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Complexo de Cinderela Colette Dowling, Notas de estudo de Energia

O complexo de Cinderela. Capítulo II. A menininha dentro de cada mulher. A famosa situação de desvantagem da mulher. Sinais do recuo. Confusão em Atlanta.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Jorginho86
Jorginho86 🇧🇷

4.6

(97)

230 documentos

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Complexo de Cinderela

Colette Dowling

Tradução De Amarylis Eugênia F. Miazzi Título Original:The Cinderella Complex

Agradecimentos

Gostaria de agradecer a Lowell Miller e a meus filhos Gabrielle, Conor e Rachel pela compreensão — e aceitação — de meu enclausuramento no escritório de casa. Durante meu último ano de trabalho neste livro, freqüentemente a porta do escritório se fechava até a meia- noite. Poucas e espaçadas foram as queixas deles, e jamais injustas. Já no início da pesquisa entusiasmei-me muito com as contribuições obtidas de duas bibliotecas em particular. Percebi, então, que raramente as bibliotecas são mencionadas nos agradecimentos dos escritores. Assim, quero expressar meus agradecimentos à Biblioteca da Princeton University e à Biblioteca da New York Academy of Medicine. A Biblioteca da Princeton University tem estantes abertas (abertas a todos), o que delicia o pesquisador sério. Embora as estantes da Biblioteca da New York Academy of Medicine não sejam abertas ao público, qualquer um obterá o auxílio necessário através dos bibliotecários, sempre competentes, rápidos e corteses. As mulheres que entrevistei foram maravilhosamente abertas e motivadas a ajudar. É delas, creio eu, o material mais importante deste livro. As informações conseguidas em bibliotecas e em entrevistas com cientistas sociais delinearam os contornos do Complexo de Cinderela; sua carne e seus ossos são constituídos pelas histórias das mulheres. Meu relacionamento com meu psicanalista, Steven Breskin, sem dúvida teve papel central no desenvolvimento de minha independência, bem como no forte desejo de comunicar o que aprendi a outras mulheres. Ele foi o primeiro adulto em minha vida — aqui incluo professores, empregadores e parceiros em relações afetivas — a não apoiar minha dependência. Lowell Miller foi o segundo. (Olhando para trás, agora, percebo o interessante fato de que não foram mulheres que se recusaram a apoiar minha dependência, mas sim dois homens.) Paul Bresnick, da Summit, fez observações cruciais sobre o manuscrito; graças a seus esforços este livro apresenta-se melhor do que era originalmente. Além de ser o tipo de agente literário que poucos escritores têm a sorte de ter, Eilen Levine tem sido para mim uma constante fonte de inspiração, em virtude do seu próprio crescimento na direção da independência. Finalmente desejo agradecer a minha filha Gabrielle, que começou a datilografar o manuscrito quando tinha dezesseis anos de idade, terminou — três rascunhos mais tarde — aos dezessete, e foi tão sensível ao material e tão inteligente que, no rascunho final, foi capaz de oferecer sugestões editoriais valiosas.

Índice

Capítulo I O Colapso da Ambição Fugindo da Luta Outras mulheres, conflitos idênticos O desmoronar da falsa autonomia O fundo do poço O complexo de Cinderela Capítulo II A menininha dentro de cada mulher A famosa "situação de desvantagem" da mulher Sinais do recuo Confusão em Atlanta Depressão em todo o país Como o complexo de Cinderela afeta o trabalho feminino Aparência e linguagem da "filhinha de papai" Capítulo III Os primeiros sinais Tocando o medo A ocultação do medo: o estilo contrafóbico A reação feminina A fuga à independência A esposa secretamente fóbica A evitação como fuga de si mesma Capítulo IV Intimações ao desamparo O aprendizado Como começa tudo isso? Ajuda excessiva e "mutilação" feminina Adolescência: a primeira crise na feminilidade A oposição de obstáculos à filha adolescente A traição do pai A traição da mãe O resultado Inveja e competitividade: o círculo vicioso "Por que tudo é tão mais fácil para os homens?" "Não é justo!" Capítulo V A válvula de escape do casamento Há segurança na fusão Dedicação cega Cenas de um casamento Síndrome da "boa mulher" A segunda rodada: perseguindo o mito da segurança E então? Capítulo VI A crise relativa ao sucesso As catástrofes reservadas a "Anne" O alto preço do silenciar as ambições A "boa vida" da esposa que trabalha fora O caso de Sulka Presa entre dois mundos A frenética esposa-mãe-trabalhadora Disfarçando o conflito através da labuta doméstica Capítulo VII Elaborando o conflito interno O vazamento de energia Desfazendo o nó O sonho revelador Arrebatando-se à armadilha da dependência Libertando-se

