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Bilinguismo e Surdez, Trabalhos de Linguística

Este artigo tem como objetivo ampliar, aqui no Brasil, os conceitos de Línguas e Bilinguismo para que os surdos passem a ser vistos não apenas como deficientes auditivos, mas também, como indivíduos que, devido a esta deficiência, desenvolveram uma comunicação entre eles, uma modalidade gestual-visual de língua.

Tipologia: Trabalhos

Antes de 2010

Compartilhado em 31/05/2025

ariadne-ribeiro-lopes
ariadne-ribeiro-lopes 🇧🇷

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Trab. Ling. Ap1., Campinas, (14):101-112, Jul./dez. 1989 BILINGÚISMO E SURDEZ Tanya A. Felipe (FESP) Este artigo tem coro objetivo ampliar, aqui no Brasil, os conceitos de Lingua e Bilinguisro para que os surdos passem a ser vistos não apenas comp ceficien- tes auditivos, mas tarbér, caro indivíduos que, devido a esta deficiência, desenvol- vem uma comnicação entre eles, ura modalidade gestual-visual de lingua - a LSCB (Língua dos Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros) e aprendem nas escolas uma moda- lidade oral-auditiva - a Lingua Portuguesa. A partir do reconhecimento de que existe uma situação Hngúística de bilinglismo como diglossia nas comunidades surdas, as es- colas especializadas na educação de surdos, para não violar seus direitos linguísti- cos, tenderão a mudar a atual ideologia pedagógica, implementando uma Educação Bilín- gue. 1. A COMINIDADE LINGUÍSTICA URBANA DOS SURDOS E A LSCB Muito já se tem feito, em outros países, com abordagens Linguística, sociolingúística e psicolingúística, sobre as línguas dos sinais dos surdos, mas qua se nada ainda foi refletido sobre estes trabalhos aqui no Brasil; somente O GELES (Grupo de Estudo sobre Linguagem, Educação e Surdez) tem desenvolvido pesquisas sobre a LSCB, mas falta divulgação do que já se produziu, além de incentivos por parte das instituições que se ocupar com estudos linguísticos ou educação especializada para surdos. Entende-se por comunidade de fala aquela que se caracteriza como tal por ter uma lingua e ur conjunto de valores cu normas subjacentes a essa Lingua; ou ainda, como a define Gurperz (19753): qualquer agregado humano caracterizado por interação regular e frequente por meio de um corpo compartilhado de signos verbais e que possui suas diferenças significativas no uso da língua; Assim pode-se afirmar que no Brasil, ate o mamento das pesquisas, são conhecidas duas comunidades linguísticas de surdos: a Urubu-Kaspor, que utiliza a Língua dos Sirais Urubu-Kaapor, e a dos Centros Urbanos que utiliza a LSCB. Apesar de ser evidente que essas duas comunidades possuem uma Língua e ura cultura próprias, ainda persiste a dúvida, até entre Os lingúístas, se as línguas dos sinais realmente seriam línguas naturais. Embora Hockett (1966), em seu estudo sobre os universais que caracte- rizam a linguagem hurena, diferenciando-a da dos animais, não tenha mencionado a m- dalidade gestual-visual, poderos aplicar, a esta, as propriedades atribuídas as lin- quas Orais-auditivas, fazendo as devidas ressalvas quanto às diferenças de modalida- de: 1. Arbitrariedade: a relação entre os sinais e seus referentes apresenta motivação através de semelhanças físicas e geométricas, mas nem todos Os sinais da LSCB são ícones, muitos são simbolos e alguns “indices.l A iconiciclade é uma caracterástica relevante nas línguas dos sinais e, devido a esta, muitos lingiistas e especialis- tas na educação de surdos, por não conhecerem a estrutura da LSCB, deduzem que ela é uma configuração de míricas e gestos universais, esquecen que a iconicidade € tanbém arbitrária; mas coro Stokoe (1965), Klima & Bellugi (1979) e Bellugi (1980) já demonstrarar, em relação à ASL (American Sign Language), e, equi no Brasil, Ferreira Brito (1986), em relação a LSCB, ha uma hierarquia de níveis nas estrutu- ras das línguas dos sinais, e muitos sinais desses sisteras são convencionais, re- sultados de un acordo tácito da comunidade. Exemplos: 1. Sirais arbitrários: Ensinar tEnsino, instruir, educar, ainstru- ção, ensinamento) Nove-se as mãos juntas para a fren- te, separando os dedos. Duas vezes. -102- Mulher (Senhora, dama, feminina, fémea) Mão direita en “A”, palma para à esquerda, polegar bem desta- cado. Passa O polegar sobre a face di- reita duas vezes, de dentro para fora. 4. Contraste: ponto de articulação: Desculpar (Desculpa, escusa) Mao direita em “Y” encostada no queixo, palma para O rosto. 5. Contraste: movimento: Pensar (Pensamento, pensativo, planejar, cogitar). Tocar a testa no lado direito cor a ponta do indicador direito. -104- (má sorte) Mão direita em "y” encostada no nariz, palma para o rosto. Duvidar (Divida, incerteza, vacilação, conjetura, indecisão). Tocar a testa no lado direito com a ponta do indicador di- reito e mover a cabeça para a esquerda e para a direita. 6. Contraste: configuração das mãos Educado Acostumado (Cortês, educação, cultura, delica- (Hebito, habituar, costurar) deza, polidez) Braço esquerdo estendido para | Braço esquerdo estendido para fren- frente e para baixo. te e para baixo. Mag direita er “B”, palma para Mão direita em “L”, palma para bai- o corpo em posição horizontal, xo, descendo ao longo do braço es- descendo ao longo do braço es- querdo. querdo. 3. Produtividade: todo usuário da LSCB pode produzir novas mensagens lingúísticas utilizando regras recursivas aos enunciados Já conhecidos e haverá compreensão da mensagem por parte do receptor que também poderá criar enunciados novos e expandi- los utilizando regras adequadas para acrescentar novas informações. Exemplos: 7. GOSTAR “Orientação do corpo para (= eu gosto dele/ 1 a direita” (Posição de 3) dela) ' 8. GOSTAR MUITO “Orientação do corpo para (= eu gosto muito 1 a esquerda” (Posição de 3) dele/dela) 9. NÃO GOSTAR (= eu não gosto de você) 1 2 4. Produto Cultural: coro toda Lingua natural, a LSCB é adquirida através de um aprendizado, mas sarente crianças surdas de pais surdos poder, no período de aqui- sição da linguagem, aprendê-la, já que os pais ouvintes não a ensinar. Os filhos de pais ouvintes so entram em contato com a LSCB quando vao para as escolas e, mesmo sob pressão das professoras que, muitas vezes, proíbem a sua utilização, co- meçar a aprende-la cor as crianças que já a conhecem; ou, quando é pior, a LSCB só -105- Por outro lado, Fistmen (1972) afirmou que a relação entre bilingiismo e diglossia constitui ur critério central para a classificação de comunidades lin- gúísticas. Bilingiisro e diglossia não coincidem necessariamente: bilingúismo seria o uso de cas lírguas por ura mesma pessoa - bilinglisro individual - ou pelo mesmo grupo social - bilinglismo grupal, institucional, social; diglossia seria uma situa- ção linglística em que duas variedades distintas de uma língua estão em relação de complementariedade funcional - uma usada em contextos formais, outra, em contextos informais. Distingue quatro configurações possíveis: Diglossia e bilingúismo, Diglos- sia sem bilingúísro, Bilinguisro ser diglossia, nem bilinguismo nem diglossia. O bilinguism é essencialmente a versatilidade no desempenho des lin- guas em contato, portanto, está a nível indivical; enquanto a diglossia estaria a nível coletivo: a coexistência de duas ou mais variedades de língua ou linguas em que os valores de classe e função social se carplementam. O modo caro o bilingiisro e a diglossia se interligam, em nível indi- vidual, depende do contato entre grupos lingúísticos, dos papéis desempenhados em ca- da un, das variantes lingúísticas usadas. Para Ferguson (1964), a diglossia pode se desenvolver a partir de va- rias origens e, ocorrer em diferentes situações lingúisticas. Estas seriar relativa- mente estáveis, e coexistiriar um variante superposta (19! - altareme codificada, na maioria das vezes, gramaticalrente rrais corplexa, aprendida atraves da educação formal e utilizada em situações formais ou na escrita - e uma variante informal (LV) - que se configuraria nos dialetos principais da língua, podendo haver um padrão ou padrões regionais, utilizados na conversação informal. A comunidade dos surdos no Brasil é bilingie por possuir merbros bi- língies que utilizar duas línguas numa situação de diglossia: a Língua Portuguesa - a variante superposta (HV) utilizada nas escolas e com os falantes ouvintes da comuni- dade maior à qual os surdos tarbem pertencer - e a LSCB - a variante inforral (LV) usada entre os surdos. Se traçantos um continuum a partir da utilização da Língua Portuguesa até a utilização da LSCB, pode-se observar a existência de um pidain, resultante da desestruturação da LSCB ao se inserir eleventos estruturais da Língua Portuguesa quando numa corunicação de surdos com ouvintes. Esse bil inglismo diglóssico da comunidade surda é o fator principal de identificação e solidariedade enquanto grupo: Os ouvintes são considerados pessoas de fora e são tratados com certo distanciamento até que eles, através do aprendizado da LSCB, se integrem a eles, tornando-se bilíngies e por isso não representando trans- torro. -107- III. A EDUCAÇÃO BILÍNGIE No Brasil, as ideologias pedagógicas que vigoran nas escolas especia- lizades na educação de surdos são a Oralista, predominantemente, e a Comunicação To- tal, arbas apreendendo os surdos apenas camo deficientes auditivos. A ideologia oralista, através de vários métodos, como o Verbo-Tonal, a Leitura Labial, a Spegch Readina ( = leitura facial ) e a CUE Speech ( = leitura la- bial + movimento ), desenvolve, a partir da escolha de un ou alguns desses métodos, meios para que as crianças surdas aprendam a Língua Portuguesa, mas os resultados dessa aprendizagem não mostram realmente ur bar resultado fonético e, na meioria das vezes, OS surdos se veem serpre em situações difíceis diante dos ouvintes que não se esforçam muito para tentar corpreende-los. A ideologia da Comunicação Total, apregoando que O importante é que a informação passe 0 mais compreensível possível, procura desenvolver todas as capaci- dades de comunicação da criança: a fala, a audição, a leitura labial, a escrita, a leitura, OS sinais, a mímica, etc; mas enbora dando mais Liberdade à criança para se expressar, e por isso fazendo-a mais confiante em si, ainda não valoriza cano língua natural a lingua que algures crianças já trazem de casa e utilizem entre si, ensinan- do-a a outras, que, filhas de pais ouvintes, não a aprenderar com seus pais. Por não se aterem a estudos mais profundos destas comunicações gestuais-visuais, Os especia- listas e professores que trabalhar com estas crianças pensar que estas comunicações são apenas mimicas ou algur tipo de código, não dando maior valor, embora alguns ten- tem, as vezes, se comunicar com as crianças utilizando sinais aprendidos com elas. Já em outros países, tomando como exemplo os Estados ilnidos, onde os estudos nessa área estão bem avançados, há mais duas concepções pedagógicas que atuam sobre a ecticação das crianças surdas: a Comunicação Bimodal e a Educação Bilingue. Na Comunicação Bimodal há a utitização simultânea das duas modalidades de língua: a oral-auditiva e a gestual-visual, é uma espécie de pidain, coro a SL (Sign Language) -que desestrutura a ASL (American Sign Language, lingua dos sinais na- tural dos surdos dos Estados Unidos) inserindo estruturas gramaticais da Língua In- glesa ou são sisteras de sinais artificiais como o SIGLISH (Signed English) eo Se- eing Essential English (SEE 1) entre outros O problera da comunicação bimodal é que nessa utilização simultânea de duas modalidades com peculiaridades Der distintas, a ASL se desestrutura cor a intro- dução de elementos lingúísticos desnecessários à sua estrutura. Cientes desse problema, os especialistas na educação dos surdos, jun- tamente cor lingúistas, estão trabalhando, já há algumas décadas, com uma educação bilingie. Conv Hoodrard (1978) ressaltou, a educação bilingle para qualquer gru- po social não é um problema meramente Lingúístico, e fatores sociológicos e psicolo- gicos precisar ser refletidos antes de sua implementação. -108- Em nosso país, todas estas questões precisem ainda ser pensadas e qui- tas pesquisas terão de ser feitas, embora haja necessidade de mudanças urgentes na educação dos surdos; mes, é necessário, antes de qualquer mudança, fazer cursos de treinamento para mudar a ideologia dos profissionais que trabalhar nessa área; con- sultar e conscientizar os pais das crianças surdas, bem coro a comunidade surda da região, promovendo: - palestras sobre os métodos educacionais aplicados à educação dos surdos; - cursos de LSCB; cursos de introdução à linglística e lingiística aplicada ao ensino de uma segunda lírgua, para os profissionais que trabalham com a educação especializada para sur- dos, Mas, para que essas mudanças ocorram, muitos linglistas precism se dedicar ao estudo da LSCB, O que contribuirá para um aprofundatento na carpreensão da linguagem humana coro um todo. NOTAS 1. PIERCE (1977) afirma que a mais importante divisão dos signos seria em: - icones, que seriam Representâmen que trazem qualidades representativas dos obje- tos que representam, sendo esta relação arbitrária; - índices, que seriar Representáren cujo caráter representativo consiste em ser um segundo individual, guardam uma relação natural com os objetos que idicam; - simbolos, que seriam Representámen cujo caráter representativo consiste exata- mente em ser ura regra que determinará seu Interpretante, portanto possuer uma relação convencional, arbitrária com os objetos que simbolizar. 2,0s três parâmetros são, de acordo com Stokoe (1960): “The tab (location of the sign), the dez (handshape), and the sig (the moviment)”, ou seja, de acordo com Ferreira Britto (1986): ponto de articulação (PA), configuração da(s) mão(s) (CM) e movimento (M). 3. Os três parâmetros que configurar O signo foram designados por Stokoe (1960) de “cheremes” - corresponderiam aos cenemas, elementos não dotados de significação, com valor contrastivo que formem a estrutura sublexical das línguas orais-auditi- vas e, a partir de sua combinação, sujeita as regras de cada língua, foram os ple- reras - unidades dotadas de significação. -110- 4. Ferguson (1972) usa a forma abreviada HV para a “High Variant” e a forma LY para a “Low Variant”. BIBLIOGRAFIA BERNSTEIN, B. (1975: 157-178) “Social class, Language and Socialization” in Giglioli. Pier Paolo ted.). Lanquage and Social Context. Harrondsworth, Penguin. FERGUSON, C.A. (1975) “Diglossia” in Giglioli (1975: 2352-251). FISHMAN, J.(19/2) The Socioloay of Language. Nembury House Publishers. Massachusetts. GUMPERZ, J. (1975) “The Speech Community” in Giglioli (1975: 219-251). FERREIRA BRITTO, L. Um Estudo Preliminar da Estrutura Sublexical da LSCB. CNPq - S.P. MACKEY, W.F. (1968) "The Description of Bilingualism” in Fistmen, J.A, (ed.) Readinas in the Socioloav of Languages. The Hague, Mouton. MARKOWICZ, H. & Hoocward, J. “Language and the maintenance of Ethnic Boundaries in ihe Deaf” A paper presented at the Conference on Culture and Communication. Terple University, Philadelphia, March. MOTTEZ, B. “La Sortie du Ghetto” extrait de La Langue des Sianes dans la Formation et 1 intégration de la personne sourde. Actes du Colloque de Liege au Satehelman. 24-04-1985. nm la Jture Sourde. Mediations. Handicap et Culture Edite por Relgaibus 11 grand Rue Marselha 1985. PIERCE, C.S. (1977) Semiótica Col. Estudos Perspectiva. S.P. PRATT, M.L. & Traugott E.C. (1980) “Speech Acts and Speech Genres" in Linguistics for Students of Literature. Harcourt, Brace Jovanovith. Cap. 6. London. SAVILLE, AE. & Troike, R. (1970). A Handbook of Bilinqual Education Arlington Va: Center for Applied Linguistics. STOKOE, W.C. 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