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Este capítulo oferece um retrato de candido portinari como artista e intelectual na indústria cultural das décadas de 1920 e 1930 no brasil. Através de uma investigação sobre a representação da identidade moderna brasileira nas artes plásticas pela imprensa carioca, especialmente através de artigos de jornais e revistas que criticaram o trabalho do pintor candido portinari, este texto explora como a imprensa carioca recebeu e influenciou a arte moderna no brasil. A metodologia empregada foi a seleção de fontes primárias publicadas entre 1923 e 1931, período em que portinari se integrou ao grupo de artistas e intelectuais de são paulo liderados por mário de andrade.
Tipologia: Notas de estudo
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Neste capítulo, traço um retrato de Candido Portinari como artista e intelectual na indústria cultural das décadas de 20 e 30 do século XX. Nascido a 30 de dezembro de 1903, em uma fazenda de café próxima à pequena cidade de Brodósqui, no interior de São Paulo, Portinari chega ao Rio de Janeiro em 1919, determinado a se tornar pintor. Matricula-se na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), onde recebe, ao longo de oito anos, uma formação acadêmica distante dos ventos modernistas que chegavam da Europa. Em 1928, após duas tentativas, finalmente ganha, com o retrato do poeta Olegário Mariano, o concorridíssimo ‘Prêmio de Viagem’, concurso que a ENBA promovia em seus salões anuais e que dava ao vencedor uma viagem de estudos à Europa. Em janeiro de 1931, Portinari regressa ao Brasil, já casado com Maria Victoria Martinelli, jovem uruguaia que conhecera em Paris. Os tempos são outros: a Revolução de 30, ocorrida em outubro, havia instalado o Governo Provisório, presidido por Getúlio Vargas. O novo governo iniciara, também, uma renovação nas instituições artísticas e culturais jamais vista no país. Com a indicação de Lúcio Costa para a direção da ENBA, Portinari é convidado a integrar a Comissão Organizadora do Salão, que abole o júri de seleção e os prêmios, abrindo espaço para as mais diversas tendências artísticas do período. Portinari exibe 17 obras na 38ª Exposição Geral de Belas Artes, que ficou conhecida por Salão Lúcio Costa. Nessa ocasião, Portinari é “descoberto” pelo escritor Mário de Andrade, e os dois se tornam amigos. Desse encontro, em 1931, resulta a integração de Portinari ao grupo de artistas e intelectuais de São Paulo, formado por Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, entre outros, tendo em Manuel Bandeira seu representante no Rio de Janeiro.
No ano seguinte, o artista faz a primeira exposição individual após seu retorno da Europa, onde apresenta, em suas telas, uma inédita temática nacional, exaltadas pelo escritor Henrique Pongetti como “o começo de alguma coisa séria e definitiva na pintura brasileira”^1. A pintura de Portinari finalmente “se encontra” com as questões que passaram a ocupar os artistas modernistas, capitaneados por Mário de Andrade, a partir do segundo momento do movimento: a arte social descobrindo o homem social brasileiro.
Neste subcapítulo investigo a representação da identidade moderna brasileira nas artes plásticas pela imprensa carioca, particularmente através de artigos de jornais e revistas que opinaram criticamente sobre o trabalho do pintor Candido Portinari. As questões que me propus a discutir foram: como se constituía o campo das artes no Rio de Janeiro? Qual era o ambiente em que as artistas circulavam e produziam suas obras? Quem eram os artistas e intelectuais representativos do modernismo carioca? Quem eram os críticos envolvidos no debate sobre as artes plásticas? Quais os métodos empregados pela crítica de arte para a construção da nova identidade brasileira? Como a pintura de Portinari foi recebida pela crítica no primeiro momento de sua carreira artística? Qual lugar Portinari ocupou nesse cenário? A metodologia empregada foi a seleção de fontes primárias publicadas entre 1923 – ano em que Portinari é citado pela primeira vez na Gazeta de Notícias em decorrência da XXX Exposição Geral de Belas Artes –, e 1931 – quando retorna ao Brasil de seu Prêmio de Viagem, já consagrado, e às vésperas de conhecer Mário de Andrade, já num segundo momento do movimento modernista paulista. O cenário para discutir a recepção da imprensa carioca ao pintor Portinari foram as manifestações
(^1) PROJETO PORTINARI, Cronobiografia de Candido Portinari, p. 7.