Capítulo I

O desejo de salvação

Estou só no terceiro andar de nossa casa, de cama, em razão de uma forte gripe, tentando evitar que a doença passe aos outros. Sinto o quarto grande e frio e, com o correr das horas, estranhamente inóspito. Começo a recordar a garotinha pequena, vulnerável e indefesa que fui. Ao cair da noite já me sinto imprestável, não tanto pela gripe quanto pela ansiedade. "O que estou fazendo aqui, tão solitária, tão distanciada dos outros, tão... insegura", pergunto a mim mesma. Que coisa estranha ver-me tão perturbada, afastada de meus familiares e de minha vida tão ocupada e frenética... desligada... O fluxo de pensamentos se interrompe e reconheço: eu sempre estou só. Cá está, sem aviso prévio, a verdade ignorada às custas de tanto dispêndio de energia. Odeio estar sozinha. Gostaria de viver como os marsupiais, dentro da pele de outrem. Mais que o ar, a energia e a própria vida, o que quero é estar segura, acalentada, cuidada. Espanto-me por descobrir que isso não é nada novo. Isso vem sendo parte de mim há muito tempo. Desde aqueles dias passados na cama, aprendi que há muitas mulheres como eu, milhares e milhares de nós, criadas de um modo tal que nos impossibilita encarar a realidade adulta de que toca a nós, apenas, a responsabilidade por nós mesmas. Podemos até verbalizar essa idéia, mas, no íntimo, não a aceitamos. Tudo na forma de sermos educadas continha a mensagem de que seríamos parte de alguma outra pessoa — que seríamos protegidas, sustentadas, alimentadas pela felicidade conjugal até o dia de nossa morte. É claro que, uma a uma, descobrimos — cada uma de nós com os instrumentos respectivos — a mentira dessa promessa. Porém, foi apenas nos anos 70 que se deu uma modificação no cenário cultural, e as mulheres passaram a ser vistas, concebidas e tratadas de modo diferente. As expectativas em relação a nós mudaram. Foi-nos dito que nossos velhos sonhos de infância eram débeis e ignóbeis, e que existiam coisas melhores a ambicionar: dinheiro, poder e a mais ilusória das condições, a liberdade. A capacidade de escolher o que faríamos de nossas vidas, como pensaríamos e a que daríamos importância. Liberdade é melhor que segurança, diziam-nos; a segurança aleija. Logo descobrimos, contudo, que a liberdade assusta. Ela nos apresenta possibilidades para as quais não nos sentimos equipadas: promoções, responsabilidades, oportunidades de viajarmos sozinhas sem homens a nos conduzirem, oportunidades de fazermos amigos por nossa conta. Todo tipo de perspectivas rapidamente abriu-se às mulheres; juntamente com isso, porém, vieram novas exigências: que cresçamos e paremos de esconder-nos sob o manto paternalista daquele que escolhemos para representar o ente "mais forte"; que comecemos a basear nossas decisões em nossos próprios valores, e não nos de nossos maridos, pais ou professores. A liberdade requer que nos tornemos autênticas e fiéis para conosco. Aqui é que repentinamente surge a dificuldade, quando não mais basta sermos "uma boa esposa", ou "uma boa filha", ou "uma boa aluna". Pois, ao iniciarmos o processo de separar de nós as figuras de autoridade a fim de nos tornarmos autônomas, descobrimos que os valores que julgávamos nossos, não o são. Pertencem a outrem — a pessoas de um passado vivo e demais abrangente. Por fim a hora da verdade emerge: "Realmente não tenho quaisquer convicções próprias. Realmente não sei no que

