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Chaminés Provisórias em Contratorpedeiros Brasileiros (1937-1945): Símbolo Industrial, Esquemas de Construção

Este artigo aborda a atividade de construção de navios de guerra no brasil durante a segunda metade da década de 1930 e a primeira década seguinte, com ênfase nos lançamentos de contratorpedeiros e suas chaminés provisórias. O texto analisa fotografias dessas etapas e os papéis desempenhados pelos contratorpedeiros na renovação da frota da marinha do brasil.

Tipologia: Esquemas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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4.2

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Chaminés do progresso da construção naval: 1937-1945
Fernando Ribas De Martini
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Em 8 de julho de 1941, em meio a uma multidão reunida no Arsenal de Marinha da Ilha das
Cobras (AMIC), na região central do Rio de Janeiro, um fotógrafo decidiu apontar sua câmera
para o lado contrário ao foco das atenções. Naquela tarde, capturou uma perspectiva rara nas
diversas imagens arquivadas de lançamentos de navios de guerra por aquele arsenal: a do
público, que não tirava os olhos do novo navio que flutuava pela primeira vez, fora do
enquadramento que reproduzimos abaixo (Figura 1). Eram mais de 20 mil pessoas, segundo
as memórias do vice-almirante Júlio Regis Bittencourt, então diretor do AMIC, e que
formavam uma “massa de gente feliz, alegre, passeando pelo Arsenal com mostras de
admiração e carinho” (BITTENCOURT, 2005: 210). Presente à cerimônia, o presidente da
República naqueles anos do Estado Novo (1937-45), Getúlio Vargas, chegou a destacar em
seu diário pessoal que o lançamento do navio, o contratorpedeiro Greenhalgh, deu-se “com
grande vibração cívica.” (VARGAS, 1995, v.2: 405). E, como veremos, produzir esse tipo de
vibração era justamente um dos objetivos de cerimônias como aquela.
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Universidade de São Paulo mestre em História Social, doutorando em História Econômica
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Chaminés do progresso da construção naval: 1937-

Fernando Ribas De Martini^1

Em 8 de julho de 1941, em meio a uma multidão reunida no Arsenal de Marinha da Ilha das Cobras (AMIC), na região central do Rio de Janeiro, um fotógrafo decidiu apontar sua câmera para o lado contrário ao foco das atenções. Naquela tarde, capturou uma perspectiva rara nas diversas imagens arquivadas de lançamentos de navios de guerra por aquele arsenal: a do público, que não tirava os olhos do novo navio que flutuava pela primeira vez, já fora do enquadramento que reproduzimos abaixo (Figura 1). Eram mais de 20 mil pessoas, segundo as memórias do vice-almirante Júlio Regis Bittencourt, então diretor do AMIC, e que formavam uma “massa de gente feliz, alegre, passeando pelo Arsenal com mostras de admiração e carinho” (BITTENCOURT, 2005: 210). Presente à cerimônia, o presidente da República naqueles anos do Estado Novo (1937-45), Getúlio Vargas, chegou a destacar em seu diário pessoal que o lançamento do navio, o contratorpedeiro Greenhalgh , deu-se “com grande vibração cívica.” (VARGAS, 1995, v.2: 405). E, como veremos, produzir esse tipo de vibração era justamente um dos objetivos de cerimônias como aquela.

(^1) Universidade de São Paulo – mestre em História Social, doutorando em História Econômica

