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Ciência em quadrinhos a gamificação do ensino
Tipologia: Esquemas
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Não perca as partes importantes!
Recife 2008
Márcia Rodrigues de Souza Mendonça
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Lingüística.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Antonio Marcuschi Co-Orientadora: Prof a^. Dra. Angela Paiva Dionísio
Recife 2008
A Pedro, cujo nascimento marcou o primeiro ano do resto da minha vida.
Aos meus alunos, representados pelos monitores e ex-monitores, com quem tenho tido o prazer de conviver dentro e fora da sala de aula: Anny, Clecio, Djário, Eliana, Gabriela, Guilherme, Jaciara, Jorge, Kassandra, Morgana, Nadiana, Rafaela(s), Renata e Tatiana.
Aos amigos e colegas de pós-graduação, especialmente a Ana Regina, Cynthia, Eduardo Vieira, Gláucia, Karina, Leonardo e Normanda que, em solidariedade e por conhecimento de causa, evitaram a pergunta “Como vai a tese?”.
A todos os que, muito gentilmente, se preocuparam em procurar cartilhas e quase tudo o mais que fosse quadrinizado.
A Marina Valadão, pelas conversas e materiais sobre educação em saúde, tema que ainda espera uma abordagem discursiva.
Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE, muito especialmente a Diva (ou musa), cuja tranqüilidade acompanha mestrandos e doutorandos há mais de dez anos.
A todos aqueles que me ajudaram e torceram por mim e, injustamente, não foram citados.
Este estudo investiga como a quadrinização ajuda a apresentar a informação científica no gênero cartilha educativa quadrinizada (CQ), integrante de campanhas de saúde. Nesse gênero, o caráter lúdico dos quadrinhos pode envolver o leitor, as imagens podem apresentar-lhe informações científicas de modo claro e os papéis sociais representados na narrativa podem convencê-lo da credibilidade do que está sendo dito. O referencial teórico abrange as perspectivas da multimodalidade, da nova retórica e da semiótica social, tendo a noção de letramento situado e os estudos de gênero como pano de fundo. Compõem o corpus seis CQs de prevenção às DSTs/aids destinadas a leitores diversificados. Os resultados indicam que a construção do status de cientificidade da informação em CQs se baseia nos limites e possibilidades da quadrinização, nos propósitos didáticos do gênero e no público-alvo: a) personagens em papéis sociais legitimados socialmente, para dar voz à ciência; b) predominância do repertório de uso comum e das gírias, em detrimento do jargão técnico; c) transição entre quadros cena-pra-cena e cena- pra-aspecto na exemplificação; d) uso de primeiro plano e close-up para destacar procedimentos e envolver o leitor; e) preferência pelo traço estilizado ou caricatural, estando os poucos desenhos científicos à parte da narrativa; f) entre os gêneros intercalados na cartilha, preferência pelo diálogo informal; g) preferência pelas seqüências argumentativa e expositiva para apresentar as informações científicas. O uso da quadrinização na apresentação de informações científicas é um tema de pesquisa promissora, pois envolve múltiplos aspectos do funcionamento dos gêneros constituídos com tal recurso.
Palavras-chave: quadrinização , cartilha educativa , cientificidade.
This study investigates how “cartoonization” (“quadrinização”) helps to present scientific information in the genre of educative cartoonized leaflets (CL), which are part of health care campaigns. In this genre, the playful aspect of comics can involve the readers, and its images can help to clearly present scientific information to them. Moreover, the social roles played in the narrative can convince them of the credibility of what is stated. The theoretical referential involves the perspectives of multimodality, the rhetoric and social semiotics, taking into consideration the notion of situated literacy and genre studies as background. The corpus of the research is constituted of six CLs about the prevention of STIs/AIDS addressed to a variety of readers. Results indicate that the construction of the scientific status of information in CLs is based on the limits and possibilities of “cartoonization”, on the didactic purposes of the genre and on the target-reader: a) characters playing legitimated social roles by the reader, giving voice to science; b) predominance of regular repertoire and slangs, instead of the technical language; c) transition of scenes – scene-to- scene and scene-to-aspect – when exemplifying; d) use of first plan and close- up to highlight procedures and to involve the reader; e) preference for styling or cartoon trace, when the few scientific drawings are apart from narrative; f) preference for informal dialogue, among alternate genres that constitute each leaflet; g) preference for exposing and argumentative structures to present scientific information. The use of “cartoonization” in order to present scientific information is a promising research topic, since it involves multiple aspects related to the functioning of the genres constructed with such resource.
