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Conceito de Tempo: Absoluto, Relativo e Psicológico em Filosofia e Ciência, Notas de estudo de Mecânica

Este documento discute o conceito de tempo em filosofia e ciência, explorando as ideias de agostinho, são tomás de aquino, bergson, einstein e outros pensadores. O texto aborda o tempo absoluto, relativo e psicológico, e as tentativas de reconciliar a ideia de um deus eterno com a criação do mundo e do tempo. Além disso, o documento discute as distinções entre tempo como medida e curso efetivo, e a importância da relatividade na compreensão do tempo.

O que você vai aprender

  • Qual é a visão platônica sobre o tempo?
  • Qual é a distinção entre tempo absoluto e tempo relativo?
  • Como Agostinho e São Tomás de Aquino concebem o tempo?
  • Como Einstein influenciou a nossa compreensão do tempo?
  • Como o tempo psicológico se relaciona ao tempo físico?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Gustavo_G
Gustavo_G 🇧🇷

4.6

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Cap. 2: O conceito de tempo
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CAPÍTULO 2: O conceito de tempo
O tempo veste um traje diferente para cada
papel que desempenha em nosso pensamento
John Wheeler
A proposta deste capítulo é estruturar as zonas de um perfil epistemológico para o
conceito de tempo, ou seja, estabelecer as características centrais de cada uma das regiões da
“hierarquia de escolas filosóficas” bachelardiana para esse conceito. Essa caracterização é
fundamental para que se possa avaliar até que ponto nosso referencial epistemológico permite
compreender e interpretar os dados oriundos do contato com os estudantes.
As fontes para tal empreendimento, como discutimos antes, são duas: em primeiro
lugar, a história e a filosofia da ciência; em segundo lugar, a literatura da área de pesquisa em
ensino de ciências, principalmente no que se refere às concepções dos estudantes sobre o
conceito de tempo. Dessa maneira encontra-se dividido o capítulo, que numa terceira seção
busca unir essas duas fontes para a caracterização das zonas de nosso futuro perfil.
2.1.) Concepções sobre o tempo, na história e filosofia da ciência
Com um conceito extremamente amplo, complexo, e multidisciplinar por natureza, é
preciso ter cuidado: não pretendemos resgatar a evolução histórico-filosófica do conceito de
tempo com profundidade, pois, certamente, seria tarefa extensa e fugiria aos nossos
propósitos. Tampouco é nosso objetivo discutir o surgimento das concepções sobre o tempo
em seus contextos históricos, filosóficos e sociais, o que seria fundamental caso fosse esse um
trabalho voltado à história da física. Contrapondo-se a uma “história crítica”, optamos
simplesmente por apresentar um “apanhado” de visões sobre a temporalidade.
Tomamos então a liberdade – parafraseando Bachelard – de “pegar emprestado”
concepções sobre o tempo desvinculadas do contexto (tanto histórico-social como mais
propriamente filosófico) em que tiveram origem. Potencialmente isso empobrece as
concepções expostas e pode dificultar sua plena compreensão. No entanto, consideramos esse
o preço inevitável a pagar, uma vez que, dada a amplitude do tema em questão e o número de
pensadores que se debruçaram sobre ele ao longo dos séculos, a outra opção seria escrever
uma – impraticável no âmbito dessa proposta de trabalho – retrospectiva histórico-filosófica
do conceito de tempo.
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Baixe Conceito de Tempo: Absoluto, Relativo e Psicológico em Filosofia e Ciência e outras Notas de estudo em PDF para Mecânica, somente na Docsity!

CAPÍTULO 2: O conceito de tempo

O tempo veste um traje diferente para cada papel que desempenha em nosso pensamento John Wheeler

A proposta deste capítulo é estruturar as zonas de um perfil epistemológico para o conceito de tempo, ou seja, estabelecer as características centrais de cada uma das regiões da “hierarquia de escolas filosóficas” bachelardiana para esse conceito. Essa caracterização é fundamental para que se possa avaliar até que ponto nosso referencial epistemológico permite compreender e interpretar os dados oriundos do contato com os estudantes. As fontes para tal empreendimento, como discutimos antes, são duas: em primeiro lugar, a história e a filosofia da ciência; em segundo lugar, a literatura da área de pesquisa em ensino de ciências, principalmente no que se refere às concepções dos estudantes sobre o conceito de tempo. Dessa maneira encontra-se dividido o capítulo, que numa terceira seção busca unir essas duas fontes para a caracterização das zonas de nosso futuro perfil.

