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DARCY AZAMBUJA TEORIA GERAL DO ESTADO Iniciando com a noção de Estado esua origem, o autor passa ao exame da Teoria Geral do Estado, seu método, e ao estudo da relação entre Política e Direi- to Constitucional. A partir daí analisa e ordena dados que compõem o objeto da Teoria Geral do Estado, tais como soberania, poder político, nação, territó- rio, formas de governo, hierarquia de Estados e ou- tros, concluindo com a apresentação é discussão de duas questões de grande importância, quais sejam os direitos e deveres recíprocos do Estado e do indivíduo ca noção de Direito e a submissão do Estado ao Direi- to. ISBN 85-250-0594-0 2 DAVIS OA ; E > N o 1 Frae crie E = A origem do Estado. Soberania, poder político, nação, território, formas de governo. Um livro indispensável aos estudantes e professores de Ciências Jurídicas e Ciências Sociais. CaríruLo I O ESTADO - À SOCIEDADE E O ESTADO. NOÇÃO DE ESTADO. IDEIA DE ESTADO. ORIGEM DA PALAVRA ESTADO. A Soctedode | No mundo moderno, o homem, desde que nasce e du- do Etdo me toda a existência, faz parte, simultânea ou su- cessivamente, de diversas instituições ou sociedades, formadas por indivíduos ligados pelo parentesco, Por interesses materiais ou por objetivos espirituais. Elas têm por fim assegurar ao homem o de- senvolvimento de suas aptidões físicas, morais e intelectuais, e para isso lhe impõem certas normas, sancionadas pelo costume, a moral oua le. À primeira em importância, a sociedade natural por excelência, a £ a família, que o alimenta, Protege e éduca. As sociedades de na- tureza relígiosa, ou Igrejas, a escola, 4 Universidade, são ontras tan- tas instituições em que ele ingressa; depois de adulto, passa ainda a fazer parte de outras organizações, algumas criadas por ele mes- mo, com fins econômicos, profissionais ou simplesmente morais: empresas comerciais, institutos científicos, sindicatos, clubes, etc, O conjunto desses grupos sociais forma a Sociedade propriamente dita. Mas, ainda tomado neste sentido geral, a extensão e a com- preensão do termo sociedade variam, podendo abranger os grupos sociais de uma cidade, de um país ou de todos os países, e, neste caso, é a sociedade humana, a humanidade. Í Além dessas, há uma sociedade, mais vasta do que à família, me- 4 * nor extensa do que as diversas Igrejas e a humanidade, mas tendo | 4 DARCY AZAMBUJA Com exceção da família, a que, pelo nascimento, o tomem for. $osamente pertence, mas de cuja tutela se liberta com a maioridade, se retira quando quer, sem que ninguém possa obrigá-lo à perma- necer. Da tutela do Estado, o bomem não se emancipa jamais. O Estado o envolve na teia de laços inflexíveis, que começam antes de seu nascimento, com à proteção dos direitos do nascituro, e se Prolongam até depois da morte, na execução de suas últimas von- fades. No mundo moderno, o Estado é à mais formidável das or- Banizações; “a contextura das vidas humanas se insere solidamente Do quadro das suas instituições; Porque não existe esfera alguma de atividade, ao menos em teoria, que não dependa de sua autori- dade. O Estado moderno é uma sociedade à base territorial, divi- dida em governantes e governados, e que Pretende, nos limites do território que lhe é reconhecido, a supremacia sobre todas as demais instituições. De fato, é o Supremo e legal depositário da vontade não permite ao homem desposar à irmã; é raças à permissão do Estado que ele Pode desposar a prima. O Estado é a chave da abo- bada social; modela à forma e à substância de miríades de vidas bomanas, de cujo destino ele se encarrega”. (Harold Lashi — Grammaire de la politique, Pág. 9.) Todas as demais sociedades têm a Organização e a atividade re- guladas pelo Estado, que pode suprimi-las ou favorecê-las. Nenhy- ma delas tem Poder direto sobre o indivíduo e só conseguem efetiva a obediência. Por certo, essas sociedades dispõem de