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Atenção e Reciprocidade na Cultura Fijiana: O Conceito de Veiqaravi, Resumos de Economia

Este texto discute o conceito de veiqaravi na cultura fijiana, que se refere à obrigação de se dar ou prestar assistência mútua nos rituais do ciclo de vida cotidiano, em celebrações e atividades. O termo também significa 'defrontar-se mutuamente' e está relacionado à reciprocidade equilibrada e à hierarquia instituída. O texto explora como o poder de um chefe, dos deuses ancestrais e do deus cristão reside na atenção que as pessoas lhes dão.

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 07/11/2022

PorDoSol
PorDoSol 🇧🇷

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MANA 12(2): 449-477, 2006
COMO SABEMOS O QUE É VERDADE?
O CASO DO MANA EM FIJI
Christina Toren
Começo por uma conversa que tive, por volta de 1982, com alguns jovens
fijianos, enquanto caminhávamos pela estrada que liga as aldeias do litoral
da ilha de Gau, na qual fiz trabalho de campo. Passávamos por um lugar
onde, conforme alguém do grupo comentou, havia “alguma coisa” (e dua na
ka). “O quê?” — perguntei. “Tev oro ” [demônios] — foi a resposta, sotto voce.
Eu não disse nada, mas meu ceticismo deve ter ficado estampado em meu rosto,
pois eles começaram a asseverar que a terra por onde passávamos pertencia a um
vu (ancestral) conhecido por aparecer aos desavisados que andassem sozinhos
naquela parte da estrada. Falei que já andara sozinha muitas vezes e nunca tinha
visto um vu, e que estava realmente interessada nesta visão — por que não apa-
reciam para mim? Todos riram: a idéia era ridícula. Mas por que não apareciam?
Por quê? Mais risadas, e um dos rapazes disse, em tom que sugeria um desprezo
divertido por minha falta de compreensão: “Era na sega ni basika mai vei kemuni”
(Eles não vão aparecer aqui para você). “Mas por que não?” — insisti. “Baleta ni
ko sega ni rerevaka!” (Porque você não tem medo deles!).
Esse pedaço de conversa é suficiente para transmitir uma idéia ainda
prevalecente entre meus informantes fijianos: a de que o fato de os ancestrais
(“demônios” é o termo usado para os ancestrais em seu aspecto maléfico)
habitarem os lugares que são seus é por si mesmo evidente. A conversa
também deixa claro que evidentemente não é assim no que me diz respeito.
Esse choque de idéias é o quinhão reservado a todos os antropólogos em
campo, e podem se passar muitos e muitos anos antes que sejamos capazes
(se é que algum dia o seremos) de verdadeiramente dar crédito àquilo que
nossos informantes nos dizem ser fato. Desse modo, podemos acabar carac-
terizando como crença aquilo que nossos informantes sabem e, ao fazê-lo,
os representarmos impropriamente. Para que eu represente corretamente
meus informantes fijianos, por exemplo, tenho de dizer que eles sabem que
os ancestrais habitam os lugares que lhes pertencem.1
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Baixe Atenção e Reciprocidade na Cultura Fijiana: O Conceito de Veiqaravi e outras Resumos em PDF para Economia, somente na Docsity!

MANA 12(2): 449-477, 2006

COMO SABEMOS O QUE É VERDADE?

O CASO DO MANA EM FIJI

Christina Toren

Começo por uma conversa que tive, por volta de 1982, com alguns jovens fijianos, enquanto caminhávamos pela estrada que liga as aldeias do litoral da ilha de Gau, na qual fiz trabalho de campo. Passávamos por um lugar onde, conforme alguém do grupo comentou, havia “alguma coisa” ( e dua na ka ). “O quê?” — perguntei. “ Tevoro ” [demônios] — foi a resposta, sotto voce. Eu não disse nada, mas meu ceticismo deve ter ficado estampado em meu rosto, pois eles começaram a asseverar que a terra por onde passávamos pertencia a um vu (ancestral) conhecido por aparecer aos desavisados que andassem sozinhos naquela parte da estrada. Falei que já andara sozinha muitas vezes e nunca tinha visto um vu , e que estava realmente interessada nesta visão — por que não apa- reciam para mim? Todos riram: a idéia era ridícula. Mas por que não apareciam? Por quê? Mais risadas, e um dos rapazes disse, em tom que sugeria um desprezo divertido por minha falta de compreensão: “Era na sega ni basika mai vei kemuni” (Eles não vão aparecer aqui para você ). “Mas por que não?” — insisti. “Baleta ni ko sega ni rerevaka!” (Porque você não tem medo deles!). Esse pedaço de conversa é suficiente para transmitir uma idéia ainda prevalecente entre meus informantes fijianos: a de que o fato de os ancestrais (“demônios” é o termo usado para os ancestrais em seu aspecto maléfico) habitarem os lugares que são seus é por si mesmo evidente. A conversa também deixa claro que evidentemente não é assim no que me diz respeito. Esse choque de idéias é o quinhão reservado a todos os antropólogos em campo, e podem se passar muitos e muitos anos antes que sejamos capazes (se é que algum dia o seremos) de verdadeiramente dar crédito àquilo que nossos informantes nos dizem ser fato. Desse modo, podemos acabar carac- terizando como crença aquilo que nossos informantes sabem e, ao fazê-lo, os representarmos impropriamente. Para que eu represente corretamente meus informantes fijianos, por exemplo, tenho de dizer que eles sabem que os ancestrais habitam os lugares que lhes pertencem. 1