2.1.) Concepções sobre o tempo, na história e filosofia da ciência

Com um conceito extremamente amplo, complexo, e multidisciplinar por natureza, é preciso ter cuidado: não pretendemos resgatar a evolução histórico-filosófica do conceito de tempo com profundidade, pois, certamente, seria tarefa extensa e fugiria aos nossos propósitos. Tampouco é nosso objetivo discutir o surgimento das concepções sobre o tempo em seus contextos históricos, filosóficos e sociais, o que seria fundamental caso fosse esse um trabalho voltado à história da física. Contrapondo-se a uma “história crítica”, optamos simplesmente por apresentar um “apanhado” de visões sobre a temporalidade. Tomamos então a liberdade – parafraseando Bachelard – de “pegar emprestado” concepções sobre o tempo desvinculadas do contexto (tanto histórico-social como mais propriamente filosófico) em que tiveram origem. Potencialmente isso empobrece as concepções expostas e pode dificultar sua plena compreensão. No entanto, consideramos esse o preço inevitável a pagar, uma vez que, dada a amplitude do tema em questão e o número de pensadores que se debruçaram sobre ele ao longo dos séculos, a outra opção seria escrever uma – impraticável no âmbito dessa proposta de trabalho – retrospectiva histórico-filosófica do conceito de tempo.

Assim sendo, o conteúdo desta seção reflete desde o início um recorte particular , que privilegia e enfatiza um conjunto de concepções, entre outros possíveis. Procuramos contemplar, por meio desse recorte, as visões sobre o tempo que consideramos mais representativas e pertinentes para a caracterização das diferentes regiões da hierarquia de doutrinas filosóficas bachelardianas. Além do aspecto histórico e filosófico, abordaremos ainda as características e propriedades do conceito de tempo nas teorias físicas. Quanto a esse ponto, optamos por deixar de lado certos aspectos da questão temporal, principalmente os pormenores do debate mais atual sobre o conceito de tempo na física, relacionados à mecânica quântica e à cosmologia. Entendemos que essa discussão fugiria daquilo que é necessário a uma compreensão da construção desse conceito por alunos dos níveis de escolaridade que foram objeto desta pesquisa. Tais esclarecimentos são necessários, para que se contextualize o uso que faremos aqui do material histórico. Partiremos do nosso próprio trabalho de mestrado, onde efetuamos uma revisão histórica das concepções sobre o tempo na física (Martins, 1998); e também de dois trabalhos posteriores voltados à mesma temática (Martins & Zanetic, 2002a e b). Esperamos poder contemplar a diversidade de concepções, tanto no aspecto histórico como filosófico, fornecendo com elas os subsídios de que precisamos para a nossa caracterização.

Antigüidade e Idade Média: algumas importantes visões sobre a temporalidade

Platão (427-347) A concepção platônica do tempo pode ser encontrada no Timeu , obra em que o filósofo grego apresenta sua cosmogonia. Há ali uma contraposição entre aquilo que nunca se transforma e sempre “é”, que pode ser apreendido pela razão e pela inteligência, e as coisas que sempre mudam e nunca “são”, a respeito das quais temos somente um conhecimento temporário e imperfeito: a “opinião”^1. Na primeira categoria estariam Deus e as idéias. O Deus platônico está, portanto, fora do tempo. É “eterno”, não tendo passado, presente nem futuro. Isso porque, sendo perfeito, Deus não pode mudar. Sua mudança o faria ficar “melhor” ou “pior”. No primeiro caso, ele ainda não seria perfeito, e no segundo ele deixaria de sê-lo (Martins, 1994, p. 58). Mas, ao colocar “ordem” no “caos” ( kosmos é a palavra grega para ordem), utilizando em sua obra os quatro “elementos fundamentais” (água, terra, fogo e ar), Deus criou o universo e o tempo. Esse último seria uma espécie de “imagem

“número do movimento” (que é o tempo) só pode existir quando há uma alma que numere, um ser que realize essa numeração (Piettre, 1997, p. 22). Sem o espírito, o tempo (em si) não existiria, mas apenas o movimento (que é seu “substrato”), sem aspecto mensurável. Subjacente a essa visão encontra-se uma característica marcante do cosmos aristotélico: o privilégio do espaço, do movimento e da matéria, em relação ao tempo. Esse último ainda aparece como um “coadjuvante” na descrição dos movimentos (Martins & Zanetic, 2002b). Aristóteles também afirma que o tempo é contínuo e infinito. É contínuo porque está ocupado por um movimento contínuo. E o movimento, por sua vez, é contínuo porque se desenvolve através de um espaço contínuo. Dessa forma, a idéia de continuidade relaciona-se com o espaço, com o movimento, e em terceiro lugar, com o tempo. No que diz respeito a esse, podemos distinguir um “antes” e um “depois”, ou seja, dois “agoras” com um intervalo (contínuo) entre eles. Esses dois “agoras” não seriam as menores partes do tempo, segundo Aristóteles, pois o intervalo contínuo entre eles pode ser (potencialmente) dividido ao infinito. Do mesmo modo que não existe uma “linha mínima” (os pontos não seriam as menores partes de uma linha), não existe um “tempo mínimo” (Ross, 1957, p. 133). O tempo, para Aristóteles, é infinito em dois sentidos: do ponto de vista da adição, pois não pode esgotar-se por nenhuma adição de partes, e do ponto de vista da divisão, ou seja, é divisível ad infinitum. Quanto ao primeiro aspecto, não haveria uma existência “simultânea” de todo o “infinito temporal”, uma vez que cada parte desaparece, embora não deixe de haver outras. E, no que se refere ao segundo aspecto, sua divisão infinita é apenas potencial, mas não real, e vincula-se à noção de continuidade discutida acima 3. “ O tempo não existe como um todo dado infinito, pois não está na natureza de suas partes coexistir; mas, diferente da extensão, o tempo é potencialmente infinito desde o ponto de vista da adição. O tempo, como a extensão, é infinitamente divisível, mas não infinitamente dividido .” (Ross, 1957, p. 126 – tradução nossa)

