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Neste documento, analisamos a trama de 'hellraiser' e discutimos as temáticas de egoísmo, masoquismo e sadomasoquismo, além da proposta ética de ayn rand. O texto explora como frank, o personagem central, representa o egoísmo radical e como os cenobitas, seres misteriosos, oferecem conhecimento e prazeres indescritíveis. A análise também aborda a proposta ética de rand e como ela se relaciona com a trama do filme.
Tipologia: Notas de estudo
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Universidade Metropolitana de Santos (Unimes)
O texto a seguir tem como objetivo apresentar de forma clara elementos que alimentem uma discussão sobre a possibilidade de uma releitura dos conceitos de “moral” e “ética” presentes em nossa cultura. Para isso basearemos a exposição em dois textos contemporâneos nosso, a obra de ficção e terror do autor inglês Clive Barker, The Hellbound Heart , escrita em 1986, e adaptado pelo próprio autor para o cinema em 1987 sob o título Hellraiser e a obra A Ética Objetivista da escritora e filósofa de origem judaico-russa e naturalizada americana Ayn Rand, escrita em 1961, como fundamentação filosófica de outra obra sua, o romance ficcional de cunho político Atlas Shrugged , de 1957.
Palavras-chave : Moralidade. Ética. Egoísmo. Altruísmo. Razão.
(^1) Mestre em Filosofia pela Faculdade de São Bento e graduado em Filosofia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor de Filosofia na Universidade Metropolitana de Santos - UNIMES. 2 Doutorado em andamento em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo - USP e graduada em Filosofia (Licenciatura Plena) pela Universidade Católica de Santos. Docente nos cursos de graduação em Filosofia e Pedagogia da Universidade Católica de Santos e do curso EaD de graduação em Filosofia da Universidade Metropolitana de Santos.
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Clive Barker, Ayn Rand e a possibilidade de uma ética extrema
Em 1987 chegava ao Brasil o filme Hellraiser - Renascido do Inferno, no original Hellraiser , adaptado da obra literária The Hellbound Heart do escritor inglês Clive Barker. Dirigido e produzido por Barker o filme apresentava certas características no mundo do terror - que se não originais na proposta - certamente inusitadas na forma. A mais objetiva, de natureza mais estética que conceitual, está no monstro ser, não obstante sua aparência de “monstro”, um protagonista inteligente e espirituoso, participando do começo ao fim da trama. Em Renascido do Inferno não há o suspense usual, a espera, o susto repentino. Nada de correria, nada de gente-histérica-desesperada-fugindo-de-psicopata - não que o desespero, a correria e a violência, não estejam presentes. Como de se esperar em um filme de terror esses elementos são garantidos, a diferença é que em Hellraiser/Hellbound , eles são apresentados de forma original enquanto que de tão explícitos e constantes inserem o telespectador, leitor, de saída e obrigatoriamente nesse universo próprio. Palavras de Barker em meado dos anos 80: “Gosto de celebrar o bizarro, os demônios, os vampiros que sempre amei e é isso que também gosto de ver no cinema” (ANDRÉ, 1990, p.80), e como o autor da matéria da fala citada, Bruno de André bem sintetizou: “O escritor inglês Clive Barker, de 36 anos, costuma dizer que não gosta dos filmes de horror dos anos 50 porque, neles, perdem-se duas horas esperando pelo monstro, que só aparece no final.” (ANDRÉ, 1990, p. 80). Outra característica, agora de caráter – acreditamos - conceitual, e na qual fundamentaremos nosso raciocínio aqui, é que Barker, melhor do que ninguém até então - também acreditamos -, apresentou ao grande público uma possibilidade extremada de se pensar e experimentar uma realidade moralmente absurda e, teoricamente, socialmente impossível.
