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Trabalho Invisível e Exploração: Análise dos Catadores na Economia do Reciclagem, Manuais, Projetos, Pesquisas de Sociologia

Este artigo apresenta uma análise sobre as condições de vida e trabalho dos catadores na economia do reciclagem, mostrando como eles se mantêm na miséria e são explorados por meio de práticas como auto-emprego e depreciação de valores. O texto também discute a formação de cartéis de super-exploradores e a coação exercida contra esses trabalhadores.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

Antes de 2010

Compartilhado em 18/10/2009

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II ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA METADE SUL
PARTICIPAÇÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL E SOCIEDADE
27, 28, 29, 30 de novembro e 01 de dezembro de 2006
UFPel / UCPel - Pelotas - Rio Grande do Sul
Grupo de Trabalho: Sociologia
Título do Trabalho: OS CATADORES DE PELOTAS: CONTINUUM DA EXPLORAÇÃO E
ESPOLIAÇÃO DA FORÇA-DE-TRABALHO
Autor do Trabalho: Ricardo Gonçalves Severo*
INTRODUÇÃO
Existe uma infeliz continuidade de condições nos modos como parte da classe
trabalhadora sobrevive e apropria-se do espaço urbano e que se seguem ao longo do tempo,
modificando-se quantitativa e qualitativamente, e que se tornam imperceptíveis para muitos
em razão do deslocamento ou incorporação de novos componentes da categoria original de
análise. Assim, contrário à miopia ou ao pudor, ressalta-se que apesar das modificações da
aparência e desenvolvimento atual do sistema capitalista, o mesmo continua, em essência, a
divisão entre poucos exploradores e muitos explorados, sendo este fator o central.
Neste sentido o presente artigo pretende demonstrar que as condições de vida de
muitos trabalhadores, e em especial a dos catadores, categoria principal de análise deste
estudo particular, têm se mantido na linha da miséria ao longo do tempo, tendo como
indicador para tal afirmação suas condições de trabalho, moradia e rendimentos. Para tal
será apresentado breve relato sobre estes temas no município de Pelotas, baseados em
entrevistas, observações, relatos e cruzamentos com os trabalhos de Lorena Gill, Lucio
Kovarick e E. P. Thompson.
CATADORES: ELEMENTOS PARA CATEGORIZAÇÃO
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* Sociólogo. Mestrando em Ciências Sociais na UFPEL. E-mail:
ricardo.severo@click21.com.br
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II ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA METADE SUL

PARTICIPAÇÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL E SOCIEDADE

27, 28, 29, 30 de novembro e 01 de dezembro de 2006 UFPel / UCPel - Pelotas - Rio Grande do Sul

Grupo de Trabalho: Sociologia Título do Trabalho :^ OS CATADORES DE PELOTAS:^ CONTINUUM^ DA EXPLORAÇÃO E ESPOLIAÇÃO DA FORÇA-DE-TRABALHO Autor do Trabalho: Ricardo Gonçalves Severo *

INTRODUÇÃO

Existe uma infeliz continuidade de condições nos modos como parte da classe trabalhadora sobrevive e apropria-se do espaço urbano e que se seguem ao longo do tempo, modificando-se quantitativa e qualitativamente, e que se tornam imperceptíveis para muitos em razão do deslocamento ou incorporação de novos componentes da categoria original de análise. Assim, contrário à miopia ou ao pudor, ressalta-se que apesar das modificações da aparência e desenvolvimento atual do sistema capitalista, o mesmo continua, em essência, a divisão entre poucos exploradores e muitos explorados, sendo este fator o central. Neste sentido o presente artigo pretende demonstrar que as condições de vida de muitos trabalhadores, e em especial a dos catadores, categoria principal de análise deste estudo particular, têm se mantido na linha da miséria ao longo do tempo, tendo como indicador para tal afirmação suas condições de trabalho, moradia e rendimentos. Para tal será apresentado breve relato sobre estes temas no município de Pelotas, baseados em entrevistas, observações, relatos e cruzamentos com os trabalhos de Lorena Gill, Lucio Kovarick e E. P. Thompson.

