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RESUMO. Levando em consideração que a segurança das pílulas anticoncepcionais voltou a ser alvo de controvérsias nos anos 2010, ...
Tipologia: Slides
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biomedicalização e gênero na ginecologia brasileira PORTO ALEGRE
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para a obtenção do título de Doutorado em Antropologia Social. Orientadora: Profª. Drª. Fabíola Rohden PORTO ALEGRE 2021
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para a obtenção do título de Doutorado em Antropologia Social. Aprovação em 09/ 0 3/2 022 , com louvor. BANCA EXAMINADORA:
Fabíola Rohden (Orientadora) Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Daniela Riva Knauth Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Carmen Simone Grilo Diniz Universidade de São Paulo
Elaine Brandão Universidade Federal do Rio de Janeiro
Dedico este trabalho àquelas que me inspiraram a escrevê-lo: Eremita Machado Lopes ( in memorian ), Nirceia Regina Lopes e Ana Clara Lopes Hostins.
Levando em consideração que a segurança das pílulas anticoncepcionais voltou a ser alvo de controvérsias nos anos 2010, este trabalho teve como objetivo descrever como a ginecologia brasileira tem se posicionado nesse quadro. Tomando a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) como ponto de partida, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com especialistas em contracepção, observações participantes em congressos nacionais e regionais de ginecologia, além de acompanhamento de notícias sobre contracepção na imprensa, em sites de associações médicas e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Dentre as conclusões, observou-se que as práticas da ginecologia hegemônica têm enfatizado os benefícios e minimizado os riscos das pílulas, contribuindo para a produção e reiteração da segurança do dispositivo. Também são descritas as consequências que tais práticas têm na atualização do aparato de gênero, saúde, risco, aprimoramento e biomedicalização. Palavras-chave: Pílulas Anticoncepcionais; Gênero; Saúde; Ginecologia; Biomedicalização; Aprimoramento.
Considering that the safety of contraceptive pills was once again the subject of controversy in the 2010s, this study aimed to describe where Brazilian gynecology has stood in this context. Taking the Brazilian Federation of Gynecology and Obstetrics Associations (Febrasgo) as a starting point, semi-structured interviews with specialists in contraception were conducted, participant observation was carried out at national and regional congresses of gynecology, in addition to keeping up to date with news about contraception in the press, and on websites of medical associations and of the National Health Surveillance Agency (Anvisa). Among the conclusions, it was observed that the practices of hegemonic gynecology have emphasized the benefits and minimized the risks of the pills, contributing to the production and reiteration of the safety of the device. The consequences that such practices have in the updating of the gender, health, risk, enhancement, and biomedicalization apparatus are also described. Keywords : Birth control pills; Gender; Health; Gynecology; Biomedicalization; Enhancement.
Quadro 1 - Classificação dos Contraceptivos Orais Combinados por Compostos e Gerações 164 Quadro 2 - Anticoncepcionais mais vendidos no Brasil 166 Quadro 3 - Artigos citados na seção “Existem diferenças no risco tromboembólico entre os contraceptivos orais combinados?” do volume da série “Orientações e Recomendações da Febrasgo” 170 Quadro 4 - Classificação dos progestagênios em relação ao efeito estrogênico e risco tromboembólico 177 Quadro 5 - Ginecologistas mais atuantes nas discussões sobre anticoncepção no âmbito da Febrasgo e da Sogesp 207 Quadro 6 - “Aulas” dos Cursos em Anticoncepção dos Congressos Paulistas de Obstetrícia e Ginecologia analisadas 210 Quadro 7 - Abordagens de anticoncepção/planejamento familiar e modelos de risco nas pesquisas com anticoncepcionais femininos 275
Tabela 1 - “O risco de TVP associada ao AHCO te preocupa?” 227 Tabela 2 - Conhecimento das mulheres pesquisadas sobre os diferentes contraceptivos 295 Tabela 3 - Métodos contraceptivos utilizados pelas mulheres pesquisas no Brasil em comparação com 11 países europeus 295
TVC Trombose Venosa Cerebral TVP Trombose Venosa Profunda UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul USAID United States Agency for International Development VDJ Vamos Decidir Juntos
2.6 Diferenciando as pílulas anticoncepcionais em relação ao risco de TEV: os progestagênios