Isso me leva a observar que, se tivéssemos de afirmar, da forma mais concisa possível, qual teria sido a contribuição da antropologia para as ciências humanas, minha resposta seria a de que o corpus formado pela etnografia de diferentes povos, em diferentes momentos e lugares mostra, em primeiro lugar, que as pessoas em toda parte tomam como evidentemente verdadeiras suas idéias sobre si mesmas e sobre o mundo que as rodeia e, em segundo lugar, que o maravilhoso é justamente o mundo habitado con- firmar em toda parte todos os variados entendimentos que formamos a seu respeito. O que as pessoas tomam como fato evidente não é em geral passível de confirmação segundo um modelo grosso modo científico, de acordo com o qual afirma-se uma hipótese para então tentar refutá-la. De modo geral, as pessoas raciocinam indutivamente e fazem racionalizações a posteriori. Assim, por exemplo, eu queria submeter a aparição de um ancestral a algo equivalente a um escrutínio empírico, e meus informantes divertiram-se precisamente porque sabiam que o que eu queria era irrelevante para os desejos do próprio ancestral. Observei acima que esse choque de entendimentos é um lugar-comum antropológico; o que com menos freqüência se admite é que a profunda incomensurabilidade — com que às vezes nos deparamos — entre nossas próprias idéias e as daqueles cujas vidas analisamos pode nos impedir de reconhecer que não raro encontramos-nos em situação similar à daqueles que nos estão mais próximos: esposos, filhos, irmãos, amigos etc. Só o percebemos quando há desacordo entre nós, embora isso também fique bastante claro nas discordâncias que emergem, digamos, entre explicações rivais sobre o que realmente ocorre na economia. Para nós, na qualidade de antropólogos, o problema se apresenta como um caso particularmente poderoso daquele que enfrentamos em nossas vidas diárias: se realmente dermos crédito ao entendimento que outras pessoas têm do mundo, preci- saremos reconhecer não apenas que o mundo que nos rodeia dá margem a todos os significados que os humanos podem criar, mas também que nossos próprios entendimentos não são menos passíveis de análise histórica — isto é, não menos explicáveis por meio da análise social — do que os das pessoas próximas. Segue-se daí a necessidade de fazer com que o poder explicativo de nossas etnografias resida em tornar analíticas as categorias de nossos informantes. 2 É o que tentarei aqui. O foco deste artigo é um longo extrato de uma conversa que tive em 2005 com um casal fijiano de meia-idade — Mikaele e sua esposa Makereta (para preservar sua privacidade, omiti os nomes reais).^3 Nossa conversa tratou da questão de como sabemos o que é verdade, e baseou-se em nossas várias idéias sobre o que as pessoas são — idéias que diferem em sua similaridade.

As categorias fijianas de crença e verdade mostram por que, de uma perspectiva antropológica, o significado de uma categoria não pode ser pres- suposto; mostram por que é sempre necessária uma investigação etnográfica que determine de que modo a categoria é usada e quais suas possíveis im- plicações. E isso vale, por conseqüência, para o caso da categoria verdade , tal como usada por nós e pelos outros. É preciso, no mínimo, reconhecer que a investigação etnográfica deve (ao menos em princípio) implicar a nós mesmos tanto quanto a outros, em primeiro lugar porque a produção de significado é um processo histórico e, em segundo lugar, porque o mundo sustenta todos os significados que produzimos. Diferentes idéias de conhecimento e crença estão associadas a dife- rentes idéias sobre verdade, e isso é certamente importante, pois constitui caso particular de um problema mais amplo: estamos, todos nós e em todas as partes do mundo, certos de que, de modo geral, o mundo se conforma à compreensão que temos dele. Meu interesse nesse fenômeno é instigado por uma experiência comum aos antropólogos: a de me dar conta, em in- tensidade crescente com o passar dos anos, de que minhas próprias idéias sobre o mundo e sobre o que é ser humano não são mais sólidas, mais de- fensáveis ou bem-fundadas — não são mais válidas — do que as de outras pessoas. Essa percepção resulta do trabalho de campo e de vinte anos de análise etnográfica das idéias e práticas fijianas, no decorrer dos quais tive constantemente de rever minhas perspectivas teóricas. Tal percepção é algo que nos é praticamente impossível de sustentar permanentemente como real, precisamente porque, não importa quão conscientes estejamos de que o conhecimento é transformado no mesmo processo em que é conservado (isto é, o processo de produção de significado ao longo do tempo), jamais podemos abrir mão de nossas certezas correntes sobre o mundo habitado — especialmente, talvez, se nos consideramos engajados, como me considero, em um esforço científico para compreender de que modo nós, humanos, nos tornamos aquilo que somos. Minha preocupação geral como antropóloga é explicar algo do pro- cesso da autopoiese (autoformação, autoorganização), que se dá de modo biologicamente micro-histórico e se revela singularmente em cada um de nós. Minha explicação baseia-se na idéia da intersubjetividade como condição fundamental do ser humano. A intersubjetividade implica produ- zirmos significados a partir de significados que outros produziram e estão produzindo: isto é, como qualquer outro ser humano, estou emaranhada em relações multifacetadas com outros que têm seus próprios entendimentos das relações sociais e da constituição do mundo. Em qualquer encontro com outra pessoa, quem quer que seja, eu assimilo seu entendimento ao meu