Plotino (204-270) Representante e um dos fundadores do chamado neoplatonismo, nome dado ao ressurgimento das idéias de Platão no início da era cristã, Plotino é considerado o último dos grandes filósofos da Antigüidade. Não era cristão, e em sua filosofia considerava o mundo material um receptáculo para as “formas ideais” impostas pela “alma do mundo” (Whitrow, 1993, p. 77). Essa, por sua vez, seria a responsável pelo constante devir e pelas transformações do mundo que, separado do “Um” – princípio divino de tudo o que existe – insere-se na temporalidade. As contínuas transformações representam a busca do universo

pelo retorno ao eterno, ao “Um”. Estar no tempo é estar afastado deste princípio original, uno e indivisível (Piettre, 1997, pp. 27-28). Plotino opõe-se à visão aristotélica do tempo como o “número do movimento com relação ao antes e depois”, e também no que se refere à necessidade de um espírito que o meça. Para ele, o tempo mede o movimento no sentido de ser uma medida da duração na qual esse movimento ocorre. Nesse sentido, todo movimento acontece no tempo. Plotino parece atribuir uma objetividade maior ao tempo, uma realidade para além de sua medida. Diz ele: “ Não é necessário que se o meça para que exista; tudo tem a sua duração, mesmo que essa duração não seja medida ” (Apud Piettre, 1997, p. 26). Para Plotino, cujo pensamento influenciou Santo Agostinho e outros teólogos cristãos posteriores, há três tempos: o presente atual, que na verdade já pertence ao passado, o presente do passado, que se chama memória, e o presente do futuro, apenas imaginado por nossa esperança ou nosso medo (Borges, 1980, p. 95).

Santo Agostinho (354-430) As considerações sobre o tempo de Santo Agostinho costumam ser bastante lembradas em trabalhos que tratam desse tema. Agostinho foi seguidor da corrente neoplatônica, antes de abraçar o cristianismo em 386. Sua visão sobre o tempo, manifesta principalmente nas obras A cidade de Deus e Confissões , foi influenciada principalmente por Platão e Plotino. Em suas Confissões , Agostinho discorre longamente sobre o tempo, partindo de uma indagação de natureza religiosa: “o que estaria fazendo Deus antes da criação?”. Sua conclusão – que o aproxima da visão platônica – é que o próprio tempo passou a existir no momento da criação, pois não há sentido pensarmos em “antes” onde não havia tempo. A partir disso, Agostinho tenta responder “o que é o tempo?”. Para ele, o passado já não existe, e o futuro ainda não veio. Mas atribuir realidade ao presente também não soluciona a questão, pois ao considerarmos alguns intervalos de tempo (cem anos, um ano, um dia) sempre há, em qualquer divisão que se faça, um passado que já não é, e um futuro que ainda será. O presente, portanto, não tem nenhuma “duração”: “ Se pudermos conceber um espaço de tempo que não seja suscetível de ser subdividido em mais partes, por mais pequeninas que sejam, só a esse podemos chamar tempo presente. Mas este voa tão rapidamente do futuro ao passado, que não tem nenhuma duração. Se a tivesse, dividir-se-ia em passado e futuro. Logo, o tempo presente não tem nenhum espaço .” (Agostinho, 1980, p. 219) Apesar de o presente não ter duração, Agostinho admite que podemos comparar intervalos de tempo, na música ou na poesia, e dizer, por exemplo, que “uma sílaba tem o

ele compartilha a noção de que o tempo foi criado junto com o universo. O próprio tempo, bem como as coisas nele criadas, tiveram o seu início quando Deus assim o determinou. A tentativa de conciliação entre um Deus eterno, a criação do mundo e do tempo, e a concepção aristotélica do tempo e do movimento dos astros levou São Tomás a defender a existência de três tipos de tempo: o dos corpos e fenômenos terrestres (uma sucessão com começo e fim definidos), a eternidade atemporal (prerrogativa de Deus apenas), e o tempo dos anjos, dos corpos celestes e das idéias (com início, mas sem fim) (Whitrow, 1993, p. 148). A fusão do aristotelismo com a visão cristã, no que se refere ao tempo, fica clara nesta passagem do Compêndio de Teologia em que São Tomás, após afirmar a existência, a imobilidade e a eternidade de Deus, diz: “ De quanto expusemos até aqui evidencia-se que não há em Deus qualquer sucessão temporal, senão que Deus existe totalmente e simultaneamente. A sucessão temporal ocorre exclusivamente nas coisas que de um modo ou de outro estão sujeitas ao movimento, de vez que são o antes e o depois no movimento que constituem a sucessão temporal. Ora, Deus não está em absoluto sujeito ao movimento (...). Donde se infere que não há n’Ele qualquer sucessão de tempo .” (Tomás de Aquino, 1973, p. 79)