Minha avó materna - nascida em Tijucas (SC), católica devota, sem educação formal, empregada doméstica, cozinheira e mãe de seis filhos - costumava lamentar que a pílula não estivesse disponível quando era mais jovem. Ela teve sua última filha, minha mãe, em 1966, quando o contraceptivo já estava disponível no Brasil, embora inacessível a ela. Já minha mãe, nascida em Blumenau (SC), desistiu do uso da pílula nos anos 1980 por conta das náuseas que sentia como efeito colateral. De seu encontro com meu pai, nascido em Bom Retiro (SC) e filho de um agricultor e de uma professora primária, eu acabei nascendo de uma gravidez não planejada em 1989. Na época, minha mãe tinha 23 anos e ainda não tinha iniciado a graduação (e viria a ser a primeira da família a fazê-lo) e meu pai tinha 34 anos, era viúvo e tinha dois filhos já adolescentes. Fui a primeira filha da minha mãe, que veio a ter mais dois, 17 e 19 anos depois, em um segundo casamento. Assim, apesar de filha única de meus pais, tenho quatro irmãos. Quanto a mim, comecei a consumir uma pílula anticoncepcional de “terceira geração” chamada Microdiol, composta de etinilestradiol e desogestrel, em 2005, aos 15 anos, após iniciar relações heterocissexuais e ir a uma consulta ao ginecologista pelo plano de saúde. Lembro de tomar minhas primeiras pílulas com um certo orgulho, como se elas materializassem a minha saída da infância em direção à vida adulta e à mulheridade. Por muitos anos, tomei-as quase diariamente sem maiores preocupações, embora tenha sentido vontade de trocar “minha” pílula por outra que minhas amigas tomavam: a Yasmin, da Bayer, “a mais moderna”. No entanto, nunca tive coragem de levar a troca até o fim por conta de seu preço (o triplo da que eu tomava). Continuei assim até os 21 anos, quando comecei a desconfiar de alguns de seus efeitos colaterais - embora não soubesse articulá-los muito bem - e cogitei mudar de contraceptivo para o dispositivo intrauterino (DIU) de cobre. Acabei sendo desestimulada por uma ginecologista que enfatizou seu risco de doença inflamatória pélvica (DIP) e resolvi continuar com a pílula. Voltei a questionar seu uso a partir de duas situações. A primeira foi a leitura, para a disciplina de Antropologia da Ciência cursada no segundo semestre de 2013, do artigo “Rudimentos da tecnociência contraceptiva: experimentações, biopolítica e a trajetória de um cientista” de Daniela Manica, presente no livro “Ciências na Vida: antropologia da ciência em perspectiva” (2012). Nesse artigo, a autora discute, a partir da trajetória científica do médico baiano Elsimar Coutinho, as relações das pesquisas e dispositivos tecnocientíficos na área da
meio de blogs e de grupos de emails em 2009, aos 19 anos. Desde então, meu engajamento com o feminismo tem orientado muitas das minhas decisões políticas, acadêmicas e pessoais.
Desde a graduação em ciências sociais na Universidade Federal de Santa Catarina – (2011-2014), venho trabalhando com temáticas que estão na interseção entre os estudos de gênero e sexualidade e os estudos sociais/feministas da ciência e tecnologia. No entanto, foi apenas a partir da minha entrada no curso de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que cursei entre 2015 e 2017, que passei a me interessar especificamente pelas controvérsias em torno dos contraceptivos orais combinados (de estrógeno e progestágenos), as chamadas “pílulas”. Naquela época, havia constatado um significativo aumento das publicações e reportagens sobre seus efeitos colaterais, o que me preocupava tanto pessoalmente quanto me interessava antropologicamente. Uma dessas reportagens, publicada por Cristiane Segatto em sua coluna na revista Época (2014)^1 , contava a história da professora universitária Carla Simone Castro. Em um vídeo gravado no hospital, a professora denunciou ter sido vítima de uma trombose cerebral e de três acidentes vasculares cerebrais (AVC) por conta do uso de anticoncepcionais hormonais. O vídeo acabou tendo mais de 140 mil compartilhamentos e três milhões de visualizações no Facebook , o que fez com que acabasse sendo procurada por outras mulheres que estiveram em situações semelhantes. Foi assim que Carla conheceu a empresária Simone Vasconcelos - vítima de uma embolia pulmonar em decorrência do uso da pílula anticoncepcional - e, juntas, criaram uma página no Facebook , chamada “Vítimas de anticoncepcionais. Unidas a favor da vida”. A página, criada em 16 de setembro de 2014, acumulou, em um ano, quatro mil depoimentos de mulheres que se identificaram como vítimas do dispositivo. Segundo entrevista concedida à Camila Pissolitto (2021), a página reúne hoje mais de 25 mil relatos (Pisolitto, 2021, p. 81). Em março do ano seguinte, a revista Época chamou ainda mais atenção para a temática ao publicar uma reportagem de capa intitulada “Quando a pílula anticoncepcional é a pior escolha”^2. A capa (Figura 1) trazia Daniele Medeiros, uma mulher branca em um vestido preto e descalça, evidenciando a ausência de seus dedos dos pés. Uma citação acompanhava a foto: (^1) SEGATTO, Cristiane. As vítimas da pílula anticoncepcional. Época , 10 de out. de 2014. Disponível em: <https://epoca.oglobo.globo.com/colunas-e-blogs/cristiane-segatto/noticia/2014/10/vitimas-da-pilula- anticoncepcional.html>. Acesso em: 15/04/2019. (^2) SEGATTO, Cristiane. Quando a pílula anticoncepcional é a pior escolha. Época , 27 de mar. de 2014. Disponível em <https://epoca.oglobo.globo.com/vida/noticia/2015/03/quando-pilula-anticoncepcional-e-pior- escolha.html?fbclid=IwAR0-ngwk5xKzyQozuoOnUrK9xft-kQ3hsjf1SWvRBi4wLUYNNsir3GeHIkY>. Acesso em 20/02/2020.