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O TRABALHO COM REPERTÓRIOS PLURILÍNGUES COM CRIANÇAS NOS PRIMEIROS ANOS ESCOLARES. Através de cantigas nas línguas maternas dos imigrantes da região da Serra Gaúcha, desenvolve-se nas crianças o gosto pelo plurilinguismo ao mesmo tempo em que se mantém as línguas originárias dos grupos étnicos habitantes da região.
Tipologia: Teses (TCC)
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Cibele Erminia Tedesco^1
Declaro que sou autor(a)¹ deste Trabalho de Conclusão de Curso. Declaro também que o mesmo foi por mim elaborado e integralmente redigido, não tendo sido copiado ou extraído, seja parcial ou integralmente, de forma ilícita de nenhuma fonte além daquelas públicas consultadas e corretamente referenciadas ao longo do trabalho ou daqueles cujos dados resultaram de investigações empíricas por mim realizadas para fins de produção deste trabalho.
Assim, declaro, demonstrando minha plena consciência dos seus efeitos civis, penais e administrativos, e assumindo total responsabilidade caso se configure o crime de plágio ou violação aos direitos autorais. (Consulte a 3ª Cláusula, § 4º, do Contrato de Prestação de Serviços).
RESUMO: O presente trabalho tem como tema principal o plurilinguismo e o canto na escola.
Serão expostas ponderações a respeito das consequências da escolha de um repertório musical
plurilíngue voltado às línguas maternas regionais a ser utilizado na escola com crianças nos primeiros
anos do ensino fundamental. As vantagens de manter as línguas maternas representam ao sujeito
auto-conhecer-se, ter oportunidades e autoestima elevada. Já no âmbito social, corrobora com a
construção de uma comunidade mais justa, que cultiva o respeito, a paz e a liberdade de expressão.
Além disso, para a sociedade, colabora para a preservação da cultura e da história dos imigrantes,
propagando e salvaguardando as línguas maternas ainda faladas na região da serra gaúcha. Este
artigo poderá ser relevante aos professores de pré-escola e ensino fundamental, professores de
música, diretores de escolas, profissionais diretamente ligados à educação e ao ensino de línguas
estrangeiras para crianças. A metodologia está baseada na leitura de bibliografia teórica sobre
musicalização, coro e canto infantil escolar e artigos acerca do plurilinguismo na infância.
.
PALAVRAS-CHAVE: Aprendizado. Canto. Escola. Línguas. Plurilinguismo.
(^1) cibelecantora@gmail.com
Este artigo poderá ser relevante aos professores de pré-escola e ensino
fundamental, professores de música, diretores de escolas, profissionais diretamente
ligados à educação e ao ensino de línguas estrangeiras para crianças.
A metodologia utilizada está baseada na leitura de bibliografia teórica sobre
musicalização, coro e canto infantil escolar e artigos acerca do plurilinguismo na
infância. Está apoiada, também, na minha prática como professora de música no
Colégio São João Batista, em Caxias do Sul/ RS, das primeiras séries do ensino
fundamental. Ainda, faz conexão com a pesquisa de repertório folclórico na
composição do livro “Cantando em Línguas”, parte integrante do projeto cultural
“Juntos na diversidade – salvaguarda das línguas maternas e estímulo ao
plurilinguismo através do canto coral nas escolas”^3 do Município de Carlos Barbosa,
no Rio Grande do Sul.
(^3) O projeto tem apoio do FAC Educação Patrimonial do RS e se insere no contexto da formação
histórica de Carlos Barbosa, município situado na serra gaúcha, onde se estabeleceram as primeiras famílias de colonizadores poloneses e suíço-valesanos no ano de 1875. O programa propõe um trabalho de formação patrimonial voltado às crianças e jovens, através da prática do canto coral nas escolas, com 51 arranjos de músicas tradicionais (disponibilizados em partituras impressas em livro, digitalizadas e gravadas em formato mp3) adequados à tessitura das vozes infantis, nas línguas dos imigrantes poloneses, suíço-valesanos, italianos, alemães, além de português, inglês, espanhol, ioruba e indígena, para reforçar o estímulo ao plurilinguismo. Consta ainda uma série de 03 oficinas/laboratório para treinar os multiplicadores – professores da rede municipal de ensino.