Key words: c artoonization, cartoonized leaflets, scientificness
CQ – cartilha quadrinizada DST – doença sexualmente transmissível HQ – história em quadrinhos
Quadros Pág. Quadro 1 Corpus (cartilhas quadrinizadas de promoção de saúde)
Quadro 2 Obras quadrinizadas em diversos domínios discursivos 36- Quadro 3 Tipos de planos em HQs (Vergueiro, 2007: 40-43) 65- Quadro 4 Tipos de ângulos de visão em HQs (Vergueiro, 2007: 43-45)
Quadro 5 Movimentos retóricos das CQs 89 Quadro 6 Tipos de ancoragem institucional nas CQs 90 Quadro 7 Estratégias retóricas para alcançar o estatuto de cientificidade
Quadro 8 Personagens e papéis sociais em CQ1 131- Quadro 9 Personagens e papéis sociais em CQ2 135 Quadro 10 Personagens e papéis sociais em CQ3 136- Quadro 11 Personagens e papéis sociais em CQ4 138- Quadro 12 Personagens e papéis sociais em CQ5 140- Quadro 13 Personagens e papéis sociais em CQ6 143- Quadro 14 Seleção lexical sobre prevenção de DSTs/aids em CQs. 148- Quadro 15 Jargão técnico e representação social da autoridade em CQs.
Quadro 16 Agrupamentos tipológicos segundo Dolz e Schneuwly ([1996]2004)
Quadro 17 Seqüências tipológicas na apresentação de informações sobre DSTs/aids em CQs
Quadro 18 Seqüências narrativas na apresentação de informações sobre DSTs/aids em CQs
Quadro 19 Função discursiva dos gêneros inseridos nas CQs 196-
No século XX, a humanidade presenciou o mais acelerado desenvolvimento tecnológico e científico em toda a história. Paralelamente à produção científica, cresceu, também, a necessidade de divulgar esses conhecimentos, o que foi possibilitado pelos meios de comunicação de massa. Apesar de a escola ter o papel institucional de levar esse tipo de conhecimento às pessoas, sua estruturação peculiar não permite que se contemplem todas as novidades, dada a rapidez com que avança a ciência. Os meios de comunicação de massa têm assumido, em parte, essa função e têm-se constituído como o principal vetor de disseminação do conhecimento científico atual. Reportagens e notícias (radiofônicas e televisivas) sobre avanços da ciência funcionam como “teleaulas”, revistas de divulgação científica assemelham-se a “livros didáticos”, e notícias e reportagens impressas funcionam como textos para estudo, nesse “currículo contemporâneo de ciências” fora dos muros escolares. Arrisco-me a dizer que, hoje em dia, boa parte da população que mora em grandes cidades brasileiras 1 , inclusive das classes menos privilegiadas, já ouviu falar sobre a camada de ozônio, a reciclagem de lixo, os problemas ocasionados pelo colesterol e os benefícios da atividade física para a saúde, citando apenas alguns exemplos. E isso se deve, principalmente, a reportagens, notícias e campanhas institucionais, veiculadas no rádio e na televisão. Para Moirand (2006): “a maioria dos discursos de divulgação da ciência e da tecnologia dirigidos ao grande público (...) se transmitem pelos meios massivos de comunicação: a imprensa, o rádio, a televisão e a internet. A grande maioria dos cidadãos das democracias desenvolvidas atuais encontram casualmente a informação científica” (s.p.) 2
Mas o conhecimento científico não mais se restringe ao direito de formação integral dos cidadãos, ao direito de ter acesso à informação.
(^1) Restrinjo a observação aos grupos urbanos porque ainda há “grotões” isolados em áreas rurais, como certos grupos indígenas. Embora esses grupos sejam cada vez mais raros, o seu acesso a informações científicas é bastante reduzido ou mesmo inexistente. 2 As traduções de trechos de obras em língua estrangeira são de minha responsabilidade.