CATADORES: ELEMENTOS PARA CATEGORIZAÇÃO

  • Sociólogo. Mestrando em Ciências Sociais na UFPEL. E-mail: ricardo.severo@click21.com.br

São catadores aqueles trabalhadores que sobrevivem da coleta dos rejeitos comerciais e residenciais. Os trabalhadores que vivem dos rejeitos não estão concentrados em uma fábrica, tampouco recebem salário de forma direta por tempo de trabalho, daí resultam vários fatores para análise. Primeiro, o seu local de trabalho é a rua ou o aterro controlado e competem entre si pelo material recolhido devido à forma de remuneração de seu trabalho, recebendo por material vendido, o que traz uma dificuldade de identidade ou solidariedade de classe e conseqüentemente na sua falta de organização, seja através de associação ou de cooperativa. Segundo, sua forma de trabalho pode ser categorizada como auto-emprego de sua força-de-trabalho, assim, torna-se patrão de si mesmo, e em razão dos baixos valores pagos pelo material que recolhe, têm de trabalhar um período diário muito mais longo do que se fosse subordinado diretamente à alguém, não por benemerência, mas pela legislação ainda em vigor, sendo dessa maneira o auto-emprego uma forma de mascarar a exploração sobre estes trabalhadores. Terceiro, os baixos rendimentos que adquire da catação garantem somente o necessário para sobrevivência, assim, é comum observar o auxílio de outros membros da família, geralmente crianças, no trabalho, pelo demonstrado pelos padrões de exploração deste tipo de atividade. A atividade dos catadores tal como é desempenhada, caracteriza-se como trabalho precário, pois estão via de regra em contato com lixo não separado, sendo o mesmo vetor de doenças. Contam com material improvisado para coleta e seus carrinhos são feitos com materiais adaptados. Também não utilizam Equipamento de Proteção Individual (EPI).

DO TEMPO PELO MODO DE TRABALHO

Em si, o tempo de trabalho dos catadores não é o principal parâmetro para limitar sua jornada. Esta limitação se dá pela necessidade de coletar o maior número possível de materiais para efetuar a venda, sendo sua jornada limitada por seu desgaste físico diário, como se observou nas entrevistas 2 realizadas. Suas jornadas são de 12 horas até 18 horas, dependendo da capacidade física que estes catadores têm para percorrer a cidade. A extensão das jornadas se dá em função da forma de trabalho, onde, como dito anteriormente, se auto-empregam, pois não tem qualquer relação formal com o comprador das mercadorias que coletam. Daí decorre que apesar da aparente autonomia que os

(^2) Entrevistas realizadas em dezembro de 2005 na cidade de Pelotas para apresentação do pré-projeto do Mestrado em Ciências Sociais da UFPEL.

assistida ou regulada. Existe um continuum de tempos diferenciados de trabalho desta forma, e acredita-se, a auto-disciplina da miséria é crescente.

SUBORDINAÇÃO INDIRETA

Sendo autônomos, os catadores são trabalhadores livres, e assim têm a liberdade de vender a mercadoria que coletam para quem lhes ofereça o melhor preço. Contudo, o que fazer quando todos estes oferecem o mesmo preço ou com pouquíssima diferença? Aparentemente o que se vislumbra é “um abominável acordo firmado entre os mestres” 4 , onde os atravessadores fixam o mesmo valor às mercadorias, formando um cartel de super- exploradores da força-de-trabalho dos catadores, através da depreciação extrema das mercadorias negociadas. Que fique claro, mesmo não havendo a formalização das relações de trabalho, este setor da economia tem bem delimitadas as etapas necessárias à realização de negócios lucrativos, representando os atravessadores, ao comparar-se com o ciclo de trabalho industrial, os capatazes, que trabalham de fato como autônomos, porém, utilizando a força- de-trabalho alheia para produzir seus rendimentos, e ao final, surge a indústria que adquire para si o valor não pago aos catadores pelo trabalho despendido pela coleta de materiais recicláveis. Ademais, além da depreciação dos valores pagos pelos materiais coletados, existem relatos de coação sobre os catadores e ameaças quando da organização dos mesmos em cooperativas, seja de forma auto-gerida ou assistida pelo poder público 5. Em uma situação, foi cortada a dependência direta junto aos atravessadores locais pelo Poder Público 6 , onde este se responsabilizava pelo envio dos materiais coletados à indústria, assim, tomava o lugar do atravessador, sem, no entanto se apropriar dos materiais, e ao contrário, subsidiando os catadores. Tal iniciativa não logrou êxito, pois estava presa a iniciativa da