O tempo e o nascimento da ciência moderna

Galileu Galilei (1564-1642) É bastante conhecido, na história da física, o papel preponderante de Galileu na defesa da teoria heliocêntrica de Copérnico, assim como no estabelecimento de uma nova teoria do movimento compatível com ela. O cientista italiano foi decisivo na superação da “física aristotélica”, inaugurando a descrição dos movimentos terrestres a partir das idéias de relatividade dos movimentos , movimento compartilhado e composição de movimentos. Galileu foi o responsável pelo estabelecimento da lei de queda dos corpos, segundo a qual os incrementos de velocidade de um corpo em queda, próximo à superfície da Terra, são diretamente proporcionais ao tempo transcorrido. Ao compreender essa dependência temporal

  • e não espacial – da velocidade de queda, ele introduz de modo definitivo o tempo no estudo dos movimentos (Martins & Zanetic, 2001 e 2002b). Vejamos como ele o faz (pela boca de Salviati) nos Discorsi... , de 1638: “ Quando, portanto, observo uma pedra que cai de uma certa altura a partir do repouso e que adquire pouco a pouco novos acréscimos de velocidade, por que não posso acreditar que tais acréscimos de velocidade não ocorrem segundo a proporção mais simples e mais óbvia? Se considerarmos atentamente o problema, não encontraremos nenhum acréscimo mais simples que aquele que sempre se repete da mesma maneira. O que entenderemos facilmente, se considerarmos a estrita afinidade existente entre o tempo e o movimento: do mesmo modo, com efeito, que a uniformidade do movimento se define e se concebe com base na igualdade

dos tempos e dos espaços (...), assim também, mediante uma divisão do tempo em partes iguais, podemos perceber que os aumentos de velocidade acontecem com simplicidade; concebemos no espírito que um movimento é uniforme e, do mesmo modo, continuamente acelerado, quando, em tempos iguais quaisquer, adquire aumentos iguais de velocidade. ” (Galilei, 1988, p. 160) O tempo é uma quantidade mensurável no estudo dos movimentos. Galileu preocupou-se com esse aspecto, buscando relatar a maneira pela qual media o tempo em suas experiências. Havia uma percepção da importância de uma medição mais precisa do tempo, e seus estudos com o pêndulo refletem tal necessidade (embora ele nunca tenha utilizado o movimento pendular em suas experiências, chegou a projetar um relógio de pêndulo poucos

anos antes de sua morte). Nos Discorsi... , a derivação da lei s ∝ t 2 , por meio do plano

inclinado, é seguida por uma descrição da “clepsidra” usada por ele: “ No que diz respeito à medida do tempo, empregávamos um grande recipiente cheio de água, suspenso no alto, o qual, por um pequeno orifício feito no fundo, deixava cair um fino fio de água, que era recolhido num pequeno copo durante todo o tempo em que a bola descia pela canaleta ou por suas partes. As quantidades de água assim recolhidas eram a cada vez pesadas com uma balança muito precisa, sendo as diferenças e proporções entre os pesos correspondentes às diferenças e proporções entre os tempos; e isto com tal precisão que, como afirmei, estas operações, muitas vezes repetidas, nunca diferiam de maneira significativa. ” (Galilei, 1988, p. 176) Um último ponto que merece destaque é a representação que Galileu faz do tempo, em vários teoremas e proposições dos Discorsi..., por meio de uma segmento de reta. Em sintonia com essa representação, ele acreditava que o tempo era contínuo , com infinitos instantes. Mas sua visão afasta-se da de Aristóteles. Enquanto esse último não acreditava que o contínuo pudesse ser composto de indivisíveis, para Galileu uma grandeza contínua seria constituída por uma infinidade de elementos infinitamente pequenos (os “indivisíveis”), ou seja, o divisível seria composto por indivisíveis^5.

René Descartes (1596-1650) A física e a cosmologia de Descartes eram essencialmente qualitativas. Ainda assim, ele foi o responsável pela formulação precisa do princípio da inércia e elaborou também uma teoria bastante complexa para explicar o surgimento e a evolução do universo. Nela, admite um início temporal do mundo, a partir do qual um conjunto de “leis naturais” – determinadas pela vontade divina – explicariam o seu desenvolvimento posterior. Para Descartes, a permanência do mundo – sua duração – depende da vontade de Deus. Essa duração não existe, entretanto, independentemente das coisas que duram. Ele fazia uma distinção entre o tempo como duração das coisas que continuam a existir e se conservam

relógio (segundo Rodrigues (1988), Newton relacionava o dt – infinitésimo de tempo do cálculo diferencial e integral – com a ação de Deus no universo. Já O’Connor & Robertson (2002) afirmam que o cálculo, que para ele era a “teoria dos fluxões”, relacionava o movimento ao fluxo universal do tempo). Assim, o tempo absoluto passa a ser conseqüência do atributo divino da eternidade^7. As características mais formais do tempo, na mecânica newtoniana, não contemplam todos esses aspectos da concepção original de Newton. Elas serão analisadas mais adiante.

