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Guias e Dicas
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Análise Histórica-Filosófica das Artes do Trivium e Quadrivium na Idade Média, Exercícios de Artes

Uma dissertação sobre a construção histórica-filosófica das artes integradas no método trivium e quadrivium durante a idade média. A análise aborda as principais fontes de estudo e preconizadores de cada arte, enfatizando as permanências e fluxos perceptíveis nas artes da mente. Além disso, o texto discute a importância de processos educativos na formação de ideias civis e a relação entre as artes liberais e a junção de culturas clássica, bárbara, árabe e cristã.

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

jacare84
jacare84 🇧🇷

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS CECH
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A CALMARIA DOS CAMINHOS TORTUOSOS:
Construção e método do Trivium Medieval
Carlos Henrique da Silva
São Carlos
2017
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS – CECH

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A CALMARIA DOS CAMINHOS TORTUOSOS:

Construção e método do Trivium Medieval

Carlos Henrique da Silva

São Carlos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS – CECH

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A CALMARIA DOS CAMINHOS TORTUOSOS:

Construção e método do Trivium Medieval

Carlos Henrique da Silva

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Marisa Bittar.

São Carlos

Aos meus pais, Tania Maria Camilo e Juares Carlos Camargo da Silva pelo apoio incondicional mesmo nos momentos de maior dificuldade.

Agradecimentos

À professora e orientadora Marisa Bittar, pelo apoio e incentivo ao longo de cada momento da pós-graduação, colocando-se não somente à disposição em que tange assuntos acadêmicos, mas principalmente pela preocupação com os assuntos corriqueiros que envolvem o cotidiano de nossa existência material. Além desta referência, agradecer pela possibilidade de convívio intelectual que foram de grande valia não apenas para este curto período, mas para a sequência de minha vida. Ao professor Amarilio Ferreira Jr. pelas inúmeras contribuições em relação ao desenvolvimento deste trabalho, contribuições estas altamente reflexivas e efetivas para o pleno desenvolvimento desta pesquisa.

Aos colegas de universidade, em especial Jarbas Mauricio Gomes, Aldrei Galhardo Batista e Thais de Biagi pelas inúmeras conversas e dicas que certamente contribuíram positivamente para a conclusão deste trabalho.

Aos meus companheiros de trabalho e amigos pessoais Rafael Henrique Custódio, Victor Santos, Andreia Miranda Gonçalves, Jessica Giampaolo e Letícia Maria Barbano que vivenciaram cada etapa desta pesquisa, seja de maneira direta pelas constantes conversas sobre a temática, seja de maneira indireta na compreensão pelos momentos de ausência em decorrência de todo o processo encarado.

Aos professores Marcos Antonio Gigante e Paolo Nosella pelas considerações e correções realizadas com total acuidade ao longo das bancas de qualificação e defesa. Momentos de grande aprendizado e ganho intelectual que caracterizam e enriquecem os momentos formais da pós graduação.

Por fim, a todos os professores e demais educadores com os quais tive contato ao longo de minha vida escolar e acadêmica, cada qual com a sua devida importância e paciência em cada etapa. Em especial às professoras Vera e Zuleika que me alfabetizaram, assim como o professor Antônio, popularmente conhecido por “Toninho”, da escola Jesuíno de Arruda, pelas aulas memoráveis de História que certamente despertaram em mim o interesse pelas ciências humanas. Agradeço também aos meus professores de graduação, em especial Marcos Antonio Gigante pelo incentivo e auxílio ao longo desses anos, assim como os professores Fransérgio Follis e Waldir Paganatto. Certamente chego até este momento graças ao esforço individual de cada um aqui mencionado.