Entre essas demandas recentes, está a prevenção, em grande escala, de doenças, de modo a evitar ou controlar epidemias, como a dengue e a aids, no caso do Brasil. Uma das peculiaridades dos gêneros usados com tais propósitos, compartilhada por grande parte dos gêneros contemporâneos, situados em diversas esferas comunicativas, é o uso intenso de outros recursos semióticos além da linguagem verbal, como imagens (fotografias, desenhos, infográficos, esquemas), organização gráfica dos textos (em tópicos, em boxes, destacados por cores, fontes, etc.), além dos gêneros que se valem de sons e imagens em movimento na sua constituição. De fato, o entrecruzamento de linguagens e o crescente espaço dedicado às semioses não-verbais tornaram-se um padrão recorrente em vários gêneros mais atuais. Isso pode ser observado em propagandas institucionais, em textos expositivos de livros didáticos das mais diversas disciplinas, em artigos de divulgação científica, em cartilhas educativas, etc^5. A recorrência à mistura do sistema verbal com imagens para produzir sentido tem funcionado, nesses contextos, tanto como uma estratégia persuasiva quanto como um facilitador do acesso à informação. Assim, meu interesse de pesquisa se volta para o tratamento da informação científica em cartilhas 6 quadrinizadas (CQs) sobre doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e aids. Busquei CQs dirigidas a diferentes públicos: adolescentes, homens adultos pouco escolarizados, homens adultos escolarizados, casais sorodiscordantes, jovens e praticantes de cultos afro- brasileiros. Dirijo meu olhar tanto para a apresentação quanto para a didatização das informações, pois, no caso das CQs, o caráter didático do discurso é constitutivo do gênero e se imbrica com o caráter de divulgação científica. Como as cartilhas voltadas à saúde envolvem conceitos científicos, nem sempre conhecidos pela população em geral, elas assumem, ainda que indiretamente, o papel de divulgadoras da ciência.
(^5) Essa é uma característica comum também a outros gêneros que não se destinam a divulgar ciência, como poemas concretos, poemas visuais veiculados na internet, blogs , gêneros publicitários em geral, etc. 6 Neste trabalho, usarei os termos “cartilha” e “cartilha educativa” como sinônimos para designar aquelas elaboradas para campanhas de propaganda institucional. Quando me referir às cartilhas usadas para alfabetizar, especificarei. O termo “cartilha” é usado pelos órgãos governamentais para designar esse tipo de material, conforme matéria sobre o lançamento de uma das cartilhas do corpus – De homem para homem (CQ4) (cf. em http://sistemas.aids.gov.br/ imprensa/Noticias.asp?NOTCod=59043. Acesso em 25 jan. 2008).
Meu objetivo geral de pesquisa é analisar como a quadrinização apresenta as informações científicas em CQs. Para isso, é importante situar esse gênero na intersecção de três âmbitos: a educação, a divulgação científica e a propaganda institucional. Como as cartilhas concretizam um dever de Estado, integram as políticas públicas de saúde e, portanto, constituem peças de propaganda institucional. As campanhas massivas de informação têm ainda, até certo ponto, um propósito didático: o de ensinar, o de “fazer avançar o estado de conhecimento no outro” (Beacco & Moirand, 1995: 40, apud Grillo et al ., 2004: 219), embora não no mesmo sentido do que se faz na escola, pois não se insere em “uma situação ritualizada” ( Ibid .). Por fim, para cumprir o objetivo didático, as cartilhas da área de saúde também precisam promover a didatização das informações científicas, e isso ocorre de forma multimodal: pela via da linguagem verbal, pelas imagens e pelos recursos gráficos usados. A quadrinização é o recurso a partir do qual se escolhem todos os demais recursos a serem utilizados nas CQs. Com o termo quadrinização , designo a criação e/ou a adaptação de quaisquer gêneros para a linguagem dos quadrinhos, no padrão que se fixou a partir do início do século XX: texto (geralmente narrativo) composto de cenas desenhadas em requadros (“moldura”) no qual o discurso dos personagens se localiza dentro de balões e cuja seqüência temporal é estabelecida pelos cortes entre as cenas (sarjeta). O uso da linguagem dos quadrinhos irá determinar, em grande parte, o modo como as informações científicas se apresentam para os leitores. Assim é que, praticamente, todos os critérios de análise do corpus remeterão, em alguma medida, a essa linguagem. As potencialidades oferecidas pela quadrinização são didáticas e de envolvimento do leitor, seja este: a) pela natureza lúdica, pois as HQs são associadas, quase sempre, à diversão, à leitura descompromissada e, portanto, supostamente mais leve e fácil; b) pelo enredo, expondo fatos numa seqüência que funde texto e imagem significativamente, o que pode facilitar a leitura feita pelos menos escolarizados; c) pelos personagens, que podem acionar um processo de identificação com os leitores, essencial para o sucesso da campanha propagandística. McCloud (2005) já aponta essa identificação dos leitores com os personagens das HQs como um dos segredos da grande aceitação desse gênero no mundo inteiro.