meios de coação sobre q indivíduo, mas são meios indiretos. Se ele não cum- pre às normas da Igreja a qe pertence, fica sujeito à Certas conse. Ê | E TEORIA GERAL DO ESTADO 5 q Estado, é diferente. Eu não me Posso furtar às suas decisões senão a preço de uma penalidade. Não Posso em nenhum caso importante me subtrair à sua jurisdição. Ele é a fonte última das decisões no meio normal da minha existência, e isso. dá à suz vontade uma importância, para mim maior que a dos outros grupos. O Estado pode decidir esmagar-me de impostos, pode opor-se à prática de minha religião, pode obrigar-me a sacrificar à vida em uma guerra que eu considere moralmente injusta, pode negar-me os meios de cultura intelecrual, sem os quais, no mundo moderno, não conse- guirei desenvolver minha personalidade.” (Id. — Ibid., Pág. 21). O Estado aparece, assim, aos individuos e sociedades, como um poder de mando, como governo e dominação, O aspecto coativo ea generalidade é o que distingue as normas por ele editadas; suas decisões obrigam a todos os que habitam o seu território. O Estado não se confunde, Pois, nem com as sociedades em par- ticalar, nem com a Sociedade, em geral. Os seus objetivos são os | de ordem e defesa social, e diferem dos objetivos de todas as de- mais organizações. Para atingir essa finalidade, que pode ser re- sumida no conceito de bem público (v. cap. XI), o Estado em- prega diversos meios, que variam conforme as épocas, os povos, os costumes e a cultura, Mas o objetivo é sempre o mesmo e não se confunde com o de nenhuma outra instituição. Subentende-se e supõe-se que o Estado assim procede para rea- lizar o bem público: Por isso e para isso tem autoridade e dispõe de poder, cuja manifestação concreta é à força. Antoridade e poder são conceitos distintos. Autoridade é o di- reito de mandar e dirigir, de ser ouvido e obedecido; o poder é 2 força por meio da qual se obriga alguém a obedecer. Deixando de lado, Por enquanto, o problema de saber quem deve governar, é evidente que essa função tem de ser exercida por alguém, e os que à exercem Tegitimamente têm o direito de exigir à obediência dos governados. Desse direito decorre à autoridade, que 6 DARCY AZAMBUJA A autoridade é intrínseca ao Estado, é o seu modo de ser, e o poder é um de seus elementos essenciais. Sem dúvida, em outras formas de sociedade também existe a autoridade e o poder. Mas, o poder do Estado é o mais alto dentro de seu território, e o Estado tem o monopólio da força para tornar efetiva sua autoridade. As normas gue organizam o Estado e determinam as condições sociais necessárias para realizar o bem público, constituem o Di- reito, que ao Estado incumbe cumprir e fazer comprir. Do que até aqui foi dito, podemios inferir uma noção prelimi- nar: Estudo é a organização político- jurídica de uma sociedade para realizar o bem público, com governo próprio e território determi- nado, Idéia de O que foi resumidamente exposto, é a noção de Es- tado, é o Estado tal como se nos apresenta atual- mente, é o Estado moderno. O Estado, porém, não é imutável, é uma das formas da diná- mica social, é a forma política da socialidade, como diz Sturzo (Essai de Sociologie, pág. 61), e por isso varia através do tempo e do espaço. O Estado antigo, o Estado medieval, o Estado que se organizou sob a infinência das idéias da Revolução Francesa, eram diferentes do Estado contemporâneo (v. cap. Evolução da Idéia de. Estado). Além disso, em todas as épocas o homem desejou mo- dificar e quase sempre modificon o Estado em que vive. Ao Estado, tal como é, os sistemas filosóficos e as doutrinas po- líticas opõem o Estado como devia ser, ao Estado real, um Estado ideal. Essa discordância constitui um dos fatores mais evidentes das transformações pacíficas ou violentas por que passam as sociedades políticas. . Origem A palavra Estado, no sentido em que hoje a empre- da palavra . ' Estado, gamos, é relativamente