Para a melhor apresentação das relações desenvolvidas, o desenrolar deste
artigo se dará em três momentos: “Canto Coral na Escola”, “Plurilinguismo” e
“Cantando em diversas línguas”.
O canto coral é relevante na escola, pois através dele podemos percorrer um
caminho de reflexão tanto no campo social quanto estético. Os benefícios das aulas
de música nos primeiros anos escolares são reconhecidos como uma modalidade de
desenvolvimento da mente humana. Além de promover o equilíbrio e a sensação
agradável de bem-estar, facilita a concentração e o desenvolvimento do raciocínio,
especialmente nas questões reflexivas voltadas ao pensamento filosófico.
Edgar Willems (1960, apud FIGUEIREDO, 2012), acreditava na música
enquanto princípio moral e ético humano, parte integrante e essencial na formação
do sujeito. Seus ditos legitimam o valor do envolvimento afetivo do aluno, por se
apegar aos aspectos físicos e mentais que a escuta desenvolve. A autora ainda
comenta que seu método de ensino musical segue uma ordem semelhante ao da
aquisição da língua materna, acessível a todos, assegurando o desenvolvimento do
ouvido, do sentido rítmico e da musicalidade como um todo.
Canto Coral Infantil Na Escola Brasileira
No cenário brasileiro o canto coral infantil está ligado à educação musical
desde a catequização dos índios no século XVI, quando os jesuítas ensinavam
canções para celebrar as cerimônias religiosas. Essa educação musical, ligada à
igreja, seguia os moldes do repertório europeu, introduzindo a forma europeia e
erudita de entoar a voz.
Segundo Marisa Fonterrada (2008), em função da vinda da família real de
Portugal para o Brasil em 1808, a música, que até então era restrita à Igreja,
inseriu-se nos teatros e passou a receber companhias estrangeiras de ópera.
Somente em 1854 instituiu-se o ensino da música nas escolas públicas brasileiras,
quando um decreto ditou que o ensino deveria se processar em dois níveis: noções
de música e exercícios de canto.
Dalcroze^5 destaca, em seu método, a importância da combinação entre
movimento corporal e música (FONTERRADA, 2008). Assim, enfatizava que é
fundamental incentivar a escuta e o toque do piano antes do aluno realizar a
atividade, porque o primeiro instrumento musical a ser treinado seria o corpo.
Seguindo essa perspectiva, Figueiredo (2012) afirma: ouvir e cantar –
movimentando-se no espaço em que o indivíduo está inserido – são aspectos que
se relacionam diretamente à educação geral, pois fornecem instrumentos para o
conhecimento integral do ser humano através do som e do movimento.
“Bianco et al. (2007) descobriram que as ondas cerebrais e a construção
musical apresentam padrões comuns”. (PEREIRA, 2013 p. 77). Analisando canções
quanto à harmonia, timbre, ritmo, tom e melodia e de exames com
eletroencefalografia indicou que as ondas cerebrais e a construção musical são auto
organizativas e, provavelmente, a construção da música seja um reflexo da
construção da mente e de seu compositor. Baseado nisso entendemos que crianças
as quais desenvolvem atividades musicais apresentam melhor desempenho escolar
e na vida como um todo.
A construção do repertório de canto coral também é responsável por
despertar na criança o gosto pela arte. Descobrindo diferentes estilos de música,
seja erudita, popular, folclórica de culturas próximas, de outras regiões do país e do
exterior, a criança reage aos resultados sonoros que estes estilos proporcionam.