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para a sociedade de sua época, a nossa, o máximo que julga ser possível alcançar por vias humanas. Cansado, não vislumbrando sentido para viver nem tampouco para morrer, conhece a história da “ caixa de Lemarchand ” em suas andanças pelo mundo através de um sujeito alemão que lhe conta da “caixa” e de suas maravilhas, da outra realidade que ela oferece, do mundo de prazeres que oferta e dos seres misteriosos, os Cenobitas, que ela invoca, seres propiciadores de conhecimento e dos prazeres indescritíveis de um mundo oculto. O alemão por fim lhe indica um caminho e um meio possível para encontrá-la. Frank, achando um sentido que o tirasse da letargia, da ressaca da vida pautada na sensualidade primária das drogas e do sexo, encontra nos recônditos obscuros do oriente a “caixa” e a compra. De posse dessa possibilidade ele volta para a Inglaterra e se instala em uma casa vazia da família nos arredores de Londres, preparando-a e dando início ao ritual de invocação
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conhece sua também chocante e assustadora concepção de prazer, iniciando assim, com seu quarteto de guias monstruosos - liderados (no filme) por uma figura masculina com o rosto e crânio repletos de pregos incrustados, chamado de Pinhead - sua jornada para uma outra realidade, nova, absurda e extremamente amoral. Esses são os primeiros cinco minutos do filme. Ou as primeiras dez páginas do livro. Nas próximas páginas, alguns anos à frente, a trama desenvolve-se com o irmão de Frank, Rory, com sua bela esposa Julia, mudando-se para a fatídica casa que novamente encontra-se vazia - já que Frank sumira levado pelos Cenobitas, fato que eles obviamente desconhecem. Rory empolgado com a nova casa citando seu antigo ocupante, o “ brother Frank”, nem imagina que sua esposa Julia tivera um romance, ainda que tenha sido em um único encontro sexual, com o sinistro e “imoral” Frank. Experiência que a todo o momento a partir dali vivendo naquela casa ela não consegue tirar da cabeça. Em dado momento, compenetrado na reforma da casa, Rory se machuca cortando gravemente a mão. Sangrando e à beira de um desmaio, sensível que é, corre ao encontro de Julia que se encontra no quarto do segundo andar (onde fora realizado o ritual) divagando em lembranças eróticas com Frank. Rory entra buscando o socorro da esposa com a mão pingando sangue para todo o lado no quarto. É o início da volta de Frank. Alimentado pelo sangue do irmão (lembremos que é um filme de terror), Frank rompe a barreira que o separa do outro mundo que agora se encontra e faz, dias seguintes, contato com Julia, enquanto ela ali, novamente, sonha com o seu amante. Frank, com o corpo destruído aparece para Julia em uma fugaz visão e pede sua ajuda, dizendo sua condição nesse outro mundo e que quer voltar para a realidade do nosso. Para isso diz que é necessário sangue e entre juras de amor convence-a a trazer vítimas humanas para que se alimente. Julia, apaixonada e agora acreditando que - não obstante a loucura da situação - poderá, com Frank, trocar sua realidade ordinária da vida de casada - essa sim enlouquecedora -, por uma nova e extraordinária, mesmo que ao preço de contrariar e calar toda sua moralidade pessoal e transgredir a premissa básica da ética social cometendo o assassinato,
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Kirsty foge do hospital e corre com a “caixa” para a casa levando espectralmente os Cenobitas consigo. Chegando lá novamente entra em luta com Frank – que a essa altura já matara Rory e usa sua pele - e Julia, sendo que esta morre em um golpe de faca desferido por seu traiçoeiro amante. Na luta, Frank , em dado momento confessa para uma confusa Kirsty, em alto e bom som ser ele Frank e não Rory - apesar da pele - para em seguida então, após a confissão, surgir, no característico processo terrificamente sobrenatural, os Cenobitas, que com ganchos, correntes, pregos, lâminas e coisas dessa natureza lembram Frank do mundo ao qual pertence agora e que deve retornar. Antes de ter o corpo destruído e a alma levada de volta para o mundo da “caixa”, Frank, em um último ato, despede-se de Kirsty, expondo nesse momento final toda a natureza de sua moral, nas palavras de Barker (2015, p. 147):
Ele estava em extremis , enganchado em uma dúzia de lugares ou mais, feridas novas o escavavam diante dos olhos dela. De braços abertos sob a lâmpada solitária, o corpo estendido nos limites da resistência e além, soltando gritos que poderiam ter arrancado até dó dela, se Kirsty não o conhecesse. De repente, os gritos cessaram. Houve uma pausa e, então, num último ato de desafio, ele ergueu a pesada cabeça e a encarou, cruzando o olhar dela com olhos de onde toda a malícia e mistificação haviam desaparecido. Ao descansarem sobre ela, eles brilharam; pérolas em carne putrefata. Em resposta, as correntes apertaram um centímetro a mais, mas os Cenobitas não obtiveram um grito dele. Em vez disso, ele mostrou a língua a Kirsty e a sacudiu para frente e para trás por entre os dentes, num gesto de lascívia impenitente. Então, ele foi descosturado. Kirsty então foge da casa e corre pela rua desorientada. Em sua fuga desesperada tromba com um estranho que, na trombada - ela se dá conta depois - passa para suas mãos a “ caixa de Lemarchand ” a qual fica a partir de então sob seus cuidados. Termina o livro. No filme, após a cena da língua, antes da destruição de seu corpo, Frank profere uma última sentença, blasfema, satirizando uma passagem bíblica. A casa, cenário de toda a trama, é destruída em um incêndio mágico e a “caixa” é levada por um mendigo misterioso que se transforma em um monstro alado e sai voando noite adentro.