nova. Os gregos, cujos Esta- dos não ultrapassavam os límites da cidade, usavam o termo polis, cidade, e daí veio política, a arte ou ciência de go- vernar a cidade. Os romanos, com o mesmo sentido, tinham cívitas e respublica. Em latim, status não possuía a significação que hoje TEORIA GERAL DO ESTADO 7 lhe damos, e sim a de situação, condição. Empregavam os roma- nos frequentemente a expressão status reipublicae, para designar a situação, a ordem permanente da coisa pública, dos negócios do Es- tado. Talvez daí, pelo desuso do segundo termo, tenham os es- critores medievais empregado Status com a significação moderna. Mas, ainda muito posteriormente, na linguagem política e documen- tos públicos, o termo Estado se referia de preferência às três gtan- des classes que formavam a população dos países europeus, a no- breza, o clero e o povo, os Estados, como eram abreviadamente de- signados. Reino e República eram as palavras que traduziam à idéia de organização política, não tendo República qualquer relação com à forma de governo, em oposição à Monarquia. De modo geral, no entanto, pode-se dizer que do século xvi em diante o termo Estado vai aos poucos tendo entrada na termino- logia política dos povos ocidentais: é o Etat francês, Staat alemão, em inglês State, em italiano Stato, em português e espanhol Estado. 10 DARCY AZAMBUJA A divergência reponta quando se quer determinar exatamente a extensão da Ciência Política e sua situação relativamente a outras disciplinas. Para uns, a Ciência Política, tendo embora âmbito próprio, seria apenas a parte geral do Direito Constitucional. Para ontros, a Ciên- cia Política tem por objeto não só o Estado em geral mas também cada Estado e instituição em concreto; assim o Direito Constitucio- nal seria um de sens ramos, e o estado do Estado caberia à Teoria Geral. Entre esses extremos, situam-se posições diversas, onde va- riam principalmente as denominações propostas para a Ciência Po- lítica. Tal multiplicidade não deve ser considerada como frnto de divagações mais ou menos ociosas, ou pura questão de forma; ela decorre, quase sempre, de orientações doutrinárias divergentes no es- tndo do Estado, que trazem, se não verdades definitivas, pelo me- nos contribuições valiosas para a compreensão do complexo fenô- meno do Estado. Se partirmos de noções que, sem pretender a perfeição, sejam no entanto exatas, será de proveito e isenta de perplexidades uma rá- pida revista às definições propostas pelas diversas correntes do pen- samento político. Recapitulando, o Direito Constitucional tem por objeto um Es- tado determinado, o estudo da organização de um Estado como fato histórico, singular, concreto. Demos à Ciência Política a designação que melhor lhe cabe de “Teoria Geral do Estado e assentemos que seu objeto é o estudo do Estado em geral, do Estado como fato social, que se repete unifor- memente, quanto à natureza intrínseca, no tempo e no espaço; é a ciência que investiga e expõe os princípios fundamentais da so- ciedade política denominada Estado, sua origem, estrutnra, formas e finalidade. ps Onde mais proliferam divergências é na distinção en- Político | tre Política e Teoria Geral do Estado, Em parte isso e Direito decorre do vício tão comum de dar o mesmo nome a coisas diferentes. Para uns, Política é a arte de go- vermar a sociedade; o conjunto de normas, preceitos e processos, Constitucional. TEORIA GERAL DO ESTADO n pela maior parte empíricos e arbitrários, para governar e atingir o objetivo do Estado, que é o bem público, ou outros objetivos mais restritos. Nesse sentido, poderá. no máximo, aspirar a ser uma ciência aplicada, normativa, quando não passar geralmente de uma técnica, Para Machiavelli ela era precisamente a arte de conquistat o poder político, conservá-lo e exercê-lo. Commmente se denomina Política à orientação específica do Es- tado em determinado assunto: política