acredito". Essa experiência pode ser ameaçadora. Todas as coisas a respeito das quais tínhamos certeza parecem desmoronar tal como uma avalancha, enchendo-nos de incerteza em relação a tudo — e aterrorizando-nos. Essa atordoante perda de estruturas de apoio antiquadas — crenças em que nem mesmo cremos mais — pode marcar o início da verdadeira liberdade. Mas seu caráter assustador pode fazer-nos recuar para o conhecido, o familiar, aparentemente tão seguro. Por que é que, tendo a chance de crescer, tendemos a recuar? Porque as mulheres não estão acostumadas a enfrentar o medo e ultrapassá-lo. Fomos sempre encorajadas a evitar qualquer coisa que nos amedronte; desde pequenas fomos ensinadas a só fazer as coisas que nos permitissem sentirmo-nos seguras e protegidas. O fato é que não fomos jamais treinadas para a liberdade, mas sim para o seu oposto: a dependência. O problema remonta à infância. Àquela época em que estávamos em segurança, em que tudo já se achava resolvido ou determinado, e podíamos contar com mamãe e papai para qualquer coisa de que necessitássemos. A hora de dormir não significava pesadelos, insônias ou a incessante e obsessiva compilação mental do que tínhamos feito de errado naquele dia ou poderíamos ter feito melhor. Significava, antes, ficar na cama ouvindo o vento acariciar as árvores até o sono vir. Aprendi que existe uma ligação entre a tendência feminina à domesticidade e aqueles devaneios sobre infância que parecem repousar logo abaixo de nosso consciente. O fator subjacente é a dependência: a necessidade de apoiar-nos em alguém ou, mais regressivamente, de sermos alimentadas, cuidadas e preservadas de males. Essas necessidades perduram através de nossas vidas, clamando por satisfação, sem serem anuladas pela necessidade igualmente presente de autosuficiencia. Até certo ponto a necessidade de dependência é normal tanto em homens quanto cm mulheres. Ocorre que, como veremos, desde pequenas as mulheres são incentivadas a uma dependência doentia. Qualquer mulher que se auto-análise sabe quão destreinada foi para sentir- se confiante perante a idéia de cuidar de si própria, afirmar-se como pessoa e defender-se. Na melhor das hipóteses, pode ter representado o papel de independente, intimamente invejando os meninos (e posteriormente os homens) por parecerem tão naturalmente auto-suficientes. A auto-suficiência não é um bem agraciado aos homens pela natureza; é um produto de aprendizagem e treino. Os homens são educados para a independência desde o dia de seu nascimento. De modo igualmente sistemático, as mulheres são ensinadas a crer que, algum dia, de algum modo, serão salvas. Esse é o conto de fadas, a mensagem de vida que ingerimos juntamente com o leite materno. Podemos aventurar-nos a viver por nossa conta por algum tempo. Podemos sair de casa, trabalhar, viajar; podemos até ganhar muito dinheiro. Subjacente a isso tudo, porém, está o conto de fadas, dizendo: "Agüente firme, e um dia alguém virá salvá-la da ansiedade causada pela vida". (O único salvador de que o menino ouve falar é ele próprio.) Devo dizer que meu conhecimento sobre a dependência feminina originou-se numa experiência pessoal — e isso é recente! Por muito tempo enganei a mim e aos outros com um tipo sofisticado de pseudo-independência — uma máscara construída durante anos a fim de ocultar meu assustador desejo de ser cuidada. O disfarce era tão convincente que eu bem podia ter continuado a crer nele indefinidamente, não fosse por um fato que produziu uma rachadura na frágil estrutura de minha auto-suficiência. Aconteceu quando eu tinha trinta e cinco anos. Uma série de eventos levou-me à conscientização de sentimentos jamais reconhecidos antes, sentimentos de incompetência tão ameaçadores à minha segurança que eu faria qualquer coisa para, através de manipulação, conseguir que alguém tocasse o barco quando as coisas pioraram. Isto é, quando as exigências da vida começaram a assumir uma corporeidade real, conseqüencial e madura, diversa das incursões de uma menina

jantar, querendo sentir-me útil, datilografava os manuscritos de Lowell para ele. Interessante que, apesar de ser escritora profissional há dez anos, tinha a sensação de que a coisa certa para mim era secretariar o trabalho de outrem. Aquilo era o... correto (agora sei que isso significava "confortável" e "seguro"). Isso durou meses. Lowell escrevia, dava telefonemas e conduzia seus negócios de sua grande escrivaninha em frente à lareira. Eu preenchia meu tempo aplicando papel de parede no quarto de minha filha. De vez em quando eu me sentava à minha mesa e tentava produzir alguma coisa, folheando papéis e esforçando-me por concentrar a atenção e organizar os pensamentos. Acabava sentindo-me frustrada, pois parecia-me ter perdido a inspiração, e replicava mentalmente: "Mais dia, menos dia isso tudo muda". É óbvio que isso era falso. Sem que eu me apercebesse disso a nível consciente, minha auto- imagem havia se modificado radicalmente. Idem quanto às minhas expectativas com relação a Lowell. Em minha cabeça, ele se tornara o provedor. E eu? Eu estava descansando daqueles anos de luta — levada a cabo meio contra minha vontade — pela responsabilidade de minha vida. Que mulher liberada poderia imaginar uma coisa dessas? No momento em que a oportunidade de encostar-me em alguém se apresentou, parei de mover-me para a frente. Chegara a um beco sem saída. Não decidia mais nada, não ia a lugar algum, nem mesmo para ver amigos. Naqueles seis meses fui incapaz de entregar um só trabalho na data marcada, quanto mais batalhar por novos contratos com editores. Sem nem um adeus, eu me refugiara no papel tradicional da mulher: o de ajudante. Secretária. Copista. Datilografa dos sonhos de outrem.

Fugindo da Luta

Como Simone de Beauvoir observou tão astutamente há mais de um quarto de século, as mulheres aceitam o papel de submissas "para evitar a tensão decorrente da construção de uma existência autêntica". Evitar essa tensão tornara-se meu objetivo oculto. Eu regressara à vida doméstica — ou melhor, mergulhara nela como numa banheira de água morna — porque era mais fácil. Porque revolver terra, fazer supermercado e ser uma boa — e sustentada — "parceira" provocam menos ansiedade do que sair pelo mundo para lutar por si mesma. Lowell, contudo, não era o que se chamaria um "marido tradicional", pois não apoiava essa minha regressão. Infeliz com o que aparentemente desembocaria numa permanente injustiça (ele pagando as contas e eu fazendo as camas), um dia ele apontou o fato de eu não estar pondo dinheiro em casa. Em termos financeiros ele estava sendo o provedor absoluto, sustentando a mim e a meus três filhos, bem como a si próprio, e eu nem parecia estar consciente dessa injustiça. Doía-lhe, disse, eu parecer tão satisfeita em empoleirar-me e tirar proveito de sua boa vontade em ajudar. Sugeria que eu não estava cumprindo minha parte no trato, o que me encheu de ódio. Nenhum homem jamais sugerira tal coisa antes. Então ele não ligava para tudo o que eu estava fazendo para ele? Quem é que cuidava do nosso lindo lar? E todos aqueles bolos e tortas? Será que ele não notava que, quando tínhamos hóspedes para o fim de semana, era eu quem trocava a roupa da cama e limpava o banheiro de hóspedes? Era verdade que, na organização doméstica, era eu quem fazia a maior parte do "trabalho chato". Também era verdade que fora eu quem assumira esse papel, jamais colocando-o em discussão. No íntimo, eu queria estar fazendo o trabalho chato. Ele é infinitamente seguro. Quando Lowell e eu resolvemos mudar-nos de Nova York e montar uma casa no campo,