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Termina o filme. O mendigo na versão cinematográfica seria o equivalente do estranho que no livro passa a “caixa” para Kirsty , sendo que em ambas as versões, independentemente das diferenças, ele representa um outro personagem: o enigmático “engenheiro”, citado como o chefe dos Cenobitas, idealizador de seu mundo e do código moral (imoral/amoral?) próprio que o rege. Analisando a trama e sua temática, fora o estilo de vida representado por Frank, o masoquismo, o sadomasoquismo, a dor, a tortura como fonte de prazer já foram, enquanto prática, realidade e possibilidade de muitos e já foram também relatadas por vários autores, ficcionais ou não, ao longo da história da literatura, de várias formas e propostas – Octave Mirbeau, Sade, os autores do Théatre Du Grand Guignol, King, Conrad, Todorov, K. Dick, Burgess, J. G. Ballard, Chuck Palahniuk, etc, citando alguns famosos ocidentais... A grande novidade de Hellraiser é a de ter em nossa contemporaneidade exposto em formato e veículo de grande alcance, com mecanismos comerciais modernos, bem estruturados e com intenções comerciais bem objetivas e pragmáticas, um comportamento e um estilo de vida inaceitável – para não dizer condenável - para a grande maioria das pessoas, uma vez que as máximas morais tradicionais - supostamente altruístas - de nossa cultura são simplesmente desconsideradas dando lugar a outras, extremas e extremamente egoístas, individuais e individualizantes, enquanto que carregam em si o sedutor apelo da alteridade e da autenticidade, sejam elas quais e como forem. Mas há alguns bons anos antes de Pinhead outro personagem, não necessariamente medonho, mas também não menos assustador, proporcionou aos acólitos da novidade e aos esperançosos por uma nova concepção de mundo uma possibilidade supostamente “imoral” de experimentar a realidade, seu nome era John Galt e sua aparição misteriosa em nosso mundo veio em forma da pergunta: “quem é John Galt?” Então, quem é John Galt? Galt é o misterioso personagem criado pela escritora de origem judaica-russa e naturalizada americana, Ayn Rand. A obra ficcional em que figura Galt chama Atlas
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continuaram clamando que o seu código era nobre, mas a natureza humana não era boa o suficiente para praticá-lo. E ninguém se levantou para perguntar: bom? – por qual critério? Na introdução da coletânea de artigos A virtude do egoísmo - escrita em conjunto com Nathaniel Branden, outro pensador “objetivista” - que contém o texto aqui analisado A Ética Objetivista , de onde extraímos a citação acima, Rand diz que “egoísmo” popularmente teria se tornado sinônimo de “maldade”, sendo que a imagem automaticamente associada ao termo seria a de um homicida “que pisa sobre pilhas de cadáveres para alcançar seu próprio objetivo, que não se importa com nenhum ser vivo e persegue apenas a recompensa e caprichos inconsequentes do momento imediato” (1991, p. 14). Para Rand “egoísmo” simplesmente nada mais é do que a “preocupação com nossos próprios interesses” (1991, p. 14). Mas o importante aqui em nosso raciocínio é que a autora na sequência do texto afirma que esse equívoco interpretativo, em relação ao termo “egoísmo”, tem sua raiz na relação feita com outra “tergiversação conceitual devastadora” (1991, p.14), o termo, “moral”. De acordo com a autora “egoísmo” “não inclui avaliação moral: não nos diz se a preocupação com nossos próprios interesses é boa ou má; nem nos diz que “o que” constituem os interesses reais do homem”. Tal tarefa caberia a “ética” (1991, p. 14). Nesse jogo equivocado de conceitos, para Rand, a falaciosa cultura do “altruísmo” suscitaria dois questionamentos morais para os quais não teria resposta: 1. O que são valores? e 2. Quem seria o beneficiário dos mesmos? Pois substituindo em sua lógica equivocada a primeira questão pela segunda a sociedade fugiria da tarefa de definir o próprio código moral em que supostamente se baseia, “deixando o homem, assim, na verdade, sem diretriz moral” (1991, p. 15). O “altruísmo” seria então pernicioso, pois, sem fundamento racional e alegando esses indefinidos valores morais, imporia ideologicamente que qualquer ação praticada em benefício alheio é boa em detrimento a qualquer ação em benefício próprio, que, em sua gênese, seria má.