Figura 1: lançamento do contratorpedeiro Greenhalgh em 8 de julho de 1941 – Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha (DPHDM), pasta AMIC 1940-41, foto 046170. Voltaremos daqui a pouco a abordar esta imagem e outras mais. Antes, é preciso adentrar alguns aspectos formais e metodológicos deste trabalho e de suas fontes, começando pelo seu objeto: o artigo trata da atividade de construção de navios de guerra no Brasil, entre a segunda metade da década de 1930 e a primeira do decênio seguinte. Período que, no âmbito internacional, engloba toda a duração da Segunda Guerra Mundial e, na política interna brasileira, o Estado Novo. Em especial, focaremos celebrações de marcos importantes da construção desses navios, vistos aqui como símbolos do progresso material e tecnológico da sociedade brasileira da época. Estes marcos celebrados são os batimentos de quilha (início oficial da construção), os lançamentos ao mar (quando o casco do navio ainda incompleto é posto a flutuar) e as incorporações (quando o navio completo inicia suas operações), em sua maior parte presenciados por um grande público e pela imprensa, e também divulgados em peças de propaganda do Estado Novo, algumas das quais também veremos aqui.

Por um lado, temos um objeto de estudo ligado a uma vistosa atividade industrial, de interesse para a História da Ciência e da Tecnologia e, especialmente, para a interpretação de uma ideia de progresso na época abordada. Por outro, temos também objetos de fato, físicos, produtos tecnológicos da cultura material daquela sociedade, os navios. Objetos que, por sua vez, deixaram resquícios também materiais relacionados à sua produção, e que são utilizados aqui como fontes primárias: fotografias selecionadas entre centenas que documentaram as fases das construções. Especificamente, este trabalho analisa fotografias de algumas dessas etapas e, em especial, dos lançamentos ao mar dos navios que representavam o esforço principal de renovação da frota da Marinha do Brasil naquele período, os contratorpedeiros.

Cabe aqui um parêntesis para familiarizar o leitor que não seja versado em história naval ou classes de navios de guerra: os chamados contratorpedeiros, na época, eram belonaves de porte entre leve e médio (normalmente entre 1.500 e 2.000 toneladas de deslocamento) na composição das esquadras, nas quais cumpriam um papel de “pau para toda obra”: proteção de unidades maiores como cruzadores e encouraçados contra ataques de contratorpedeiros inimigos, empregando seus canhões de médio calibre; ataques velozes à frota adversária, em especial com emprego de torpedos; guerra antissubmarino, com uso de bombas de profundidade; defesa contra ataques de aeronaves, empregando seus canhões e metralhadoras,

fontes primárias da cultura material, as fotografias, que mostraremos ao mesmo tempo em que encaminharemos o texto. É hora de voltar à Figura 1, da primeira página.

Entre as duas grandes massas de pessoas, civis e militares, a fotografia mostra o espaço vazio da carreira de construção de onde acabara de deslizar o contratorpedeiro Greenhalgh. Parte daquela área estava antes ocupada por seus dois predecessores, batizados Marcílio Dias (lançado em 20/7/1940) e Mariz e Barros (lançado em 10/1/1941) e cujos nomes homenageavam, como o Greenhalgh , três heróis da Marinha do Brasil na Guerra do Paraguai (1864-70). No canto direito da imagem, pode-se ver que um pedaço do espaço vago pelos lançamentos anteriores já está ocupado por uma nova obra, destacando-se uma antepara (“parede” estanque, da estrutura transversal de um casco) de outro navio em construção. Trata-se da classe seguinte de contratorpedeiros construídos pelo AMIC, que será abordada à frente neste artigo. Estamos mostrando, assim, um estabelecimento industrial em plena atividade, lançando o último navio de uma série ao mesmo tempo em que já prepara a seguinte. E a imagem dá pistas o porte das instalações: atrás da mencionada antepara, porém mais ao fundo, vê-se um grande guindaste sobre o qual algumas pessoas se instalaram, e cujos tamanhos diminutos, a esta distância, dão ideia da dimensão do Arsenal. Uma dessas pessoas certamente é outro dos fotógrafos incumbidos de registrar o lançamento, e que capturou momentos antes a cena abaixo (Figura 2).

Figura 2: lançamento do contratorpedeiro Greenhalgh em 8 de julho de 1941 – DPHDM, pasta AMIC 1940-41, foto 046174.