próprio e, ao fazê-lo, me acomodo — mais ou menos — às idéias que ela tem sobre o mundo e sobre nosso relacionamento. Cada um de nós nasceu em um mundo inacabado, em formação, que já foi tornado significativo em todos os seus aspectos materiais e, ao longo do tempo, produzimos esses significados novamente. Mostrei em outra ocasião porque daí se segue necessariamente que o significado é sempre emergente, nunca exatamente fixo; mostrei também de que modo, no processo ontogenético de produção de significado ao longo do tempo, o conhecimento é transformado na medida mesmo em que é conservado (ver Toren 1999a:1-21 e 2002). Esse processo micro-histórico de epistemologia genética torna as idéias de cada pessoa únicas, ainda que, do nascimento em diante, cada um de nós, querendo ou não, co-opte os outros na tentativa de fazer com que o mundo lhe faça sentido. 6 E o processo é inevitavelmente percebido e vivido precisamente porque “fazer sentido” tem sempre tudo a ver com os outros — como fica claro em qualquer investigação etnográfica das idéias das crianças sobre o mundo habitado e sobre como elas chegaram a essas idéias. Que fique claro que não estou meramente afirmando a idéia simplista de que “é tudo relativo”; tampouco pretendo sugerir que uma explicação científica não é diferente de qualquer outra descrição do mundo. O que estou indicando aqui é que o mundo habitado sustenta todas as nossas descrições historicamente constituídas a seu respeito, de tal modo que essas descrições, sempre e inevitavelmente parciais, se fazem objetivas de maneiras diversas. Assim, por exemplo, as idéias do povo Ambonwari sobre temporalidade, por mais que se distingam significativamente de nossas pró- prias idéias, permitem juízos temporais lineares derivados da comparação entre dois processos quaisquer, em termos de sua simultaneidade, duração e sucessão. O fato de que eles consideram pisinim (que significa “intervalo de tempo, duração limitada, período, estação”) como intrínseco à pessoa e suas práticas não atenua essa linearidade. Eles não insistem, no entanto, em marcar uma distinção (como nós tentamos fazer) entre as perspectivas temporais linear e qualitativa. Ainda assim, nosso entendimento do tempo pode tornar-se explicável para eles, assim como o entendimento deles pode ser explicável para nós.^7 Isso é possível, não porque certos conceitos de tempo são universais, mas porque todos nós temos de lidar com processos relativamente invariantes que se apresentam concretamente no mundo habitado — por exemplo, aqueles que tornam inevitável uma apreensão da temporalidade linear. Pode ser difícil conceder que as idéias de outras pessoas sejam tão objetivamente corroboradas pelo mundo quanto as nossas, mas é somente assim que, na qualidade de antropólogo, se pode reconhecer a necessidade

Texto 2 Os Deuses ancestrais [ kalou vu ] ainda existem. … [Eles] são Deuses apenas do mundo [ kalou ga ni vuravura ] [...] [Eles] são exatamente como as pessoas. São nossa fonte antiga daquele tempo, eles são como Deuses daquele tempo […] eles são nossos … avós de gerações atrás […] No momento em que você estiver dando atenção a ele, ele vai aparecer… […] Assim como quando você está servindo a Deus [ na Kalou ]. É porque você quer servir a Deus que Deus então vai lhe dar o que você quer. É a mesma coisa com os Deuses ancestrais, se você atende a eles […] [eles] vão lhe dar o que você quer. Mas isso é só uma coisa mundana […] Eles ainda são eficazes [ mana ] […] se você atende a eles. Ainda eficazes [ mana ]. Sim, mas como eu disse antes, só deste mundo. Deus … o grande Deus [ kalou levu ]… o verdadeiro Deus [ Kalou dina ] está em desacordo [ veicalati ] com eles […] O grande Deus tem grande poder sobre eles […] julga-os. Ele é muito, muito mais poderoso que todos eles […] não há Deus no céu ou na Terra que seja igual a ele […] Como está dito na Bíblia: o grande Deus é um Deus ciumento […] Ele não quer que você atente para outro Deus neste mundo. […] Ele quer que você adore apenas a ele. Se você está dando atenção a um Deus ancestral, significa que você está em desacordo [ veicalati ] com seu comando [de Deus]. Assim, é como eu digo a você, ou para nós dois, o poder dos Deuses ancestrais vem deste mundo.

