Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

CAPITALISMO SOCIALISMO, Notas de aula de Direito

pode ignorar a controvérsia entre capitalismo e socialismo, ... vantagem de amortecer a contestação, cada vez mais profunda, dessas mesmas desigualdades.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Oscar_S
Oscar_S 🇧🇷

4.5

(69)

217 documentos

1 / 105

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
1
ANTÓNIO JOSÉ AVELÃS NUNES
Professor Catedrático da Facudade de Direito da Universidade de Coimbra
Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Paraná
Professor Honoris Causa da Universidade Federal de Alagoas
DO
CAPITALISMO
E
DO
SOCIALISMO
FLORIANÓPOLIS
2007
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26
pf27
pf28
pf29
pf2a
pf2b
pf2c
pf2d
pf2e
pf2f
pf30
pf31
pf32
pf33
pf34
pf35
pf36
pf37
pf38
pf39
pf3a
pf3b
pf3c
pf3d
pf3e
pf3f
pf40
pf41
pf42
pf43
pf44
pf45
pf46
pf47
pf48
pf49
pf4a
pf4b
pf4c
pf4d
pf4e
pf4f
pf50
pf51
pf52
pf53
pf54
pf55
pf56
pf57
pf58
pf59
pf5a
pf5b
pf5c
pf5d
pf5e
pf5f
pf60
pf61
pf62
pf63
pf64

Pré-visualização parcial do texto

Baixe CAPITALISMO SOCIALISMO e outras Notas de aula em PDF para Direito, somente na Docsity!

ANTÓNIO JOSÉ AVELÃS NUNES

Professor Catedrático da Facudade de Direito da Universidade de Coimbra Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Paraná Professor Honoris Causa da Universidade Federal de Alagoas

DO

CAPITALISMO

E

DO

SOCIALISMO

FLORIANÓPOLIS

industrial da revista. Era mais uma arma do salazarismo para asfixiar as publicações desafectas ao regime. Como revista militante que era, a Vértice não podia sucumbir (e não sucumbiu, apesar das inúmeras dificuldades por que passámos). Mas cada um de nós tinha a clara noção de que nem valia a pena tentar abordar certos temas e sabia que não podia carregar nas tintas dos textos que íamos escrevendo, porque cada corte na censura era mais uma dificuldade na vida da revista. Por essa altura, a Comissão de Censura cortava, regularmente, uma boa parte dos textos assinados com o meu próprio nome. Usei um ou outro pseudónimo, um deles foi o nome do meu avô paterno (Joaquim Martinho), falecido há alguns anos, analfabeto como nascera. Neste caso, resolvi assinar apenas A. A.. O Dr. M. F. Pereira Ramos parece não ter tomado consciência desta minha circunstância, sublinhando, com algum desagrado, o facto de eu ter assinado simplesmente A. A.. Nunca o conheci pessoalmente. Espero que ele não tenha pensado tratar-se, da minha parte, de um gesto de sobranceria, desprezando a importância do tema ou o facto de poder conversar com um Prémio Nobel. Pelo contrário: o tema interessava-me (e continua a interessar-me) bastante, e não é todos os dias que temos oportunidade de conversar em público com um Prémio Nobel. O disfarce do nome foi apenas mais uma artimanha para conseguir que os textos saíssem nas páginas da Vértice , trazendo para o espaço público uma conversa que não era uma conversa privada. Pensando bem, talvez o entrevistador do Prof. Tinbergen tenha percebido as minhas dificuldades, porque a verdade é que foi de uma grande generosidade para com A. A., classificando a minha primeira nota a propósito da entrevista de Tinbergen como “trabalho interessantíssimo”, “uma crítica profunda às idéias de Tinbergen”, e considerando-a merecedora de ser lida e eventualmente criticada por uma personalidade do gabarito do seu entrevistado. Devo à exemplar humildade científica do Prof. Jan Tinbergen e à sua grandeza de homem simples (são assim as pessoas excepcionais) a honra de ver um autor tão prestigiado