O ângulo desta foto só é possível do alto do guindaste visto na Figura 1, de onde se capturou um panorama que inclui tanto o contratorpedeiro prestes a ser lançado ao mar, embandeirado para a ocasião, quanto outros cascos em obras e navios já incorporados, ao fundo. Na chamada Carreira Grande ou Carreira 1 do AMIC, onde está o Greenhalgh , vemos anteparas de outros dois cascos de contratorpedeiros em construção (e numa delas foi aplicada a data da fotografia), sendo que no mais próximo à água é possível ver parte da quilha, a “espinha dorsal” da estrutura (NEWTON, 1941: 52) onde as anteparas são instaladas. Junto a essas obras, no piso da carreira, vemos diversas chapas de aço e, um pouco mais próximas ao casco do Greenhalgh , duas estruturas semelhantes entre si e que são partes das quilhas de outros dois navios, cujas construções ganharão ritmo assim que ocuparem o espaço vago pelo lançamento daquela ocasião. À esquerda na imagem está a multidão que incluía o fotógrafo responsável pelo enquadramento da Figura 1. Outro grande grupo de pessoas está na arquibancada coberta instalada ao lado do contratorpedeiro embandeirado, na área elevada que separa a Carreira 1 da Carreira 2, menor, com outros dois cascos em construção.

O enquadramento buscado pelo fotógrafo, que teve o trabalho de subir no guindaste, evidencia a proa afilada do navio, suas formas esguias e a alta chaminé, que transmitem a ideia de potência e velocidade. Além disso, estão deliberadamente enquadrados outros navios já construídos pelo AMIC, ao fundo (dos quais falaremos logo mais), cuja presença naquele local visível pelo público e pelos fotógrafos leva à conclusão óbvia de não estarem presentes ali por acidente, e sim com o propósito de formarem um conjunto com o novo navio sendo lançado e com as obras de outros cascos à volta. Tal qual fotografia do lançamento do primeiro contratorpedeiro desta classe (o Marcílio Dias ), que foi analisada em trabalho apresentado por este autor no 13º SNHCT (MARTINI, 2012: 10-15), esse conjunto forma uma narrativa de progresso industrial, em que o navio do lançamento representa o presente, as obras à sua volta o futuro, e as embarcações já construídas ao fundo, o passado (assim como, inversamente, as obras podem simbolizar o estágio passado do navio em lançamento, e os outros ao fundo, já incorporados, o seu futuro em breve). A sociedade pode presenciar o ato e sua narrativa de progresso, seja naquele momento ou em sua representação, por meio da foto, suporte material para reconstruir essa memória nos anos e décadas seguintes.

navio embandeirado, os outros cascos em construção (o que se destaca no centro da imagem, com parte das obras protegidas por três pequenas coberturas, é o casco do contratorpedeiro Greenhalgh , sobre o qual já discorremos). Também se percebe a grande concentração de público na elevação que separa as carreiras. O que não se pode saber apenas pela foto é que a data, 28 de dezembro de 1940, foi de extremo calor no Rio de Janeiro, conforme descrito pelo diretor do Arsenal, Júlio Regis Bittencourt, que em suas memórias anotou que naquele dia a temperatura “substituíra o demônio solto” (BITTENCOURT, 2005: 208). O calor intenso do verão carioca fez derreter a graxa que ajudaria o casco a deslizar, e o atrito de metal com metal no momento do lançamento gerou a fumaça vista na imagem, junto à parte inferior do navio, que foi prontamente escorado pelos operários para evitar danos. Bittencourt também relembrou o constrangimento de ter que desculpar-se com as autoridades pelo fracasso, o que combina com as anotações do presidente Getúlio Vargas, presente na ocasião para o lançamento do navio e para bater a quilha de mais quatro contratorpedeiros. Vargas escreveu em seu diário que o evento “foi uma cerimônia demorada e incompleta, o que muito consternou a Marinha, desde o almirante até o operário” (VARGAS, 1995, v.2: 362).