Nossa conversa passou então à seguinte indagação: se hoje em dia as pessoas estariam dando atenção aos Deuses ancestrais, e como Mikaele poderia sabê-lo? Os Deuses ancestrais, em contraste com o Deus cristão, são conhecidos pelo mal inevitável (embora um tanto defasado) que trazem para os que lhes servem; ou seja, pode-se saber se alguém serviu a um Deus ancestral ( kalou vu ) pelos males que se abatem sobre essa pessoa e sua família.

Texto 3 Como nós sabemos? Quando você vê como é que ele/ ela parece, os detalhes de sua vida e de sua casa […] Quando você tenta saber ... bem, então, você olha para a casa e os filhos dele/ dela: os que estão na escola não vão ter bons resultados. Eles terão grandes dificuldades, os filhos terão grandes dificuldades. E tudo na sua vida familiar vai dar errado […] Alguns, quando são acusados de atender a demônios, Deuses ancestrais, alguns, como eu já disse, fica evidente em seus filhos... seus filhos não vão se casar; se eles se casarem, não terão filhos. Se tiverem filhos, terão apenas um […] Alguns desses que adoram um Deus ancestral, quando lhe dão atenção ... depois eles ficam sabendo que ele é maléfico — é o que eu escuto — eles depois retornam [para o bom caminho], eles pedem desculpas [ vakasuka ].

Logo, tais pessoas também podem ser reconhecidas por seus relatos de confissão.^8 Não perguntei a Mikaele se era possível, em sua visão, refutar uma acusação específica de se ter atendido a um kalou vu , mas penso que ele começaria dizendo que sim, e que depois abandonaria essa posição, considerando que feiticeiros podem disfarçar-se de pessoas devotas e de bom coração, e que infortúnios podem abater-se sobre todos nós. Na visão fijiana, infortúnios que se abatem sobre uma pessoa são muito provavelmente causados por malefícios de pessoas que estejam praticando feitiçaria ( vakadraunikau , literalmente, “o caminho das folhas”) — o que já seria por si só uma forma de atender a demônios ( qaravi tevoro ) ou aos Deuses ancestrais ( qaravi kalou vu ). Infortúnios que se abatem sobre outros, todavia, também podem muito bem ser o resultado de uma atenção egoísta a um Deus ancestral, e essa é a perspectiva de Mikaele em nossa conversa — ele não pensa na possibilidade de ser ele próprio afligido por infortúnios. Na mol- dura psicológica ocidental, esse tipo de raciocínio corresponde ao que se denomina “teoria da atribuição”: quem vê um homem tropeçar diz que ele é desastrado, ao passo que o próprio homem que tropeça culpa a pedra que estava no caminho. Mas isso não nos diz muito: tão somente que as pessoas tendem a culpar forças, eventos externos ou os outros por aquilo que um observador tenderá a considerar como (de uma maneira ou de outra) culpa da própria pessoa. O que é mais interessante nesse caso fijiano é observar como a prática de atender a um Deus ancestral ( qaravi kalou vu ou qaravi tevoro ) constitui uma instância perversa de veiqaravi , atenção ou assistência dada e recebida em reciprocidade.

Atenção mútua

Em sua interpretação adulta mais estreita, na veiqaravi vakavanua (atenção/ cuidados de uns para com os outros, segundo os costumes da terra) é algo reservado para cerimônias como a do sevusevu ou a do reguregu — trata- se, no caso da primeira, de apresentar yaqona aos chefes para pedir que reconheçam a presença da pessoa em um lugar ou, no caso da segunda, de apresentar um dente de baleia [cachalote] como reconhecimento de uma morte. O termo na veiqaravi vakavanua é sinônimo — pelo menos no que diz respeito a meus informantes adultos — de na cakacaka vakavanua (lite- ralmente, “trabalhar, atuar, agir segundo os costumes da terra”), expressão que pode igualmente ser usada quando se fala, em geral, da prática de trabalhar conjuntamente em algum empreendimento coletivo. Veiqaravi designa também o ato de assistir aos chefes em sessões de consumo de

dos demônios”, então outra pessoa também diz “mas ele/ ela não sabe sozinho/ sozinha” […] Seu esposo/ sua esposa também sabe.

Minha compreensão, vinte anos atrás, foi a de que oferecer o nome de um parente seria algo invariavelmente bem-sucedido — isto é, o Deus an- cestral, dotado de poder pelo serviço a ele prestado, se abatia sobre a pessoa nomeada em uma morte de outro modo não explicável. Mas, de acordo com o que Mikaele me contou, muitas mortes e outros infortúnios são atribuíveis à circunstância de o Deus ancestral voltar-se contra seu próprio servidor. Qualquer que seja o caso, pode-se reconhecer alguém que se volta para um Deus ancestral pela maneira como bebe yaqona.

