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Como Formular um
Problema de Pesquisa?
2.1 O QUE É MESMO UM PROBLEMA?
Conforme já foi assinalado, toda pesquisa se inicia com algum tipo de proble- ma, ou indagação. Todavia, a conceituaçâo adequada de problema de pesquisa não constituí tarefa fácil, em virtude das diferentes acepções que envolvem este termo.
O Novo Dicionário Aurélio indica os seguintes significados de problema:
- questão matemática proposta para que se lhe dê a solução;
- questão não solvida e que é objeto de discussão, em qualquer domínio do conhecimento;
- proposta duvidosa que pode ter numerosas soluções;
- qualquer questão que dá margem à hesitação ou perplexidade, por ser difícil de explicar ou resolver;
- conflito afetivo que impede ou afeta o equilíbrio psicológico do indivíduo.
A segunda acepção é a que será considerada ao longo deste livro, pois é a que mais apropriadamente caracteriza o problema científicõT
Fica claro que nem todo problema é passível de tratamento científico. Isso significa que para se realizar uma pesquisa é necessário, em primeiro lugar^veri- ficar se o problema cogitado se enquadra na categoria de científico.
Como fazer isso?
24 COMO ELABORAR PROJETOS DE PESQUISA
Para um dos mais respeitados autores no campo da metodologia das ciências sociais, a maneira mais prática para entender o que é um problema científico consiste em considerar primeiramente aquilo que não é (Kerlinger, 1980). Sejam os exemplos:
- $ / "Como fazer para melhorar os transportes urbanos?" "O que pode ser feito I para melhorar a distribuição de renda?" "Como aumentar a produtividade no tra- l 7 balho?" Nenhum destes constitui rigorosamente um problema científico, pois, sob <M a forma em que são propostos, não possibilitam a investigação segundo os méto- w jos próprios da ciência.
Estes problemas são designados por Kerlinger como problemas de "engenha- ria", pois referem-se a como fazer algo de maneira eficiente. A ciência pode forne- cer sugestões e inferência acerca de possíveis respostas, mas não responder direta- mente a esses problemas. Eles não indagam como são as coisas, suas causas e con- seqüências, mas indagam acerca de como fazer as coisas.
Também não são científicos estes problemas: "Qual a melhor técnica psico- terápica?" "É bom adotar jogos e simulações como técnicas didáticas?" "Os pais devem dar palmadas nos filhos?" São antes problemas de valor, assim como todos aqueles que indagam se uma coisa é boa, má, desejável, indesejável, certa ou errada, ou se é melhor ou pior que outra. São igualmente problemas de valor aqueles que indagam se algo deve ou deveria ser feito. Embora não se possa afirmar que o cientista nada tenha a ver com esses pro- blemas, o certo é que a pesquisa científica não pode dar respostas a questões de "engenharia" e de valor, porque sua correção ou incorreção não é passível de veri- ficação empírica.
Com base nessas consideragõeSjDode-se dizer que um problema é de nature- za científica quando envolvea^yiáyeis^q ue podem ser tidas como testáveis: "Em que medida a escolaridade determina a preferência político-partidária?" "A desnu- trição determina o rebaixamento intelectual?" Todos esses problemas envolvem variáveis suscetíveis de observação ou de manipulação. É perfeitamente possível, por exemplo, verificar a preferência político-partidária de determinado grupo, bem como seu nível de escolaridade, para depois determinar em que medida essas variáveis estão relacionadas entre si.
2.2 POR QUE FORMULAR UM PROBLEMA?
Como já foi visto no capítulo anterior, o problema de pesquisa pode ser deter- minado por razões de ordem prática ou de ordem intelectual. Inúmeras razões de ordem prática podem conduzir à formulação de problemas. Pode-se formular um
26 COMO ELABORAR PROJETOS DE PESQUISA
Pode, ainda, um pesquisador, interessar-se apenas pela descrição de determi-
nado fenômeno. Como, por exemplo, verificar as características socioeconômicas
de uma população ou
Os interesses pela escolha de problemas de pesquisa são determinados pelos
mais diversos fatores. Os mais importantes são: os valores sociais do pesquisador e
os incentivos sociais. Um exemplo do primeiro fator está no pesquisador que é
contrário à segregação racial e por isso mesmo vê-se inclinado a investigar sobre
esse assunto. Um exemplo do segundo está nos incentivos monetários que são
conferidos à investigação sobre comunicação de massa, propiciando o desenvol-
vimento de grande número de pesquisas, assim como a sofisticação das técnicas
empregadas.