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Assim, nessa concepção moral manca, o único critério para a valoração estaria no beneficiário da ação, sendo então ela, a ação, correta - e consequentemente julgada moralmente “boa”– desde que esse beneficiário seja o “outro”, o “próximo”, o “vizinho”, enfim qualquer um que não o “eu mesmo”, “eu indivíduo”. O grande drama então para a autora “objetivista” estaria no fato de que essa leitura, conceitualmente errônea do “moralmente bom”, legitimaria e tornaria válido - em nome desse abstrato “outro” -, “imoralidades reais assustadoras, injustiças crônicas, padrões duplos e conflitos e contradições insolúveis que tem caracterizado os relacionamentos humanos e as sociedades humanas através da história, sob todas as variantes da ética altruísta” (1991, p. 15). Rand exemplifica dizendo que para a sociedade atual tanto um industrial ou um gangster são tomados igualmente como imorais enquanto indivíduos “egoístas” que buscam fortuna para seu próprio benefício; em contrapartida, um estudante que troca sua carreira pela manutenção de seu emprego como atendente de mercado, para garantir o sustento dos pais, é considerado moralmente superior, pois abriu mão de suas conquistas e ambições pessoais. Assim, sob essa mesma ótica, agora na esfera política, para a autora, um ditador teria justificada as atrocidades cometidas desde que a intenção fosse a de beneficiar o “povo”, não a ele próprio (1991, p.15). Para a filósofa americana-russa-judaica, essa histórica interpretação errônea, que nivela um industrial (que lucra com a produção) com um ladrão (que lucra com o roubo) é, por mais absurdo que soe, mantida graças à sociedade permitir-se viver sob a mistura de duas (parafraseado os fenomenólogos) disposições de espírito nada privilegiadas, sendo elas: o cinismo e a culpa: cinismo, porque a sociedade não pratica nem aceita verdadeiramente a moralidade altruísta que prega - culpa, porque essa sociedade não se atreve também a rejeitá- la (1991, p. 17). Para dar fim a essa interpretação errônea a fórmula “Objetivista” proposta por Rand é simples: o beneficiário do ato moral deve ser o próprio autor do ato e que o homem deve agir para seu próprio auto interesse racional (1991, p.17).