(tinha acabado de receber o Prémio Nobel!) disposto a gastar um pouco do seu tempo para responder à prosa humilde do Sr. A. A. (assim me tratou Tinbergen). Fiquei contentíssimo, é claro. Mas apanhei um susto. Estaria eu à altura de uma resposta condigna a Tinbergen? Teria tempo para preparar uma resposta que não me envergonhasse e prestigiasse a Vértice? E – questão particularmente angustiante – como iria reagir a censura? No tempo livre das minhas obrigações de jovem docente da Faculdade de Direito de Coimbra, fui escrevendo o texto com que encerra este livro. Entretanto, a censura cortou alguns trechos. E eu reclamei. Invoquei que era um debate entre universitários, que eu ensinava estas matérias nas minhas aulas... O Director da censura respondeu-me, pondo em evidência a natureza subversiva da problemática abordada, escandalizado com o facto de nas universidades portuguesas se ensinarem tais coisas! Mas o facto é que em 1969 os estudantes da Universidade de Coimbra tinham levado a cabo lutas fortíssimas contra a universidade autocrática e salazarista, contra o fascismo e contra a guerra colonial, lutas que terminaram com uma greve a exames que contou com a adesão de cerca de 90% dos estudantes da academia coimbrã. O reitor e o ministro da educação tiveram de ser substituídos. Neste contexto, entendemos nós, a redacção da Vértice , que valia a pena arriscar nos protestos junto da Comissão de Censura de Lisboa (entretanto, sob Marcelo Caetano, a censura tinha-se ‘travestido’ de exame prévio ...). Apesar de alguns cortes, ganhámos alguma coisa e os textos acabaram por sair na revista. Mais tarde do que teria sido possível se o país vivesse em liberdade. Em 1972, resolvemos publicar um livro com os textos todos, integrando nos meus os cortes da censura, o que não os libertou, é claro, do estilo e do tom a que esta obrigava as suas vítimas. O livro foi incluído na Colecção Textos Vértice , que publicávamos em parceria editorial com a Atlântida Editora , uma casa que, entretanto, desapareceu do panorama editorial coimbrão e português. Surgiu agora esta oportunidade de publicar o livro no

PREFÁCIO

Em tempos de pensamento neoliberal hegemônico, qual é o motivo de se

reeditar, no Brasil, uma obra escrita em Portugal, no início da década de 1970, intitulada

Do Capitalismo e do Socialismo? O livro reproduz o debate público travado, por meio

de entrevistas e artigos publicados em periódicos portugueses ( Jornal do Fundão e

Revista Vértice ), entre o primeiro Prêmio Nobel de Economia (1969), o holandês Jan

Tinbergen (1903-1994), e o então jovem assistente da Faculdade de Direito de Coimbra,

o português António José Avelãs Nunes.

Tinbergen foi Professor da Universidade de Roterdam e chefe do Planejamento

Central da Holanda, um dos responsáveis pela reconstrução econômica do país após a

guerra e a ocupação alemã, autor de várias obras, muitas delas traduzidas para o

português ou o espanhol, como, por exemplo, Economic Policy: Principles and Design

(North-Holland Publishing Company, 1956 - há uma tradução espanhola da Fondo de

Cultura Económica, de 1961), Central Planning (Yale University Press, 1964 - há uma

tradução brasileira, da Editora Atlas) e Tinbergen Lectures on Economic Policy (North-

Holland Publishing Company, 1993). António Avelãs Nunes é hoje Vice-Reitor da

Universidade de Coimbra e Professor Catedrático da Faculdade de Direito da

Universidade de Coimbra, da qual também já foi Diretor, autor de inúmeras obras,

dentre as quais, publicadas no Brasil, destaco Industrialização e Desenvolvimento: A

Economia Política do “Modelo Brasileiro de Desenvolvimento” (Quartier Latin, 2005),

Neoliberalismo e Direitos Humanos (Renovar, 2003) e Uma Introdução à Economia

Política (Quartier Latin, 2007).

O ponto central do debate entre Tinbergen e Avelãs Nunes é a tese, defendida

pelo professor holandês, da “convergência dos sistemas”. Para Tinbergen, os Estados

ocidentais não seriam mais propriamente capitalistas, dada a participação elevada do

setor público em suas economias e a prática do planejamento indicativo, nem os Estados

do Leste europeu seriam rigorosamente socialistas, com as tendências de

descentralização de suas economias que estariam ocorrendo. Tinbergen, então, defende

a idéia de que não haveria um capitalismo ou um socialismo puros, mas economias

mistas que tenderiam a se compatibilizar em torno de princípios comuns. Vinculado à

social-democracia holandesa, Tinbergen abandona a perspectiva reformista da

construção do socialismo pela via pacífica e democrática para defender o modelo de

uma espécie de “capitalismo social”, de raízes solidaristas, fundado na idéia de

economia social de mercado.