Resumo

A presente dissertação consiste em analisar a construção e o método de ensino das três artes liberais (Gramática, lógica e retórica) da idade média, historicamente conhecido por Trivium. Para tal finalidade, a dissertação se propôs a analisar, em um primeiro momento, a construção histórico-filosófica de cada uma das artes que integram o método, realçando seus principais preconizadores e suas principais fontes de estudo ao longo da idade média. Em um segundo momento, o trabalho buscou contemplar uma análise específica do método, destacando sua finalidade e seu funcionamento prático enquanto proposta educacional de um período histórico. Nesta etapa, optou-se por destacar a prática de ensino de cada uma das artes mencionadas, assim como sua relação com o todo orgânico que destaca o método. Por fim, o trabalho faz um balanço entre a construção histórico-filosófica do método e seu resultado final enquanto proposta efetiva de formação humana, compreendendo, portanto, o desenrolar dialético da construção metodológica e sua síntese final.

Palavras chave: Trivium, Educação Medieval, Educação Clássica

Abstract

This dissertation is to analyze the construction and teaching method of the three liberal arts (grammar, logic and rhetoric) middle age historically known for Trivium. For this purpose, the dissertation aimed to analyze, at first, historical-philosophical construction of each of the arts that are part of the method, highlighting its main builders and its main sources of study throughout the Middle Ages. In a second step, the study sought to address a specific analysis of the method, highlighting its purpose and its practical functioning as an educational proposal for a historical period. At this stage, we chose to highlight the teaching practice of each of the mentioned arts, as well as its relationship to the organic whole that highlights the method. Finally, the work is a balance between historical and philosophical construction method and its end result as effective proposal for human formation, comprising therefore the dialectical unfolding of methodological construction and its final synthesis.

Keywords: Trivium, Medieval Education, Classical Education

  • Introdução
  • 1 - A Construção Histórico-filosófica das Artes Sermocinales
    • 1.1 - Contradições gerais e discordâncias curriculares
      • 1.1.1 - A Presença do Cristianismo na educação
    • 1.2 - O Caminho da Gramática
    • 1.3 - O Caminho da Retórica
    • 1.4 - O Caminho da Lógica
  • 2 – O Encontro dos Três Caminhos
    • 2.1 - Prolegômenos
      • 2.1.1 - Sobre a natureza da linguagem no Trivium
    • 2.2 - A Arte da Gramática
      • 2.2.1 - Palavras categoremáticas
      • 2.2.2 - Palavras sincategoremáticas
    • 2.3 - A Arte da Lógica
      • 2.3.1 - Formas proposicionais
      • 2.3.2 - Conjunção
      • 2.3.3 - Oposição
      • 2.3.4 - Inferência
      • 2.3.5 - Silogismo
      • 2.3.6 - Falácias
    • 2.4 - A Arte da Retórica
  • 3 - A Calmaria dos Caminhos Tortuosos
    • 3.1 - Pavimentação dos Caminhos
      • 3.1.1 – O Conceito de “Clássico”.....................................................................................
      • 3.1.1.1 - Categoria Objetivista dos Clássicos
      • 3.1.1.2 - Categoria Espiritualista dos Clássicos
      • 3.1.2 – A Educação na Filosofia Perene
      • 3.1.3 – A Universidade Medieval
    • 3.2 – A Permanência da Tortuosidade................................................................................
      • 3.2.1 – O Pragmatismo de Miriam Joseph
      • 3.2.2 – A Palavra como Ato Político.
  • Conclusão
  • Referências Bibliográficas