combináramos que cada um continuaria a se sustentar. Como foi fácil "esquecer" isso! Cheguei a propor idéias para artigos de revista e livros, mas não estava emocional nem intelectualmente engajada no que fazia. Olhando para trás, agora, acho surpreendente eu não ter experimentado, na época, a necessidade de estar trabalhando. Em vez disso, lá estava eu comodamente tirando vantagem do papel de esposa. E Lowell dizia: "Não é justo". E eu pensava: "O que não é justo? Não é assim que deve ser?" Algo em mim mudara. Enquanto estivera só e a necessidade de cuidar de mim e das crianças era clara e não ambígua, eu fora capaz de exercer minha profissão e ao menos comportar-me de modo independente. Assim que Lowell e eu nos juntamos, todavia, regredi. Não precisei de muito tempo para "recuperar" os padrões de pensamento, sentimento e ação dependentes exibidos durante os nove anos de meu casamento. Que ironia! Desfizera meu casamento porque começara a detestar meus sentimentos de dependência. Minha vida tinha se tornado sufocante e restrita, e eu me libertara. E eis que, quatro anos depois, eu fazia tudo de novo — salvo os jardins e a casa grande, que só vieram dourar a pílula. O aspecto econômico da situação era crucial para o que estava acontecendo. Como deixara a cargo de Lowell a responsabilidade do pagamento de todas as contas, escapei à ansiedade de ter que ganhar a vida. É constrangedor para mim admitir isso agora, mas minha atitude para com Lowell foi de exploração. Eu não queria o desgaste decorrente da responsabilidade por meu próprio bem-estar. Visceralmente, também sentia que era adequado que Lowell trabalhasse mais e assumisse maiores riscos, simplesmente porque era homem. Eu acreditava nisso, pelo menos parcialmente, porque fazia minha vida mais fácil. É aqui que aparece a parte exploradora. (Eu também sentia haver algo não inteiramente "feminino" em relação a um comprometimento real com o trabalho — como se eu deixasse de ser mulher, se realmente saísse pelo mundo e cavasse e batalhasse no mercado comum da economia adulta. Mais tarde descobri que essa idéia, nunca questionada, desempenhava um papel importante em minha luta pela independência.) Uma vez ao mês, Lowell punha no correio os cheques de pagamento do aluguel, da luz, da água e do combustível para o aquecimento central. Era ele também quem mantinha o carro. (Aliás, era ele quem dirigia o carro; eu tinha fobia de dirigir e não conseguia — nem desejava — aprender a fazê-lo.) Para demonstrar minha cooperação, eu não comprava nada de uso pessoal, fossem roupas, maquilagem ou peças de decoração para a casa. Orgulhava-me de poder eu mesma criar enfeites a partir de velhos objetos que encontrava no porão. Esse arranjo me permitia permanecer distanciada do ponto crítico da situação. "Eu gostaria de trabalhar", dizia a Lowell. "Se alguém me oferecesse um contrato, eu ficaria feliz por poder escrever. É minha culpa se ando sem inspiração?" "E se você continuar assim?", ele perguntou afinal, após um ano. "E aí?" Seu "E aí?" enregelou-me. Para mim aquilo constituía prova de que seu amor não era muito profundo, senão ele não me pressionaria assim. Por que é que estava, na verdade, me dizendo: "Não quero cuidar de você"? O fato de não estar realizando nenhum trabalho profissional começou a corroer minha auto- estima. Em apenas três ou quatro meses de vida de Hausfrau, naquele ano, minha dependência começou a mostrar-se de forma inequívoca. Aquela felicidade doméstica pareceu esvanecer-se da noite para o dia, dando espaço à depressão. Em primeiro lugar, eu sentia ter muito poucos direitos. Sem aperceber-me disso, passei a pedir a permissão de Lowell para fazer as coisas. Ele se incomodaria se eu ficasse em Manhattan até mais tarde para visitar uma amiga? Será que poderíamos ir ao cinema sexta à noite? Inevitavelmente surgiu a deferência. Comecei a sentir-me intimidada pelo homem que me