Segundo a crítica de Avelãs Nunes, Tinbergen retira qualquer potencial

emancipatório do socialismo, ignorando as diferenças essenciais entre os dois sistemas,

especialmente no que diz respeito à propriedade dos meios de produção, além de

enxergar o Estado como uma instituição neutra , que paira acima das classes e grupos

sociais. No fundo, segundo Avelãs Nunes, seria uma falsa convergência, pois o “sistema

misto” defendido por Tinbergen em suas características essenciais é capitalista, com a

manutenção da lógica privada da propriedade dos meios de produção, da acumulação de

capital e da repartição do excedente.

Neste mesmo sentido, Carlos Lessa, em seu importante trabalho O Conceito de

Política Econômica , critica Tinbergen com argumentos semelhantes aos de Avelãs

Nunes. Para Lessa, Tinbergen entende o Estado como um ente supra-social, que

consegue agir de modo coerente em várias frentes simultâneas. Para tanto, basta que a

teoria econômica contribua para esta ação coerente do Estado, preferencialmente pela

planificação, tornando-se uma espécie de “ciência oficial” que garante a maior eficácia

da política econômica. O papel da teoria econômica, para Tinbergen, é estudar a

coordenação dos objetivos escolhidos politicamente e propor a relação adequada entre

meios e fins, cuja viabilidade deve ser sempre técnica, mediante o uso de modelos 1.

Retomando a pergunta inicial, eis a importância e o motivo da reedição deste

livro: demonstrar que o debate sempre é possível, que não existem soluções eternas ou

mágicas. Pelo contrário, é a história quem demonstra a precariedade destas concepções.

Em uma época de deslumbramento neoliberal, em que vigoram a frase célebre de uma

(^1) Carlos LESSA, O Conceito de Política Econômica: Ciência e/ou Ideologia? , Campinas, UNICAMP-IE (Instituto de Economia), 1998, pp. 307-331, especialmente pp. 307-311 e 317-320.

Nota Prévia

A leitura, aliás tardia, de uma entrevista que o Prof. Jan Tinbergen concedeu ao Dr. M. F. Pereira Ramos e que o Jornal do Fundão publicou no seu número de 7 de fevereiro de 1969 suscitou-me alguns comentários aos pontos de vista nela sustentados pelo ilustre Professor de Roterdão. Na revista Vértice (nº 318, julho de 1970) vieram a público esses despretensiosos comentários. Com grande surpresa minha, cerca de um ano depois vim a ter conhecimento de que o Jornal do Fundão inseria, no número de 18 de abril de 1971, um texto da autoria de Jan Tinbergen, no qual eram retomadas teses já anteriormente expostas por ele e eram rebatidos os comentários por mim publicados na Vértice. A importância das questões em discussão levou-me a analisar mais em pormenor alguns dos pontos aflorados no debate. Fi-lo sem quaisquer intuitos polémicos, apenas animado do propósito de “ser útil aos leitores de Vértice, no esforço de clarificação ideológica em que estarão empenhados”, como declarava, muito sinceramente, na introdução ao artigo que a Vértice inseriu nos números 334-335 (nov.-dez. de 1971) e 336- 337 (jan.-fev. de 1972). Num tempo em que uma atitude cívica esclarecida não pode ignorar a controvérsia entre capitalismo e socialismo, parece-me desnecessário justificar aqui a importância fundamental dos assuntos em debate nos textos acima referidos. Dentro desta perspectiva é que me decidi a trazer os textos provocados pela entrevista de Tinbergen junto de um público mais vasto do que o dos leitores de Vértice, na esperança de que a sua leitura, dada a natureza dos problemas focados, possa ser de alguma utilidade, sobretudo num país como o nosso, onde não abundam textos em português que tornem relativamente fácil o acesso a temas desta ordem. Ao decidir-me a fazê-lo, pareceu-me interessante para os leitores publicar conjuntamente os textos de Tinbergen com os quais mantive o

deles e como presidente da Comissão de Planificação do Desenvolvimento das Nações Unidas. Mas o extraordinário sucesso da sua carreira profissional em nada fez alterar o estilo de vida simples de um homem que é de uma comovente modéstia. Casado, pai de três filhos e avô de sete netos, o Prof. Tinbergen nunca teve automóvel, prefere andar a pé, de bicicleta ou de comboio, quando não se decide a tomar o eléctrico que ele próprio por vezes conduz através das ruas da formosa cidade da Haia. Na sua casa, sóbria, do mais vulgar estilo holandês, não se descobre ponta de luxo; no escritório, prateleiras repletas de livros e uma mesa de trabalho igual à de qualquer estudante. Foi aí mesmo, nesse pequeno recanto onde se terá forjado toda a obra deste novo Prémio Nobel, que, entre duas taças do típico café holandês, tivemos com o Prof. Tinbergen a conversa que a seguir se reproduz e especialmente provocada em atenção aos leitores do Jornal do Fundão :

Jornal do Fundão – Prof. Tinbergen, como recebeu a notícia da atribuição do Prémio Nobel?