(^4) Black Dwarf, 30 de setembro de 1818, citado em E. P. Thompson em A Formação da Classe Operária Inglesa: A Maldição de Adão. Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra, 1987. p. 24. 5 Segundo entrevista realizada em 10 de julho de 2006 com Luis Antonio Paiva Rampazzo, ex-Diretor do Departamento de Políticas Ambientais da SQA e relato realizado por Solaine Gotardo, integrante do Grupo de Reciclagem da Incubadora Tecnológica de Cooperativas (INTECOOP) da UCPEL. (^6) O que segundo relatado em entrevista de Luis Antonio Paiva Rampazzo, gerou uma série de ameaças por parte dos atravessadores, tanto aos envolvidos no processo da prefeitura quanto aos catadores.

gestão da Prefeitura do período de 2001-2004 e não teve continuidade. Ainda, como não foi uma ação auto-gestionada, mas tomada por grupos politicamente constituídos previamente que não contavam com catadores em sua organização ou na formulação do projeto, ficou atrelada à dependência de iniciativa do poder público para sua continuidade, o que não ocorreu pela opção política tomada pela nova gestão municipal de não trabalhar em parceria com os catadores. Diferente do caso anterior foi o que ocorreu com o galpão de catadores que se constituiu no Balneário dos Prazeres, onde seus integrantes se originaram do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), tendo, portanto um histórico organizacional prévio dos próprios catadores. Desta forma, segundo relato de Solaine Gotardo 7 , os próprios integrantes do galpão, ao contrário de outros grupos formados no processo de construção das cooperativas e que não tinham contato com movimentos sociais organizados, estabeleciam horários de trabalho, organização interna, regimento e toda uma série de dispositivos para o funcionamento de sua cooperativa sem intervenção externa. Este grupo tinha o mesmo suporte dos demais, tais como; pagamento do aluguel do galpão, prensa cedida, e assim como os outros, teve seu subsídio cortado quando da mudança da gestão municipal. O que importa ressaltar é a diferença de sua organização frente aos demais grupos de cooperativas que foram constituídos para o projeto, onde os trabalhadores do Balneário dos Prazeres tinham o que pode se denominar de saldo organizativo pela participação anterior em um movimento social organizado 8. Outra situação, quando do término do projeto referido anteriormente, os catadores remanescentes do projeto, tendo sido retirados todos os subsídios dados anteriormente pela prefeitura, foram convidados por um atravessador para dar continuidade ao seu trabalho no galpão que pertencia a este, apresentando-se como pertencente a uma cooperativa, sendo, no entanto proprietário da mesma. Para que estes catadores pudessem desenvolver seu trabalho no galpão cedido, teriam de levar os materiais adquiridos durante o período anterior, sendo seus carrinhos, prensa, picotador, e poderiam trabalhar junto ao referido “benfeitor”.

(^7) Gotardo, Solaine. Breve Relato do Acompanhamento Feito por Uma das Equipes da INTECOOP Junto aos Grupos de Coleta de Resíduos Sólidos nos anos de 2005-2006. Pelotas, 2006. (^8) Em E. P. Thompson é presente a discussão sobre a influência de movimentos políticos, tais como o Jacobinismo, Luddismo e Cartismo que influenciaram o desenvolvimento organizacional da classe trabalhadora. (A Formação da Classe Operária Inglesa: A Maldição de Adão. Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra, 1987. p. 16 a 18).