Identif. Título^7 Instituição promotora Público-alvo Capa
CQ4 De homem prahomem
Programa Nacional de DST/aids (Ministério da Saúde) Organização das Nações Unidas (Escritório contra drogas e crimes)
Homens de mais de 30 anos, de classe média
CQ
Bate-papo: dicas de prevenção às DSTs/aids
Programa Municipal de DST/Aids de Cubatão/SP
Jovens
CQ6 Atotô
Secretaria Estadual de Saúde – Diretoria de Epidemiologia e Vigilância Sanitária – Programa Estadual de DST/AIDS
Praticantes de cultos afro- brasileiros
Os critérios de seleção do corpus foram: a) o acesso a cartilhas quadrinizadas 8 , que não são maioria, pois muitas cartilhas, apesar de usarem imagens, não são construídas com base numa HQ; b) a diversidade do público- alvo e c) o tema DSTs/aids. A escolha por apenas um conjunto específico de enfermidades abordadas nas CQs traz a vantagem de se poder verificar a existência de traços característicos do discurso científico. Como tal discurso, por sua vez, é elaborado com base nos saberes sobre as DSTs/aids e também nas representações sociais construídas nesse espaço discursivo, a seleção das cartilhas que compõem o corpus poderia suscitar um trabalho que intersecionasse aspectos discursivos e culturais quanto às representações sociais envolvidas. As cartilhas, quadrinizadas ou não, são materiais produzidos para campanhas de educação em saúde, na sua maioria, promovidas por órgãos públicos. Essa área de atuação política congrega várias esferas discursivas: a da própria área de saúde, a da propaganda institucional, a da educação e a da
(^8) A coleta do universo de cartilhas ocorreu de diversas maneiras: ao acaso, por intermédio de amigos e alunos, em consultórios médicos, por intermédio de ONGs ou de Secretarias de Saúde. Várias CQs foram eliminadas por não abordarem as DSTs/aids ou por não serem quadrinizadas, o que resultou em seis cartilhas como amostra final.
ciência, na vertente da divulgação científica. Como não seria possível abordar, numa mesma investigação, as implicações dessa rede de domínios discursivos imbricados, pressupostos da divulgação científica, elegi as relações entre as interfaces didática e científica (de divulgação científica) nas cartilhas para analisar a apresentação da informação científica. As campanhas de educação em saúde têm dois propósitos principais: reafirmar uma ação política do Estado e provocar a mudança ou o reforço de atitudes dos leitores. Para cumprir o último objetivo, é necessário disseminar informações técnicas para um público leigo. Nessa dinâmica, a credibilidade das informações é essencial, o que implica o reconhecimento, por parte do leitor, do caráter de cientificidade das informações presentes nesse gênero, entre outras questões. Por outro lado, no caso da saúde, as atitudes a serem modificadas seriam os cuidados com a prevenção das doenças e com o tratamento correto a ser seguido. Essa informação científica não mais pode chegar “fria” aos interlocutores, pois questões culturais, como as representações de certos papéis sociais, entram em jogo sempre que se pretende convencer pessoas a alterar o seu comportamento, algo que a publicidade e a propaganda têm como pressuposto básico. No caso da aids, isso se torna ainda mais evidente e desafiador, por ser uma doença sexualmente transmissível (DST). O fato de a via principal de transmissão do vírus HIV ser a sexual, independentemente do sexo dos parceiros, da sua condição sexual e do tipo de relação sexual, leva à necessidade de se abordar, nos materiais educativos, as várias possibilidades de contágio, com atenção ao comportamento sexual do público leitor, das mais diversas faixas etárias e classes sociais, especialmente nas cartilhas destinadas a pessoas com vida sexual ativa. Isso, por sua vez, pode exigir a abordagem de temas tabus e de preconceitos que fazem parte do imaginário dos leitores. As estratégias de apresentação do discurso científico podem refletir tais questões em alguma medida, o que também será observado na análise, conforme o terceiro objetivo específico já aponta (ver p. 5). A opção pelo uso de HQs nessas cartilhas não necessariamente se fundamenta no conhecido fascínio exercido sobre o público infantil por tais narrativas. A grande difusão da quadrinização como recurso de textualização que, de certa forma, democratiza o acesso a certas informações, também é um