O lançamento completo do navio, que não foi possível em 28 de dezembro, só foi realizado após a virada do ano, em 10 de janeiro de 1941, como mostra a Figura 4. O que mais chama a atenção na imagem, comparativamente às demais aqui mostradas, são duas ausências: o navio não está decorado com bandeiras e a massa de espectadores vista na foto anterior não está presente. Graças ao uso de gelo para resfriar a graxa aplicada no fundo do navio (o tipo de lubrificante seria trocado em lançamentos posteriores), desta vez foi suave o deslizamento do elegante casco, encimado por suas duas altas chaminés, mas a visão foi presenciada por um número relativamente pequeno de operários e militares. Houve a preocupação em documentar o lançamento do alto, como no evento cerimonioso fracassado de dias antes, mas a falta até mesmo das bandeiras enfeitando o navio, quanto mais do público em geral, levam a concluir que a captura do momento em 10 de janeiro deu-se muito mais por finalidades documentais do que de propaganda e celebração, quando comparada à imagem de 28 de dezembro. O uso das fotos de lançamentos de navios (e os eventos em si) como meios de propaganda do Estado Novo ficará mais claro nas imagens seguintes (Figuras 5 e 6).

Figuras 5 e 6 (da esquerda para a direita): postais do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) distribuídos em 1940 - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil / Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV) arquivo Getúlio Vargas (GV), fotos 091-2 e 091-6.

As Figuras 5 e 6 são reproduções de cartões-postais de uma série produzida pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) em 1940 para enaltecer realizações do período 1930-1940, dentro de um conjunto de ações, discursos, exposições e eventos que comemoravam os dez anos da chamada Revolução de 1930. Como parte da coleção de 12 postais arquivados no CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil), da Fundação Getúlio Vargas, estes dois são dedicados à Marinha do Brasil e retratam lançamentos e incorporações de navios completados até aquela ocasião. Trata-se de uma série de seis navios mineiros (lançadores de minas) cujo programa de construção representou o degrau anterior de complexidade, na construção naval militar, em relação aos contratorpedeiros já mostrados aqui – os seis, já incorporados, aparecem ao fundo no lançamento do Greenhalgh (Figura 2)

A Figura 5 é uma montagem de várias cenas, que incluem o lançamento de dois desses navios (com indicativos “C3” e “C6”), em enquadramentos que também retratam a presença de público, combinadas a imagens do próprio Vargas junto a um militar e de um desfile de tropas. A Figura 6, por sua vez, combina apenas duas imagens, uma da incorporação dos navios-mineiros já finalizados, e outra de Getúlio Vargas batendo a quilha de um novo navio, do qual falaremos logo mais. Destacam-se nos postais duas frases creditadas a Vargas, respectivamente: “Com a esquadra renovada, ressurgem as energias criadoras da

da década de 1940. Foi considerada importante o suficiente para não ter verbas inteiramente cortadas quando das políticas de austeridade após a crise de 1929 e Revolução de 1930 (CÂMARA, 2010: 27; TELLES, 2001: 114-116).

Enquanto isso, a chamada “Esquadra de 1910” se desgastava, apesar de algumas modernizações pontuais, com desgaste especialmente notado nos velhos contratorpedeiros, cujo porte de cerca de 600 toneladas destoava do padrão pós-Primeira Guerra Mundial, que apontava para unidades com deslocamento de cerca de 1.500 t. Desde o final dos anos 1920 e ao longo da década seguinte, a vizinha Argentina renovaria parte de sua frota, incorporando cruzadores muito superiores aos do Brasil (MILLER, 2001: 204-205), além de novos contratorpedeiros. Após o insucesso na aprovação de vários programas navais nos anos 1920, um plano que se tornou o “Programa de 1932” foi aprovado pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas, havendo tanto a percepção de que, se nada fosse feito, a Esquadra simplesmente se extinguiria (BRASIL, 1932: 7-14), quanto da necessidade de atender a reivindicações militares para manter o apoio ao governo, especialmente após 1937, com o Estado Novo (HILTON, 1977: 64-66; MOURA, 1980: 108; SILVA, 2012: 335-339).