Texto 5 […] o modo como ele/ ela bebe yaqona … não é como o das pessoas [comuns], continua bebendo yaqona todos os dias, bebendo yaqona , bebendo yaqona. Junto com … junto com seu esposo/ sua esposa, eles estão bebendo yaqona , os dois dentro da casa deles. [Em contraste,] se bebemos yaqona , estamos contando histórias uns para os outros, muitos de nós [juntos].

A ênfase de Mikaele na responsabilidade conjunta dos cônjuges mostra como, ainda que a casa seja o fundamento [ yavu ] de toda a vida social, o veiqaravi envolve relações entre várias casas. Um casal que, de modo egoís- ta, deseje aumentar o sucesso de sua própria casa por meio de ofertas a um Deus ancestral está fadado a prejudicar outras casas e, em última instância, a sua própria. Servindo ao Deus em sessões de ingestão de yaqona a portas fechadas, o casal se põe em desacordo ( veicalati ), não apenas com o Deus cristão mas, implicitamente, com os chefes e com os Deuses ancestrais em seu aspecto benigno — ficando atrás dos chefes instalados. O consumo de yaqona é central em todas as cerimônias fijianas e, enquanto tal, está sob a égide dos chefes, dos Deuses ancestrais e do Deus cristão. O reco- nhecimento dos Deuses ancestrais é por vezes explicitado em discursos cerimoniais, porém, quanto ao restante, está sempre implícito nos títulos honoríficos dos chefes, empregados em tais discursos e referindo-se a yavu tabu — as fundações proibidas da casa — cujos donos (e únicos ocupantes) são os ancestrais fundadores. O Deus cristão é invocado na prece que acompanha os discursos cerimoniais. O fato de um casal atender de modo exclusivo a um Deus ancestral dá a entender que sua casa pode produzir sozinha a própria prosperidade, sem o apoio de outras, dos chefes ou do Deus cristão — em suma, sem referência ao veiqaravi. Mas o infortúnio futuro é inerente a essa recusa.

Por que servir a um Deus ancestral traz o infortúnio

Nas regiões central e oriental de Fiji, entre os grupos de etnia fijiana, as relações sociais em geral, e a chefia em particular, se dão em função de conceitos opostos e complementares sobre igualdade competitiva (como, por exemplo, na reciprocidade equilibrada das trocas entre casas e clãs ao longo do tempo) e hierarquia (como, por exemplo, nos tributos aos chefes). De fato, pode-se argumentar que aqui a hierarquia instituída e a igualdade competitiva fundem-se como aspectos de uma só idéia de dualidade anti- tética, segundo a qual cada tipo de relação social depende do outro para sua própria continuidade (ver Toren 1999a:163-181). Essa oposição radical permeia a vida diária em Fiji e conforma, por exemplo, as relações sociais, o parentesco, a chefia e as noções de pessoa. Na aldeia, a oposição na qual se fundem hierarquia e igualdade competitiva expressa-se na posição da pessoa em relação a outros, no tempo e no espaço. O status de uma pessoa na comunidade mais ampla — derivado de uma interação entre posição hierárquica (chefe ou plebeu), posição geracional (mais velho ou mais novo) e gênero (esposa ou irmã em relação a determinado homem) — demarca seu lugar acima ( i cake ) ou abaixo ( i ra ) de outros em qual- quer reunião em uma casa, em um recinto de reuniões da aldeia ou na igreja. Esse eixo acima/ abaixo pode ser aplicado tanto a um plano horizontal único (por exemplo, uma das extremidades no chão da igreja, do local de reuniões da aldeia, ou de uma casa qualquer é acima, e a outra é abaixo) quanto a um plano vertical (por exemplo, ao passar por outras pessoas, é educado adotar a postura curvada e respeitosa chamada lolou ). Em Gau, todos os encontros, reuniões, banquetes, cultos etc. têm lugar nos espaços ritualizados da casa, da igreja, ou do grande recinto de reuniões da aldeia, e todos os moradores a partir de aproximadamente cinco anos de idade sabem qual área é acima e qual é abaixo , naquele espaço determinado. O status relativo das pessoas fica evidente na disposição espacial que adotam ao longo desse eixo. O eixo acima/ abaixo constitui-se a partir de uma transformação, no ritual, do veiqaravi (literalmente, “defrontar-se mutuamente”, e também “atenção/ cuidados recíprocos”), que descreve a disposição das casas no espaço da aldeia e sugere mútuas obrigações rituais transclânicas. Além disso, qualquer casa é, via de regra, orientada de maneira que a “porta da terra” fique diante da “porta do mar” da casa ao lado, evocando assim as relações entre a gente da terra e a gente do mar. Veiqaravi pode referir-se, aqui, à reciprocidade equilibrada que vigora ao longo do tempo nas trocas entre casas, clãs e yavusa ; o termo, entretanto, também designa a “atenção aos chefes”, quando referido a uma cerimônia de chefia, ou o “culto”, quando

Mas como você pode saber?