Críticos do tempo absoluto newtoniano

Gottfried W. Leibniz (1646-1716) Contemporâneo de Newton, Leibniz acreditava que o tempo não poderia existir sem os fenômenos. É a “ordem sucessiva das coisas” que nos dá a noção de tempo, sendo ele, pois, relativo. Ele é uma ordem que relaciona os corpos em suas posições sucessivas, possuindo um valor lógico, mas não ontológico. Se não houvesse fenômenos nem criaturas, não haveria tempo. Para Leibniz, o tempo é algo “ideal”, constituindo-se a partir de relações, o que não o impede de ser dotado de “quantidade”. Vejamos dois trechos de sua longa correspondência com Samuel Clarke (1675-1729), discípulo de Newton. Neles, Leibniz explicita sua visão de tempo: “ 4. Quanto a mim, deixei assentado mais de uma vez que, a meu ver, o espaço é algo puramente relativo, como o tempo; a saber, na ordem das coexistências, como o tempo na ordem das sucessões. ” (Leibniz, 1983, p. 177 – terceira carta) “ 55. Quanto à questão de saber se Deus podia criar o mundo mais cedo, é preciso entender bem os termos. Como demonstrei que o tempo sem as coisas não passa de uma simples possibilidade ideal, é manifesto que, se alguém dissesse que esse mesmo mundo que foi criado efetivamente teria podido, sem nenhuma outra mudança, ter sido criado mais cedo, não diria nada de inteligível, pois não há nenhum sinal ou diferença pela qual seria possível conhecer que ele tivesse sido criado mais cedo. Assim, como já deixei dito, supor que Deus tenha criado o mesmo mundo mais cedo é supor algo de quimérico. É fazer do tempo uma coisa absoluta, independente de Deus, ao passo que o tempo deve coexistir com as criaturas, e não se concebe senão pela ordem e quantidade de suas mudanças .” (p. 205 – quinta carta) Em sua crítica aos conceitos newtonianos, Leibniz usa ainda outro argumento: se duas coisas são idênticas em tudo, então elas são uma mesma coisa. Como o espaço absoluto é idêntico em todos os lugares, e o tempo absoluto é idêntico em todos os instantes (por suas próprias definições), quaisquer dois lugares são na verdade um único e mesmo espaço, assim como quaisquer dois instantes são um único e mesmo tempo (O’Connor & Robertson, 2002).

Ernst Mach (1838-1916) As idéias de Leibniz têm muito em comum com a concepção desenvolvida quase dois séculos depois por Mach, no que diz respeito às críticas ao espaço e ao tempo absolutos de Newton. Mach, em seu tratado sobre o desenvolvimento histórico da mecânica, defende que a própria idéia de tempo é uma abstração , a que chegamos pela variação das coisas. Seria equivocado, por exemplo, pensarmos que o movimento de um pêndulo ocorre no tempo. O que fazemos é comparar as sucessivas posições do pêndulo com outros pontos (na superfície da Terra, por exemplo). Mesmo sem esses pontos, poderíamos fazer a comparação com nossos pensamentos e sensações, que seriam diferentes. Da mesma maneira, um movimento só é uniforme quando comparado a outro movimento, também uniforme: “ A questão de que um movimento seja uniforme em si não tem nenhum sentido_. Muito menos podemos falar de um “tempo absoluto” (independente de toda variação). Este tempo absoluto não pode ser medido por nenhum movimento, não tem pois nenhum valor prático nem científico; ninguém está autorizado a dizer que sabe algo dele; não é senão um ocioso conceito “metafísico”_ .” (Mach, 1949, p. 190 – tradução nossa) Afirma, mais adiante, que a nossa representação do tempo surge a partir de uma correspondência entre o conteúdo de nossa percepção e o conteúdo de nossa memória. Ao negar a possibilidade de um tempo absoluto, considerando-o como um conceito metafísico, Mach aproxima-se de Leibniz, por um lado, e de Einstein – a quem influenciou – por outro^8. Veremos ainda nessa seção as características do tempo relativístico.