Professor Jan Tinbergen – A revista Time tinha já publicado uma lista de nomes de possíveis candidatos, entre os quais figurava o meu. Porém, nunca pensei que eu viesse a ser escolhido, pelo que foi para mim uma grande surpresa, uma agradável surpresa, mas também uma grande honra.

J. do F. – Poderá resumir-nos a sua actividade desde os seus primeiros tempos de jovem investigador até agora, a ponto de ser declarado Prémio Nobel? O Prof. Tinbergen não começou como economista, supomos...

J. T. – Efectivamente, comecei por me dedicar à Física, mas depois fiz a minha tese de doutoramento nos dois domínios, subordinado-a ao tema Problema dos Mínimos em Física e em Economia_. Em seguida passei a dedicar-me inteiramente à Economia ao aceitar um lugar no Serviço Nacional de Estatística, onde deveria desenvolver a investigação sobre os ciclos económicos. No mesmo domínio trabalhei em Genebra para a Sociedade das Nações. Isto passou-se antes da Guerra, entre 1936 e 1938. Depois da Guerra deixei o Serviço de Estatística e ingressei na Administração do Plano, de que fui director durante dez anos. Em 1955 abandonei o Plano e passei a dedicar-me inteiramente aos países em vias de desenvolvimento, actuando como conselheiro em vários países e em diferentes organizações internacionais. Dirijo também um Instituto que possui uma divisão que se ocupa particularmente da planificação central nos países subdesenvolvidos e onde um grupo de jovens_

economistas se dedica com o maior entusiasmo ao estudo dos problemas inerentes àqueles países.

O que é a econometria?

J. do F. – A econometria sofreu, devido à sua acção, um impulso formidável. Fundamentalmente, o que é a econometria e como se desenrolou o processo do seu desenvolvimento?

J. T. – Desde o começo da minha actividade, foi minha preocupação tentar aplicar métodos exactos, que, como a matemática, pudessem servir de elo de ligação entre a teoria e os factos económicos. Essa a verdadeira essência da econometria. Na altura tratava-se de qualquer coisa de inteiramente novo e eu e Frisch fazíamos parte do grupo de doze ou quinze economistas que periodicamente nos reuníamos em Lausana para trocar impressões sobre o assunto. Pela minha parte, apliquei pela primeira vez o novo método quando em 1936 o governo holandês me pediu um estudo sobre a política económica a seguir às épocas de depressão. Foi o meu primeiro modelo econométrico verificado com quantidades reais. Mais tarde, no âmbito da Sociedade das Nações, apliquei o mesmo método à economia dos Estados Unidos, de onde resultou a publicação do livro Business Cycles in the U.S.A. , em 1939. Devo frisar que foi Frisch o grande inspirador de todo este movimento. Eu não fazia mais do que tentar segui-lo. Após alguns anos de experiência prática, eu e os meus colaboradores dos serviços do Plano holandês construímos um modelo para servir de quadro de referência da economia da Holanda. Foi o começo de uma tradição que ainda hoje se mantém. A partir de 1955, lancei-me em todo um outro domínio: os problemas a longo prazo. Já em 1942 havia feito a primeira tentativa, com a publicação de um artigo dedicado à Teoria da Tendência Geral , o célebre “trend” inglês, mas só treze anos depois, e isto porque de um lado e de outro me pediam conselhos para o futuro, me comecei verdadeiramente a interessar pelos modelos de planificação. Eu e os meus colaboradores, que hoje conhecem muito melhor do que eu as técnicas matemáticas, contribuímos, creio eu, para uma melhoria dos modelos até então existentes, como os de Harrod-Domar e Leontief.

J. do F. – Em que consistiu o vosso contributo para a melhoria desses modelos?

J. T. – Introduzimos algumas noções que em seguida se vieram a mostrar da maior utilidade. Por exemplo, marcámos claramente a diferença entre os bens que podem ser exportados ou importados e os bens que o não podem ser e aos quais

terá sofrido uma poderosa travagem com o problema da Checoslováquia?

