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Analisamos o encontro entre o rei luís xiv e o artista gian lorenzo bernini em 1665, onde examinamos as questões pessoais e políticas que trouxeram e separaram o patrono e o artista. Passamos por bernini's fracassado projeto para ampliar o louvre até o sucesso alcançado com o busto do rei.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
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Não perca as partes importantes!
Alexandre Ragazzi , Universidade do Estado do Rio de Janeiro
No contexto abordado no presente artigo, considera-se que a apreciação de um objeto artístico é também a apreciação objetivada de si e que a relação estabelecida entre dois indivíduos é regulada por intenções de desejo e conquista. Partindo desses pressupostos, será analisado o encontro ocorrido entre Luís XIV e Gian Lorenzo Bernini no ano de 1665. Do fracassado projeto berniniano para a ampliação do edifício do Louvre ao sucesso alcançado com a realização do busto do rei, serão avaliadas questões pessoais e políticas que aproximaram e também distanciaram comitente e artista.
Palavras-Chave. Mecenato artístico. Escultura. Arquitetura.
In the context discussed in this paper, it is considered that the aesthetic evaluation of an artistic object is also the objectified evaluation of the individual and that the relationship established between two people is regulated by intentions of desire and conquest. From these assumptions, I will analyze the meeting of Louis XIV and Gian Lorenzo Bernini occurred in the year 1665. From Bernini’s failed project to enlarge the Louvre to the success achieved with the king’s bust, I will take into consideration personal and political issues that bring together – but also separate – patron and artist.
Keywords. Artistic patronage. Sculpture. Architecture.
Uma questão de desejo
Estamos na Europa, entre Roma e Paris, em meados do século XVII. Parto da premissa de que, nesse contexto, a apreciação de um objeto artístico é também a apreciação objetivada de si, de modo que o objeto pelo qual se tem interesse corresponde, em última instância, ao desejo pelo próprio eu. Essa ideia, desenvolvida na estética psicológica de Theodor Lipps, será central para Wilhelm Worringer, que em seus estudos sobre uma psicologia do estilo considerou o conceito de “Einfühlung”, isto é, a empatia gerada quando o sujeito, ao contemplar um objeto sensível, nele se reconhece.
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A teoria de Worringer, é claro, apenas se revela em sua plenitude quando complementada por seu polo oposto, a propensão à abstração resultante das angústias humanas diante de uma natureza resistente ao conhecimento. Em todo caso, será a partir da noção de “Einfühlung”, em que há necessariamente uma relação de concórdia entre o indivíduo e o mundo que o circunda, que darei início ao tema que aqui interessa.
“Ogni dipintore dipinge se”, ou seja, todo pintor pinta a si próprio. Desse modo expressaram-se diversos autores renascentistas ligados ao movimento neoplatônico florentino. Entendiam o mundo como espelho, o qual somente
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faria sentido se lúcido o bastante para refletir a imagem de quem o contempla. O próprio Leonardo da Vinci, não obstante participar apenas marginalmente da cultura neoplatônica, também se valeu do aforismo, uma vez que alertava o pintor dizendo que este “poderia enganar-se ao escolher rostos parecidos com o seu, pois frequentemente acontece que as semelhanças nos agradam, de modo que se o pintor fosse feio, acabaria escolhendo rostos desprovidos de beleza e os faria feios como [costumam fazer] muitos pintores, cujas figuras frequentemente se parecem consigo”. Para Leonardo, a auto-mímesis da aparência física era um
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defeito gravíssimo do pintor. É extraordinária, de todo modo, a consciência que ele tinha do narcisismo de sua época, a qual era capaz de apreciar apenas o que via refletido no espelho.
Há uma célebre passagem da biografia de Jacopo Pontormo, escrita por Giorgio Vasari, em que o autor distingue a influência de Albrecht Dürer sobre aquele inquietíssimo pintor toscano nas obras da Certosa del Galluzzo.^4 Daquele momento em diante, Vasari começa a demonstrar, em ritmo crescente, que as obras de Pontormo passaram a ser-lhe incompreensíveis. Toda a “bella maniera”, doce e graciosa, demonstrada por Pontormo nas obras anteriores agora tinha sido corrompida por meditações excessivas sobre a “maniera tedesca” de Dürer. Na^5
(^1) Cf. WORRINGER, 1986; CROCE, 1912, pp. 473 ss. (^2) Cf. CHASTEL, 2012, pp. 164 ss. Cf. ainda KEMP, 1976, pp. 311-323. (^3) [...] Ti potresti ingannare togliendo visi che avessero conformità col tuo; perché spesso pare che simili conformità ci piacciono, e se tu fussi brutto eleggieresti visi non belli, e faresti brutti visi comme molti pittori, ché spesso le figure somigliano al maestro (VINCI, 1995, p. 203, § 137,
4 Della elezione de’ belli visi). 5 Cf. FRIEDLAENDER, 1990, p. 3. Cf. VASARI, 1966-1987, V, sobretudo pp. 315-333.
esplendoroso do que tudo isso”. E concluiu, em tom ameaçador, dirigindo-se ao séquito que cercava o rei: “E não me falem de nada que seja pequeno!”.
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Já em seu quarto encontro com Luís XIV, Bernini, agora na fase de preparação do modelo para o busto, tomando notas e fazendo esboços, pôs-se a desenhar o rei enquanto ele se movimentava e gesticulava, sem o fazer permanecer em uma mesma posição. Quando o rei olhava para ele, Bernini dizia: “sto rubando”. O rei respondeu uma única vez, aceitando a brincadeira e dizendo em italiano: “si, ma è per restituire”. Mas Bernini, para ter a última palavra, concluiu da seguinte forma: “però per restituir meno del rubato”. Há uma cumplicidade entre os dois.
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Ambos desejam impressionar o mundo com algo nunca antes visto. De fato, há ocasiões em que Bernini adverte que os franceses, cuja maneira, segundo ele, era “pequena e triste”, deviam seguir o exemplo dos lombardos, os quais por natureza tendem, ainda de acordo com Bernini, ao grandioso. Tratava-se de um
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conselho vazio e redundante, pois Luís XIV já havia amadurecido a ingente ideia de conquistar o poder político sobre toda a Europa, e devorar Bernini e o modelo italiano, comer-lhes a essência, fazia parte desse programa.
Entretanto, é sempre bom lembrar que a conquista do outro nunca é uma via de mão única. Horácio, em conhecidíssimos versos, já dissera: “A Grécia capturada conquistou seu feroz vencedor e introduziu as artes no agreste Lácio”. Em certo
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sentido, conquistar é também ser conquistado, é deixar-se tomar pelo pela força vital do outro em uma espécie de “reencenação” simbólica do ato antropofágico. O conquistado não cessa de existir, ainda que sua presença possa ser sentida com mais ou menos intensidade. O fato é que daquele encontro tanto Bernini quando Luís XIV saíram mais fortes, levando algo do outro consigo. Em uma palavra, conquistaram-se. Em Luís XIV, contudo, o desejo individual pelo outro transbordava e transformava-se em desejo de poder, em desejo político.
Uma questão política
Em 1º de janeiro de 1664, Luís XIV designou Jean-Baptiste Colbert para assumir o cargo de “Superintendente das Construções do Rei”. Apesar do crescente interesse de Luís XIV em ampliar o palácio de Versalhes, Colbert tratava de convencer o jovem rei da importância política do Louvre, monumento que poderia servir como exemplo de uma França forte e moderna para toda a Europa. Sem medir esforços ou recursos, Luís XIV e Colbert solicitaram um projeto a Bernini, então ocupadíssimo com a fábrica de São Pedro e várias outras encomendas em Roma. Em duas ocasiões, Bernini enviou-lhes desenhos , mas^11
(^7) Cf. o Diário em 4 de junho. Para o Diário, cf. FRÉART DE CHANTELOU, 1885 e 2001. Assinalo aqui que tenho trabalhado há alguns anos na tradução desse Diário, o qual deverá ser publicado
8 proximamente. 9 Cf. o^ Diário^ em 27 de junho. 10 Cf. o^ Diário^ em 6 e 9 de setembro. 11 Graecia capta ferum victorem cepit et artes intulit agresti Latio. Horácio,^ Epístolas, II, 1, 156. A partir de maio de 1664, Colbert passou a se corresponder com Bernini e solicitou-lhe um projeto para a fachada do Louvre voltada para a igreja de Saint-Germain-l’Auxerrois. Bernini,
isso não foi o bastante. Era preciso que ele conhecesse o local da construção, os materiais que teria à disposição e, mais importante ainda, que compreendesse profundamente o propósito daquela obra. Assim, com a autorização de papa Alexandre VII, o artista, já com sessenta e seis anos, dirigiu-se à França, onde permaneceu a serviço de Luís XIV entre os meses de junho e outubro de 1665.
Se a arquitetura francesa exibia uma tendência à racionalidade e à praticidade, Bernini talvez tenha sido chamado para apresentar uma alternativa mais fantasiosa e inventiva. Certamente todos estavam cientes de que se tratava de mentalidades opostas, até mesmo contraditórias, mas era justamente a partir do choque entre esses extremos que Luís XIV e Colbert planejavam construir uma nova identidade para a França. A dupla face de Janus devia voltar-se para o passado, para a tradição clássica que tinha na Itália sua mais plena expressão, e ao mesmo tempo apontar para o futuro promissor que já se descortinava. Por outro lado, é bom adiantar, havia um forte componente político nessa relação, e é possível que outros interesses, menos explícitos, tenham sido cogitados quando se escolheu o artista italiano para atuar junto ao Louvre.
Dada a magnitude do projeto, não deve surpreender a constatação de que ele não se resumia a uma simples tratativa entre comitente e artista. Muito mais do que isso, estava em jogo o destino da diplomacia entre Paris e Roma, entre a monarquia francesa e o papado. De fato, essa história remonta ao período em que a França era comandada pelo cardeal Mazarin, época em que Luís XIV ainda não tinha idade para governar. Durante a eleição de Alexandre VII, em 1655, o cardeal Mazarin não compareceu ao conclave, mas fez de tudo para opor-lhe resistência. Isso porque o papa, nascido Fabio Chigi e proveniente de Siena, dava sinal de que as relações com a França não seriam as mais amistosas.
Morto o cardeal Mazarin, em 1661, Luís XIV assumiu o governo, e logo uma série de desentendimentos em Roma envolvendo alguns soldados franceses foi o suficiente para demonstrar que a situação era extremamente delicada. Essa disputa atingiu seu ápice em 20 de agosto de 1662, quando soldados franceses e a guarda corsa do papa, que já vinham se confrontando havia algum tempo, chegaram a uma situação limite. A guarda corsa assediou o palácio Farnese, residência do embaixador francês em Roma, e disparou contra quem lá estava. Entre os mortos, havia um pajem do embaixador, o duque de Créquy, e essa morte foi o pretexto que Luís XIV esperava para impor-se frente ao papa e exigir-lhe uma retratação, sob pena invadir Roma caso isso não ocorresse.
Para evitar o pior, Alexandre VII e Luís XIV entraram em acordo e um tratado, denominado a “paz de Pisa”, foi selado em 12 de fevereiro de 1664. O papa atendeu às inúmeras reivindicações do rei, que incluíam uma legação à França encabeçada pelo cardeal Flavio Chigi, sobrinho do papa, o fim da guarda corsa e a construção de uma “pirâmide da vergonha” – conhecida hoje através de
naturalmente, atendeu ao pedido e enviou os desenhos a Colbert em junho de 1664 e janeiro de
daquilo que o ouvi dizer”. Seria, portanto, um relato paralelo, destinado a um
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grupo restrito de conhecedores de arte. Além disso, é conhecido o interesse de Paul de Chantelou em exibir sua competência no domínio das artes, demonstrando estar preparado para assumir um papel de destaque na nova estrutura institucional ambicionada por Colbert.
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Por conta da riqueza de detalhes presente no diário, o busto de Luís XIV, hoje conservado em Versalhes, resultado mais conhecido dessa notável missão artística e diplomática, talvez seja a obra de arte mais bem documentada de que se tenha notícia. Todo seu processo de feitura foi anotado. Paul de Chantelou relata como se deu a encomenda e a escolha do bloco de mármore; descreve com detalhes os encontros entre o rei e o artista, os pormenores das muitas sessões de pose; revela a cortesia com que se tratavam e até uma certa intimidade que se estabeleceu entre os dois. Em sua companhia, conhecemos uma Paris que se transforma, adentramos por palácios e residências suntuosas, visitamos coleções de arte e antiguidades selecionadas a dedo e ainda diversas igrejas repletas de esculturas e pinturas. Além disso, Paul de Chantelou mostra que toda a aristocracia parisiense fazia questão de visitar o improvisado ateliê de Bernini. Ali, pensamentos incontidos transformavam-se em comentários maravilhados ou mesmo de pretensa indiferença, pois a verdade é que todos estavam atônitos diante do nascimento da imagem do rei, que rapidamente emergia de um mero bloco de pedra.
Ao longo desse diário, várias ocasiões demonstram que Bernini considerava a França como que à margem da cultura dominante de Roma. Era uma relação entre centro e periferia, fato ora negado, ora implícito, ora evidente para as partes envolvidas. Em todo caso, havia uma reciprocidade de olhar que oscilava
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desde a curiosidade e o desejo de possuir o outro – como considerado mais acima
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franceses não queriam que uma obra de significado tão importante para a nação fosse parar nas mãos de um estrangeiro, sobretudo de um italiano. Liderados por Louis Le Vau, criaram várias intrigas envolvendo Bernini, e isso certamente contribuiu para que ele decidisse retornar à França. Entretanto, também é verdade que houve grande insistência por parte de Luís XIV e Colbert para que o artista permanecesse em Paris, fixando ali residência, e note-se que o convite chegou ao ponto de ser estendido à esposa e aos filhos de Bernini. É possível que, com isso, Luís XIV quisesse privar permanentemente Alexandre VII de seu artista mais reputado, o que teria contribuído com a estratégia de humilhação pública do pontífice diante de toda a Europa. Mas como Bernini mostrou-se
(^16) Cf. o Diário em 6 de junho. (^17) Cf. DEL PESCO, 2007, p. 11. (^18) Cf. CASTELNUOVO-GINZBURG, 1979, pp. 285-352. Cf. também BIALOSTOCKI, 1993, p. 131. (^19) Cf., por exemplo, o Diário em 28 de julho e 10 de agosto.
irredutível, completamente avesso à ideia de passar em Paris o rigoroso inverno que se aproximava, a alternativa que restou foi a rejeição de seu projeto para o Louvre. Se Bernini não estava disposto a acompanhar a execução da obra, se dava maior importância aos trabalhos que conduzia em Roma, os franceses não tiveram outra opção: foram obrigados a reprovar seu projeto para demonstrar que a França estava acima do gosto barroco comemorado pelo papa, já pronta para assumir o primeiro posto na Europa também no que se referia às artes. Em suma, quer o artista ficasse em Paris, quer retornasse a Roma, Luís XIV daria uma grande lição a Alexandre VII. Paris passaria a ser o centro do mundo, e Roma estava condenada a fazer parte da periferia dessa nova geografia.
Referências Bibliográficas
BERNINI, Domenico. Vita del Cavalier Gio. Lorenzo Bernino. Roma: Rocco Bernabò, 1713.
BIALOSTOCKI, Jan. “Some values of artistic periphery”. In: Rocznik Muzeum Narodowego w Warszawie (Annuaire du Musée National de Varsovie), XXXV,
CASTELNUOVO, Enrico; GINZBURG, Carlo. “Centro e periferia”. In: PREVITALI, Giovanni (ed.). Storia dell’arte italiana. Torino: Einaudi, 1979, v. 1, pp. 285-352.
CHASTEL, André. Arte e humanismo em Florença na época de Lourenço, o Magnífico. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
CROCE, Benedetto. Estetica come scienza dell’espressione e linguistica generale. Teoria e storia. 4ª ed. Bari: Laterza, 1912.
DEL PESCO, Daniela. Bernini in Francia: Paul de Chantelou e il ‘Journal de voyage du Cavalier Bernin en France’. Napoli: Electa Napoli, 2007.
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FRÉART DE CHANTELOU, Paul. Journal du voyage du Cavalier Bernin en France. Manuscrit inédit publié et annoté par Ludovic Lalanne. Paris: Gazette des Beaux-Arts, 1885.
____________. Journal de voyage du Cavalier Bernin en France. Édition de Milovan Stanić. Paris: Macula, L’insulaire, 2001.
FRIEDLAENDER, Walter. Mannerism and anti-mannerism in Italian painting. New York - Oxford: Columbia University Press, 1990.
KEMP, Martin. “ Ogni dipintore dipinge se: a Neoplatonic echo in Leonardo’s art theory?”. In: CLOUGH, Cecil H. (edited by). Cultural aspects of the Italian Renaissance – Essays in honour of Paul Oskar Kristeller. Manchester - New York: Manchester University Press / Alfred F. Zambelli, 1976, pp. 311-323.