Com estes novos padrões, outros conhecimentos são evidenciados, como:
movimentos rítmicos, pulsações corporais, melodias de estruturas e escalas
específicas e o estudo de novos fonemas. Todos estes elementos provocam
sensações inusitadas, oferecendo a oportunidade da vivência de outras
possibilidades estético-musicais; possibilita, inclusive, a formação de novas plateias.
Como exemplo, relatamos o caso de uma criança de 07 anos que, ao
participar de uma aula virtual onde os alunos ouviam “Inverno/ As quatro estações”,
de Antonio Vivaldi (1678-1741) e se expressavam fazendo um desenho, um menino
solicitou os pais para que incluíssem no seu pendrive , que só tocava rock e pop
variados, a obra completa do artista italiano. O relato pode parecer simples e lógico,
mas dependendo do contexto e do convívio social podemos notar que é um tanto
(^5) Émile Jaques-Dalcroze (1865 -1950), nascido em Genebra, desenvolveu um sistema de ensino de
música baseado no movimento. Foi um dos precursores dos chamados “Métodos Ativos”.
quanto incomum receber este incentivo pelos meios de comunicação mais
acessíveis à população em geral – TV aberta, rádio, entre outros. Nesse âmbito, é
mister que os educadores forneçam estas alternativas.
Hoje em dia, devido ao avanço tecnológico, há uma grande possibilidade de
músicas distribuídas em inúmeros sites musicais, com textos pouco ou nada
apropriados às crianças em idade escolar, bem como à sua extensão vocal
(OLIVEIRA, 2012). É raro vermos crianças brincando de roda, entoando canções
que tenham aprendido com seus pais – ou até mesmo pais que cantem para
embalar o sono dos filhos.
Portanto, escolher um repertório para coro infantil não é uma tarefa simples. É
inteligente o regente ou maestro que divide com o seu grupo essa escolha. Tourinho
(1993, p.23 apud LEAL, 2005, p. 32), aponta que ouvir sugestões de música por
parte dos integrantes do coro também é valoroso, pois “saber o que selecionar e
respeitar o que as crianças selecionam faz parte da função de educar e aprender”.
Certamente o processo de aprendizagem musical dos integrantes deve ser
levado em consideração, tendo em vista o desenvolvimento de um trabalho artístico
que possa envolver e motivar as crianças cantoras. Sendo assim, as obras
trabalhadas devem colaborar para que os objetivos sejam alcançados.
Basta abrir a janela de línguas da “Wikipedia”, para constatar que é o
plurilinguismo a língua do futuro. Tendo como base o documento elaborado pela
coordenação do Colegiado Setorial da Diversidade Linguística do RS (CSDL-RS),
programa de planejamento estratégico, a diversidade linguística é entendida como:
[...] um patrimônio cultural imaterial de enorme valor para a sociedade riograndense e brasileira, haja vista constituir parte de nossa história e identidade e representar um conhecimento imprescindível no mundo globalizado, caracterizado pela crescente mobilidade e acesso a línguas e culturas diversas, para as quais a competência plurilíngue – seja ela hegemônica ou minoritária – são um diferencial e um potencial inquestionável para o desenvolvimento econômico, intelectual, cultural e científico. (COLEGIADO SETORIAL DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA, 2018, p. 2).
culturas desses povos. A justificativa era que os imigrantes tinham a intenção de
formar uma identidade nacional diferente da do país anfitrião.
Desse modo, com a exigência e o foco neopatriota e a nacionalização dos
imigrantes, suas culturas foram perdendo força. As gerações mais jovens já não
transmitiam a língua aos seus filhos, nem eles o faziam aos seus descendentes.
A campanha de nacionalização criou um ambiente de medo, e o ressentimento que ela provocou pode ser percebido ainda hoje. Ela foi vista como uma violência sem lógica, sem fundamento, contra cidadãos que se consideravam em sua pátria, e que foram indiscriminadamente chamados de nazistas, só porque tinham orgulho de sua origem alemã. O período da guerra, na verdade, ampliou as divergências entre duas ideologias étnicas, baseadas em princípios irredutíveis de nacionalismo, em oposição desde o século XIX. (SEYFERTH, 2003, p 59 apud SCHINLWEIN. et al. 2013 p. 88).