Somente depois de entregar-me ao processo de escrever a respeito desses sentimentos é que consegui reunir coragem para discuti-los com alguém. Nunca ouvira qualquer pessoa mencionar tal experiência. Um complacente editor que conhecia decepcionou-me ao exibir seu desinteresse quando lhe expliquei o que escrevera. Respirei fundo e retomei meus argumentos; se aquele homem não compreendia de que se tratava, quem mais compreenderia? Quando comecei minha segunda narrativa do que ocorrera comigo desde minha mudança para o campo, e por que desejava escrever a esse respeito, aquele sentimento novamente me assaltou. Eu me conscientizara de algo, aprendera algo, e não ia permitir que minha experiência fosse desvalorizada pelo mero fato de outra pessoa não ver importância nela. Disse ao editor que o que experimentara e aprendera era importante. Pois era importante que as mulheres pudessem ter acesso aos problemas com que eu vinha me debatendo. Minha experiência mostrava algo real e mutilante, um fenômeno psicológico ainda intocado pelo movimento feminista; o artigo que eu queria que ele publicasse descrevia o que as mulheres obtêm em troca da manutenção de sua dependência, os proveitos que dela tiram. Em resumo, aquilo que em psiquiatria se denomina "gratificações secundárias". "Acho que estou começando a perceber do que é que você está falando", disse o editor.

Outras mulheres, conflitos idênticos

Um mês depois a revista New York publicou em artigo de capa meu trabalho sob o título: "Beyond liberation: Confessions of a dependent woman" (O outro lado da libertação: Confissões de uma mulher dependente). O volume da correspondência sobre minha escrivaninha multiplicou-se de imediato. Havia anos que eu vinha recebendo cartas de leitoras, mas, aparentemente, nunca as tocara tão no íntimo. "Você não está só", diziam antes de, com evidente alívio, mergulharem em suas próprias-experiências. Diariamente o carteiro chegava com um punhado de cartas, e eu as levava para um pequeno terraço atrás da casa, onde as lia e chorava. As cartas provinham de mulheres de todas as partes do país: mulheres de vinte e poucos anos, mulheres de quase sessenta, mulheres que trabalhavam, mulheres que nunca tinham trabalhado, mulheres que não mais trabalhavam. Todas sofrendo as mesmas ansiedades, lutando pela independência através de cursos de pós-graduação, bons empregos, melhores salários — e com o mesmo ressentimento subjacente a tudo. Ressentimento, raiva e uma terrível e dolorosa confusão, uma sensação de "Mas é assim que as coisas devem ser?" "Depois de anos trabalhando num jornal, resolvi parar e entrar no esquema de free-lance", escreveu-me uma mulher de Santa Mônica, Califórnia. "Meu marido ganhava bem, eu podia dar- me esse luxo, não podia?" Uma correta atitude, ao menos potencialmente; todavia, essa atitude gerou um terrível conflito em relação ao homem em quem, no íntimo, ela se encostara para sentir-se capaz de promover o que desejava. Relata ainda que, desde aquela época, "tenho me dividido entre uma enorme culpa por depender dele e um profundo ódio à mera possibilidade de ele vir a refutar-me esse direito". O conflito entre querer viver por si só e querer encostar-se em alguém "por via das dúvidas" (o mesmo tipo de motivação que leva algumas pessoas a freqüentarem a igreja aos domingos) cria uma ambivalência crônica que acarreta muito dispêndio de energia. Aos trinta e quatro anos, uma mulher que dizia ter "escapado à prisão de dois casamentos", criado dois filhos e retomado os

estudos de advocacia, deu-se conta de ainda estar completamente enredada "num vínculo neurótico de simultaneamente odiar e temer tanto a dependência quanto a independência". Após trabalhar para o governo por breve período, decidiu montar seu próprio escritório de advocacia com um colega sem maior experiência que ela. A diferença na forma com que cada um deles assumiu a nova responsabilidade, prossegue ela, foi gritante. "Desde o início, ele sempre acreditou que faria qualquer coisa que necessitasse ser feita. O que não se aplica a mim. Sempre que tenho de enfrentar uma nova situação, vejo-me pesando os prós e os contras de 'meter a cara' ou correr a esconder-me por trás de algum homem que me proteja. É uma armadilha, e é muito fácil cair nela. É terrível como fico indolente e dependente sempre que conto com alguém que eu possa usar dessa maneira."

O desejo de salvação. Podemos nem sempre reconhecê-lo tão claramente quanto essa mulher, porém ele existe em todas nós, emergindo quando menos se espera, permeando nossos sonhos, abafando nossas ambições. É possível que o desejo feminino de ser salva tenha suas raízes nos primórdios da história, quando a força física masculina era necessária para proteger mulheres e crianças dos perigos naturais. Mas tal desejo não é mais adequado nem construtivo. Nós não necessitamos ser salvas. As mulheres hoje se acham entre o fogo cruzado de velhas e radicalmente novas idéias sociais; a verdade porém é que não podemos mais refugiar-nos no antigo "papel". Ele não é funcional, nem uma opção verdadeira. Podemos crer que o seja; podemos desejar que o seja; mas não é. O príncipe encantado desapareceu. O homem das cavernas é hoje menor e mais fraco. Na realidade, em termos do que se requer para a sobrevivência no mundo moderno, ele não é mais forte, mais inteligente ou mais corajoso do que nós. Todavia, ele realmente tem mais experiência.