2.3 COMO FORMULAR UM PROBLEMA?
2.3.1 Complexidade da questão
Formular um problema científico não constitui tarefa fácil. Para alguns, isso
implica mesmo o exercício de certa capacidade que não é muito comum nos seres
humanos. Todavia, não há como deixar de reconhecer que o treinamento desem-
penha papel fundamental nesse processo.
Por se vincular estreitamente ao processo criativo, a formulação de proble-
mas não se faz mediante a observação de procedimentos rígidos e sistemáticos. No
entanto, existem algumas condições que facilitam essa tarefa, tais como: imersão
sistemática no objeto, estudo da literatura existente e discussão com pessoas que
acumulam muita experiência prática no campo de estudo (Selltíz, 1967).
A experiência acumulada dos pesquisadores possibilita ainda o desenvolvi-
mento de certas regras práticas para a formulação de problemas científicos, tais
como: (a) o problema deve ser formulado como pergunta; (b) o problema deve ser
claro e preciso; (c) o problema deve ser empírico; (d) o problema deve ser suscetí-
vel de solução; e (e) o problema deve ser delimitado a uma dimensão viável. Essas
regras serão detalhadas adiante.
Com muita freqüência, problemas propostos não se ajustam a essas regras.
Isso não significa, porém, que o problema deva ser afastado. Muitas vezes, o me-
lhor será proceder a sua reformulação ou esclarecimento, o que poderá mesmo
exigir a realização de um estudo exploratório (que será objeto de atenção especí-
fica nos capítulos seguintes).
COMO FORMULAR UM PROBLEMA DE PESQUISA? 27
2.3.2 O problema deve ser formulado como pergunta
Esta é a maneira mais fácil e direta de formular um problema. Além disso,
facilita sua identificação por parte de quem consulta o projeto ou o relatório da
pesquisa. Seja o exemplo de uma pesquisa sobre o divórcio. Se alguém disser que
vai pesquisar o problema do divórcio, pouco estará dizendo. Mas se propuser: "que
fatores provocam o divórcio?" ou "quais as características da pessoa que se divor-
cia?", estará efetivamente propondo problemas de pesquisa.
Este cuidado é muito importante sobretudo nas pesquisas acadêmicas. De
modo geral, o estudante inicia o processo da pesquisa pela escolha de um tema,
que por si só não constitui um problema. Ao formular perguntas sobre o tema,
provoca-se sua problematização.
2.3.3 O problema deve ser claro e preciso
Um problema não pode ser solucionado se não for apresentado de maneira
clara e precisa. Com freqüência são apresentados problemas tão desestruturados e
formulados de maneira tão vaga que não é possível imaginar nem mesmo como
começar a resolvê-los. Por exemplo, um iniciante em pesquisa poderia indagar:
"Como funciona a mente?" etc. Esses problemas não podem ser propostos para
pesquisa, porque não está claro a que se referem.
É pouco provável que pessoas com algum conhecimento de metodologia
proponham problemas desse tipo. Nessa eventualidade, porém, deve-se reformular
o problema de forma a ser respondível. Talvez se possa reformular a pergunta
"Como funciona a mente?" para "Que mecanismos psicológicos podem ser iden-
tificados no processo de memorização?" Claro que esta é uma das muitas reformu-
lações que podem ser feitas à pergunta original. Nada garante que corresponda
exatamente à intenção de quem a formulou. Essa certeza só poderá ser obtida após
alguma discussão.