Entre os elementos culturais trazidos e disseminados pelos imigrantes, a
língua certamente ocupou lugar de destaque; podia ser utilizada pelas comunidades
alemãs com finalidades educativas na escola como primeira língua ou língua
materna. Já os italianos, segundo Cleudes Ribeiro (2004) na pesquisa sobre o canto
dos imigrantes italianos na Serra Gaúcha, mantinham o costume de falar ou cantar
em Talian^6 nos filós^7 —entre parentes ou vizinhos mais próximos na zona rural.
Esses encontros sociais nas cozinhas ou nas cantinas domésticas aconteciam aos
sábados à noite, ”já que não havia necessidade de levantar cedo para trabalhar no
dia seguinte” (RIBEIRO, 2004). A pesquisadora elucida:
O hábito de cantar o canto popular de matriz tradicional integra um conjunto mais amplo de manifestações da cultura oral na região da colônia italiana no Rio Grande do Sul. Desse conjunto fazem parte as histórias, as narrativas, os provérbios, enfim, as formas cristalizadas da tradição que a oralidade se encarregou de transmitir e preservar. Dentre todas essas formas, o canto aparece como uma das expressões coletivas que se reveste de maior
(^7) A palavra origina-se do trabalho artesanal de fiação que as mulheres faziam nos encontros, ainda na
Itália, nos estábulos, nas longas noites de inverno; além de fiar, repartiam comida e o calor para economizar a lenha. Os imigrantes italianos trouxeram na sua cultura essa reunião com o objetivo de diminuir a solidão e a saudade da Pátria e dos familiares. Saíam de suas casas cantando para espantar o medo dos animais, da floresta e para que os vizinhos ouvissem e se juntassem a eles.
(^6) O Talian é uma das autodenominações para a língua de imigração falada no Brasil na região de
ocupação italiana direta e seus desdobramentos desde 1875, em especial no nordeste do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e Espírito Santo. Sua origem linguística é o italiano e os dialetos falados, principalmente, nas regiões do Vêneto, Trentino-Alto e Friuli-Venezia Giulia e Piemontes, Emilia-Romagna e Ligúria. Em 09/09/2014 foi deliberada a inclusão da língua Talian no Inventário Nacional da Diversidade Linguística, uma vez que todos os requisitos foram atendidos, como atesta o processo de n.º 01450.010077/2014-66 e dossiê correspondente, fazendo jus ao título de Referência Cultural Brasileira, conforme o Decreto 7.387, de 09 de dezembro de 2010.
significado. É um testemunho da origem do povo da Serra gaúcha. Isso vale dizer que o canto reforça, como prática coletiva, um dos traços de identidade dos descendentes dos imigrantes italianos. (Ribeiro, 2004).
Ribeiro (2004), diz que na memória dos mais velhos ainda estão presentes as
vozes que se alternavam em coros improvisados de uma encosta a outra nos
montes. Famílias de colonos entoavam canções sem interromper o trabalho. Suas
canções eram ouvidas pelos vizinhos que plantavam ou desmatavam uma nova
colônia e que respondiam com outra canção, dando forma a uma conversa.
“‘Cantava-se para esquecer a fadiga do trabalho ou porque o canto fazia ter outros
pensamentos; cantava-se para não pensar’, disse uma entrevistada” (RIBEIRO,
2004 ).
Tradição, Resgate, Estímulo
O CSDL-RS aprofunda que, no censo de 1940 o Rio Grande do Sul
concentrava o maior número de falantes bilíngues: com 747.859 falantes,
representava 47,6% do total de bilíngues no Brasil – cujo número total é estimado
em 1.624.689. Ele declara:
No cenário das línguas faladas no Brasil, o Rio Grande do Sul assume posição de destaque por diversas razões: 1) Segundo o censo do IBGE de 1940/1950, último censo que ainda perguntava por “outras línguas faladas no lar”, o Rio Grande do Sul concentrava 47,6% do total de bilíngues no Brasil, portanto praticamente a metade. (COLEGIADO SETORIAL DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA, 2018, p. 7).