Introdução

Há períodos e contextos históricos em que a forma de abordagem metodológica define pari passu a compreensão dos mesmos, clarificando pontos não tão claros e imprecisos, e, todavia, obscurecendo outros pontos nevrálgicos que deveriam saltar aos olhos do historiador por transcenderem uma apreensão metodológica específica. Se há um período em que os paradigmas epistemológicos se digladiam em uma constante de “clarear” e “obscurecer” objetos, trazendo à tona novas questões ou forçando o olhar para fatores secundários de uma temporalidade, este período é a idade média. Ora tratada como um período obscuro da história que pouco evoluiu em relação às sociedades antigas – essencialmente as civilizações Greco-romanas – , estagnando-se em um falso avanço que nunca saiu dos domínios eclesiásticos ou nobres, dependendo das regiões do antigo medievo, revelando, portanto, um profundo atraso cultural; ora tratada de forma oficialista e com pouca inteligibilidade, buscando apenas reforçar uma legitimação de castas e gerações cuja máxima realização histórica – e por essa postura metodológica entende-se que os ditos “sujeitos da história” são instituições duradouras e linhagens de nobreza – foi a de se perpetuarem ao poder de maneira descentralizada, ou a de sustentar-se, até tardiamente – já ao final da média – , nos sonhos cavalheirescos de uma sociedade que já estava nas mãos da burguesia. É possível também ressaltar as análises mais recentes que reforçam um olhar histórico-cultural, mas antes de mencioná- los de uma forma mais aprofundada, cabe estabelecer em qual tipo de duração está situada a idade média. Um dos fatores fundamentais para a análise histórica de um determinado período passa pela compreensão de sua temporalidade, os tais períodos de longa duração e curta duração que Fernand Braudel estabelece em um novo repensar historiográfico (Escolas dos Annales). Os períodos de longa duração se caracterizam prioritariamente pelas permanências estruturais e conjecturais de um determinado contexto. As mudanças se estabelecem de forma lenta, e há pouca percepção de que os processos estão sendo alterados (e estão sendo, afinal a história sempre está em movimento e nunca deixa de fluir). Em contraposição a perspectiva de longa duração, há a curta duração que revela processos de constantes alterações que, diante de contextos efusivamente complexos, pouco permanecem, sempre surgindo ou ressurgindo com “roupagens” estruturais diversas. Obviamente a curta duração não necessariamente expressa algo novo, afinal em história não existe o novo sem o processo dialético que remonta as perspectivas

compreensão macro ou micro dos processos históricos. Quando se analisa um determinado período, e se estabelecendo como homem/pesquisador do século XXI, deve-se levar em conta que ainda é possível olhar para o passado buscando uma visão macro do processo. Uma visão holística das civilizações permite uma compreensão total dos fenômenos socialmente e culturalmente integrados, percebendo assim que a longa duração não é estática como já dita, e que sua diferença com a curta duração é muito mais afeccional do que substancial, ou seja, de intensidade. A visão marxista da história deixa bem claro a natureza da compreensão historiográfica e a análise efetiva dos processos longevos ao estabelecer que toda realidade social é mutável, e que mesmo diante de estados de equilíbrio relativo é possível notar que esse equilíbrio provem de mudanças e darão ensejos a novas mudanças; é percepcionar que a compreensão epistemológica entre passado, presente e futuro se dá de forma dialética e não necessariamente contínua, e que a circunstância de não ser fugaz não revela uma completa estagnação de processos. O motor da história sempre está em movimento e o ato de olhar para o passado implica uma introspecção de que estamos enxergando algo do qual somos herdeiros – pelo bem ou pelo mal -, sendo possível também – por que não? – convocar o passado a depor sobre o nosso presente, afinal a história pode ser evolutiva, mas uma evolução não necessariamente pressupõe progressos. A idade média quando tomada pela longa duração e analisada por uma perspectiva holística será mais bem compreendida através de um exercício dialético, e os processos educativos seguem essa mesma lógica. Obviamente, compreender todo um período por um método que implica afirmação e negação recairá em certos recortes metodológicos, sem os quais demandaria um árduo trabalho de pesquisa, podendo este permanecer por anos sem com isso encerrar-se ao final de uma vida. O lançamento da “história problema” com ensaio de hipótese possibilita saltos explicativos (hipotético-dedutivos) que podem clarificar um determinado período histórico. Seja por interesse do pesquisador, ou por limitações de outra ordem, o recorte metodológico e a busca por uma resposta e pela compreensão de determinados processos recaem na história problema, que foge das proposições positivistas – que possuem seus totais méritos, principalmente no que tange erudição e delimitação científica do campo historiográfico. Mesmo os paradigmas que não adotam diretamente uma história problema (método Weberiano, por exemplo) procuram uma delimitação de objeto. O próprio Weber na realização de seu método compreensivo, procurando assim compreender o sentido das ações humanas, toma como “problema” o surgimento do