Pode ocorrer também que algumas formulações apresentem termos defini-
dos de forma não adequada, o que torna o problema carente de clareza. Seja, por
exemplo, a pergunta: "Os cavalos possuem inteligência?" A resposta a essa ques-
tão depende de como se define inteligência.
Muitos problemas desse tipo não são solucionáveis porque são apresentados
numa terminologia retirada da linguagem cotidiana. Muitos termos utilizados no
dia-a-dia são bastante ambíguos. Tome-se o exemplo de um problema que envolva
o termo organização. Só poderia ser adequadamente colocado depois que aquele
termo tivesse sido definido de forma rigorosamente não ambígua.
Um artifício bastante útil consiste em definir operacionalmente o conceito.
A definição operacional é aquela que indica como o fenômeno é medido. Nas ciên-
COMO FORMULAR UM PROBLEMA DE PESQUISA? 29
2.3.6 O problema deve ser delimitado a uma dimensão viável
Em muitas pesquisas, sobretudo nas acadêmicas, o problema tende a ser
formulado em termos muito amplos, requerendo algum tipo de delimitação. Por
exemplo, alguém poderia formular o problema: "em que pensam os jovens?" Seria
necessário delimitar a população dos jovens a serem pesquisados mediante a
especificação da faixa etária, da localidade abrangida etc. Seria necessário, ainda,
delimitar "o que pensam", já que isto envolve múltiplos aspectos, tais como: per-
cepção acerca dos problemas mundiais, atitude em relação à religião etc.
A delimitação do problema guarda estreita relação com os meios disponíveis
para investigação. Por exemplo, um pesquisador poderia ter interesse em pesqui-
sar a atitude dos jovens em relação à religião. Mas não poderá investigar tudo o
que todos os jovens pensam acerca de todas as religiões. Talvez sua pesquisa tenha
de se restringir à investigação sobre o que os jovens de determinada cidade pensam a
respeito de alguns aspectos de uma religião específica.
LEITURAS RECOMENDADAS
BEAUD, Michel. Arte da tese: como preparar e redigir uma tese de mestrado, uma
monografia ou qualquer outro trabalho universitário. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1997.
Este livro, elaborado sob a forma de um manual de pesquisa, dedica seus
primeiros capítulos a algumas questões cruciais para as pessoas envolvidas na elabo-
ração de teses e monografias: como escolher um bom assunto e um bom orientador?
LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A construção do saber: manual de metodologia
da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
A segunda parte desse livro é dedicada ao trajeto científico que se inicia com a
escolha do problema até a formulação das hipóteses. O texto auxilia na escolha de
"bons" problemas e "boas" perguntas.
EXERCÍCIOS E TRABALHOS PRÁTICOS
1. Classifique os problemas a seguir segundo: problemas científicos (C), de va-
lor (V) ou de "engenharia" (E):
a) O que determina o interesse dos psicológicos brasileiros pela orientação
psicanalítica? (<- )
30 COMO ELABORAR PROJETOS DE PESQUISA
b) Que fatores estão associados à intenção de voto em candidatos conser-
vadores?
c) Qual a melhor técnica psicoterápica? (l/ )
d) Qual o procedimento mais prático para o armazenamento de milho em
pequenas propriedades rurais? (£)
e) É lícito fazer experiências com seres humanos? (V)
2. Verifique se os problemas abaixo estão formulados de acordo com as normas
apresentadas neste capítulo.
a) "Qual a preferência político-partidária dos habitantes da cidade de
Belo-Horizonte?"
b) "Como são os habitantes da Europa?"
c) "As donas-de-casa de classe média baixa preferem fazer suas compras
em feiras livres, pois os preços são mais acessíveis."
d) "Como se comportam os ratos após intenso período de privação?"
e) "Como evoluiu o nível de emprego na construção civil nos últimos dez
anos?"
3. Dê exemplos de problemas elaborados para atingir os seguintes propósitos:
a) Predição de acontecimentos.
b) Análise das conseqüências de alternativas diversas.
c) Avaliação de programas.
d) Exploração de um objeto pouco conhecido.
4. Com base no tema "preconceito racial", formule um problema sociológico,
um psicológico e um econômico.