O motivo principal da mistura étnica do povo que atualmente compõe o
ambiente cultural do Rio Grande do Sul se deve às diversas imigrações provindas do
além-mar que o estado recebeu a partir da metade do século XIX. Atualmente,
encontram-se no Rio Grande do Sul os mais diferentes tipos de línguas e contatos
linguísticos, conforme as categorias de línguas previstas na política do Inventário
Nacional da Diversidade Linguística (INDL), junto ao IPHAN (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional).
formação de professores, ações como o programa de escolas bilíngues de fronteira, programas de integração universitária como a AUGM (Associação Universidades Grupo Montevideo), bem como de diferentes estudos e projetos de fronteira, como o reconhecimento do portunhol como patrimônio cultural imaterial, no Uruguai. (COLEGIADO SETORIAL DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA, 2018, p. 10).
O documento acima citado ainda conta com outras línguas abordadas como o
português rio-grandense e as nuances da cultura gauchesca, bem como com sua
variedade particular do português que perpassa diferentes áreas da cultura – como a
música e a literatura regional.
A música tem o poder da criatividade e auto expressão, promovendo uma
interação social positiva para a criança. Desta forma, mais expressiva e prazerosa,
ela participará dos eventos na sociedade em que ela está inserida.
A criança que não sabe ler aprende o código escrito e, assim, integrando a
cultura letrada, amplia suas possibilidades de comunicação e acesso à sua própria
cultura. Da mesma forma, quando aprende uma nova canção em uma nova língua,
modifica o seu modo de pensar e agir no mundo. Bakhtin afirma:
[...] que a língua não se transmite; ela dura e perdura sob a forma de um processo evolutivo contínuo. Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar. É apenas no processo de aquisição de uma língua estrangeira que a consciência já constituída – graças à língua materna – se confronta com uma língua toda pronta, que só lhe resta assimilar. Os sujeitos não “adquirem” a língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência (BAKHTIN, 1990, p. apud SCHINDWEIN et al. 2013 p. 98).
“A cultura auditiva precisa ser vivenciada por todos, e não somente por
pessoas talentosas”, acreditava Willems^8. O desenvolvimento musical está
relacionado com outros processos de cognição, tais como o da memória, da
(^8) Edgar Willems (1890 - 1978) Nasceu na Bélgica; criou o movimento de educação musical baseado
na promoção do desenvolvimento do ser humano, em que a prática precede a transmissão do conhecimento formal e teórico.
imaginação e da comunicação verbal e corporal – fatores que também são
fundamentais no aprendizado de línguas. A língua materna é comentada e
comparada ao aprendizado da música por estar intrínseca à criança desde e até
antes do nascimento.
Lev Vygotsky (2009), afirma que é através da linguagem que o sujeito se
reconhece e se constitui no mundo em que vive. Segundo ele, a interação social é
fundamental para o desenvolvimento da linguagem e ela, para o desenvolvimento
cognitivo. Portanto, o aprendizado de uma segunda língua na fase de escolarização
inicial acrescenta muito à evolução infantil, contribuindo para a constituição e
ampliação de possibilidades de pensamento da criança como pertencente a uma ou
mais culturas.
Conhecer outras culturas e valores desperta o respeito para com o outro,
rompe barreiras e ultrapassa obstáculos. Iniciar o canto em outras línguas na sala de
aula oferece confiança à criança que irá continuar a atividade do canto durante todo
do período escolar ou participando de coros adolescentes e, mais adiante, coros
adultos. Outros bloqueios que se intensificam na adolescência e perduram na vida
adulta, como a vergonha da exposição, o medo do desconhecido, de não aprender e
fazer feio, de “pagar mico” (MESTRE, 2018), já não serão mais problemas.