capitalismo. A sequência da análise pode naturalmente abarcar outros métodos e outros problemas – no caso dele (Weber) qual vertente específica do protestantismo possui o “ethos” mais propício para as práticas capitalistas? –, mas isso não esconde que inicialmente houve um problema a ser estudado. Ao tomarmos a “história problema” como um procedimento metodológico, podemos passar a ideia de que estamos caindo em análises microtemáticas, cujo objetivo foge a compreensão geral de um fenômeno, buscando assim compreensões pontuais de um contexto muito mais amplo e complexo. É obviamente o contrário disto. Partir de um problema específico pode clarear o todo, mas isso se estabelece em uma relação dialética em que o todo interfere no pontual, e a análise do pontual necessita uma compreensão geral. Os microtemas podem obter sucesso nas pesquisas historiográficas, mas a ênfase nas análises pontuais nasce com outra perspectiva. Nascida no ambiente pós-moderno em que tudo é extremante relativo e que a busca pela verdade é mera questão consensual, caiu-se em uma conclusão de que tudo é estabelecido por vias culturais e que quaisquer expressões socioeconômicas são meros discursos culturalmente construídos. Dizer que tudo é cultura é, ao mesmo tempo, dizer que nada é cultura. Se tudo é uma única coisa, conclusivamente ela não é nada, e estabelecendo essa perspectiva analítica, a história cultural passa a tomar para si objetos de estudos fragmentários para assim ter algum objeto concreto passível de análise. Mutatis Mutandis, a partir de então se visualiza uma profusão de estudos pontuais que desembocam na mera curiosidade, muitas vezes encerrando-se em si mesmos sem quaisquer amarrações macroanalíticas. Para além desse resultado pouco profundo, há certa omissão em relação à própria compreensão do presente histórico, o que leva a um historicismo agudo que encara toda e qualquer verdade como válida apenas em seu tempo. A história passa a ser encarada como momentos desconectados cuja inteligibilidade não faz sentido algum fora dos padrões culturais. Da história se extrai curiosidades e nada muito além; problema este, porém, que transcende a própria ciência histórica e recai em outras áreas do conhecimento, não precisando de muitos argumentos pra demonstrar que inclusive as ciências exatas e suas divulgações caem em curiosidades ou demandas de mercado. As análises desses pontos metodológicos circundam todo objeto desta dissertação. Dentro da idade média é possível estudar objetos fragmentários, conectando-os ou não com uma visão – e cosmovisão – mais ampla. É possível também

que reproduzi ao longo dos demais anos reduzia-se aos preconceitos de uma historiografia que enxergava – e ainda enxerga em certa medida – no renascimento/iluminismo, a superação da inércia medieval e um grande avanço da cultura civilizacional no ocidente. Sendo assim, a civilização natimorta, ou o período “tenebroso” do século V ao XIV – recorte popularmente mais utilizado - conhecido como “idade das trevas” (PERNOUD, 1997), foi secundário em minha formação enquanto estudante no ensino público, formação esta que priorizava o renascimento cultural clássico e a suposta “luminosidade” da sociedade moderna. Por consequência, pessoalmente sempre avaliava e desprezava o período medieval com base em um senso- comum escolar que enquadrava e impossibilitava a análise de todo um período, caindo nos lugares comuns e repetindo chavões como “dominação eclesiástica”, “atraso e obscurantismo educacional” e seus mutualismos com as “estruturas produtivas” ditas feudais, sem com isso partir para um exame racional da temática. Essa predisposição em exaltar o renascimento europeu e a retomada da cultura Greco-romana, colocando em segundo plano – ou por vezes até ocultando – o período medieval é perceptível no livro “História da Educação na Antiguidade” de Henri-Irénée Marrou, em que ele desconsidera o período medieval buscando assim uma ligação direta entre antiguidade e modernidade:

A história da educação na Antiguidade não pode deixar indiferente nossa cultura moderna: ela retraça as origens diretas de nossa própria tradição pedagógica. Somos greco-latinos: o essencial da nossa civilização veio da deles: isto é verdadeiro, num grau eminente, para nosso sistema de educação. (MARROU, 1966, p. 4)

