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tectam na poesia oficial de Bocage, estão ... verdade dizer que aquele estranho e versátil carác ... Bocage poeta de contradições.
Tipologia: Notas de estudo
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Não perca as partes importantes!
BOCAGE, "POETA DA CONTRADIÇÃO'. TAMBÉM
NA POESIA ERÓTICA, BURLESCA E SATÍRICA?
JOÃO M. SANT ANA DE MA ‘
A. o título interrogativo e nele subjacentes outras perguntas se sucedem: até que pon to certas marcas, que alguns ensaístas de- tectam na poesia oficial de Bocage, estão também presentes na sua poesia marginal, isto é, na poesia erótica, satírica e burles ca? Haverá coincidências? Haverá opo sições para além das directamente relacio náveis aos temas tratados? Conterão os te mas jocosos, e os outros, os mesmos indí cios, as mesmas marcas, os mesmos as pectos susceptíveis de reflectirem uma constância não superficial mas profunda, uma constância psicológica? A contradi ção em Bocage será real? Será aparente? Encontrar respostas, nunca definiti vas, é o nosso intuito. Simultânea e paralelamente pre tende-se não propriamente divulgar a face ta mais conhecida do poeta sadino, a de um Bocage brejeiro, obsceno, mas mostrar que tal faceta não é, não pode ser, impedi tiva de uma abordagem literária, de um es tudo ensaístico. Não só porque grandes poetas da humanidade produziram textos de temática igual ou idêntica (Catulo, Oví dio, Horácio, Juvenal, Afonso X, D.DInis, Aretino, etc., etc., etc.,) mas também por que, quer se queira quer não, tais poemas usam palavras que fazem parte da língua portuguesa e têm, devem ter, direito ao mesmo estatuto cientifico que as restantes. Neste trabalho utilizaremos, funda *
mentalmente, duas edições da poesia de Bocage; a Opera Om nia, dirigida por Her- nâni Cidade e editada pela Bertrand em 1 969, e, por motivos que adiante apontare mos, a edição de "1000 ex. numerados e destinados ao Brasil" das Poesias Eróti cas, Burlescas e Satyricas, datada de
uma outra de London - MCMXXVI". Refe renciaremos esta edição pela sigla PEBS. Segundo a História da Literatura Portuguesa, de António José Saraiva e Õs- car Lopes, as Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas foram editadas em Bruxelas, 1854, Baía, 1860 e 1861, e Londres, sem data. Será esta última aquela que acima se
uma re-edição?) das anteriores? Pelos lo cais das edições, é de presumir que não tenham sido destinadas, nem distribuídas, em Portugal, à excepção, talvez, da primei ra. Em 1 991, contudo, uma nova edição conheceu a luz do dia. É ela a da Publi cações Europa-América (colecção ‘Clássi cos 1 ns 15 ), que referenciaremos pela sigla PEA, com o mesmo título da de 1964. Infelizmente, esta nova edição enfer ma de alguns defeitos que não aconselham a exclusividade da sua utilização para este, ou qualquer outro, trabalho™. A edição de 1964 das poesias eróti cas tem a curiosidade de apresentar notas
para a quase totalidade dos poemas (note- -se que, de 220 páginas que o volume contém, 55 são ocupadas com notas). Nestas notas são dadas informações quan to à génese dos poemas, o que aponta pa ra um anotador perfilhando teorias positi vistas; são apresentadas, ou indicadas que existem, variantes a alguns versos; são in cluídas outras composições, sejam res postas a Bocage, sejam composições de outros autores sobre o mesmo tema; justi fica-se a selecçáo apresentada; informa-se dos casos duvidosos de autoria, etc., etc., etc. Em suma: as notas contêm muitos dos quesitos de uma edição crftica(Z) Pena é que não conste, em qualquer ponto da edi ção, o nome do seu autor. Como já dissemos, a edição da PEA omite toda e qualquer nota. Por este moti vo, e pelos aspectos adiantados na nota ns 1 , privilegiaremos a edição de 1964. Toda via, as citações de poemas, as remissões, as referências, etc., reportar-se-ão à edição da PEA, porque acessível. Sendo ela omis sa, transcreveremos de PEBS a matéria considerada necessária Critérios de transcrição em relação à PEBS:
"[...] a um pálido, esquisito mancebo, o Se nhor Manuel Maria, a criatura mais estravagante, mas porventura a mais original que Deus ainda for mou. [...]. Mil ditos conceituosos. mil rasgos de de
lirantes jovialidades. mil apodos satíricos por ele in- cessantemente vibrados, fizeram-nos finar de riso: quando, porem, começou a recitar algumas das suas composições, nas quais grande profundidade de pensamento se alia com os mais patéticos to ques, senti-me comovido e arrebatado. Pode-se na verdade dizer que aquele estranho e versátil carác ter possui o verdadeiro segredo do encantamento, com o qual. ao grado do seujtossuidor anima ou petrifica um auditório inteiro"'
É este o retrato, tanto físico como in telectual e psicológico, que Lorde Beckford faz de Bocage, que terá conhecido pes soalmente aquando da sua passagem por Lisboa no último quartel do século XVIII. Passando por cima da possibilidade de o episódio ser fictício em virtude de, na data por Lorde Beckford indicada, Bocage se encontrar na índia, o que pretendemos realçar é, apesar da potencial ficcionização do encontro, o retrato de Bocage ser, ou parecer ser, bastante fidedigno. Pelo me nos ele parece coincidir não só com os auto-retratos poéticos do próprio Bocage como, também, com as descrições físicas que outros poetas dele fazem nas disputas, sátiras, críticas, etc., que os envolveram'4'. Quase poderíamos dizer, não fora uma caracterização algo extremista, pos suir Bocage uma personalidade simulta neamente destruidora e auto-destruidora. Destruidora para os outros, para os seus inimigos, porque satírica, verrinosa e violenta em muitos dos seus escritos. Um exemplo basta, contra o árcade padre Do mingos Caídas Barbosa (Lereno Seilnunti- no):
"Nojenta prole da rainha Ginga, Sabujo ladrador, cara de nico, Loquaz saguim, burlesco Teodorico, Osga torrada, estúpido resirtga;
E não te acuso de poeta pinga; Tens lido o mestre Inácio, e o bom Supico; De ocas ideias tens o casco rico, Mas teus versos tresandam a catinga: Se a tua musa nos outeiros campa, Se ao Miranda fizeste ode demente,
da escravidão e do engano 15
Bocage poeta de contradições. Contradições que derivariam não sõ do próprio momento pol/tico-social - a Revo lução Francesa era certamente seguida, quiçá desejada, por muitos em Portugal - como em razões de foro psicológico com origem, sobretudo, na sua infância. João Mendes, na Literatura Portu guesa II, baseando-se em estudos do filó sofo francês Bachelard, considera que em Bocage, no ' esquema fundamental da ima ginação do poeta ", é patente a existência de um "complexo de Jonas' Este com plexo, que no fundo será uma atracção e repulsa peio abismo ou a atracção pelo abismo devorador e a aspiração do resgate luminoso ", teria sido provocado, primacial mente, pelo traumatismo psicológico que a morte da mãe originou no poeta sadino e, de cariz diferente mas quiçá idêntico nas profundezas do espírito, agravado pela traição da amada Gertrúria que, suspeita- se sem grandes fundamentos, terá casado
com o seu irmão Gil. Expliquemos melhor: Na opinião do filósofo francês, a morte extemporânea da mãe de uma crian ça cria, nesta, um sentimento de desampa ro, que pode evoluir para a criação da ver tigem da queda no abismo" Esse senti mento de desamparo poderá originar, tam- bém um a s é rie de n e c e s s id a d e s (conscientes? Inconscientes? Que tran sitam de um estado para o outro?) substi tutivas dessa carência, necessidades es sas talvez concomitantes, talvez antagóni cas, talvez complementares, mas que em última análise radicarão nesse desamparo e nessa solidão uma vez sentidos e nunca mais desejados.
Serão elas:
Para o primeiro caso temos o ingres so, com dezasseis anos, na vida militar; o abandono da mesma (porque nela não en contrava o que no fundo pretendia e preci sava?); a vida de boémia; Para o segundo, não só mas princi palmente. a Gertrúria, cuja traição origina rá reacçòes idênticas às da orfandade ma ternal, ou cujo abandono será sentido, in conscientemente (?), como foi o do aban dono da mãe; Para o terceiro, a vida amorosa que terá tido e que se reflecte na sua poesia. Ou, com o m elhor afirm a João Mendes: "E a fazermos fé em Bachelard, [...] então a morte precoce da mãe de Bocage teria podido desencadear um processo e agravar todas as predisposições inatas do poeta. Em que sentido? No de uma orfan
dade sedenta de amparo e carinho, acon chego que nunca veio a encontrar em múl tiplas paixões amorosas irresistíveis, e que estabelece, na sua imagétlca lírica, um dos casos típicos de contaminação entre o ven tre digestivo que devora e o ventre sexual que é origem de sombrias desilusões"'16' Esta atracção pelo abismo devora dor, que também poderá ser um regresso ao seio materno junguiano, reflectir-se-á, no que à produção poética diz respeito, na temática de muitos poemas, na utilização de certa terminologia mais escura, mais nocturna, mais hórrida 1 ou mais feminina e, também, nos ambientes onde, em mui tos deles, se desenrola a acção (que, ao contrário do habitual, é característica de uma boa parte da poesia bocagiana, pois muitas das suas poesias eróticas, burles cas e satíricas não são estáticas, ao invés, são autênticas mini-narratlvas de acção ex plícita, ou sugerida). Nesta perspectlva, são utilizados bastantes termos do campo semântico, e simbólico, do feminino (grutas, cavernas, sepulturas, taças, suspiros, lágrimas, quei xumes, ais, seios, abismos, etc.), da noite e suas cambiantes e/ou sugestões, do hor ror nos seus diversos estádios e das acções com esses campos semânticos as sociadas, ainda que indirectamente. E não se pense ser só naquela poesia, digamos séria à falta de melhor adjectlvo. O mesmo se constata nas produções que pelas suas características intrínsecas - uma certa le viandade, uma certa alegria (?), um certo humor, uma certa ironia que, pensamos, estão intimamente ligadas à sátira, a algum burlesco e ao erotismo - tais aspectos pa receriam não conter. Dir-se-á que a prática amorosa, por necessitar da intimidade conveniente, tem na noite, na escuridão, nas sombras, a sua melhor cúmplice e a sua melhor auxiliar na criação dos ambientes propícios aos ob- jectivos pretendidos, sobretudo se ilícitos. De tal sorte assim é que ela, a noite, se transformou em topos da poesia, e não só. de cariz amoroso. Não será de estranhar, portanto, que, na poesia erótica de Bocage, prevale çam os ambientes nocturnos, só que nem
sempre são apresentados na perspectiva, ou nos moldes, da restante poesia. Ou se ja: os ambientes nocturnos, e seus apani guados. surgem-nos, no geral da compo sição amorosa, como uma necessidade or gânica da composição, como uma obriga toriedade de género, como uma ficcioniza- ção do real e, assim sendo, pintados com traços mais ou menos ligeiros, esboços mais ou menos incompletos, sombras su gerindo volumes surgem-nos como uma capa para os amantes, e uma capa para o enredo. Ora na poesia erótica de Bocage, esses espaços são os espaços concretos e reais, ainda que por vezes somente suge ridos, onde se desenrolam, ou poderão desenrolar, as acções amorosas (os quar tos, as escadas, os saiões), espaços que até poderão ser públicos e Iluminados, por tanto de menor intimidade. E esta caracte rística transmite-lhe, pensamos, um ar de maior veracidade, sobretudo naquelas em que o autor é interveniente na acção. Vejamos alguns exemplos extraídos dos sonetos erótico-satíricos:
N um capote embrulhado, ao pé de Armia Que tinha perto a mãe o chá fazen [ ■] A noute começou de bofetada" (son. XXXVII)
No canto de um venal salão de dança" (son. VIII)
Amar dentro do peito uma donzela, [...] Depois da meia noute na janela: Fazê-la vir abaixo [...] Sentir abrir a porta [...} Entrar pé ante pé [...] (son XLI)
Pela rua da Rosa eu caminhava Eram sete da noute [...]" (son. XXIV)
Dormia a sono solto a minha amada, Quando eu pé ante pé no quarto entrava (son. XXVII) Eram oito do dia: eis a criada Me corre ao quarto [...]" (son. XXVIII)
Foi um satírico. Foi um reivindicador do direito à sinceri dade e à liberdade do, e no, amor.
sociedade e que só à mulher se aplicava, e que só a mulher era obrigada a respeitar. Até porque
É isso que se infere não só daquela que terá sido a sua vida mas, sobretudo, da Epístoia a Maríiia, talvez mais conheci da pelo incipit Pavorosa Ilusão da Eterni dade", e das cartas de Olinda e Alzira. Em ambas é patente essa perspecti- va, quase diríamos revolucionária, de o amor como entidade libertadora e não es- cravizadora. Mais. Nas cartas de Olinda e Alzira essa perspectiva é feminina, o que lhes dará um cunho ainda mais revolucio nário: cartas de emancipação da mulher Atente-se nos seguintes versos:
"Chamem embora apáticos estoicos Ardores sensuais os que me inflamam; Chamem-me torpe, chamem-me impúdi- [ca; Tais vilipêndios valem o que eu gozo. Venha a rançosa, vã teologia Crimes fingir, criar eternos fogos, Eu desafio os seus sequazes todos, Eu desafio o Deus que eles trovejam!.. Nos mais puros deleites embebida, Bem os posso arrostar, posso aterrá-los! Não estremeças, não, amada Olinda; Longe do Fanatismo a turma odiosa, Que infames leis, infames prejuízos, Quais cabeças fatais d'hidra indomável Para o mundo assolar tem rebentado! Não há para os cristãos um Deus difrente Do que os gentios têm, e os muçulmanos; Dogmas de bonzos são condignos filhos Da fraude vil, da estúpida ignorância, Da opressora política produtos. O que a Razão desnega, não existe. Se existe um Deus, a Natureza o oTrece: Tudo o que é contra eia, ó ofendê-lo. A sólida moral não necessita De apoios vãos: seu trono assenta em
Que firmam a Razão e a
A citação é longa, mas nela é perfei tamente visível uma defesa acérrima do amor físico e um ataque feroz aos dogmas, aos conceitos, às opiniões, às regras, às leis, a tudo quanto a Igreja introduziu na
Se tudo a amar convida, e nos impele, Quem ousa amor chamar crime execran- [do?...'” 9)
E se na Epístola a Maríiia, que esta rá na origem da prisão de Bocage, pers- pectivas idênticas são apresentadas pelo poeta (a maior diferença residirá em, ago ra, ser uma voz masculina quem aconse lha)
[...] Se a rigorosa Carrancuda expressão de um pai severo, Te não deixa chegar ao caro amante Pelo perpétuo nó, que chamam sacro, [...] Se obter não podes a união solene, Que alucina os mortais, [...] [■■■] Reclama o teu poder, os teus direitos, Da justiça despótica extorquidos; Não chega aos corações o jus paterno, Se a chama da ternura os afogueia; De amor há precisão, há liberdade. Eis pois, do temor sacode o jugo,
Pelas sombras da noute, a amor propícias, Demanda os braços do ancioso Elmano, Ao risonho prazer franqueia os lares: Consiste o laço na união das almas: Do ditoso himeneu as venerandas Caladas trevas testemunhas sejam; Seja ministro o Amor e a terra templo, [...] [...]: incita, incita O que só de prazer merece o nome. [...] Sentirás suspirar, morrer o amante, Com os seus confundir os teus suspiros; Hás-de morrer e reviver com ele. {...] Amar é um dever, além de um gosto, Uma necessidade, não um crime, Qual a impostura horrísona apregoa."< 20 >
ela, a Epístola, é, também e sobretudo, um
libelo contra a religião ( contra os agentes religiosos) e contra a hipocrisia; um libelo contra as teses propugnadas e defendidas pela Igreja no que à existência de Deus e Seus poderes diz respeito; ela é, também, o reflexo de um certo deismo de B
i
"Pavorosa ilusão da Eternidade, Terror dos vivos, cárcere dos mortos; [...] Sistema da política opressora. [...] Dogma funesto, detestável crença, Que envenenas delícias inocentes. [. ] Perpétua escuridão, perpétua chama, incompatíveis produções do engano, [...] Trema de ouvir sacrílego ameaço Quem dum Deus quando quer faz um tira-
Oh Deus, não opressor, não vingativo, Não vibrando com a dextra o raio ardente Contra o suave instinto que nos deste;
[- 1 Monstros de vis paixões, danados peitos, Regidos pelo sôfrego interesse, [...] te atribuem A cólera, a vigança, os vícios todos,
[-•]! Quer sanhudo ministro dos altares Dourar o horror das bárbaras cruezas, [...]: Ei-lo, em santo furor todo abrasado, [...] Ei-lo cheio de um Deus tão mau como ele, Ei-io citando os hórridos exemplos [■■■]• Ah! Bárbaro impostor, monstro sedento De crimes, de ais, de lágrimas, d'estragos, [...] reprime as garras, E a torrente de horrores, que derramas, Para fundar o império dos tiranos, [...].
Do coração, da Ideia, ahl desarraiga De astutos mestres a fafaz doutrina, [...]; Há Deus, mas Deus de paz, Deus de pie- [dade. Deus de amor, pai dos homens, não fiage- [lo; [...]: Amor é lei do Eterno, [...]; As mais são invenções, são quasi todas Contrárias à razão, e à natureza,
Céus não existem, não existe inferno, O prémio da virtude é a virtude, É castigo do vício o próprio vício."'21'
deísmo que bastantes amargos de boca lhe trouxe e que mais tarde, já no final da vida, virá a denegar naquele que será o seu mais conhecido soneto ("Já Bocags não sou!"), mas também em outros, de que se transcreve, por mais óbvio:
"Pela voz do trovão corisco intenso Clama que à Natureza impera um Ente, [■■■] Pasmar da imensidade é crer o imenso: Tudo em nós o requer, o adora, o sente. Provam-te os olhos, ouvidos, peito e [mente? Númen! Eu ouço, eu olho, eu sinto, eu pen- [sol [...] Sempre (até das paixões no desatino) Tua clemência amei, temi Teu raio."'22'
Muito haveria ainda a dizer. Da face ta satírica de Bocage, muitos poemas fica ram por referir. Contudo, das críticas jocosas, dos
p. 1 4 5 ,1 1: a porá; para além do uso de minúsculas em
gar reaes as personagens, e passados em verdade os factos, [ não é ] possível entrar em algumas particularidades a esse respei to: e até julgamos pouco provável que, mesmo em Setúbal, se conserve ainda a m em ória do azevich ad o heróe [...]' (p-165); Sobre o soneto Tendo o terrível Bo- naparte á vista , afirma o anotador; "O pe núltimo verso iê-se em algumas coplas do modo seguinte [...]" (p.189); ou, sobre ou tros poemas: [. .] pela impossibilidade de fazer a necessária confrontação com ou tras copias deixamos ir alguns logares.que nos parecem viciados, mas que nos não atrevemos a emendar de motu-proprio" (p.187); [. .] mas pareceu acertado repro duzi-los, por conterem variantes" (p.203); Do poema "Manteigui" temos visto três ou quatro edições diversas [...). Não ligámos a alguma em particular, mas aproveitamos de todas as variantes que offereciam visos de mais correctas, confrontando-as sem pre com os manuscriptos que possuiamos l 1 ( P 167); Composições complementares: A proposito d ’este soneto [que versa critica e satírica mente assuntos de ordem militar], ajuntaremos aqui outros de assumpto ana- togo [.. .] (p.204) e seguem-se cinco sone tos, dois dos quais anónimos; a propósito da Epístola a Marília", o anotador apresen ta, por as supor "desconhecidas para o commum dos leitores", duas "Refutações" que conservara em seu poder, uma de Ma noel Thomaz Pinheiro d ’Aragão (a 1Anti-Pa- vorosa - Parodia Christã", com 211 versos) e a outra, com 214 versos, de autor des conhecido ("Epistola ao Auctor da ‘Pavoro sa’"), (pp. 168-185); algumas sátiras a Bo cage: quatro sonetos, sendo dois anóni mos, um de B.M.Curvo Semedo e um de J.Franco; um epigrama de Caídas Barbo sa ("De todos sempre diz mal / O ímpio Ma noel Maria; / E se de Deus o não disse, / Foi porque o não conhecia"); e uma sátira de 66 versos, de autor não indicado (pp. 197-
Exclusões: Assim resolvemos ex cluir tudo o que de proprio conhecimento ou em resultado d ’exame critico e compa rativo, se mostrava evidentemente alheio;
já porque contivesse allusões a pessoas, ou factos mais recentes; já porque sendo (...] ineptamente escripto, serviria de des crédito para o poeta, e muito mais denun ciaria a falta de siso e de critica em quem ousasse atribuirih'o; já [...] porque muitas dessas obras [pertencem] a auctores conhecidos [...]" (p.188); sobre "Arte de Amar - Imitação de Ovídio": "Aquelle que fôr versado no conhecimento de estylos terá talvez aventado que o d'esta composição se afasta notavelmente da elocução pró pria de Bocage. E na verdade, segundo a asseveração de pessoas competentes, a obra é de Sebastião Xavier Bote-lho; mas também nos certificaram que tendo-a seu auctor submettido á correcção e censura de Bocage, este emendára e polira muitos versos, introduzindo-lhe outros totalmente seus, pelo que nos pareceu que de justiça devia achar cabida na presente collec- ção."(p.l 86 ); ou o soneto "Não lamentes, oh Nise, o teu estado 1 "tem sido tão constantemente havido como producção de Bocage, e é tão popular, e conhecido, que não poderíamos dispensar-nos de aqui o reproduzir. Mas pede a verdade que se diga que Manoel Maria foi inteiramente extranho a esta composição. Conforme o testemunho irrefragável dos contemporâ neos mais bem instruídos [...] o seu verda deiro auctor foi João Vicente Pimentei Mal- donado [...]". Diz-se que o próprio Bocage terá recusado tal autoria e teria feito repa ros ao poema incluindo alterações de ver sos: se fosse dele, Bocage, "em logar do verso 0 teo cono não passa por honrado teria dito "Não passa o cono teu por cono honrado" (pp.l 90-191). 3 • Lorde Beckford, "Itaiy, Spain and Portugal, with an Excursion to the Monas- tery of Alcobaça and Batalha", citado e tra
ni Cidade, "Prefácio" a M.M.B.Bocage,
4 - Vejam-se, para além do auto-re trato Magro, de olhos azues, carão more no", os seguintes versos sobre Bocage (em PEBS, pp. 198-199): "Este que vês, com olhos macera dos, / Não é Bocage, não, rei dos bregei-
ros, / São apenas seus ossos descarnados" (B.M.Curvo Semedo); Esqueleto animal, cara de fome, / De Timão, e chapéo á hoiiandeza, / Olhos espantadiços, bôca acceza, / D’onde o fu mo, que sáe, a todos some" (Anónimo); ou, ainda de Bocage, "Que importa, des carnado e macilento, / não ter meu rosto o que alicia os olhos 1 ("Pena de Talião", Ope
exemplos possíveis. 5 - Soneto IV, p. 107. Compare-se este soneto com os Preside o neto da rainha Ginga", "Deixa, insigne Bocage, insultos vates", "Por casa Febo entrou co'um vil bugio" e "Lembrou- -se no Brasil bruxa insolente", que se en
o visado os mesmos, o tratamento ó, quan to a nós, inferior. Atente-se, também, ao verso 13 deste soneto: o seu ritmo perfeitamente bi nário (ou alternado) de sons altos e baixos (sílabas tónicas e átonas) e, sobretudo, os cinco substantivos definidores, e caracteri- zadores, do visado, que pela sua quanti dade nos parecem uma raridade na poesia portuguesa, mostram a maestria do poeta que os concebeu.
em PEA, não é aceitável, pois colocar-nos- -ia perante um verso com 11 sílabas. A li ção correcta será a que apresenta PEBS, o artigo indefinido do género masculino
6 - Sonetos 1 Já por bárbaros climas entranhado e 1 Apenas vi do dia a luz bri lhando1, respectivamente. Há, no entanto, que salvaguardar um aspecto: até que pon to os poemas líricos, no geral, ou estes, em particular, são confessionais? Uma coisa é certa: ambos os sonetos têm marcas auto biográficas insofismáveis. 7 - Giosas ao mote "O Inferno do Ciume , em PEA, p. 60. Note-se o paralelismo temático com a Epístola a Marília - Pavorosa Ilusão da Eternidade". Serão da mesma altura? 8 - Soneto IX, PEA p. 110. Curiosa é a nota que em PEBS, pp. 202-203, acompanha este soneto. A fazer fé nela, Bocage terá pertencido a uma das
"Esquentado trisão, brutal masmorro" (PEA, nS VI); "NegA> barrasco, um Frei Tu tano" (PEA, n 5 X); Bojudo fradalhão de lar ga venta / Abismo Imundo de tabaco estur- ro,/ Doutor na asneira, na ciência burro" (PEA, ns V); "Aquele semi-clérigo patife1" (PEA, n- XLII); Lascivo como um burro ou como um frade" (PEA, n® XVt). Sobre este tema, vejam-se, abaixo, texto e nota 24. 24 - PEA, soneto n2 XLV. A propósito deste soneto, o anota dor de PEBS ajunta "outros de assumpto analogo" e transcreve cinco sonetos, um de “Fr. José Botelho Torrezâo, frade paulista faliecido em 1806" ("[...] Riu-se Deus, e lhe disse; - Não te enfades; / • Frades não fiz, de frades não preciso; / Quando o mundo souber o que são frades, / Ha de extinguil- -os, se tiver juízo."); o segundo de José Caetano de Figueiredo {" Encontrei certo Leigo franciscano [...] pedindo esmola; [...] Como é possível que a nação contente / Mantenha ufana, e liberai socorra / A tão inútil, ociosa gente? [...]"; o terceiro de Francisco Manoel do Nascimento (“Chris- to morreu ha mil e tantos annos; / Foi des cido da cruz, logo enterrado; / E inda as sim de pedir não tem cessado / Para o se- pulchro d elle os franciscanos! / Tornou a ressurgir d'entre os humanos; / Subiu da terra ao ceu, lá está sentado; / E á saude d ’elle sepultado / Comem á nossa custa estes maganos: / Cuidam os que lhes dão a sua esmola / Que ella se gasta na func- ção mals pia... / Quanto vos enganaes, oh gente tola! / O altar mór com dous côtos se allumia: / E o fradinho c o a puta, que o consola,/ Gasta de noute o que lhe daes de dia."); e os dois restantes anónimos ("Pa dre Frei Cosme (...) Tire a mascara pois, largue a sacola, / E deixe o povo, a quem impunemente / Em nome do Senhor escor- cha, e esfola [...]" e "Lingua mordaz, in fame, e mal dlzente, / Não ouses murmu rar do bom prelado: / Inda que o vejas com Alcippe ao lado./ Amiga não será, será pa rente: / Geral da Ordem, prégador potente./ No jogo padre-mestre jubilado, / E que te importa que fornlque a moça?/ Que prégue
o evangelho por dinheiro? / Que em vez de andar a pé ande em carroça? / Talvez que d isso seja um verdadeiro / Dos monges exemplar, da Serra d'Ossa, / Pois que dos monges é hoje o primeiro.") (pp.204-208). 25 - Os sonetos X e XI (PEA n&s VI e
transcreve, ainda, "a historia da composi ção d'estes sonetos [que] se encontra am plamente descripta na "Livraria Gasslca " (tomo XXIII)". 26 - PEA, soneto II.
BOCAGE, Opera Omnia, 6 vols., Direcçáo e Prefácio de Hernâni Cidade. Livraria Ber- trand, Lisboa, 1969.
1964, edição de 1000 exemplares numera
edição londrina de MCMXXV?).
Lisboa, Publicações Europa-Amórica (co- lecção "Clássicos" ns 15 ), 1991.
de Orlando Neves). Círculo de Leitores, Lis boa, 1973.
bo, Lisboa, 1965.
Porto, 1979. CRUZ, Valdemar, "As paixões do destino
e Interpretação Literária H, 2 Sed., Editorial Inova, Porto, 1969.
2 ^ed., ed. Verbo, Lisboa, 1982. SARAIVA, António José e LOPES, Óscar, História da Literatura Portuguesa, 1 ised., Porto Editora, Porto, 1979.