Em momento anterior de nossa conversa, eu havia pressionado Mikaele para que me contasse sua opinião a respeito de um caso particular.

Texto 7 Chris: Mas você acredita na história sobre esses dois? Mika: Existem muitas histórias como essa que eu escuto, mas não posso provar porque não vemos nada […] Talvez alguém veja […] e acuse os dois por isso, mas quanto a mim … eu não posso provar porque não vi com meus próprios olhos nada do que eles [dois] fizeram. [Quanto a mim e a você], nós [dois] somos novos aqui, nós [dois] não vimos nada, nós [dois] não podemos dizer se é verdade ou mentira […] Algumas, algumas explicações disso, aqueles que estão dando atenção a um Deus ancestral, a explicação disso que eu ouço sobre eles é que eles são boas pessoas, são pessoas que se importam com os outros. Para encobrir seu comportamento e não nos deixar saber que eles estão dando atenção a um Deus ancestral, eles geralmente se importam conosco. Chris: Isso significa que é muito, muito difícil… Mika: Difícil. A não ser que você o/a veja quando ele/ela está servindo [o Deus], que você realmente veja com seus olhos quando ele/ela está bebendo um pote de yaqona [enquanto] fala. Chris: Você viu? Mika: Não, estou só dizendo. Chris: Ah. Mika: Você pode então saber que é ele/ela. Eles dizem, os que falam disso, que as pessoas que nós vemos, aqueles que acusamos de dar atenção a um Deus an- cestral, alguns deles têm esse tipo de comportamento — sempre se importando, sempre gentis, para esconder seu … [Alguns] freqüentam a igreja. […] Alguns dos que são acusados são guias leigos* para esconder seu comportamento. […] Chris: Isso quer dizer que não é possível… Mika: ...saber. Chris: É, não dá. Mika: A não ser que você veja, que você o veja em algum lugar. [...] Mika: Alguns, alguns dizem — eu mesmo ainda não vi — alguns deles dizem que eles fazem danças para a Lua. […] Eles dançam assim [movendo as mãos

[N. T.]: No metodismo, a figura correspondente ao pregador leigo de outras igrejas cristãs.

em um rápido meke ], assim. Alguns falaram disso. É o caráter deles. Sim, al- gumas pessoas conseguem pegá-los, pegam quem está dançando para a Lua [ meke vula ]. Chris: É verdade? Mika: Sim. Algumas pessoas contam. Chris: Na aldeia? Dentro da aldeia? Mika: Na aldeia e nas outras aldeias de Fiji. Essa coisa, Christina, se dá em todas as aldeias, em todas as aldeias existem algumas pessoas que são acusadas de feitiçaria. Em todas as aldeias de Fiji. Chris: É também assim aqui… aqui em Sawaieke? Mika: Aqui também há alguns. Chris: Sim, mas o que é difícil, para mim, é… Mika: Sim. Chris: … como… você… sabe? Mika: … como… você… sabe?

Mikaele sabe o que vou dizer; ao longo dos anos ele me ouviu fazer diversas vezes essa pergunta. Ele a conhece e é capaz de repeti-la comigo. Ele também se diverte com meu insistente ceticismo, pois sabe que algumas pessoas se voltam para os Deuses ancestrais. Nossa conversa continua:

Texto 8 Chris: Sim, mas você acredita/ confirma [ vakabauta ], Mikaele, você me disse que há algumas dessas pessoas aqui, em Sawaieke. Como você sabe que há? Mika: É só a história que ouvimos. Só histórias assim, como essa, que nós ouvimos.

Quando levanto a questão da fofoca, Mikaele admite que isso é verdade, dizendo-me que é claro que “alguns desses que contam histórias querem fazer mal a [outros], eh? [em inglês:] Estragar? Estragar um ao outro? ”. E ele sem se abalar aceita, simultaneamente, tanto o fato de que pode ser mesmo impossível obter prova conclusiva de feitiçaria, quanto o que o antigo pastor metodista, já falecido, me dissera: que não acreditava nas histórias que lhe contavam — por exemplo, que o peixe que alguém lhe dera era o presente de um feiticeiro e provavelmente lhe faria mal.

Texto 9 Chris: [O reverendo Vosaki disse à sua esposa]: “Pegue o peixe, agradeça por ele, cozinhe-o. Ele vai estar saboroso”. Ele não acreditava nesse tipo de história. Mika: Mmm. É uma crença fijiana [ na vakabauta vakaViti ].

mente material: o poder do Deus cristão se evidencia na atenção de muitos milhões de pessoas em todo o mundo, e é manifestamente maior que o poder dos Deuses ancestrais fijianos. Da mesma maneira, todos podem ver em que medida as palavras de um chefe são ou não mana ; é algo evidente na disposição voluntária das pessoas em dar-lhe atenção e na prosperidade de seu país. 15 A fórmula ritual que pontua falas cerimoniais, mana… e dina , é traduzida por “é eficaz, é verdadeiro”, mas por sempre referir-se à fala que a precede, sua tradução mais oportuna seria “tem efeito, é verdadeiro”^16. Considere-se o seguinte exemplo no qual, por ocasião das cerimônias de luto por um chefe falecido, um homem com status de chefe oferece um dente de baleia às pessoas cuja tarefa consiste em assistir ao chefe morto.