Ao ingressar na graduação em História pude aprofundar na compreensão histórico-filosófica da idade média, assim como na constante e intensa contradição encarada pelos sujeitos da história (individuais, coletivos ou institucionais) da época, fugindo em demasia dos preconceitos oriundos de anos de formação básica. A partir desse “despertar” racional, compreendi que parte das contradições estabelecidas se deu pela relação conflitante entre cultura clássica (greco-romana), as invasões bárbaras, a ascensão do cristianismo e os contatos diretos com a cultura árabe; um período histórico imerso em efervescências culturais que resultam, ao seu final, e após um período de mais de dez séculos, como o grande formador da identidade ocidental. Esse “ganho” analítico que as leituras me proporcionaram, reformularam meu olhar científico para o

período medieval, olhar esse contrário às palavras de Marrou (1966) e que se veem sintetizadas em um trecho do livro “História da Pedagogia” de Franco Cambi:

[...] a Idade média não pode ser vista como matriz do Moderno e nada mais, já que, na realidade, é, pelo contrário, uma longa época de fermentações, de transformações, de rupturas e renovações, de esfacelamentos e reagrupamentos, que abarca o campo econômico e o social, o político e o cultural etc., dando a imagem de um fervilhar de eventos desenvolvimentos em muitas direções, os quais – embora ocorrendo sob o fundo da ideologia cristã que alimenta e domina a história daquele mil anos – nos fornecem a visão de uma civilização vital, aberta em muitas direções e absolutamente não-monolítica ou bloqueada, antes até inquietamente dedicada a salvaguardar ou impor instâncias de liberdade dentro das malhas compactas de uma sociedade aparentemente uniforme. (CAMBI, 1999, p. 154)

Ao longo de uma idade média conturbada, inconstante em determinados pontos, mas constantes em tantos outros, é que se forma a identidade civilizacional do ocidente. Os anos de graduação me possibilitaram a compreensão de que essa identidade civilizacional se deu em três fatores característicos da cultura ocidental: Filosofia Grega, Direito Romano e Moral Judaico Cristã. Pode haver adendos, justificativas ou críticas a cada um desses três “pilares”, mas essa tríade inegavelmente caracteriza o “ethos” do homem ocidental em sentido generalista, e esta questão já traz consigo uma justificativa do porque estudar um período imerso nas contradições, pois, na eminência de perder dois dos três pilares (Filosofia grega e Direito Romano), as estruturas do medievo conseguem concluir de maneira unívoca o resultado de uma dialética cultural intensa:

Neste momento já se consumou uma profunda ruptura histórica: o mundo helênico- romano quase desapareceu no ocidente e os contatos com o resto do império romano-bizantino são mínimos. [...] É uma cultura, já totalmente “medieval” e cristã. Esta cultura herda, queira ou não, junto com a língua latina, infinitas reminiscências das tradições clássicas. (MANACORDA, 2010, p. 156)

Após esse repensar formativo, saindo de um senso-comum preconceituoso para um aprofundamento analítico, decidi compreender como se deu esse processo de construção cultural da civilização ocidental, e eis que na mesma graduação obtive brevemente uma pista: O currículo de ensino na idade média, mais precisamente as artes liberais do Trivium (Gramática, lógica e retórica) e do Quadrivium (Aritmética, geometria, música e astronomia). De maneira sintética e como uma hipótese longínqua, mantive em minha consciência que esse currículo foi um dos fatores fundamentais para

compreensão do tema. Nessa etapa pude notar que as produções brasileiras sobre o assunto são extremamente escassas^2 , reduzindo-se em poucas produções de livros e algumas dúzias de artigos que circundam o tema sem abordá-lo diretamente. Encontrei quatro livros sobre o assunto, dois dos quais são traduções de obras de língua inglesa: “Trivium Clássico” de Marshall McLuhan e “O Trivium – As artes liberais da lógica, gramática e retórica” da Miriam Joseph; e outros dois nacionais intitulados: “Universidade: Do trivium-quatrivium ao ensino-pesquisa extensão numa visão ‘on the road’” de Eduardo Fonseca e “Trivium e Quadrivium – As artes liberais na idade média” de coordenação de Lênia Márcia Mongelli.