Como agente dessa mudança atuava a imprensa periódica, filha dos centros urbanos e da consolidação de um público leitor que lhe garantia a circulação. No Rio de Janeiro do início do século XX, a imprensa era variada e numerosa, e o Jornal do Brasil, fundado em 1891, alcançaria a tiragem de 60 mil exemplares graças à aquisição de uma rotativa que imprimia simultaneamente quatro páginas do jornal. Jornal “barato e popular” era a fórmula que a maioria dos periódicos de então seguia. Preocupados em informar, mas ao mesmo tempo em ‘formar’ seu público, alguns desses jornais tinham um corpo de intelectuais de vulto – escritores, jornalistas, artistas, professores – em suas redações e que disputavam a atenção dos cidadãos cariocas. Como alternativa aos jornais, que se tornavam empresas, surgiram, entre 1880 e 1911, inúmeras pequenas revistas ilustradas editadas por escritores cariocas. Com periodicidade mensal ou semanal, também exerciam grande influência na opinião pública. Gazetinha , Gazeta da Tarde , A Semana , Pierrot , Revista dos Novos , Brasil Moderno , Rua do Ouvidor , Rosa- Cruz , Vera-Cruz , Kosmos , Renascença , O Paiz , Diário de Notícias , Diário do Comércio , Atheneida , Os Anais , Revista Contemporânea, Revista Ilustrada, O Globo , A Avenida , Ilustração Brasileira , Revista da Semana , Revista Americana, e mais Guanabara , Rio Revista , Galáxia , Mercúrio e Fon-Fon, estes fundados pelo pintor, crítico de arte, jornalista e escritor Gonzaga Duque em 1901 e 1908, respectivamente, eram alguns dos periódicos que faziam circular, no Rio de Janeiro daquele período, os afetos e desafetos à enxurrada de novas ideias propostas pela “civilização da máquina” e que ricocheteavam na arte tranquila e comportada produzida pela Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). Gonzaga Duque seguia, no exercício da crítica de arte, os passos de seu predecesor Araújo Porto-Alegre, primeiro crítico brasileiro – além de pintor, historiador e professor da ENBA, quando a Escola Nacional era ainda Academia
Imperial de Belas Artes (Aiba) –, a defender, já no século XIX, que a pintura de paisagem deveria registrar a natureza nacional. Quando Candido Portinari chegou ao Rio de Janeiro, em 1919, havia quase duas décadas que a capital federal era moderna. A Reforma Pereira Passos, entre 1902 e 1906, a inauguração da usina de energia elétrica de Ribeirão das Lajes, em 1907, e a Exposição Nacional de 1908 faziam o Rio de Janeiro, e por conseqüência, o Brasil, ombrear com as “nações civilizadas” do mundo – Inglaterra, França e EUA. Vindo de São Paulo para estudar como aluno livre na ENBA – onde permaneceu por oito anos –, Portinari encontrou uma instituição ainda arraigada aos conceitos de arte do início do século XIX – ou seja, ao Neoclássico –, mesmo o mundo já tendo conhecido as manifestações de vanguarda artística como o Futurismo, o Expressionismo, o Cubismo e o Dadaísmo. O “Academismo”, como foi batizada a releitura do Neoclássico durante o século XIX e parte do XX, era o estilo vigente na ENBA e a vida artística na Capital Federal se resumia aos Salões anuais, às encomendas oficiais, à decoração de prédios públicos e ao magistério oficial, sendo o Prêmio da Viagem ao exterior a principal forma de consagração e meio de aperfeiçoamento ou, em alguns casos, de liberdade de expressão artística. Não que a ENBA já não tivesse tentado se modernizar. Criada em 1816 pela Missão Artística Francesa como Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, logo rebatizada de Academia Imperial de Belas Artes, a partir de 1890, com a República, passara a se chamar Escola Nacional de Belas Artes. Juntamente com as reviravoltas políticas nacionais, a escola já tivera, ao longo de 103 anos, suas próprias revoluções, que começaram com Félix Émile Taunay, diretor da Academia Imperial entre 1834 e 1851, que criou as Exposições Gerais de Belas Artes (1840), organizou a pinacoteca (1843) e instituiu os prêmios de viagem ao exterior (1845); passaram pela Reforma Pedreira, em que Manuel de Araújo Porto Alegre, diretor entre 1854 e
circulavam alunos e professores identificados com a modernidade, como Belmiro de Almeida, Eliseu Visconti, França Júnior, Henrique e Rodolfo Bernardelli, Rodolfo Amoedo e Zeferino da Costa.