arcar com as despesas de aluguel ou financiamento de imóvel, pois os moradores das periferias são via de regra aqueles trabalhadores que exercem atividades informais, ou seja, sem direitos trabalhistas, com baixos rendimentos mensais, não podendo arcar com uma despesa fixa 14. Tal situação de moradia não pode ser interpretada sem observar as formas de trabalho desempenhadas pelas pessoas que ocupam a periferia, ou ainda, a ocupação laboral é determinante para a ocupação espacial, fortalecendo a constatação de que a cidade é dividida por classes (GILL, 2006, p. 9). Percebe-se que as periferias são o reflexo da redução do valor da força-de-trabalho e resultam em dispêndio de sobretrabalho quando seus ocupantes constroem suas casas, forma predominante de moradia nestes locais. Soma-se a isto a falta de infra-estrutura, ou bens de consumo coletivos, que deixam de ser oferecidos a estas parcelas da população devido à lógica de mercado pela qual o Estado é pautado, deixando de investir nestes bens, tais como; lazer, saúde, saneamento, e os investindo em bens de capital, que são apropriados ou utilizados pela iniciativa privada, na forma de isenções fiscais, vias de transporte para vazão de produção, ou ainda, quando aplica na infra-estrutura, esta acaba sendo apropriada por especuladores imobiliários (KOWARICK, 1983, p. 29-53). Segue que o rebaixamento do valor do trabalho, forma de repassar a responsabilidade de moradia e infra-estrutura do empregador ou contratante temporário ao empregado, e que deveria estar presente nos rendimentos destes trabalhadores, mais a ausência de bens de consumo coletivo, segundo Lucio Kowarick, expressam a condição de espoliação urbana a qual a maioria da população está submetida. O resultado das péssimas condições de trabalho e moradia, somadas ao não oferecimento da infra-estrutura por parte do Poder Público, gera a maior incidência de doenças nas regiões periféricas, as quais poderiam ser evitadas ou minimizadas através do oferecimento de serviços de saneamento. Onde antes havia doenças como a febre tifóide, varíola, peste bubônica ou tuberculose (GILL, 2006. p. 14), agora são constatadas anemias sem causa detectável e viroses que não se curam por insuficiência alimentar, ambas responsáveis pela maior mortalidade periférica, principalmente a infantil. Estas doenças (^14) Como aqueles trabalhadores que no passado não tinham como pagar os financiamentos oferecidos para morar em vilas operárias e ocupavam os cortiços que não ofereciam serviços de infra-estrutura (Labirintos ao Redor da Cidade: as vilas operárias em Pelotas, Lorena Gill, 2006, p. 14). Na atualidade é possível fazer a comparação com o financiamento oferecido para o Projeto de Arrendamento Residencial (PAR), subsidiado pela Caixa Econômica Federal, o qual não é acessível para estas camadas de trabalhadores pelo valor elevado das parcelas.

estão associadas diretamente à falta de saneamento, onde o esgoto a céu aberto carrega efluentes não tratados residenciais e industriais, dos quais se ressalta a presença de metais pesados, responsáveis pela contaminação do ambiente e das pessoas diretamente em contato com o mesmo, depositando-se no organismo e não se apresentado como causa principal da doença. Mesmo havendo uma hipotética melhoria na saúde pública, as taxas de mortalidade, via de regra ligadas à periferia, não decaem, fruto desta contaminação associada às condições de vida das pessoas de baixa renda, que podem apresentar, por exemplo, insuficiência alimentar que se consorcia com as condições ambientais de seu local de moradia. Em Pelotas, segundo entrevista com Fernando Caetano, o local que mais chama atenção pela degradação social e ambiental é a ocupação Anglo, localizada no prosseguimento da Avenida Juscelino Kubitschek de Oliveira e junto ao Canalete do Pepino. Neste local o entrevistado relatou que o lodo retirado do Canalete é utilizado pelos moradores da ocupação como aterro para construção de suas casas, que totalizam 34 residências localizadas em áreas de risco, sendo que esta área contém um índice muito maior de detritos do que o normal, pois este esgoto não tem vazão até o Canal São Gonçalo, ficando depositado no ambiente. Segundo o seu relato, quando em inspeção no local, viu crianças se pintando com este lodo para brincarem. Tal situação aparentemente está para ser modificada pela Prefeitura Municipal de Pelotas, a qual pretende construir casas populares com financiamento da Caixa Econômica Federal 15 , coincidentemente próximo à região onde será instalado o novo Campus da UFPEL.

FONTES

Entrevistas realizadas pelo autor em dezembro de 2005 com Edi Medina, José Pereira e Sérgio Santos sobre a atividade de catação.

Entrevista realizada pelo autor em julho de 2006 com Luis Antonio Paiva Rampazzo sobre o Projeto Coleta Solidária.

Entrevista realizada pelo autor em outubro de 2006 com Fernando Caetano sobre o Plano Diretor de Pelotas. (^15) Regularização Reafirmada. Diário Popular, Pelotas, 08/10/2006.