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a respeito do que os homens sábios e os nobres contemporâneos seus escolhiam para fazer, ignorando então duas questões fundamentais: por que eles escolhiam fazê-lo e por que ele, Aristóteles, os considerava nobres e sábios (1991, p. 21). O desdobramento histórico dessa lacuna “fundacional” estaria no fato de que então a maioria dos filósofos tomaria a ética como certa sem questionar sua causa metafísica ou sua validação objetiva e, ainda que muitos tenham tentado desconstruir qualquer possibilidade de interpretação mística, acabaram por simplesmente substituir a “divindade” pela “sociedade”. Rand desenvolverá sua digressão histórica para concluir que - desde tempos passados até hoje - a ética é enfim uma questão subjetiva (1991, p. 22, 23) e que para conseguir dar cabo de uma interpretação definitiva do termo, que para dar uma resposta funcional e objetiva a essa questão é fundamental definir quais e o que são os “valores” que alimentam a ética. Feita a digressão histórica a autora passará para uma incursão no campo da biologia, analisando a constituição dos organismos vivos – incluindo o homem – postulando ao final que o “valor supremo” é aquele objetivo final para o qual todos os objetivos menores são meios e que esse “valor supremo” estabelece o critério pelo qual todos os objetivos menores são valorados. Assim, para um organismo a “vida” é seu padrão de valor e que aquilo que promove sua vida é o “bem” e aquilo que a ameaça, o “mal”. Vemos então que para a “ética objetivista” de Rand o conceito de “valor” é indissociável do conceito de “vida”, sendo “vida” o objetivo último do homem, enquanto organismo vivo e também pensante: “Sem um objetivo último ou fim, não pode haver objetivos ou meios menores, consequentemente uma série de meios que avançam em progressão infinita na direção de um fim inexistente é uma impossibilidade metafísica e epistemológica” (1991, p. 24). Para Rand, tendo esse objetivo final - “manter a vida” - como meta, o homem irá então descobrir o “valor”, enquanto fatores “bons” ou “maus” (que lhe promovam ou não a sobrevivência), da forma mais simples: através do “prazer” e da “dor”.
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Assim, para a autora (1991, p. 25), “como as sensações são o primeiro passo no desenvolvimento de uma consciência humana no terreno da cognição, assim também o são no terreno da valoração”. Ainda,
O mecanismo prazer-dor no corpo de um homem (...) serve como um guardião automático da vida do organismo. A sensação física de prazer é então o sinal indicando que o organismo está perseguindo o curso certo de ação. A sensação física de dor o aviso de perigo, indicando que o organismo está no curso errado, que algo está errado e deve ser corrigido (RAND, 1991, p. 25). Mas o que Frank Cotton acharia disso? Rand continua, dizendo que esse tipo de percepção, dor/mau/prazer/bom, está associada e somente é possível graças à “consciência”, que variará em forma de acordo com o tipo de organismo, sendo o homem, claro, o corolário, o topo do refinamento cognitivo - Frank , onde se encontra hoje, provavelmente não daria muita atenção a esse tipo de discussão, mas podemos pensar que, em todo seu refinamento bizarro, concordaria, considerando que junto com o homem, poucos são os organismos que possuem a opção/privilégio/fuga do suicídio e todos os que possuem gozam de consideração diferenciada no imaginário humano. Mas além dessa faculdade de percepção/consciência, que o homem dispõe juntamente com outros seres vivos, a “razão” é seu diferencial e sua exclusividade como ferramenta de sobrevivência (RAND, 1991, p.30) e é ela quem define quais os objetos corretos que deve perseguir e quais os valores dos quais sua sobrevivência depende. Assim, Rand fundamenta que a razão do homem é que pauta seu código de valores, sua ética. Para autora não há nenhuma necessidade de fundamentação da “ética” - enquanto prática racional - com qualquer teoria mística, para ela a ética é uma necessidade objetiva e metafísica do homem (sendo metafísica aquilo que diz respeito à realidade, à natureza das coisas, à existência) (RAND, 1991, p. 21, p. 32). Partindo desse enaltecimento da razão, Rand dirá que tudo o que o homem necessita para criar o ambiente necessário para sua sobrevivência e desenvolvimento vem do seu “pensamento” e do “seu trabalho” refletidamente desempenhado.