Texto 11 Eu toco, senhores, a corda do dente de baleia [ tabua (dente de cachalote)], para que nossos chefes sejam saudáveis, que nosso país seja de paz e abundância [ sautu ], um país de amor mútuo [ veilomani ]. [Literalmente: que o sau — o comando ou proibição de um chefe — se estabeleça em nosso país, que este possa ser um lugar de cuidados mútuos]. A palavra já foi ouvida. É eficaz, é verdadeira [ Mana. … e dina ].

Se um chefe não faz valerem suas palavras, o que ele diz não é verda- deiro. Um alto chefe no exercício da chefia é exemplo vivo do poder imanente dos ancestrais, poder que, hoje, em sua face legítima, está sob a égide do Deus cristão. O sau — comando ou proibição proferidos por um chefe ins- talado — prejudica de modo adequado e inevitável qualquer pessoa de seu povo que se recuse a ouvir o chefe; isso quer dizer que sua palavra mana , sua palavra tem efeito : em virtude de serem proferidas, as palavras do chefe trazem à existência a condição que proclamam.^17 Mas se um chefe supremo falha em seus deveres para com o povo, se ele se apega a bens e objetos de valor que lhe são dados como tributo, e não mostra que os redistribui, então não mais se verá seu país prosperar; sua palavra, evidentemente, já não será mana , e as pessoas não terão nada a temer se decidirem suspender sua leal- dade ( nodra vakarorogo vua , literalmente, “o ato de escutá-lo”).^18 Em outras palavras, os fijianos sabem que são eles que, graças à sua disposição em prestar atenção e tributos, conferem poder a seus chefes, os quais por sua vez fazem prosperar as pessoas e a terra. Essa idéia se estende tanto aos Deuses ancestrais quanto ao Deus cristão. O poder maléfico dos Deuses ancestrais pode ser liberado por meio da feitiçaria — o ato de atender a um ancestral, prestado por uma única pessoa, que age sozinha ou com seu cônjuge. Da mesma maneira, os Deuses ancestrais já não são, de modo geral , efetivos,

porque “ninguém mais dá atenção a eles”, enquanto o poder do Deus cristão é plenamente revelado em seus muitos milhões de fiéis. A verdadeira fonte da fortuna de uma pessoa, todavia, independentemente de quão boa ou má seja essa pessoa, sempre se fica por averiguar — ela terá sido efetivada pelo Deus cristão, pelos ancestrais atuando sob sua égide, ou pelos ancestrais em sua face maligna? A verdade, portanto, não está necessariamente dada na natureza das coisas, e não pode estar sempre sujeita à verificação; ela é antes um efeito que se pode conhecer, podendo levar algum tempo para tornar-se evidente. 19 A idéia fijiana é de que a fala ou, mais geralmente, a palavra ( vosa ) tal como falada ou escrita, pode ser mana , eficaz, e por isso o que é verdade ( dina ) pode ser um resultado, e não algo que já se encontra na natureza das coisas. Aqui julgo interessante considerar a força moral da linguagem. Em artigo recente, recorri a meu trabalho de campo em Fiji para argumentar que há sempre uma força moral específica inerente a formas igualmente específicas de uso da linguagem. O artigo utilizava um caso público de significação coletiva para mostrar de que modo a verdade pode ser vista, não como um absoluto, mas como função daquela força moral específica que está, ela própria, incrustada em e constituída por relações sociais cotidianas que podemos analisar em termos de relações sexuais, parentesco, chefia e noções de pessoa. O leitor com certeza sabe que os fijianos possuem (é claro!), como qualquer pessoa, capacidade para testar hipóteses e distinguir entre uma asserção empiricamente fundamentada e outra que não o é. Em alguns casos, porém, especialmente aqueles que envolvem situações sociais complexas, o que é visto como verdade pode ainda assim ser entendido como resultado de uma luta entre diversos falantes — cada um com a firme intenção de estabelecer definitivamente sua própria verdade para as outras pessoas (ver Toren 2005). Assim, o que fascina os fijianos que conheço são as relações sociais, as obrigações inerentes ao veiqaravi — atenção/ cui- dados mútuos — seu cumprimento ou evitação, e como elas manifestam e constituem ao mesmo tempo a atitude conforme o parentesco, a atitude dos chefes e a atitude fijiana. Pois bem, supondo que eu esteja correta em dizer que há sempre uma força moral específica inerente a formas também específicas de uso da lin- guagem, como é que chegamos a percebê-la como tal? Os detalhes do ma- terial fijiano sugerem que são os aspectos ritualizados do uso da linguagem que estruturam o modo com que os falantes vão constituindo, no decorrer do tempo, suas idéias a respeito daquilo para que serve a linguagem e de qual poderia ser sua força moral.^20 E eu afirmaria que é assim em toda par- te pois, para todos nós, os aspectos paralingüísticos do uso da linguagem