Breves comentários acerca de algumas posições filosóficas sobre a temporalidade

Espinosa (1632-1677) Na concepção de Espinosa, a distinção entre passado e futuro não existe para a razão, mas apenas para a imaginação. É próprio da razão perceber a ordem eterna e necessária da natureza, “perceber as coisas como tendo algo de eternidade” (Apud Piettre, 1997, p. 53). A natureza, ao manifestar essa ordem necessária e não contingente, confunde-se com Deus. Nosso conhecimento insuficiente não nos permite conhecer a intrincada complexidade de causas e efeitos dos fenômenos. Devemos isso à nossa inteligência finita, mas – em princípio – o futuro seria previsível (de direito). Segundo Piettre (1997), esse determinismo de Espinosa representa o primado da eternidade sobre o tempo, compreendendo esse “eterno” como uma negação do passado e do futuro em favor do único presente.

perdendo o seu caráter de devir , a duração (vivida) não é mensurável, objetivável, mas apenas experimentada subjetivamente. A duração “constitui uma realidade absoluta além de toda medida” (Piettre, 1997, p. 48). Por isso, a duração pura estaria além da possibilidade de compreensão científica, permanecendo objeto de uma intuição metafísica. Para Bergson, a duração implica a consciência, pois só podemos falar de uma realidade que dura, de “antes” e “depois”, se introduzirmos a memória e, portanto, a consciência. A experiência da duração forneceria ainda uma intuição do “impulso vital” que anima a vida em geral, fazendo com que o tempo constitua a própria essência da existência dos seres vivos.

Gaston Bachelard (1884-1962) O pensador que, para nós, é referência no campo epistemológico, elaborou também ensaios sobre os fenômenos temporais, principalmente La intuición del instante (2000, original de 1932) e A Dialética da Duração (1988, original de 1936). No primeiro dos dois trabalhos, Bachelard propõe-se a tratar do que considera uma intuição nova e de interesse metafísico, presente na obra Siloë , de Gaston Roupnel: a idéia de que o instante é a única realidade do tempo. O instante tem um caráter dramático, representa uma ruptura do ser, em que a descontinuidade se impõe. Opondo as teses de Roupnel às de Bergson, Bachelard defende que a duração contínua é indireta e mediata, uma construção de nosso espírito. Ela é uma sensação como outra qualquer, e não seria uma unidade indestrutível, como queria Bergson. Ao contrário, o instante é o elemento primordial do tempo, fundando uma metafísica da descontinuidade e dos atos criadores. “E como não ver logo que a vida é o descontínuo dos atos?” (Bachelard, 2000, p. 21 – tradução nossa). A atomização do tempo faz com que a duração seja deduzida em vez de postulada. Os pontos temporais sem dimensão, uma vez unidos, esquematizam uma duração que é apenas uma função panorâmica e retrospectiva. Trata-se de uma aritmetização completa e franca do tempo. Bachelard busca auxílio na física contemporânea para criticar a duração bergsoniana e defender sua tese da descontinuidade. Da relatividade, resgata a idéia da destruição de uma duração absoluta e objetiva. E, a partir da mecânica quântica, sugere que o átomo só existe no momento em que muda, permitindo que pensemos numa espécie de “concepção estatística dos instantes fecundos” (p. 51). Mas não se propõe a aprofundar esses aspectos científicos. Também a idéia de direção do tempo, de um passado e de um futuro, tem para Bachelard o caráter de uma impressão. O instante não sugere qualquer direção. A consciência

é consciência do instante, e vice-versa. De modo que a recordação do passado e a previsão do futuro baseiam-se em hábitos , sendo necessária uma negação absoluta da realidade do passado. Dedica então o restante da obra para analisar como o hábito explica a permanência do ser e de seu progresso. É basicamente pela idéia de ritmo que Bachelard busca compreender a continuidade do descontínuo. O hábito, cuja expressão é a permanência do ser, é um “ritmo sustentado”, mas que sempre mantém sua idéia de novidade. O hábito implica em repetição, e constitui-se em progresso na medida em que essa repetição leva à novidade, ao desconhecido. O tempo tem um valor essencial de renovação, ele só “dura” inventando. As teses bachelardianas de um tempo descontínuo, em que a realidade última é o instante, são retomadas e aprofundadas em A Dialética da Duração, obra considerada pelo próprio autor como de teor “metafísico”. Bachelard não se propõe a discutir, exatamente, o conceito de tempo, mas a problematizar o que seria uma “experiência da duração contínua”. Contrapõe-se novamente, de início, à tese de Bergson da continuidade, chamando sua filosofia de “filosofia do pleno”. Ao contrário, Bachelard defende que haja lacunas na duração, e que o repouso deve ser considerado um dos elementos do devir, inscrito no âmago do ser. O que ele pretende é fundar uma dialética do ser na duração. A idéia de um tempo único e contínuo seria imperfeita, pois os fenômenos temporais não “duram” todos do mesmo modo, havendo um ritmo apropriado para o estudo de cada fenômeno temporal. A noção de ritmo é então mais adequada a uma filosofia dialética da duração, levando o autor a propor uma “ritmanálise” baseada na descontinuidade. A continuidade – tanto física quanto psíquica – não é um dado, mas uma obra. Ela tem um caráter metafórico, é uma conseqüência de “superposições temporais” em que o tempo de cada fenômeno gera, globalmente, a ilusão de um tempo único, em analogia às ondículas que, juntas e em grande número, compõem uma frente de onda. Bachelard defende a existência de uma descontinuidade essencial, principalmente, no terreno da psicologia dos fenômenos temporais, abordando também o campo da música e da poesia, onde encontraríamos metáforas ilusórias a uma psicologia do tempo. Bachelard procura também fundamentar sua proposta do ponto de vista físico, analisando a relação entre duração e causalidade. Para ele, a duração não tem qualquer papel na ligação entre a causa e o efeito, e a ordem de sucessão é o único aspecto realmente objetivo do tempo. Tendemos a “exagerar a riqueza do devir”. Busca, então, apoio nos “microfenômenos”: “ A microfenomenologia não deve tentar ultrapassar a descrição de uma ordem de sucessão, ou, mais simplesmente ainda, a enumeração dos casos possíveis. Essa enumeração exigirá em