O modernismo no Rio começou com os simbolistas, mais dissidentes que revolucionários. Eles foram os críticos da razão moderna, a razão da técnica e da ciência, e buscaram outras razões, através de uma estética da sugestão, de uma imaginação extravagante e uma abertura ao inconsciente. (LINS, 2008:59)
Quando Portinari, aos 16 anos, se matriculou na ENBA como aluno-livre para cursar Desenho Figurativo com Lucílio de Albuquerque e, depois de aprovado em concurso, Pintura com Rodolfo Amoedo, Baptista da Costa e Rodolfo Chambelland, outros subterrâneos vinham sendo revolvidos para além da reurbanização da Zona Sul carioca, promovida pelo então prefeito Paulo de Frontin: a luta pela autonomia da pintura, que na visão moderna já não mais encontrava resposta nas esquematizações catalogadas pelo academismo em sua fidelidade à representação.
O que está por detrás do discurso da arte moderna é a questão da luta entre as forças da infinitude e as forças da finitude na constituição da obra de arte. Quando o artista moderno decreta o fim da representação e a constituição de um campo eminentemente plástico, o que está sendo interrompido é essa passagem natural de correspondências entre o que está sendo representado e a representação, que está ancorada na ideia de que esta correspondência é possível graças a um fluxo de passagens, garantido pelo ilimitado, entre uma situação e outra: como se houvesse um fundo infinito que sustentasse essa relação. A interrupção desse fluxo (daí a ideia tão caracteristicamente moderna de ruptura) indica que o campo de ação das artes plásticas não é outra coisa senão seus próprios limites. (DOCTORS, 2001:33)
Os jornais e revistas davam ampla cobertura a essas discussões, opinando contra ou a favor de acordo com as preferências de seus críticos e articulistas, como se observa, por exemplo, na edição de 14 de agosto de 1924 do Rio- Jornal , em que o pintor, gravador e decorador Eugenio Latour chama a atenção, no subtítulo, para a disputa entre
“a velha guarda” e “os novos”, e decreta, já na primeira linha:
O academismo morre, o academismo agoniza. Dentro em pouco não existirá dele senão uma sombra pálida, projetada sobre as paredes dos museus.
E continua:
Vai morrendo quase sem sentir, envenenado pela evolução que sempre combateu, aferrolhado à tradição que reputava a Arte como tendo atingido o limite máximo da Beleza. (...) Morre sem sentir, transformando-se quase sem o saber e guardando a sua intransigência antiga unicamente na teimosia de continuar a denominar “acadêmicos” a artistas que não mais refletem, em absoluto, o pensamento acadêmico, que se modernizam e do academismo conservam apenas os princípios básicos que não são dele e sim da Arte em geral.
Para o pintor, os jovens artistas não devem se espelhar nos mestres, imitando sua arte, mas tê-los como guias em busca de suas próprias identidades artísticas:
(...) O Salão deste ano é uma promessa dos novos. Que futuro estará reservado na arte brasileira, a alguns desses jovens que tão auspiciosamente se iniciam? Um furturo brilhante, sem dúvida, mas imperfeito, se não se resolverem a enveredar por um caminho diverso daqueles que têm seguido, diverso do que seguem geralmente os nossos artistas pintores.^3
A disputa entre “a velha guarda” e “os novos”, no entanto, se inicia no Salão do Centenário da Independência, em 1922. No ano seguinte, Candido Portinari é citado pela primeira vez na imprensa. Foi o jornal A Gazeta de Notícias , fundado em 1874 “para dar espaço à literatura e às grandes preocupações, com desprezo pelas misérias e mesquinharias da política” (SODRÉ, 1983:224), o primeiro a notar o artista. Em artigo sobre o Salão de 1923, o pintor e crítico de arte Virgílio Maurício chama a atenção para o aluno e seus quadros Nu feminino – pelo qual ganhou a
(^3) LATOUR, Eugênio. “A pintura no Salon”. Rio-Jornal , Rio de Janeiro, RJ, 14 ago. 1924.