O desmoronar da falsa autonomia

Esse estado de coisas vem-se anunciando há muito tempo, sub-repticiamente, sim, tal qual, os fatores primeiros de precipitação de uma erupção vulcânica. As transformações sociais não ocorrem da noite para o dia. O "papel" da mulher estava em processo de mudança muito antes que se propusesse um nome à libertação das mulheres. O fato de que as coisas para nós não eram mais tranqüilas, de que o futuro à nossa frente agora se mostrava nebuloso, deve ter-nos assustado. Uma sensação pouco nítida, mas certamente presente enquanto crescíamos. Algo estava acontecendo, mas nem nós nem nossos pais sabíamos do que se tratava. Inadvertidamente, a maioria dos pais das décadas de 40 e 50 falharam na educação das filhas, pois não podiam prever para que as preparavam. Obviamente não era para a independência. Como muitas meninas, na época de meu ingresso no colégio eu já construíra uma espécie de máscara dissimuladora — o que um psiquiatra rapidamente reconheceria como sendo uma "medida contrafóbica": a concha que disfarça o medo e a insegurança. Alguma coisa estava sabotando minha auto-confiança, originando profunda confusão com relação ao que eu era, ao que pretendia fazer de minha vida, e ao que significava ser mulher. Naturalmente nada disso foi percebido. Eu era insolente com os professores e sarcástica com os rapazes. Na faculdade, aprendi a argumentar com sofisticação e a debater. Anos depois, com o surgimento do Movimento de Desenvolvimento Humano, tornei-me a estrela de meu grupo: durona,

sob um estigma fundamental: o conflito. Enquanto os parentes me elogiavam e traziam-me bolos para mostrar sua aprovação à minha aparente aceitação de meu "papel" no mundo, durante todos aqueles anos de um modo de agir peculiar, conhecido somente pelas mulheres, ocultei de mim mesma a pessoa que eu era.

O fundo do poço

Como foi evidenciado pelas respostas ao artigo da New York, havia outras como eu: mulheres que se sentiam dependentes, frustradas, zangadas. Mulheres que ansiavam pela independência, mas viviam receosas do que ela poderia significar. O medo nelas chegava a paralisar seus esforços para se libertarem. Levantava-se a questão: por que ninguém falava sobre o assunto? Quantas mulheres podiam estar sofrendo em confusão e silêncio? Será que o medo da independência ê epidêmico entre as mulheres? Eu queria fatos. Eu queria teorias. Eu queria ouvir mulheres falarem sobre suas vidas, agora que, supostamente, somos livres para ser livres. Eu sentia que algo estava acontecendo, algo sobre o que não se falava nem se escrevia, algo negligenciado por todos os artigos e pesquisas. A necessidade psicológica de evitar a independência — o "desejo de salvação" — me parecia um ponto importante, provavelmente o mais importante no que concerne às mulheres hoje. Fomos criadas para depender de um homem e sentirmo-nos nuas e apavoradas sem ele. Fomos ensinadas a crer que, por sermos mulheres, não somos capazes de viver por nossa conta, que somos frágeis e delicadas demais, com absoluta necessidade de proteção. De forma que agora, na era da conscientização, quando nossos intelectos nos ditam a autonomia, o emocional não- resolvido nos derruba. A um só tempo almejamos libertar-nos dos grilhões e ter quem (cuidando de nós) os recoloque. Nossas propensões à dependência encontram-se em geral profundamente enraizadas. A dependência é ameaçadora. Ela nos enche de ansiedade, pois remete-nos à infância, quando realmente éramos indefesas. Fazemos o possível para esconder essas necessidades de nós mesmas. Especialmente agora, com toda essa pressão social para a independência, torna-se tentador mantermos essa outra parte de nós abafada, reprimida. Essa parte enterrada e negada é o problema. Ela se anuncia em fantasias e sonhos. Por vezes assume a forma de fobia. Ela afeta o modo pelo qual as mulheres pensam, agem e falam — e não apenas algumas mulheres, mas virtualmente todas. As necessidades ocultas de dependência estão causando dificuldades à dona-de-casa sustentada, que precisa pedir ao marido permissão para comprar um vestido, bem como à profissional bem-sucedida que tem insónia quando o amante sai da cidade. Alexandra Symonds, psiquiatra de Nova York, estudiosa do fenômeno da dependência, diz que ele afeta a maioria das mulheres que ela conheceu. Mesmo as mulheres aparentemente vitoriosas em suas carreiras e vidas privadas, segundo ela, tendem a "subordinar- se aos outros, a se tornar dependentes e, inadvertidamente, devotar a maior parte de suas energias em busca de amor, ajuda e proteção contra o que é visto como difícil, ou desafiante, ou hostil no mundo".