deixam as leis da mecânica invariantes segundo uma mudança de coordenadas, expressam claramente esse caráter absoluto do tempo:

Figura 1: as transformações de Galileu

O tempo e a simultaneidade absolutos, compartilhados por todos os referenciais inerciais, são necessários para dar significado às leis mecânicas. A terceira lei de Newton mostra que se A exerce uma força sobre B, B exerce instantaneamente uma força igual e oposta sobre A, estando a simultaneidade das medidas implicada. Haveria um problema caso a simultaneidade para A fosse diferente da simultaneidade para B, mas na mecânica newtoniana elas são a mesma (Rindler, 2001, p. 65). A noção de simultaneidade absoluta dá um significado inequívoco à terceira lei e insere-se no quadro da “ação instantânea à distância”, característico da teoria. O tempo não é tridimensional como o espaço, mas unidimensional. É ainda contínuo, no sentido de que entre dois instantes quaisquer há infinitos outros. Esse caráter linear e contínuo do tempo clássico faz com que uma boa representação para ele seja a reta dos números reais. Mas essa ainda seria uma imagem estática. O aspecto dinâmico, próprio do tempo, começa a aparecer quando consideramos outra de suas propriedades: a sua homogeneidade. Por homogeneidade entende-se, grosso modo, que todas as “partes” do tempo são iguais entre si. Isso assegura que quaisquer dois experimentos (isolados do resto do universo) que tenham hoje igual duração possam ser repetidos no futuro com igual resultado (Rindler, 2001, p. 64). Dito de outra forma, é isso que garante que o resultado das experiências não dependa do momento em que sejam realizadas, ou seja, não há necessidade de repetição de uma experiência com o passar do tempo, pois seu resultado continua válido, consideradas as

x = x’ + Vt y = y’ z = z’ t = t’

mesmas condições iniciais (claro que isso não é válido para os fenômenos que, intrinsicamente, variem no tempo). Essa propriedade do tempo encontra-se relacionada, pelo formalismo matemático da teoria, a um dos mais importantes princípios de conservação da física: o da energia^9. Pode-se dizer que a homogeneidade é uma simetria do tempo que se reflete na lei de conservação da energia. Podemos pensar ainda a homogeneidade do tempo na mecânica como equivalente à afirmação da uniformidade do transcurso do tempo. Na mecânica clássica, o tempo “flui”. E flui uniformemente. Dizer que o transcurso do tempo é uniforme significa algo como afirmar que ele “passa” sempre da mesma maneira, sem “acelerações” ou “retardamentos”, num dado referencial. Na verdade, isso não é muito preciso, pois o que significaria o tempo passar “mais rápido”? Uma “maior rapidez” significaria uma passagem de “mais tempo” em relação... ao tempo? De qualquer modo, podemos imaginar (com uma certa dose de permissividade...) a não-uniformidade do tempo como sendo o passar desigual dos minutos, ou o movimento ora mais rápido ora mais devagar da Terra em sua órbita, como num filme “acelerado” ou “em câmera lenta”. Num mundo de tempo não-uniforme, a energia pareceria não se conservar, “surgir do nada” ou simplesmente “desaparecer”^10. Entretanto, afirmar que o tempo é linear, contínuo e homogêneo (ou uniforme) não significa dizer que ele “flui” necessariamente do passado em direção ao futuro. Tanto é possível percorrer a “linha reta” num sentido como no outro. A homogeneidade (ou uniformidade) não implica irreversibilidade^11. Nossa “imagem dinâmica” do tempo ainda precisa de “retoques”. Para isso, é necessário distinguirmos as situações nas quais há conservação da energia mecânica daquelas em que essa energia não se conserva (embora a energia total, sim). Antes, é importante salientarmos que a mecânica clássica é uma teoria reversível temporalmente , ou seja, é invariante por reversão temporal (uma transformação que troque t por -t ). Isso é claro se olharmos a segunda lei de Newton: F = md^2 xdt^2 , em que a

substituição de t por -t não modifica a equação. A primeira e a terceira leis, assim como a lei de força da gravitação ( F = Gm 1m 2 r^2 ), também são invariantes, pois o tempo sequer

aparece explicitamente em suas formulações. Podemos ainda compreender esta invariância por reversão temporal como uma declaração de que uma seqüência qualquer de estados de um

sistema mecânico ( Ei → Ef ) é dinamicamente possível se, e somente se, sua reversão no tempo