pincelada é franca e o ambiente justo. O quadro não é uma obra isenta de erros, porém, é já um documento valioso, uma nota onde se percebem uma certa independência e vontade de individualismo.^5
No ano seguinte, Lauro Demoro continua a chamar a atenção para os trabalhos da “geração mais jovem dos artistas brasileiros” em que, num “ousado arremesso de juventude” vislumbra-se seu desejo de vencer,
(...) valendo essa sua ânsia de vitória por uma compensação aos que tem sido iludidos, anos seguidos, na mostra oficial por muitos dos legítimos expoentes de gerações anteriores, a maioria dos quais arredia presentemente, comparecendo outros com as velhas chapas, gastas já pelo uso que alguns lustros registram... Um impulso, em que se misturam muita fé e muita ousadia, de valores adolescentes, se contrapõe, corrigindo provável desequilíbrio no salão que é espelho de nossa cultura artística, a uma evidente demonstração de cansaço. São os extremos que se acusam, distanciando-se.^6
Eugênio Latour, por sua vez, comenta no Rio-Jornal que, no Salão,
(...) o velho academismo intransigente cede lugar às tendências modernas, aos artistas mais independentes (...). Felizmente, já vão os nossos artistas, principalmente os novos (referimo-nos aos novos de talento e valor), compreendendo que artista não é unicamente o que pinta com perfeição o nu ou a fisionomia humana; que artista não é apenas o que atingiu a perfeição máxima de imitar as obras dos antepassados ajustando-a o mais meticulosamente possível dentro de regras convencionais e pré-estabelecidas.^7
E destaca os trabalhos apresentados por Portinari, artista cuja “tendência toda parece ser para o retrato”. Essa inclinação para um “gênero considerado como um dos mais difíceis em pintura”^8 , é bem recebida pelos demais críticos, que enfatizam a sua habilidade, estilo e harmonia. A
(^5) CREMONA, Ercole. “O Salão de 1923”. Illustração Brasileira , ano IV, n. 37, set. 1923, p. 11-16. 6 DEMORO, Lauro. ARTES E ARTISTAS. “A Exposição Geral de 1924”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 17 ago. 1924, p. 5. 7 8 LATOUR, Eugênio.^ Op. cit. “A arte de Candido Portinari”. Correio da Manhã , Rio de Janeiro, RJ,
reflexão sobre a arte retratística de Portinari encontra-se no subcapítulo 3.3 Os retratos de Portinari (p. 136). As “tendências modernas” detectadas por Latour na linguagem de Portinari apareceram também na sua primeira composição de temática nacional. Baile na roça representava uma cena rural em traços expressionistas. Por fugir dos temas bíblicos e históricos, convencionais do ensino oficial, foi recusado pelo júri do Salão Anual de 1924. Anos depois, Manuel Bandeira se lembraria do episódio, ao comentar o Prêmio de Viagem ganho pelo artista em 1928, com o retrato do poeta Olegário Mariano:
Já concorreu mais de uma vez ao Prêmo de Viagem do Salão, mas foi sempre prejudicado pelas tendências modernizantes de sua técnica. Desta vez fez maiores concessões ao espírito dominante na Escola, do que resultou apresentar trabalhos inferiores aos dos outros anos: isso lhe valeu o prêmio.^9
Voltando ao Salão de 1924, o crítico Gelabert de Simas chegou a prenunciar o futuro artístico de Portinari:
Equilíbrio, clareza, intuição e elegância são os melhores elementos com que Portinari já se faz admirar na originalidade dos seus trabalhos. Na medida e no senso dos seus processos corre uma centelha de talento que lhe marca um lugar próprio entre as maiores esperanças da moderna pintura brasileira.^10
Em maio de 1925, o pintor participa do IIII Salão da Primavera com dois retratos e dá sua primeira entrevista. Publicada no Jornal do Brasil com o título “Palavras de um jovem retratista patrício”^11 , nela Portinari comenta a importância do Salão como uma manifestação livre dos artistas, onde qualquer um pode apresentar seus trabalhos, sem ter de submetê-los a um júri: “o Salão da Primavera é uma necessidade. (...) proporciona ampla liberdade de ação
(^9) BANDEIRA, Manuel. “O Brasil que insiste em pintar…” A Província, Recife, 13 set. 1928. 10 SIMAS, Gelabert de. O "Salão" de 1924: os pintores e as suas telas. s.n. 11 , Rio de Janeiro, RJ, ago. 1924. “No Salão da Primavera: palavras de um jovem retratista patrício”. Jornal do Brasil , Rio de Janeiro, RJ, 6 maio 1925.