de que a linguagem deve ser valorizada como instrumento analítico, um meio de explanar a natureza do mundo e a condição humana.^21 De fato, no curso desse mesmo estudo, poderíamos também descobrir a ontogênese da idéia oposta e complementar de que o próprio discurso é constitutivo daquilo que as pessoas são e do que podem ser. Por mais que pareçam antitéticas, essas idéias são, da mesma forma, aspectos uma da outra, cada uma apresentando independência apenas aparente, como os dois lados da superfície contínua em que consiste uma faixa de Moebius — e a compreensão da ontogênese dessa oposição nos permitiria tornar tais idéias genuinamente analíticas para aqueles cujas vidas elas podem de fato conformar.^22 Através de minhas relações com meus informantes fijianos vim a perceber que é somente captando, ao longo do tempo, o sentido da prática paralingüística que chegamos a conhecer a força moral do que é dito ou escrito, que adquirimos nossa idéia de como sabemos o que é verdade. Segue-se que uma compreen- são da força moral da linguagem acabará necessariamente por se constituir no mesmo processo pelo qual a pessoa se torna um falante nativo da sua língua e, assim, forma um entendimento das condições que tornam verdadeira uma afirmação. Essas idéias, por sua vez, envolvem, como vimos, noções particulares do ser humano e modos particulares de apresentá-las como aspectos do mundo que são objetivamente dados. Mana… e dina. É eficaz... é verdadeiro.

Recebido em 1º de julho de 2006 Aprovado em 3 de julho de 2006 Traduzido por Amir Geiger e Marcela Coelho de Souza

Christina Toren é professora de antropologia na Universidade de Saint Andrews, Inglaterra. E-Mail: christina.toren@st-andrews.ac.uk

Notas

(^1) Compare-se Donald Davidson, para cujo trabalho João de Pina Cabral chamou

minha atenção. Por exemplo: “Não pode estar correta uma teoria da interpretação que faça com que um homem aceite muitas sentenças falsas; é preciso que, de modo geral, uma sentença seja verdadeira quando o falante assim a considerar. Em certa medida, conta como ponto positivo para um método de interpretação o fato de ele só dar uma sentença por verdadeira quando os falantes sustentam que ela o é. Mas é claro que o falante pode estar errado, assim como o intérprete. Portanto, o que deve afinal contar a favor de um método de interpretação é ele fazer intérprete e falante concordarem de modo geral: segundo tal método, o falante considera que uma sentença seja verdadeira sob certas condições especificadas, as quais se verificam, na opinião do intérprete, exatamente nos casos em que o falante considera a sentença verdadeira” (Davidson 1984:169).

(^2) Tentei formular essa idéia em Toren 2002. Não me dei conta, porém, de que

em algum momento do processo de editoração e copidesque, as últimas palavras do penúltimo parágrafo, “tornadas analíticas” [ rendered analytical ], foram mudadas para “tornadas analisáveis” [ rendered analysable ], e assim meu artigo perdeu inteiramente seu argumento central.

(^3) O que se encontra aqui incluído são extratos editados de uma longa conversa

que envolveu interrupções, murmúrios céticos, esclarecimentos e risadas de ambas as partes. Por exemplo, no início, talvez Mikaele estivesse preocupado, pensando que eu quisesse apanhá-lo em erro, mas depois que consegui deixar claro que não se tratava disso, ele passou a discutir com interesse os temas que cada um de nós ia levantando. Em alguns momentos, ele era loquaz, em outros, reticente, e em outros ainda incitei-o a dizer mais — talvez o processo de transcrever, editar e traduzir faça parecer por demais espontâneo o que aqui está relatado; mesmo assim, creio que me mantive fiel ao espírito da conversa.

(^4) Devo a Georger Milner (comunicação pessoal), autor de Fijian Grammar , a

meticulosidade dessas glosas para dina e seus derivados.

(^5) O trabalho de campo em Fiji somou 20 meses entre 1981 e 1983, quatro meses em 1990, dois meses em 1993 e dois meses em 2005. Em 2005, a aldeia principal de Sawaieke tinha uma população que oscilava em torno de 330 habitantes, aproxima- damente, e o território Sawaieke ( vanua ko Sawaieke — todas as oito aldeias), possuía cerca de 1800 habitantes. A economia é um misto de subsistência (horticultura, pe- quenas criações de porcos, bois e aves) e agricultura comercial, sendo a yaqona (ing. kava, port., ava ou cavacava) a cultura mais lucrativa. Indianos [fijianos de origem hindu] perfazem quase a metade da população de Fiji, mas em ilhas menores, como Gau, a população é quase que inteiramente fijiana nativa.

(^6) A idéia de epistemologia genética proposta por Piaget é aqui modificada pelo reconhecimento de que os humanos são sociais por natureza e de que portanto tudo em nós, de nossos corpos a nossas idéias sobre o mundo habitado, bem como o