J. T. – Não me restam dúvidas de que tal representa, realmente, um importante recuo, mas apesar disso é minha convicção que, mesmo na Rússia, eles serão forçados a continuar a proceder a uma certa descentralização. É curioso verificar o que se passa já na Jugoslávia e até mesmo na Polónia, onde as colectivizações forçadas na agricultura foram suspensas. Na realidade, pode dizer-se que uma grande parte da agricultura na Polónia está sujeita a uma exploração privada. Não faltam exemplos que nos levam à conclusão, sem serem doutrinários, de que se opera uma descentralização. A invasão da Checoslováquia foi uma travagem, mas o processo não poderá ser detido indefinidamente.

J. do F. – Que razões terão levado os russos a tomar tal decisão?

J. T. – É difícil de responder, mas tenho a impressão de que os russos, habituados a viver, durante tão longo período, sob métodos não-democráticos, não estão ainda preparados para deixar certas decisões ao critério de certas pessoas ou empresas individuais.

0 que é um socialista de puro sangue?

J. do F. – Temos ouvido chamar-lhe “socialista de puro sangue”. Que significa esta expressão?

J. T. – Sou um social-democrata, membro do respectivo partido desde 1923. Ser social-democrata significa para mim que as decisões respeitantes à economia e ao bem-estar da população devem ser tomadas pela comunidade, quer dizer, o Estado. Não impede que certas decisões, no interesse geral, possam ser tomadas por entidades privadas. Não é para mim um dogma que tudo deve ser feito pelo Estado. Ao contrário, direi mesmo que o que se pretende é encontrar o ponto óptimo para a divisão de funções entre o sector público e o sector privado. Mas creio firmemente que, em princípio, as decisões devem ser tomadas pela comunidade. É esse o núcleo central da minha convicção filosófica. Por outro lado, desde que me conheço que me senti fortemente preocupado pelo problema da distribuição dos rendimentos. Existe neste campo uma tremenda injustiça tanto no interior dos países como entre eles mesmos. Basta ver a quanto monta o rendimento por pessoa nos Estados Unidos e na índia, por exemplo, para nos darmos conta desse facto. Acho que, tanto ao nível nacional como internacional, é justo que haja uma redistribuição dos rendimentos mais equilibrada, o

que se pode conseguir através de um adequado sistema de impostos, pela segurança social e pela educação. Educar uma pessoa é fazê-la passar de não-qualificada a qualificada, o que lhe permitirá obter uma posição e um salário mais elevados. Ao mesmo tempo torna-se mais fácil o mercado daquelas pessoas menos qualificadas, já que, ao reduzir-se o seu número, se reforça a sua posição no jogo da oferta e da procura.

J. do F. – Acha que o sistema socialista dos países de leste é mais apto para promover uma distribuição mais equitativa dos rendimentos do que o sistema capitalista dos países ocidentais?

J. T. – Pela minha parte, já não chamo capitalista ao sistema existente nos países do Ocidente. Creio que vivemos num sistema misto, onde existem bastante ele- mentos socialistas. Direi então que não estou absolutamente nada seguro de que o sistema dos países de Leste seja o melhor, creio mesmo que o sistema que melhor pode servir é um que se encontra a meio caminho entre os dois sistemas tradicionais. Todos os nossos esforços devem tender a melhorar as práticas existentes e isto tanto de um lado como do outro. A este respeito, creio que os sociais-democratas têm qualquer coisa de novo e de melhor para apresentar. Cito como exemplo o caso da Suécia, país onde mais se avançou, mas onde se não atingiu ainda o ponto óptimo. Insisto no facto de que se não deve fazer uma idéia errada sobre o socialismo. Para mim ele significa que é necessário fazer entrar maior igualdade no sistema, tornando-o mais justo sem que isso signifique que todos os bens de produção devem estar sob a alçada do Estado.

J. do F. – Estará a sua maneira simples de viver relacionada com as suas concepções filosóficas?

J. T. – Sim, certamente. Volto a repetir que não parece justo que, enquanto há gente que morre de fome, outras pessoas gozem de uma riqueza excessiva. Dir-lhe-ei que, como todos os professores na Holanda, recebo um ordenado bastante elevado, mas faço intervir um certo voluntarismo tendente a fazer restringir o consumo, a não adquirir tudo aquilo que posso. Acho que, para bem dos menos favorecidos, há necessidade, no mundo inteiro, de praticar um pouco esse voluntarismo.

J. do F. – Se reconhece que tem um bom ordenado e se não o gasta, então poupa-o?

J. T. – Não, não é isso o que eu faço. Existe na Holanda uma organização cujos