Portinari como “um artista brasileiro de talento”^13. Em “impressões rápidas” sobre os artistas participantes da XXXIII Exposição Geral de Belas Artes (Salão de 1926), um crítico não identificado sentencia:
Se não me engano, o jovem pintor paulista, que concorre este ano ao Prêmio de Viagem, alcançou já o máximo grau de sua evolução artística, e dificilmente poderá produzir obras melhores que as pintadas até hoje.^14
Essa não é a opinião de Roberto da Fonseca, que escreve para a Vida Brasileira , em julho de 1926:
Se dissermos que Portinari é um artista moderno, teremos certamente dito tudo e teremos tecido o maior elogio que se pode tecer a um artista filho do século, que não se peja de viver no século em que vive, comungando as ideias do momento e realizando altivamente esse momento. Entre nós, ser moderno é ser perseguido, apupado, apedrejado: mas também é ser forte, superior e doloroso. Ser moderno é ser mártir, é ser incompreendido, mas também é possuir a exata noção do que seja Arte. Estão os renovadores sensatos fartos de bradar a estes senhores que vivem encastelados no passado, se alimentando do passado e trabalhando para o passado que a Arte é um fenômeno social perfeitamente constituído, perfeitamente caracterizado; e que se o Direito, a Indústria, a Ciência e a Política, que são outros fenômenos sociais, se desenvolvem e progridem, por que cargas d’água há de somente a estética ficar estacionária, rompendo as mais elementares leis da mais elementar das sociologias? De certo porque assim é do agrado dos srs. Acadêmicos... Portinari é um moderno e um moderno às direitas. (...) Esperemos todavia pela vitória do bom critério estético. Do bom critério estético e do senso comum que certamente hão de sagrar Portinari e os que como ele se batem pela arte legítima, pela arte verdadeira.^15 Danton Jobim, escrevendo para o Correio da Manhã , também elogia o talento e a técnica “do novo pintor brasileiro”: Tudo está a assegurar, finalmente, a promissora afirmação de um artista moderno, colorista de fina têmpera, jogando com tonalidades discretas e harmoniosas e constituindo,
(^13) RODRIGUES, Nélson. “Um pouco de arte...”. Alma Infantil , Rio de Janeiro, RJ, 19 jun. 1926. 14 “A XXXIII Exposição Geral de Bellas Artes”. [ s.n. , Rio de Janeiro, RJ, ago.] 1926. 15 FONSECA, Roberto da. Candido Portinari. Vida Brasileira , Rio de Janeiro, RJ, jul. 1926.
portanto, no Brasil, um estímulo e um consolo para todos nós que levantamos os olhos de quando em quando, visionários utópicos e incorrigíveis, para uma possível independência artística e literária. Mas para isso é necessário, antes de tudo, que demos livre curso à personalidade, libertando-a do cárcere estreito das escolas europeias. (...) Candido Portinari consegue impor-se a sua geração como um espírito fino e equilibrado, afirmando-se desde já um artista de recursos apreciáveis e um talento promissivo, fecundo e criador. O que merece, entretanto, os nossos melhores aplausos é a técnica simples e despretenciosa do novo pintor brasileiro, que despreza por completo os empastamentos difíceis, às vezes de mínimos efeitos, bem como as linhas longas e torturadas que se notam nos nossos jovens pintores de preocupação classicista. Porque, afinal de contas, o que tem inutilizado as nossas modernas gerações artísticas é o lastimável extremismo em que se colocam os espíritos mais promissores, ora aferrados a esta ou aquela escola, que é quase sempre uma questão de técnica; ora desprezando as leis úteis e imutáveis da arte (que existem, como na natureza) e apegando-se a formas absurdas e extravagantes com a constante preocupação de salientar a personalidade, o que equivale, portanto, a substituir um preconceito por outro preconceito.^16
Em agosto, Portinari concorre novamente, com três retratos, ao Prêmio de Viagem, mas é contemplado com a Grande Medalha de Prata. N’ O Globo, é apresentado erroneamente como “um artista de tendências futuristas”^17. O Jornal do Commercio , por sua vez, chama a atenção para a resistência ainda vigente na ENBA às manifestações modernas nas artes:
A exposição que ontem se inaugurou é a XXXIV da nossa escola oficial, o que vale dizer, que é a arte acadêmica, que não admite os grandes surtos fora do “academicismo” estabelecido, muita vez [sic] cometendo injustiças e desanimando os que poderão triunfar em vôos esplêndidos...^18
A premiação mais importante virá apenas na XXXV Exposição Geral, realizada em 1928. Portinari apresenta 12 obras, dentre elas o retrato do poeta Olegário Mariano, que
(^16) JOBIM, Danton. “Os apostolos da belleza”. Correio da Manhã , Rio de Janeiro, RJ, 20 set. 1926. 17 “O Salão: triumphal a XXXIV Exposição de Bellas Artes”. O Globo, Rio de Janeiro, RJ, [ago. 1927]. 18 NOTAS DE ARTE. Jornal do Commercio , Rio de Janeiro, 14 ago. 1927, p. 10.