O complexo de Cinderela

Existe somente um instrumento pelo qual podemos obter a "libertação": é emancipar-nos interiormente. A tese deste livro é a de que a dependência psicológica — o desejo inconsciente dos cuidados de outrem — é a força motriz que ainda mantêm as mulheres agrilhoadas. Denominei-a "complexo de Cinderela": uma rede de atitudes e temores profundamente reprimidos que retém as mulheres numa espécie de penumbra e as impede de utilizar plenamente seu intelecto e sua criatividade. Como Cinderela, as mulheres de hoje ainda esperam por algo externo que venha transformar suas vidas. Usando minha experiência pessoal como ponto de partida, entrelacei as teorias psicológicas e psicanalíticas que embasam este livro com as histórias reais das entrevistadas. (Onde se fez necessário, nomes e certos detalhes foram mudados.) Nas páginas que se seguem você conhecerá mulheres solteiras, mulheres casadas, mulheres que partilham um lar com seus amantes. Algumas delas dedicam-se a uma carreira, algumas jamais se aventuraram fora de casa, algumas aventuraram-se, mas acabaram se refugiando nela novamente. Há mulheres sofisticadas de grandes metrópoles e camponesas cortadoras de lenha; viúvas, divorciadas e mulheres que desejam o divórcio, mas não têm coragem de pedi-lo. Há mulheres que amam seus homens, mas morrem de medo deles. Várias das mulheres com quem conversei tinham educação superior, algumas não; entretanto, praticamente todas elas estavam funcionando muito abaixo do nível de suas capacidades potenciais, vivendo num tipo de limbo por elas mesmas construído. Esperando, Boa parcela das mulheres entrevistadas no curso da pesquisa para este livro desconhecem o "problema". Suas mentes lhes dizem que tudo o que desejam — ou já desejaram — é a liberdade. Emocionalmente, contudo, mostram sinais de sofrimento por conflitos internos profundos. Outras lutam intermitentemente, com vislumbres do que é que as está fazendo ansiosas e freqüentemente deprimidas. Outras ainda, felizmente, encaram o problema e reconhecem por completo seu profundo desejo de serem protegidas e cuidadas, conseguindo então criar nova força e um senso realista de quem são e do que realmente são capazes de realizar. Estas mulheres se tornam, como as denomina um terapeuta, corajosamente vulneráveis. Em vez de continuarem uma vida de repressão e negação, confrontam as verdades de seu íntimo, triunfando afinal sobre os temores que as mantinham presas a suas cozinhas. Essas são as mulheres que verdadeiramente se libertaram. Com elas temos muito o que aprender.

encontrávamos de manhã cedinho em esquinas de nossos bairros. Às vezes, ali mesmo na rua, abraçávamo-nos e chorávamos. Não nos envergonhávamos de exprimir abertamente nossas fraquezas, mas também achávamos nossas vidas hilariantes. Passávamos madrugadas bebendo vinho e fumando maconha, e recomeçamos a namorar como adolescentes. Eu não tinha idéia de que tipo de homem me interessava ou seria bom para mim. Comportava-me como uma garotinha ao escolher homens com quem sair: este era engraçado, aquele era sério e altivo, o terceiro era sexy, mas atrevido demais. Sair com homens punha-me em pânico. Sentia-me como uma menina de catorze anos presa dentro do corpo de uma mulher de trinta e três. Passei a encaracolar os cabelos, afinar demais as sobrancelhas e preocupar-me com meu hálito. Estávamos crescendo, só isso. Voluptuosas, sabidonas, com aquela aparência de astúcia e sofisticação que só os habitantes de Manhattan têm — assim nos víamos. Na verdade éramos púberes com chiclete preso em nossos aparelhos corretivos de dentes. O fato de estarmos descasadas, isto é, sem homens em casa, desvelava o que éramos: crianças assustadas, inseguras e incrivelmente atrasadas em termos intelectuais e psicológicos. Estávamos contentes por nos termos libertado da jaula, mas por dentro recuávamos frente à nova liberdade de dirigir nossos destinos. À nossa frente estendiam-se caminhos escuros que conduziam à selva sombria. Sintomática de meu descomprometimento com o mundo dos adultos era minha ambígua atitude com relação ao dinheiro. Precisava ganhar mais, mas não conseguia fazer nada a esse respeito. O que recebia como escritora garantia-nos a sobrevivência todos os meses, porém eu prosseguia contando com alguma solução mágica que me "abrisse uma brecha". Durante os primeiros anos, nunca avaliei as realidades financeiras de minha vida; nunca pensei em retornar aos estudos; jamais elaborei algum plano que ajudasse a estabilizar minha situação. Tal como um avestruz, mantinha minha cabeça firmemente enterrada na areia, com os olhos cerrados, torcendo para que "tudo desse certo". A dura realidade se impingia à medida que as contas mensais tinham de ser pagas, mas a isso eu reagia com passividade. Nenhum progresso quanto à condução de minha vida; eu estava simplesmente evitando a forca. Por outro lado, estava convencida de não querer casar-me de novo. Quando casada, não encontrara a força necessária para combater essa avassaladora necessidade de dependência; sozinha, era forçada a fazê-lo. Em certo sentido, meu instinto era correto. Embora a dependência subjazesse à minha frenética luta como mulher descasada, pelo menos eu não a sentia o tempo todo, reforçando a cada dia o desamparo em que me encontrava quando casada. E no entanto uma parte inconsciente de mim sonhava com a prisão. Como uma adolescente, deliciava-me com minha nova liberdade; contudo, ao primeiro evento perturbador eu me via fantasiando a proteção ilusória dos velhos tempos. No fundo, eu havia estabelecido uma moratória a meu crescimento. Devido ao medo, vivia dentro de limites rígidos que me impediam a aprendizagem, a melhor çxploração de meu potencial mental e a descoberta de novas capacidades de que não era cônscia. Psicologicamente falando, o problema abrangia mais do que meros sentimentos de inferioridade e timidez. Eu oscilava entre a megalomania e os mais degradantes sentimentos de incompetência. Embora me apercebesse visceralmente disso, não conseguia imaginar como quebrar essa estrutura. "A mulher é uma perdedora", segundo Janis Joplin. Fiquei fascinada com o surgimento da concepção da mulher como oprimida. Infelizmente, os aspectos mais tendenciosos do movimento feminista corroboravam e reforçavam minha própria paralisia pessoal. Eu usava o feminismo como uma racionalização para me manter na mesma situação. Em vez de concentrar- me em meu próprio desenvolvimento, minha atenção se focalizava "neles". "Eles" me deixavam na pior. As mulheres não conseguiam ser felizes porque os homens não lhes permitiam a

