materiais de produção que proporcionassem as alterações nas instituições que sustentam todo o conjunto econômico e proporcionam a subsistência (GAIGER, 2003). Historicamente, o século XVI, marcado pelo fim do feudalismo e surgimento do modo de produção capitalista, trouxe consigo grandes transformações e uma nova maneira de se conceberem as trocas, a propriedade privada, a valorização do trabalho e, por consequência, as formas de se organizar a produção e a sociedade. Segundo Polanyi (2012), a recentralização estatal no papel dos Reis logo após a queda do modelo feudal deu a esses governantes a possibilidade de legitimação das operações mercantis, permitindo, consequentemente, o aumento de suas práticas entre os indivíduos. Essas novas práticas foram inicialmente garantidas através de bruscas mudanças nas relações entre os indivíduos e o Estado e, através da proclamação de leis e normas a justiça garantiu a institucionalização da mentalidade mercantil, que foi marcada pela equivalência, por ações de livre interesse e por responsabilizar os indivíduos pelas suas ações. Em contrapartida, os costumes e tradições que se viam em maior escala na forma de obrigações morais, de honra e de solidariedade foram então desestruturados, permitindo nascer uma nova forma de se produzir e se relacionar chamada de “modo de produção capitalista” (POLANYI, 2012).
Assim, o modo de produção capitalista deixou de ser um simples modo de produção e passou a ser um modo de vida, assumindo papéis significativos na ordenação política, social e econômica das sociedades (ZILIO et al ., 2012). Considerando este cenário, Schneider e Escher (2011) descrevem que o capitalismo teria se tornado uma sociedade de mercado, pois não só a produção, mas toda a reprodução social passou a depender dos mecanismos e da lógica do mesmo. Segundo Polanyi (2000), antes da Revolução Industrial o mercado era somente uma parte das relações sociais, um dos mecanismos de organização das sociedades. O autor explica que o comércio era uma instituição muito mais antiga que o mercado e que naquela época, apenas mercadores e banqueiros utilizavam dinheiro regularmente, de forma que a maior parte da economia era rural e desprovida de comércio. A vida econômica estava inserida na organização social e política da sociedade e havia muito espaço para transações econômicas não financeiras, além disso, os atos ocasionais de troca chegavam a ser desestimulados por representar um perigo à solidariedade, totalmente protegida pelos costumes e tradições. Com o passar do tempo, no entanto, o comércio passou a se infiltrar na vida cotidiana, contudo, não seria possível o surgimento de uma economia de mercado sem os desdobramentos institucionais implantados para esse fim. Duas teriam sido as transformações mais importantes que possibilitaram essa emergência dos mercados. A primeira delas foi à intensificação do comércio exterior nos mercados, pois dessa forma, se perderam os mecanismos locais de estabilização dos preços, tornando esses mercados locais reféns das flutuações dos preços nos mercados centrais. O segundo fator de contribuição foram as inovações observadas na tratativa com os meios de produção, através da criação de mercados de preços flutuantes para regular as relações de preço do trabalho e da terra, elementos que antes não eram considerados como mercadorias (POLANYI, 2012). Como consequência, viu- se a institucionalização de novas relações interessantes ao sistema do capital, pois, somado aos mecanismos de mercado, tornou-se possível controlar também a oferta e a demanda desses recursos. As discussões sobre o capitalismo remontam o surgimento de suas primeiras críticas. Segundo Roiz (2009), as primeiras demarcações de sua origem e consolidação vieram ainda na década de 1850, com os estudos de Karl Marx. Esses estudos analisavam a formação de desigualdades sociais oriundas do modo capitalista de produção e que se refletiam na luta de classes. Já nessa década, o autor teria indicado assimetrias que ainda hoje se observam nesse modo produtivo (ROIZ, 2009).
De acordo com Marx (2004, p.84), na medida em que foram se distanciando o homem e seus meios de produção, se acelerou um processo de estranhamento deste com seu trabalho e com diversos aspectos de sua vida social. Esse estranhamento afetaria a percepção do homem sobre si mesmo e sobre os frutos de seu trabalho. Segundo Marx, na medida em que se retira o ser humano da natureza sua identidade se perde, pois a natureza seria o reflexo direto dos frutos do trabalho do indivíduo, que ao observar as alterações em seu meio, veria assim justificados seus esforços e seu trabalho. A remoção do homem da natureza, por sua vez, geraria a perda da identificação do homem com o gênero humano. Através da produção, a natureza figura para o homem como o resultado de sua obra; se extraído do seu cenário produtivo e da observação dos frutos físicos do seu trabalho na natureza, o homem passa a não se reconhecer como homem (MARX, 2004). Ainda segundo Marx (2004), havia outros aspectos essenciais do estranhamento ao trabalho provocado pela separação do homem de seus meios de produção, sua existência física se torna voltada somente ao trabalho, e seu reconhecimento com outros homens se dá apenas como trabalhador. Da mesma forma que este processo reduziria a atividade autônoma do homem e o tiraria da natureza, ele faria com que a existência genérica do homem passasse a representar somente um meio de existência física. Para o autor, a consciência que o homem tinha de seu gênero viria a se alterar, tornando o pertencimento ao gênero humano um aspecto secundário do homem. Este estranhamento do homem com seu próprio ser genérico está intimamente ligado com um último aspecto de estranhamento, o do homem com o produto de sua produção, que altera uma característica pré-histórica humana - a de se relacionar com outros homens através dos frutos de sua produção. Na ausência de contato direto do homem com seus resultados produtivos surge e predomina um novo reconhecimento entre os homens, mas este se pauta na descaracterização do homem genérico e no reconhecimento apenas das condições em que se encontram os indivíduos enquanto trabalhadores (MARX, 2004, p. 85). Para Souza-Santos e Rodriguez (2007), esse novo modo de produção tornou-se o maior responsável pela reprodução de desigualdades econômicas, de poder e entre classes sociais. De acordo com os autores, esse modo de produção atuaria como um catalisador de assimetrias por se pautar em rendimentos desiguais e na subordinação do trabalho ao capital. Na visão de Santos et al. (2016), o afastamento das famílias e da sociedade em relação às práticas comunais restringiram as possibilidades de uma produção social conjunta. Em contrapartida, a riqueza, antes propriedade de todos, mesmo ainda dependente do trabalho coletivo, passou a ser apropriada por poucos.