Convirá, no entanto, resumir: Candido Portinari é dotado de sentimento delicado de pintor: sem o querer, é um tradicionalista [grifos meus]. O retrato de O. M. é uma das obras mais definidas do salão deste ano.^21
Em junho de 1929, Portinari embarca para a Europa. Lá chegando, decide não frequentar a Académie Julien , instituição com a qual a ENBA mantinha intercâmbio para que seus alunos continuassem seu aprendizado, mas assume uma ‘didática’ própria: vai a museus em Paris, Londres, Roma, Florença, Veneza, Madri, Sevilha; percorre exposições; frequenta cafés com outros artistas. E nada pinta. Escreve ao amigo Olegário Mariano:
Continuo a visitar os museus. Não tive ainda vontade de começar a trabalhar. Cada vez mais acredito nos antigos. Entretanto, há muitos modernos esplêndidos. Infelizmente, nós aí copiamos o que eles têm de mau (...).^22
Um ano depois, em junho de 1930, o Foyer Brésilian expõe 34 obras de 18 pintores brasileiros na Exposition d’Art Brésilien. Portinari apresenta um retrato e uma natureza- morta. Em janeiro de 1931, Portinari regressa ao Brasil. Em entrevista ao Mundo Ilustrado, conta:
Ao chegar da Europa, tive um enorme trabalho: desaprender, para recomeçar. Estou recomeçando... Van Dongen, a quem mostrei algumas cabeças que fariam sucesso no Brasil, me dizia: ‘Como você consegue fazer coisas tão difíceis? A pintura é tão fácil...’. A viagem à Europa para um moço que observa é útil. Temos tempo de recuar. Temos coragem de voltar ao ponto de partida. Eu sou moço.^23
No seu retorno, Portinari encontra um novo ambiente artístico no Rio de Janeiro. A Revolução de 1930 repercutira em todos os setores da vida nacional. O Presidente Getúlio Vargas cria o Ministério da Educação e Saúde e inicia a renovação das instituições artísticas e culturais do país, a partir do Instituto de Música, da Biblioteca Nacional, do
(^21) RIBEIRO, Flexa. “Salão Brasileiro”. O Paiz, Rio de Janeiro, 19 ago. 1928, p. 2. 22 23 Idem, ibidem. AGA. Portinari voltou da Europa. Mundo Ilustrado , Rio de Janeiro, RJ,
Museu Histórico e da Escola Nacional de Belas Artes. Indicado para substituir a ultraconservadora direção da ENBA, o arquiteto Lúcio Costa cria a Comissão Organizadora do Salão e convida Portinari para integrá-la. Pela primeira vez, é abolido o júri de seleção, não há prêmios e todos os trabalhos apresentados são aceitos. O resultado é a participação das mais diversas tendências. Portinari apresenta 17 obras na XXXVIII Exposição Geral de Belas Artes – também chamada de Salão Revolucionário ou Salão Lúcio Costa –, inaugurada em 1º de setembro de 1931. Nessa ocasião, o escritor Mário de Andrade vem de São Paulo ver a mostra e escreve:
De quem gosto de verdade é desse pintor Candido Portinari, que fez aquele admirável O Violinista. Quem é? Vi então avançar para mim um rapaz baixo, claro, com olhos pequeninos de grande mobilidade, capazes de crescer luminosos de confiança e lealdade, como de diminuir, com um ar de ironia ou desconfiança. Era Candido Portinari e desde então ficamos amigos. Minha vaidade é a de ter sido dos primeiros a descobrir o valor deste grande artista. Sua obra, ainda que muito cuidada, procurada na técnica e pouco afirmativa, obtinha então um respeito passivo e silencioso, mais que uma verdadeira admiração. Por certo não passou por minha imaginação todo o variado e extraordinário caminho que Portinari iria percorrer em seguida, porém O Violinista já era uma obra por si mesma excepcional em nosso meio. Havia nela uma necessidade interior impossível de confundir-se com o prazer da novidade e as preocupações de originalidade. E depositei no pintor uma confiança sem reservas.^24
Portinari também se pronuncia sobre o evento, em artigo assinado:
Com a revolução que botou Lucio Costa na Escola de Belas Artes, o Salão 38 avançou cinquenta anos em artes plásticas. Foi um salão de verdade — o único realizado no Brasil sem protecionismo. Todo mundo expôs. Compareceram todas as escolas, desde as mais enferrujadas até as mais novas. Veio gente de todos os estados. O estrangeiro que desejasse se informar das artes plásticas do Brasil podia fazê-lo pelo Salão, ou melhor, pelo Salão Lúcio Costa.^25
(^24) ANDRADE, Mário de. “O Salão”. Diário de São Paulo , São Paulo, SP, 13 set. 1931. 25 PORTINARI, Candido. “Salão Lucio Costa”. Boletim de Ariel , Rio de Janeiro, RJ, nov. 1931.