Com a mesma intensidade que o desconhecido traz inseguranças, ele
também apresenta estímulo e interesse às novidades. Segundo as autoras Almeida
& Pucci, é um novo que abala, mas também seduz:
O outro – o das outras terras, das outras culturas, dos outros sons, das outras manifestações, dos outros valores – e também o novo. E ele, por sua vez, representa entidade múltipla, fator de contraste, distinção, oposição, ruptura, junto ao conhecido habitual. É o incômodo instigante, que ameaça pelo espaço que difere, pelo não-eu que instaura. (ALMEIRA; PUCCI; 2002, p. 7 apud MESTRE, 2018, p. 70).
Cabe salientar que o objetivo de unir canto às diversas línguas, além da
materna, é também propor às crianças ouvirem as novas palavras, percebendo a
diversidade destes novos gestos vocais. Estas ações fundindo culturas devem
provocar interesse, de modo que os alunos possam observar os traços próprios de
cada língua, suas diferenças e semelhanças, ampliando ludicamente suas
Ponderando todas observações e estudos a respeito da música com foco no
canto na infância; os benefícios intelectuais, sensoriais e sociais dos diversos
pensadores e defensores do plurilinguismo escolar infantil; juntamente às ações que
o CSDL-RS propõe, tendo como objetivos salvaguardar e reafirmar seu
compromisso em zelar e manter as línguas faladas pelas diferentes comunidades,
sejam elas de origem imigrante, indígena, afrodescendente, de fronteira e de língua
de sinais; cultivamos nosso intuito em fundamentar nossa pesquisa.
Enquanto educadora musical, responsável pela escolha do repertório para o
Coro Infantil e séries iniciais do ensino fundamental do Colégio São João Batista –
Caxias do Sul/RS –, venho percebendo como a adoção de canções folclóricas
plurilíngues (principalmente provenientes das diversas etnias que povoam a região)
pode acarretar resultados positivos. Isso é notável tanto no que tange às crianças
enquanto indivíduos, quanto no âmbito das suas relações com as famílias e,
também, os reflexos dessas adoções perante a comunidade.
Com a experiência nas salas de aula e de ensaio, é perceptível nas crianças
uma grande aceitação das novas canções, principalmente àquelas em que os
desafios são maiores – como, por exemplo, apresentando outras línguas. As
canções distantes da vivência das crianças geram muito interesse e curiosidade.
Quanto às línguas maternas, é comum os alunos exibirem aos familiares as canções
conhecidas na escola e depois relatarem estes comentários: “cantaram junto
comigo”, “minha avó já conhecia”, “meu pai disse que cantava com o meu avô”.
Estas descrições são acompanhadas por sentimentos de satisfação e de prazer
compartilhado, aproximando as pessoas entre as gerações.
Ao longo de mais de um século, esse repertório modificou-se. Sabe-se que
muitas canções desapareceram, como os cantos, rimas e jogos infantis e algumas
canções de ninar (le nine nane ), quando a cultura se difundia “de pai para filho”.
Cabe aos educadores manter essa história viva, manejando ferramentas virtuais em
tempos de pandemia, ensinando canções virtualmente, numa outra língua
tecnológica que ainda estamos dilatando.
ALMEIDA, Maria Berenice de; PUCCI, Mágda. Outras terras outros sons. São Paulo: Callis, 2002. apud MESTRE, Francisco Paulo Rodrigues. Canto Coral Escolar : Uma Experiência Estética E Social. 2018. 104p. Tese (Mestrado em Ensino; Ciência, Sociedade e Ensino) - Universidade do Vale do Taquari, Lajeado, RS, 2018. Disponível em: <https://univates.br/bdu/bitstream/10737/2192/1/2018FranciscoPauloRodriguesMestr e.pdf>. Acesso em: 07/07/2020.
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