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onde a autora considera que sua ética virtuosamente egoísta é a proposta de uma moralidade enaltecedora da vida ao contrário das teorias éticas vigentes: a “mística” – que se baseia no além-túmulo, no sobrenatural; a “social” – que simplesmente substitui “divindade” por “sociedade” (exemplifica com a Alemanha Nazista e a Rússia Soviética); e a “subjetiva” – que negaria a realidade, tomando o “capricho” como legitimador comportamental (relaciona com a realidade cultural americana da época). Esses três modelos éticos equivocados (relacionados com o liberalismo de Bentham e Mill, que critica) seriam os responsáveis pela “moralidade da morte” vigente (RAND, 1991, p. 46). Rand (RAND, 1991, p. 46, p. 47) conclui seu raciocínio com as seguintes palavras: “não é a imoralidade dos homens que é responsável pelo colapso que agora ameaça destruir o mundo civilizado, mas o tipo de moralidade que os homens tem sido incitados a praticar.” Após essa análise do universo de Barker e o Rand, que tipos de relações podemos estabelecer entre Frank Cotton, John Galt, e nossa tradição, nossa realidade? Ambos propõem possibilidades morais: e ambas soam radicais. Nesse sentido devemos considerar que ontologicamente a maior parte da humanidade considera como fator preponderante para orientação de sua existência, além da preocupação com a manutenção de sua vida, a manutenção de sua alma, que é tomada como imortal. Assim, considerando o fator religioso (enquanto condição ontológica) o critério e o escalonamento de valores do universo apresentado por Barker soam absurdos e o proposto pela ética de Rand, ainda que não nos aprofundemos aqui, de certa forma, também. Também, esse estranhamento, além do caráter “religioso”, consiste no “axiológico” quando a possibilidade de Barker entra em choque com nossa tradição “ética padrão” pensando que esta consiste basicamente na máxima de “agirmos de forma que nossa conduta possa ser tomada como regra”. Como seria o mundo se pautado pela moralidade masoquista? Suicida? Se Frank fosse um cidadão padrão (ainda que existam muitos Franks por aí) leitor das Críticas , dos Prolegômenos e das Fundamentações kantianas, mas escritas pelo Pinhead?
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No sentido místico, contrapor diretamente com a máxima cristã talvez ajude na suposição dessas relações: se eu não amo nada, talvez seja fácil amar a divindade sobre todas as coisas; se eu não me amo, talvez seja fácil amar ao próximo como a mim mesmo – e, consequentemente, perigoso para ele também. Nesse sentido interessante considerar o que Freud diz sobre as máximas cristãs: impossíveis - garantia de neurose: amo meus inimigos, mas adoraria vê-los enforcados na árvore do meu quintal. As possibilidades de relação são várias, como as possibilidades de proposta que suscitam também. Uma delas então, quando consideramos as moralidades extremas existentes nos dois textos acima, principalmente no do universo de Barker, seria a possibilidade da criação de um novo termo, que suprimisse “ética” e “moral”, ou, que postulássemos definitivamente o caráter pessoal de “moral”, e o social de “ética”, assim, ética seria um manual objetivamente pragmático e racional a ser seguido – obrigatoriamente - nada além, e a moral seria uma concepção subjetiva a ser considerada como opção individual na esfera privada, nada além também. Nesse sentido, a contribuição de Galt, de Rand, está em seu auxílio para a releitura racionalmente objetiva da relação e simbiose entre esses conceitos, “moral” e “ética”, “ética” e “moral”, quem vem primeiro? Quem alimenta quem? Pois mesmo que Rand não coloque nessas palavras, sua “ética objetivista” permite pensar na possibilidade de uma ética extrema, soando “quase” “amoral”, enquanto desconsidere friamente tudo que seja dispensável para a manutenção da, também friamente apresentada, vida. Finalmente, depois dessas considerações, quando tomamos a proposta de Barker como uma absurda e chocante contraposição a nossa tradição e formação cultural - tradição essa que também se mostra muitas vezes absurda e chocante -, sentimos Rand - mais próxima a nossa realidade ordinária -, como uma possibilidade de resposta, como uma possibilidade “ética” reguladora de individualidades extremas, mas também uma possibilidade que tem o poder de manter e garantir nosso caráter extraordinário de sermos nós mesmos e de nos realizarmos de forma verdadeiramente autêntica e liberal enquanto racional e socialmente comprometidos.
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RAND, A. A Revolta de Atlas. Disponível em:http://www.portalconservador.com/livros/Ayn-Rand-A-revolta-de-Atlas.pdf. Acesso em: 20 jun. 2016.
_____. A Virtude do Egoísmo. São Paulo: Ortiz, 1991.
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Mestre em Filosofia pela Faculdade de São Bento e graduado em Filosofia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor de Filosofia na Universidade Metropolitana de Santos - UNIMES.
Doutorado em andamento em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo - USP e graduada em Filosofia (Licenciatura Plena) pela Universidade Católica de Santos. Docente nos cursos de graduação em Filosofia e Pedagogia da Universidade Católica de Santos e do curso EaD de graduação em Filosofia da Universidade Metropolitana de Santos.
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