disputas entre as correntes “passadistas” e “modernistas” que se prolongaram pelas primeiras décadas do século passado. A expectativa de construir uma arte brasileira com identidade nacional, sem abandonar de todo os parâmetros essenciais da Arte, alimentava a busca por artistas alinhavados com essa premissa, para os quais o espaço dado pela imprensa em suas páginas era mais generoso do que para aqueles que agiam em contrário. Portinari, em processo de construção de sua identidade como artista, no período imediatamente anterior à sua consagração nacional e internacional, despertou o interesse da imprensa carioca pela “interpretação sincera” do Brasil em seus quadros, na busca por criar a “legítima arte brasileira, sem o convencionalismo de modelos importados” (FABRIS, 1996:15). Homem tímido e reservado, falava mais de sua arte que de si nas entrevistas. Embora questionasse a disciplina acadêmica, não era um artista afinado com as pesquisas realizadas pelas vanguardas das duas primeiras décadas do século XX. Buscava, contudo, no classicismo, o fundamento para a sua arte moderna.
Eu não posso ser medíocre – ou eu marcarei uma época na arte brasileira ou então desaparecerei. Portinari, 3 de setembro de 1930
Neste subcapítulo, apresento o autorretrato intelectual de Portinari através de suas reflexões e teorizações sobre as artes plásticas no exterior e no Brasil, assim como sobre sua própria arte. Com essa aproximação, demonstra-se sua posição entre os pintores que reclamavam uma arte representativa da paisagem e do povo brasileiros evidenciando-se que sua pintura foi, desde sempre, moderna. Se no subcapítulo anterior Portinari era objeto da crítica artística, neste ele é sujeito , e apresenta a sua imagem e a de sua arte a partir de seu próprio discurso. A metodologia empregada foi a mesma que a anterior: a seleção de fontes primárias arquivadas no Projeto Portinari e publicadas entre 1925 – ano em que Portinari dá sua primeira entrevista ao Jornal do Brasil em decorrência do III Salão da Primavera – e 1929 – quando embarca para a Europa. Nessa viagem Portinari irá descobrir o caminho de sua arte. Já na primeira entrevista que concede à imprensa, aos 21 anos, Portinari demonstra maturidade ao comentar o III Salão da Primavera realizado em maio:
(...) Antes de mais nada, devo dizer que o público, no Brasil, começa a se interessar realmente pelas coisas da arte. Francamente, não esperava ver o nosso esforço coroado de maneira tão completa. (...) O Salão da Primavera é uma necessidade. Como V. sabe, proporciona ampla liberdade de ação aos expositores. Todas as tendências podem assim se manifestar livremente. A arte não pode estar subordinada a preconceitos. A completa ausência de um júri artístico mostra claramente a finalidade do Salão da Primavera. Assim os artistas jovem aprendem a asumir inteira responsabilidade perante a crítica e o público. E há um fato eloqüente: o atual Salão, em relação ao primeiro, representa um avanço considerável. Já se nota uma maior preocupação de arte séria, os artistas exprimem com mais liberdades a sua própria maneira de sentir. (...)
Figura 1 Portinari com cerca de 24 anos de idade. Rio de Janeiro, RJ, [c. 1927]. Fonte: Projeto Portinari [AFRH-267.1]