O Programa de 1932 contemplava 2 cruzadores, 9 contratorpedeiros, 6 submarinos e 6 navios mineiros, a ser custeado ao longo de aproximadamente uma década por créditos anuais de 40.000 contos de réis (BRASIL, 1932: 19). Ao mesmo tempo, os encouraçados de 1910 passariam por reformas e modernizações para se manterem em serviço. As prioridades eram os contratorpedeiros e submarinos, mais desgastados e obsoletos, e também mais baratos e rápidos para adquirir em relação aos cruzadores. Devido à urgência, foi aberta em 1934 uma concorrência para aquisições junto a estaleiros estrangeiros (BRASIL, 1934: 13-14), capazes de atender rapidamente às encomendas, levando-se em conta as projeções de que o arsenal em construção na Ilha das Cobras (o AMIC) só estaria inteiramente pronto e apto a construir navios em 1945, mantida a dotação anual de verbas de 9 mil contos de réis para suas obras, ou entre 1937 e 1938, se estas fossem aumentadas. Mas os valores propostos por estaleiros estrangeiros foram considerados elevados numa época de grande contenção de gastos no exterior devido a dificuldades na balança de pagamentos. Em especial, o custo da mão-de- obra foi considerado elevado, e buscou-se uma nova solução: apressar a conclusão ao menos das carreiras e da oficina de estruturas do AMIC para que boa parte dos navios pudesse ser construída aqui, importando-se o material (tanto maquinário quanto o aço) não fabricado no

país e utilizando-se mão-de-obra brasileira para construí-los, a qual seria paga em moeda nacional, diminuindo o impacto do programa na balança. Aproveitou-se a conjuntura da época, de negociações paralelas de acordos comerciais com os Estados Unidos e com a Alemanha (esta em sistema de compensações, que contornava a necessidade de trocas comerciais que requeriam moeda forte), de forma a conseguir soluções imediatas para o problema da renovação de material militar (McCANN, 1995: 142-143; MOURA, 1980: 110- 112; BANDEIRA, 1994: 45-46; CÂMARA, 2010: 27).

Apesar da prioridade dada aos contratorpedeiros, um programa de construção no país, começando praticamente do zero (a fase anterior de maior atividade local de construção naval militar remontava ao final do Século XIX), precisaria começar por navios mais simples, passando-se depois para obras mais difíceis (BRASIL, 1941: 18), e entre estes estavam os seis navios mineiros mostrados nos postais das Figuras 5 e 6. Pelo exposto nos últimos parágrafos, percebe-se a importância das frases contidas nos postais, combinadas às imagens dos lançamentos e incorporações, ressaltando a promessa de que quilhas maiores seriam batidas. E é justamente uma dessas quilhas, que vimos na Figura 6, a que foi batida no mesmo dia do lançamento frustrado que apresentamos na Figura 3, em 28 de dezembro de 1941: um dos seis contratorpedeiros da futura classe “Amazonas”, um projeto levado a cabo para compensar a não entrega de seis navios do mesmo tipo encomendados a estaleiros britânicos, e ali retidos quando da eclosão da Segunda Guerra Mundial (setembro de 1939)

Juntamente com os três contratorpedeiros em construção no Brasil (dos quais já tratamos), esses seis encomendados à Inglaterra completariam as 9 unidades do Programa de 1932. Com a retenção dos navios para incorporação à Marinha Real, os valores já pagos foram restituídos e utilizados para iniciar encomendas de materiais nos Estados Unidos, de forma a construir similares aqui (BITTENCOURT, 2005: 189-192). A Marinha dos EUA, que já colaborara com a entrega de planos detalhados dos três contratorpedeiros em construção, aceitou adaptar os projetos dos navios de projeto britânico ao maquinário e equipamentos americanos, e foi iniciada a construção destes no AMIC. As dificuldades de se construir seis contratorpedeiros simultaneamente, assim como os problemas de fornecimento de material durante a guerra, atrasavam o andamento das obras (CÂMARA, 2011: 59-61), mas ainda assim, em novembro de 1943, o panorama das carreiras era este apresentado na Figura 7:

Figuras 8 e 9 (da esquerda para a direita): dois contratorpedeiros classe Amazonas sendo preparados para lançamento em 23/11/ 1943 e conjuntos de chaminé e tubulações na oficina do AMIC em 29/9/1944 – DPHDM, pastas AMIC 1943 e 1944, fotos 043680 e 043369.

Pouco mais de uma semana após a foto da Figura 7, os dois navios mais adiantados foram fotografados, em 23 de novembro (Figura 8), faltando seis dias para os lançamentos. E já exibiam toscas reproduções de chaminés, que se mostraram estranhas aos olhos deste pesquisador, que já havia visto imagens dos navios terminados. E, de fato, a continuidade da pesquisa de imagens chegou a outra fotografia, de quase um ano depois, mostrando as chaminés definitivas e respectivas tubulações, que se conectariam aos sistemas de exaustão das caldeiras, sendo preparadas na oficina de estruturas (Figura 9). Bem diferentes das falsas. Ou seja: houve uma preocupação em instalar elementos puramente estéticos no lançamento de novembro de 1943, enquanto a preparação das chaminés definitivas só foi documentada (lembrando que a documentação do andamento das diversas etapas das obras era sistemática) vários meses depois. Voltamos assim às perguntas iniciais, para concluir este trabalho: por que se julgou importante “maquiar” esses contratorpedeiros, com as chaminés falsas? Porque, tanto para o público presente às cerimônias de lançamento quanto nas fotos de propaganda, toda a série de imagens mostra que esses marcos na construção dos navios eram divulgados como realizações dessa sociedade, de um regime (autoritário) que propunha renovar a nação. E que também se rearmava, renovava a esquadra, dizia preparar-se para proteger a sociedade brasileira dos perigos de além-mar, da guerra (seja a esperada, no final dos anos 1930, ou a combatida, nos anos 1940). Uma preparação feita com produtos de uma sociedade que se

pretendia industrial, com navios potentes, velozes (dotados de chaminés), produzidos em série. Navios feitos para a guerra, mas também para propagar uma ideia de progresso.

Fontes primárias publicadas

BITTENCOURT, Júlio Regis, 1882-1964. Memórias de um engenheiro naval: uma vida, uma história. Rio de Janeiro: SDGM, 2005.

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_____. Relatório apresentado (...) pelo almirante graduado Alexandrino Faria de Alencar, ministro de Estado dos Negócios da Marinha, em abril de 1914. Rio de Janeiro: Imprensa Naval, 1914.

_____. Relatório apresentado ao exmo. sr. Chefe do Govêrno Provisório dr. Getúlio Dornelles Vargas pelo contra-almirante Protógenes Pereira Guimarães, ministro de Estado dos Negócios da Marinha, em junho de 1932. Rio de Janeiro: Imprensa Naval, 1932.

_____. Relatório apresentado ao exmo. sr. presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, sr. Getúlio Dornelles Vargas, pelo vice-almirante Protógenes Pereira Guimarães, ministro de Estado dos Negócios da Marinha, em outubro de 1934. Rio de Janeiro: Imprensa Naval, 1934.

_____. Relatório apresentado ao exmo. sr. presidente da República (...) pelo vice-almirante Protógenes Pereira Guimarães, ministro de Estado dos Negócios da Marinha, em 1935. Rio de Janeiro: Imprensa Naval, 1936.

_____. Relatório apresentado ao exmo. sr. presidente da República (...) pelo vice-almirante Henrique Aristides Guilhem, ministro de Estado dos Negócios da Marinha, exercício de 1936. Documento datilografado, com carimbo reservado e data de março de 1937.

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