felicidade, e ponto final. Algo de especial ocorreu. Minha produção literária melhorou e minha carreira começou a ter expressão. Isso também me assustava, e eu era incapaz de valer-me de incentivos a mim mesma. Em vez de me contentar com o desabrochar de meu talento literário, comecei a sentir que não era muito inteligente, mas apenas hábil e manipuladora. Via-me como uma jornalista que "se virava". Uma manchete aqui, outra acolá, mas um dia eu seria desmascarada como a fraude que eu sabia ser. Nesse ponto eu deveria ter começado a perceber que alguma coisa eu conseguia com uma tal visão negativa de mim mesma. Na verdade eu não queria ser bem sucedida; se assim não fosse, o mundo saberia que eu de fato não precisava de ninguém para cuidar de mim. "Eu cuido de mim sozinha." Proferir essas palavras, e com sinceridade, seria o mesmo que estar sifilítica. Seria o mesmo que entregar o trunfo escondido. "Eu cuido de mim sozinha!" Quanta presunção! Seria quase como igualar-me aos deuses. Admitir isso seria renunciar a todos os resíduos do desamparo que reivindicava ajuda. O jogo então transformou-se em: "Cuido de mim sozinha... quando posso". Infelizmente, contudo, é impossível ficar sentado e andar ao mesmo tempo. Minha vida tornou-se ainda mais restrita. Aprendi as formas mais trapaceiras de evitação. Passava quase todo o meu tempo livre — e muito do não-livre — com outras pessoas. A justificativa que me dava era que estava precisando disso após os longos e solitários anos de meu casamento. O que era provavelmente verdadeiro, só que estava usando as pessoas para evitar o desenvolvimento de minha consciência de mim mesma. Tornei-me uma borboleta social, a rainha da West End Avenue. Trabalhava até tarde da noite e acordava no final das manhãs. Até o ato de escrever tornou-se uma espécie de válvula de escape. Através dele eu cutucava o centro do vulcão, fazendo-o expelir um pouco de fumaça, e depois ia dormir, mais uma vez ignorando a causa do fogo destrutivo que rugia dentro de mim. Como a tarefa de nos sustentarmos parece exigir um esforço hercúleo, as mulheres não percebem que o comodismo é tudo, menos sinal de dignidade. É uma perda de tempo. Em última análise, é uma fuga ao desafio. As mulheres precisam fazer mais. Temos que descobrir do que é que temos medo, e ultrapassá-lo.

A menininha dentro de cada mulher

É muito difícil para mim fazer qualquer coisa sozinha. Sempre senti que meu lugar era 'por trás' de alguém. Eu tinha um irmão mais velho que era perfeito. Em muitos aspectos eu me sentia feliz por crescer à sua sombra. Isso me proporcionava uma sensação de segurança. Freqüentemente sinto-me inadequada por não ser casada nem ter filhos, apesar de saber que isso é considerado legal e moderno, especialmente aqui em San Francisco. Mas não foi assim que fui criada, e não é assim que quero ser. Nunca senti querer realmente ser independente.

Essa admissão de dependência foi extraída de uma entrevista gravada com uma bem-sucedida psicoterapeuta solteira de trinta e dois anos, com doutorado em psicologia. Feminista, ela pratica a profissão na Califórnia; é irônico notar, contudo, como está confusa em relação a seu papel no mundo — a aguda contradição entre sua necessidade básica de estar seguramente "por trás" de alguém e sua ambição de êxito, de progredir, de viver por sua própria conta.