O livro de Marshall McLuhan faz uma análise histórico-filosófica do Trivium partindo desde sua origem grega, passando pela patrística e escolástica medieval, até chegar ao século XVI com Thomas Nashe, objeto de estudo do autor. Esta obra em particular revela os intensos debates e conflitos recorrentes entre cada uma das artes, revelando com isso os sujeitos históricos da época e suas influências nos processos educativos. Já o livro de Miriam Joseph adentra de maneira bem mais profunda no método Trivium , pois o livro é resultado de estudos posteriores da própria autora para aplicar o método no Saint Mary’s college na cidade de South Bend em Indiana (JOSEPH, 2008, p.17). O livro traz de maneira prática e carregada de exemplos as três artes liberais da idade média, municiando assim a compreensão e aplicação real do método, assim como, indiretamente, deixa claro quais as perspectivas e intenções para esse tipo específico de formação.

Já o livro de Eduardo Fonseca - citado acima - aborda o Trivium apenas como ponto de partida para outro objeto, e ainda assim o faz de forma superficial apenas para situar o surgimento das universidades em uma perspectiva moderna, fugindo substancialmente ao meu objeto de pesquisa. Curiosamente, a obra possui um erro de título, deixando claro que a educação medieval é secundária e apenas um ponto de partida para algo posterior^3.

(^2) A escassez de estudos sobre períodos longínquos e não nacionais possuí certa justificativa pela ausência ou dificuldade de acesso às fontes primárias. Longe de ser algo determinante, os “obstáculos” de acesso às informações ainda dificultam a profusão de determinados estudos no Brasil. (^3) O livro cujo título é “Universidade: Do trivium-quatrivium ao ensino-pesquisa extensão” de Eduardo Fonseca possui um erro de grafia no mínimo estranho, pois o termo correto para se referir as quatro artes liberais posteriores ao trivium é “ quadrivium ” derivado do “ quad ” (quatro) latino e não “quatrivium” como está no título do livro.

Por fim, a única produção brasileira sobre o assunto diz respeito à obra “Trivium e Quadrivium – As artes liberais na idade média” que consiste em uma série de estudos escritos e compilados por estudiosos especializados em cada uma das sete artes liberais. Uma compilação rica em detalhes e fontes, mas que, por suas características de estudos compilados, apresenta-se de forma fragmentada.

Encontrei também, ao longo do estudo exploratório, artigos que abordam indiretamente o tema, porém sempre caindo em análises específicas da patrística e da escolástica medieval. São estudos complementares às artes liberais, principalmente as três primeiras ( Trivium ), sendo muitas dessas produções realizadas por Jean Lauand da FEUSP, um especialista em que tange à filosofia medieval. Há também produções complementares realizadas por Ricardo da Costa da Universidade Federal do Espírito Santo, produções excepcionais que também abordam o Trivium e o Quadrivium medieval de maneira indireta.

Para além do conteúdo dessas produções, que inegavelmente contribuem e esclarecem vários pontos sobre a cultura medieval, o fato primordial que chama a atenção é que, de todos os estudos encontrados, apenas os do professor Jean Lauand correspondem à autoria de pesquisador de um programa de pós-graduação em Educação e, para além disto, nenhuma delas, mesmo as de Jean Lauand, analisa propriamente o Trivium como uma proposta efetiva de ensino, que educa e portanto forma, em conjunto com o cristianismo, o homem medieval. Eis um ponto em que a pesquisa justifica-se em si mesma: A tentativa de contribuir com a produção e com a discussão de algo tão pouco estudado nas academias brasileiras.

Como bibliografia complementar pesquisada, cabe obviamente realçar as obras clássicas de historiadores da educação como Mário Manacorda, Franco Cambi, Paul Monroe, Henri-Irénée Marrou. Pelas características de suas obras sobre História da educação e pedagogia, seria humanamente impossível dedicar um grande espaço para analisar o Trivium medieval e sua relação com os processos formativos do homem cristão. Entretanto, são obras de extrema riqueza que ganham em aspectos gerais e contextuais, possibilitando com isso uma base historiográfica sólida da educação na idade média. Destaco também as obras de outros (as) medievalistas como Régine