( EfRev → EiRev ) também o é.

espontâneos, em sistemas isolados (como determina a segunda lei da termodinâmica^13 ). Esse aumento de entropia, ou do grau de “desordem” do sistema, é o processo mais provável quando consideramos a evolução temporal de um sistema. Se imaginarmos, por exemplo, um frasco de perfume que é aberto numa sala vazia, sabemos que com o tempo as moléculas irão dispersar-se pelo ambiente, procurando ocupar todo o espaço disponível. Ao atingirem o equilíbrio, o número de configurações de velocidades moleculares (microestados) compatíveis com o macroestado de equilíbrio é infinitamente maior do que uma configuração particular de velocidades das moléculas (sua inversão) que as fizesse retornar ao frasco, esvaziando a sala. Uma vez que a entropia é uma medida do número de microestados do sistema compatíveis com um determinado macroestado, há certamente uma maior entropia na situação de equilíbrio, e uma probabilidade muito maior de encontrarmos o sistema numa das configurações de velocidades compatíveis com ele. Houve, portanto, uma evolução temporal no sentido da entropia crescente, partindo-se de um contexto mais organizado (moléculas no frasco) para uma situação mais desorganizada e mais provável (ocupação da sala pelo gás de moléculas). O caráter estatístico da lei do aumento de entropia faz com que a reversão no tempo seja – simplesmente – um processo pouco provável. Na verdade, ao calcularmos a probabilidade de retorno das moléculas para o frasco, no nosso exemplo, vemos que ela é ínfima o suficiente para considerarmos, na prática, esse processo reverso como impossível. Mesmo assim, isso serve para deixar claro que, ao vincularmos a irreversibilidade do tempo à segunda lei da termodinâmica, devemos encará-la em sua natureza probabilística , e não absoluta^14. Essa não é, entretanto, a única posição possível. Mais modernamente, o estudo dos sistemas dissipativos e da termodinâmica longe do equilíbrio têm procurado mostrar a existência de uma “seta do tempo” mais fundamental, associada a equações não-lineares que descrevem de modo assimétrico os sistemas mais elementares tratados pela mecânica estatística (Prigogine & Stengers, 1992). Para outros, no entanto, a termodinâmica não-linear irreversível não revolucionou a visão tradicional sobre a “seta do tempo”, pois continua apoiando suas conclusões sobre condições suplementares, e não sobre leis fundamentais realmente irreversíveis (von Borzeszkowski & Wahsner, 1984). Daí que muitos autores busquem na mecânica quântica ou na teoria da relatividade argumentos em prol tanto de uma “irreversibilidade real” quanto de sua “aparência ilusória”. Esse é um debate ainda em aberto, cujo aprofundamento deixaremos de lado.

O tempo relativístico O fato de a velocidade da luz ser finita já impõe conseqüências sobre a temporalidade, mesmo antes de considerarmos efeitos propriamente relativísticos. Na mecânica clássica era possível considerar a interação entre a Terra e a Lua, por exemplo, dentro da concepção de uma “ação instantânea à distância”, ou seja, supondo uma transmissão de informação a uma velocidade infinita. Nessa visão, o par ação-reação referente à interação gravitacional entre ambas, que se encontra na reta que une seus respectivos centros de massa, seria deslocado simultaneamente a qualquer alteração na posição de um dos dois corpos, e de modo instantâneo. A velocidade finita da luz fixou um limite superior para a velocidade de transmissão de informações. Seu valor elevado ( c = 300.000 km/s, no vácuo), entretanto, faz com que as conseqüências não sejam perceptíveis em nosso cotidiano. Isso muda ao considerarmos distâncias astronômicas. Nelas, o conceito de simultaneidade torna-se relativo, e não absoluto, como na mecânica newtoniana. Um observador a meio caminho entre a Terra e o Sol, por exemplo, demoraria cerca de quatro minutos para notar uma anomalia nas emissões solares, que seriam percebidas na Terra outros quatro minutos depois. Dois eventos ocorridos na Terra e no Sol, que aos seus olhos fossem simultâneos, não o seriam para um observador lunar. No entanto, a ruptura com o conceito de tempo clássico, promovida com o advento da teoria da relatividade, foi mais profunda do que isso. Para lidar com os dois postulados básicos da teoria (a constância da velocidade da luz no vácuo , medida por qualquer sistema de referência inercial, e o princípio da relatividade , que determina a invariância das leis físicas segundo uma mudança de coordenadas entre sistemas inerciais de referência), Albert Einstein (1879-1955) precisou “sacrificar” nossa intuição comum de que distâncias e intervalos de tempo são absolutos^15. Eles passaram a ser relativos , no sentido de que dependem do movimento relativo entre observadores. Para a primeira das duas teorias propostas por Einstein, a relatividade especial, deixa de existir um espaço e um tempo desconectados entre si. As medidas de ambos não podem mais ser consideradas independentemente, o que é expresso pelo novo sistema de transformação de coordenadas entre referenciais inerciais, as transformações de Lorentz: