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Pensar o meio ambiente, bases filosóficas.
Tipologia: Notas de estudo
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S
Pensar o
Ambiente:
bases filosóficas
para a educação
ambiental
Lançada pelo Ministério da Educação e pela UNESCO em 2004, a Coleção Educação para Todos é um espaço para divulgação de textos, documentos, relatórios de pesquisas e eventos, estudos de pesquisadores, acadêmicos e educadores nacionais e internacionais, que tem por finalidade aprofundar o debate em torno da busca da educação para todos. A partir desse debate espera-se promover a interlocução, a informação e a formação de gestores, educadores e demais pessoas interessadas no campo da educação continuada, assim como reafirmar o ideal de incluir socialmente um grande número de jovens e adultos, excluídos dos processos de aprendizagem formal, no Brasil e no mundo. Para a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), órgão, no âmbito do Ministério da Educação, responsável pela Coleção, a educação não pode separar- se, nos debates, de questões como desenvolvimento socialmente justo e ecologicamente sustentável; direitos humanos; gênero e diversidade de orientação sexual; escola e proteção a crianças e adolescentes; saúde e prevenção; diversidade étnico-racial; políticas afirmativas para afrodescendentes e populações indígenas; educação para as populações do campo; educação de jovens e adultos; qualificação profissional e mundo do trabalho; democracia, tolerância e paz mundial. Vigésimo sexto volume desta Coleção, esta obra se propõe a ser um encontro agradável de professores e professoras com a filosofia, permitindo diversas leituras e contribuindo para abrir um espaço que fundamente a produção do conhecimento em Educação Ambiental.
Edições MEC/Unesco
SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade Esplanada dos Ministérios, Bl. L, sala 700 Brasília, DF, CEP: 70097- Tel: (55 61) 2104- Fax: (55 61) 2104-
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Representação no Brasil SAS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/Unesco, 9º andar Brasília, DF, CEP: 70070- Tel.: (55 61) 2106- Fax: (55 61) 3322- Site: www.unesco.org.br E-mail: grupoeditorial@unesco.org.br
CA
Apresentação
Este vigésimo sexto volume da Coleção Educação para Todos, publicado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministé- rio da Educação (Secad/MEC) em parceria com a UNESCO, marca uma maneira diferente de abordar a temática da educação ambiental.
Pensar o Ambiente oferece aos educadores possibilidades fecundas de lei- tura e reflexão a partir da contribuição teórico-conceitual de diversos pensadores
Trata-se, pois, de uma leitura provocativa e útil para professores, gestores, coordenadores pedagógicos, diretores de escola, educadores ambientais e outros educadores preocupados com a diversidade, a cidadania e a inclusão educacional e social.
Esperamos que os textos deste livro ganhem vida nas mãos dos educadores e educadoras, que sua leitura provoque a reflexão e o debate em torno de idéias que fortaleçam as práticas pedagógicas e que eles possam contribuir para a com- preensão mais aprofundada das relações dos seres humanos com o seu meio.
Ricardo Henriques Secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação
Sumário
Introdução
As primeiras idéias sobre este livro foram surgindo na seqüência de várias conversas entre Isabel Carvalho, psicóloga, educadora ambiental, e Rachel Traj- ber, antropóloga, responsável pela coordenação de Educação Ambiental no MEC, no segundo semestre de 2005. O projeto do livro foi se delineando em torno do objetivo de apresentar alguns dos pontos importantes no pensamento ocidental moderno e suas relações com os modos de pensar o ambiente. Na continuidade, pudemos contar com Mauro Grün, filósofo ambiental já conhecido dos leitores da EA desde a publicação do seu trabalho de mestrado “Ética e EA, uma conexão ne- cessária”. Contamos com a inestimável colaboração dos colegas articulistas desta coletânea que acolheram o projeto, aceitando o convite para escrever os artigos sobre os diversos pensadores e suas tradições filosóficas, identificando sugestões de leitura e citações selecionadas das obras originais dos pensadores seleciona- dos.
Inicialmente pensamos num livro voltado exclusivamente para uma seleção de autores clássicos que seriam apresentados e comentados por filósofos con- temporâneos especialistas naqueles autores. Depois estendemos esta idéia inicial para incluir alguns pensadores de outros campos não restritos à filosofia que con- sideramos muito significativos na formação de uma maneira ocidental de pensar o ambiente. Desta forma, incluímos um grupo menos numeroso de pensadores ligados à psicologia e à educação, que são Freud, Vygotsky e Paulo Freire. Do mesmo modo, incorporamos na categoria de posfácio um texto de Eda Tassara que, pensado desde a psicologia social, apresenta uma ampla discussão filosó- fica e epistemológica sobre os fundamentos do pensamento moderno e a crise ambiental.
Este livro se propõe a ser um encontro agradável de professores e professo- ras com a filosofia, permitindo diversas leituras e contribuindo para abrir um espa- ço que fundamente a produção do conhecimento em Educação Ambiental. Houve a opção de se trabalhar com uma linguagem menos técnica por parte dos autores,
sem deixar de respeitar o discurso filosófico. Isso aparece de duas formas, uma na escrita de textos curtos e a outra, procurando deixar os filósofos falarem por si, “no original”. Na impossibilidade de utilização de excertos na íntegra, foram utilizadas passagens representativas das teorias estudadas, bem como inseridas citações mais longas e ilustrativas do estilo e do pensamento filosófico.
O debate no qual este livro se insere segue sendo de natureza filosófica, mesmo quando aciona pensamentos de outros campos, pois é com uma inda- gação filosófica que o fazemos. A questão que conecta este empreendimento ao vívido debate contemporâneo, sobre as relações entre filosofia e ambiente, diz respeito ao tema da possibilidade de ética ambiental, seus fundamentos e aplica- ções no mundo contemporâneo. Em 1972, o filósofo australiano Richard Routley escreveu um trabalho intitulado Is there a need for a new ethics, an Environmental Ethics? (Existe a necessidade de uma nova ética, uma Ética Ambiental?), que viria a se tornar um clássico na literatura internacional sobre Ética Ambiental, dando início a uma disciplina ainda marginal chamada Ética Ambiental. Em seu famo- so ensaio, Routley argumenta que as éticas ocidentais não estão bem equipadas para tratar da crise ambiental e que a única saída seria criar uma ética totalmente nova, uma Ética Ambiental. O livro “Pensar o Ambiente: bases filosóficas para a educação ambiental” atesta basicamente uma discordância com o argumento de Routley. Pensamos que o ocidente, desde os gregos, passando pelos medievais e modernos até os contemporâneos, está repleto de poderosos insights para o de- senvolvimento da Ética Ambiental e da Educação Ambiental. Assim, o novo, neste caso, não precisa necessariamente remeter a uma refundação do pensamento filosófico, mas, talvez a releitura dos autores ocidentais, à luz do contexto em que vivemos, possa nos trazer novas luzes sobre nossos impasses atuais.
Ainda no séc. IV a.C., Platão, em Crítias 102, lamenta a devastação das paisagens gregas. Assim, iniciamos nosso diálogo com a tradição através dos Pré- Socráticos. Em “Os Pré-socráticos: os pensadores originários e o brilho do ser”, artigo escrito por Nancy Mangabeira Unger, somos transportados à linguagem e ao pensamento dos primeiros filósofos gregos que inauguram um modo de pensar a totalidade do mundo. Este artigo nos brinda com parte deste universo originário, onde os conceitos como physis, ethos, aletheia, entre outros, nos remetem a um saber e a uma experiência sem tradução no nosso mundo moderno. Para o edu- cador ambiental, por exemplo, aproximar-se da noção de physis , que diz respeito à vida que pulsa em todos os seres, anterior e diferente de nossa visão de física ou
Natureza e Cultura, estabelecida por Descartes no séc. XVII e que está, segundo muitos pensadores sistêmicos, na base do materialismo Ocidental. Com Tomás de Aquino, a Idade Média vive um novo momento e os cristãos ficam fascinados por Aristóteles, influenciados pelos comentários dos árabes Avicena e Avenrois e por Maimônides, chamado por Tomás de Aquino de “o sábio judeu”. Para Tomás de Aquino a idéia central da filosofia da natureza é a de que o Céu e a natureza dependem da razão e até mesmo Deus se rege por razões. Mas, não se trata de um racionalismo cego. Pelo contrário, há um componente holístico em Tomás de Aquino que pode interessar à Educação Ambiental. Sua postura holística diz que “conhecer a ordem do todo é conhecer a ordem da parte e conhecer a ordem da parte é conhecer a ordem do todo”. Esse tipo de holismo é considerado elogiável por um número significativo de educadores/as ambientais. Tomás de Aquino obser- va que há uma certa sabedoria na natureza, que a encaminha para um fim, “como se fosse a operação de um sábio”. O texto de Alfredo Culleton serve não para que copiemos padrões culturais da Idade Média para o séc. XXI, mas, sobretudo, serve para compararmos as filosofias da natureza da Idade Média com a nossa sociedade contemporânea. Isso talvez nos fizesse ver o quanto antiecológicos nós temos sido.
No artigo “Bacon: a ciência como conhecimento e domínio da natureza”, Antonio Severino nos introduz, de um modo claro e sensível, a um momento muito particular da história ocidental de transição da mentalidade medieval feudal para a inovadora perspectiva da modernidade mercantilista. Uma revolução cultural que torna possível o pensamento inovador deste filósofo, tantas vezes evocado pelo pensamento ambiental em sua crítica da ciência moderna e suas relações com a natureza. Este artigo, contudo, permite a imprescindível compreensão do contexto e das razões desta guinada do pensamento que então se opõe à centralidade de Deus e desloca o modelo teocêntrico medieval, preparando o caminho para centra- lidade do mundo e da Razão humana. O projeto epistemológico que se expressa em Bacon está prenhe do espírito de seu tempo e encarna o ideal de alcançar um conhecimento racional autônomo. Este pensamento lança as bases do que viria a desenvolver-se no método experimental-matemático nas mãos de Galileu, Newton, entre outros. Suas poderosas metáforas sobre o combate aos ídolos (ídolos da tribo, da caverna, da praça pública e do teatro) como falsas noções que iludem a mente humana que as toma como se fossem naturais e válidas per si , em que pese toda a crítica posteriormente feita ao pensamento objetivista, parecem que ainda hoje são eloqüentes e valem uma leitura atenta pelos educadores ambien-
tais. A profunda compreensão de Bacon e do espírito do tempo que ele representa é fundamental para dar substância ao diálogo crítico que esta educação pretende estabelecer com o projeto científico moderno.
No texto “Descartes, historicidade e educação ambiental”, Mauro Grün ana- lisa a importância da compreensão das conseqüências da filosofia cartesiana para a dominação da natureza. Como é sabido de quase todos nós, Descartes é consi- derado o grande vilão, por ser um dos responsáveis pela dominação da natureza pela ciência e técnica mecanicistas. É também freqüentemente lembrado pelo seu exacerbado antropocentrismo e pela célebre frase, muito citada na literatura de Ética Ambiental, que diz que com a aplicação de sua filosofia prática “nos tor- naremos Senhores e Possuidores da natureza”. Nesse texto, Mauro Grün foge dessas análises tradicionalmente feitas na literatura sobre Ética Ambiental. Ele nos diz: “Meu objeto de estudo nesse texto é diferente. Trata-se da influência de Descartes na perda de memória ocorrida na modernidade. Meu argumento será que Descartes nos deixou amnésicos com seu projeto de um entendimento puro, livre das influências culturais (...). A tese que apresento é a de que sem memória e historicidade não há conservação ambiental nem educação ambiental, pois os problemas ambientais estão sempre inscritos em uma perspectiva histórica que nos ultrapassa amplamente.”
Com o artigo “Espinosa: o precursor da ética e da educação ambiental com base nas paixões humanas”, somos apresentados por Bader Sawaia a este filó- sofo do séc. XVII, que desafiou as ortodoxias do seu tempo com um pensamento holista, preocupado sobretudo com a denúncia da servidão e a proposição de uma ética baseada na liberdade e na alegria, tomada como potência do ser. Seu pensamento renovador o torna muito próximo dos problemas ecológicos contem- porâneos, contribuindo com pistas importantes para uma ética ambiental que seja também a libertação de todas as tiranias entre os humanos e na relação dos humanos e a natureza. Espinosa entende que o sujeito humano submete-se à servidão porque é triste, o que o deixa vulnerável à tirania do outro, em quem ele deposita a esperança de felicidade. Com essa convicção, denuncia a utilização política das paixões tristes pelos tiranos, especialmente a esperança, a humilha- ção e o medo. Como afirma Sawaia: “Pode-se concluir, então, que se ele vivesse hoje denunciaria que o estado de servidão imposto à natureza pelos homens, o que está gerando a degradação de ambos, decorre de nossa própria condição de passividade e de submissão (reino das paixões tristes), do qual ele precisa sair para promover bons encontros com o meio ambiente.”
estético. Uma apreciação estética e moral da natureza descentra o eixo econômico como único valor de “apreciação” da natureza.
Com Frederico Loureiro no artigo “Karl Marx: história, crítica e transformação social na unidade dialética da natureza”, somos apresentados a Marx, um autor fundamental na formação do nosso pensamento social e político e que, juntamente com Freud e Nietzsche, foi considerado um dos mestres da suspeita por Paul Ri- couer. Isto quer dizer que Marx está entre os três pensadores que abalaram mais profundamente as certezas da modernidade ocidental. Cabe a Marx o profundo questionamento da relação capital-trabalho e do modo de produção capitalista, a partir de uma concepção dialética das relações sociais e históricas que põe em evidência as contradições que movem novas reordenações da realidade, sempre pensada como síntese complexa de múltiplas determinações. Loureiro mostra a importância da compreensão de Marx para a educação ambiental ao apresentar, neste artigo, a concepção de natureza e do humano em Marx. Como nos mostra o autor, para Marx a natureza é unidade complexa e dinâmica, auto-organizada em seu próprio movimento contraditório. Com isso, Marx se afasta das aborda- gens que definem a natureza como meramente um suporte material da cultura, tomando-a em sua dimensão relacional, sem reduzi-la ao universo biológico. O ser humano é parte desta relação “eu-mundo”, constitutiva das dimensões materiais e simbólicas da vida em sociedade. As conseqüências de uma perspectiva marxiana são evidenciadas por Loureiro: “em Educação Ambiental, segundo a perspecti- va marxiana, pensar em mudar comportamentos, atitudes, aspectos culturais e formas de organização, significa pensar em transformar o conjunto das relações sociais nas quais estamos inseridos, as quais constituímos e pelas quais somos constituídos, o que exige, dentre outros, ação política coletiva, intervindo na esfera pública, e conhecimento das dinâmicas social e ecológica”.
No artigo “Freud e Winnicott: a psicanálise e a percepção da natureza – da dominação à integração”, o psicanalista Carlos Alberto Plastino apresenta o pen- samento freudiano, bem como explora seus desdobramentos também na obra de um de seus importantes seguidores, o psicanalista inglês Donald Winnicott. Em ambos o autor explora as diferentes possibilidades de pensar a natureza, humana e não humana, e suas relações com a sociedade e a cultura a partir do legado da psicanálise. Plastino nos mostra as tensões do pensamento freudiano, que se constitui inicialmente com base no paradigma médico e fisicalista de seu tempo, tomando caminhos que, no entanto, vão afastá-lo desta perspectiva com a teori-
zação sobre o inconsciente, a pulsão de morte e a intersubjetividade como cons- titutiva do sujeito psíquico. Contudo, ao mesmo tempo em franca dissensão, mas sem romper completamente com os pressupostos das ciências da época com as quais Freud pensa os fenômenos clínicos que observa, o pensamento freudiano, para Plastino, não consegue superar completamente uma concepção de natureza em oposição ao frágil ser humano em suas tentativas de domesticar em si e no mundo esta força imperiosa, mantendo uma idéia de confronto e dominação com a natureza, em prejuízo da perspectiva de integração com ela. Como adverte Plas- tino, na perspectiva freudiana, particularmente em seu texto clássico “O Mal-Estar da Civilização”, o sofrimento resultaria da impossibilidade de “dominar completa- mente a natureza”, isto é, de cumprir até o fim o projeto prometéico da moderni- dade. Já Winnicott, mantendo a inspiração freudiana, pode mover-se em direção a uma concepção vitalista de natureza, sustentando a idéia de um dinamismo da natureza humana que, acolhida por um ambiente favorecedor, permite vivenciar o sentimento de que a vida vale a pena ser vivida e permite o desenvolvimento do sujeito humano. A perspectiva vitalista, cuja centralidade na dinâmica auto-organi- zadora da vida permite pensar a natureza pensada como um ser vivo e complexo, foi excluída pela perspectiva hegemônica na modernidade. Assim, Plastino nos convida a pensar como Winnicott radicaliza, onde Freud não pôde fazê-lo, a virada em direção a uma concepção que não opõe, mas integra natureza e cultura, per- mitindo uma prática psicanalítica que opera com uma concepção da natureza que se afasta da metáfora maquínica e do determinismo modernos.
Em “Heidegger: salvar é deixar-ser”, Nancy Mangabeira Unger traz o pen- samento de Martin Heidegger e seu profundo questionamento do que poderíamos chamar de os desequilíbrios do humanismo moderno, denunciado pelo filósofo par- ticularmente nos aspectos da orientação antropocêntrica, da hegemonia do pensa- mento do cálculo sobre outros modos de pensar e da objetificação e dominação do mundo pela imposição de sentidos redutores da complexidade do real. Assim, na contracorrente destas tendências empobrecedoras da experiência, o filósofo sugere uma dimensão do pensar que supere esta racionalidade unidimensional, contribuição de particular importância para o pensamento ecológico e a educa- ção ambiental. Num poético convite à aventura de pensar, Nancy conduz o leitor às noções heideggerianas de habitar , em seu sentido ético, restituindo o sentido originário do ethos grego como ambiência e modo como o ser humano realiza sua humanidade. Como destaca a autora, no pensamento de Heidegger, todo morar autêntico está ligado a um preservar. Preservar não é apenas não causar danos a
profunda revisão das noções de objetividade, de neutralidade e de não interferên- cia que guiou a ciência natural clássica (aristotélica) e medieval.
Em “A outridade da natureza na educação ambiental”, Mauro Grün apre- senta as possibilidades da hermenêutica filosófica de Gadamer para a educação ambiental. O texto mostra como se dá o processo de objetificação da natureza, ou seja, como a natureza é tornada mero objeto à disposição da razão humana pela ciência moderna. O texto nos permite compreender o papel que a ciência moder- na exerce nos desdobramentos da crise ecológica e de que modo uma educação ambiental ética e política pode intervir nesse processo objetificador. A outridade do outro é um dos temas centrais do debate entre Gadamer e Derrida. Gadamer acre- dita que para que ainda haja tempo de uma convivência dos seres humanos com a natureza é necessário respeitar a natureza como um Outro. Em nossa relação
Susana Molon, em seu artigo “Vygotsky: um pensador que transitou pela filosofia, história, psicologia, literatura e estética”, mostra desde o título um pensa- mento plural e em constante mudança, que reflete não somente uma característica do mundo e da sociedade, mas também da personalidade humana. A questão central para o pensador da linguagem é: como os seres humanos, em sua curta trajetória de vida, avançam e se distanciam tanto de suas características biológicas iniciais em tão diversas direções? Para respondê-la, pondera Molon, “o ser huma- no não só se adapta à natureza, mas a transforma e ao transformá-la transforma a si mesmo: ele sente, pensa, age, imagina, deseja, planeja etc.”. De acordo com Vygotsky, “assimilamos a experiência da humanidade”, pois seres humanos não se limitam à herança genética e se libertam devido ao pensamento e à linguagem, diferente das demais espécies que se baseiam na percepção. Nascemos em um meio ambiente formado previamente pelo trabalho das gerações passadas, pelo uso de instrumentos, da linguagem e de outras práticas. A partir dessas idéias, Molon mostra como o pensador russo oferece uma pluralidade de direções para educadores, pois seu pensamento é fundamental para uma teoria da aprendiza-
gem que considera a psicologia humana mediada pela cultura. Nos processos de aprendizagem, a linguagem e o simbolismo são usados inicialmente pela criança como mediações no contato com o meio ambiente e, somente em seguida, apa- recem em nosso contato interior. Esta pode ser a gênese de um sujeito ecológico, ou socioambiental.
Marta Pernambuco e Antonio Fernando Gouvea da Silva abrem o texto “Paulo Freire: a educação e a transformação do mundo” com uma citação da Pe- dagogia da Autonomia , que fala de áreas da cidade descuidadas e incita os pro- fessores/as e alunos/as a uma discussão sobre políticas públicas. Os autores nos fazem perceber que, para Paulo Freire, a educação ambiental não é um modismo, mas uma preocupação que já estava presente em 1969, ano da publicação da Pedagogia do Oprimido, três anos antes, portanto, da 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo em 1972. Apresentam a história de vida e intelectual deste educador, que esteve durante toda sua trajetória envolvido com ações educativas no Brasil, na América Latina e nos seus últimos anos com a política de educação no Estado de São Paulo. Tornou-se uma referên- cia internacional para a educação. Os autores destacam algumas das idéias cen- trais de Paulo Freire, como os conceitos de diálogo e consciência , e mostram sua atualidade para a educação ambiental, na medida em que incorporar uma orienta- ção freireana significa buscar, eticamente, práticas de convivência social em que as relações socioculturais e econômicas não se dão mais de forma hierarquiza- da, mas com o objetivo de possibilitar novas articulações entre sujeitos históricos contextualizados, na construção de projetos coletivos de reação à desigualdade e à exclusão social. Isto demanda a construção de novos conhecimentos e formas críticas de intervenção na realidade. Neste sentido, uma ação dialógica implica na solidariedade entre pares que se reconhecem como humanos, com a capacidade potencial de serem sujeitos históricos e pronunciar o mundo. Envolve-nos em to- das as dimensões da nossa humanidade, tanto as cognitivas quanto as afetivas, criando utopias e esperanças. Como citam os autores, para Freire (2005) o diálogo verdadeiro implica o pensar ético, a ação politicamente comprometida com o “ou- tro”, em que não existe a dicotomia entre Homem e Mundo, mas a inquebrantável solidariedade que, criticamente, analisa e intervém, captando o dever da realidade e superando o pensamento ingênuo.
O artigo de Eda Tassara “O pensamento contemporâneo e o enfrentamen- to da crise ambiental: uma análise desde a psicologia social” foi incluído na ca-