econômica, política educa- cional, etc. Em nenhuma dessas acepções se adapta a Política do quadro de que tratamos. Por isso, sempre que tenha por objeto o estudo do Estado, se deve dizer Ciência Política, para eliminar confusões. Jellinek apresenta noções e discriminações dignas de ponderação. Ensina que à ciência teórica do Estado se divide em Doutrina geral do Estado e Dontrina especial do Estado. A primeira propõe-se estudar os princípios fundamentais do Estado e seus fenômenos pe- culiares. A Doutrina especial estuda as instituições de um Estado ou de um grupo de Estados (seria o Direito Constitucional e o Direito Constitucional Comparado). Os tratadistas franceses, via de regra, continuam a considerar a Teoria Geral do Estado ou como o complemento teórico do Direito Constitucional ou como sua parte geral. Assim Carré de Malberg, quando afirma que a Teoria Geral do Estado tem por objeto o estudo da idéia que convém fazer-se do Estado, esclarece: “Não se creia, no entanto, que a Teoria Geral do Estado seja a base inicial, o ponto de partida ou a condição preliminar do sistema do Direito Público ou do Direito Constitucional. Ao contrário, ela é — pelo menos enquanto teoria jurídica — 2 consegiência, a conclusão, o coroamento do Direito Constitucional. A idéia de Estado não deve ser uma concepção racional, a priori, mas decorrer dos dados for- necidos pelo Direito Público positivo.” Duguit, embora tenha intitulado Direito Constitucional seu mo- numental tratado em cinco volumes, consagra os dois primeiros à exposição de sua dontrina sobre o Direito, a gênese e a evolução do Estado, sens órgãos e funções e aos direitos individuais, cuja exis- tência como direitos ele nega. 12 DARCY AZAMBUJA Maurice Duverger diz que definir e classificar as instituições po- líticas, as formas de governo, etc. é objeto da Teoria Geral do Direito Constitucional. Bigne de Villeneuve, em seu Traité Général de Eras, afirma que a “Ciência geral do Estado” estuda o Princípio e a natureza do Estado, suas condições permanentes e leis do seu desenvolvimen- to, suas obrigações e direitos. No monumental Traité de Science Politique, de Georges Burdeau, *ncontramos todos og temas da Teoria Geral do Estado e nenhum que não lhe diga respeito. O mesmo se pode dizer da Doctrine Gé- nérale de "Etar, de Joan Dabin, o insigne Professor da Universidade de Lovaina. Como se vê, nos principais autores de língua francesa a diver- gência é apenas de Terminologia; sob as denominações de Teoria Geral do Estado, Doutrina do Estado, Ciência Política, Teoria do Direito Constitucional, todos estudam o mesmo fato: o Estado, em “Ba Origem, formas, estrutura e finalidade, É o que já fazia Paul Janet, em 1872, na Histoire de la Science Politique, dans ses rapports avec la Morale: “Existe, Portanto, uma ciência do Estado, não deste ou daquele Estado em particular, mas do Estado em geral, considerado em sua natureza, suas leis, suas formas, SUS princípios, A esta ciência eu chamo de Filosofia Po- ática.” Bluntschii, em 1887, definia: “A Política é a vida do Estado, 2 arte de governar; a Teoria Geral do Estado estuda às bases, os elementos, a origem, a finalidade do Estado.” Kranemburg diz que a Teoria Política é a ciência do Estado, e lhe estuda à origem, a forma e a natureza. Fischbach distingue a Teoria Geral do Estado e o Direito Polí- tico; aquela tem Por abjeto os princípios essenciais a todo Estado; este preocupar-se-ia com o Estado mais em concreto, sua vida or- gânica e relações com o indivíduo. Kelsen adota uma concepção diferente. . Distinguindo da Política a Teoria Geral do Estado diz que a Política descreve o Estado como deve ser E por que deve ser! à Teoria Geral estuda o Estado como ele é; aquela visa o Estado | E TEORIA GERAL DO ESTADO 13 justo, esta o Estado possível e atual, Depois identifica o Estado com o Direito e afirma: “Se o Estado é à ordem jutídica, a Teoria Geral do Estado tem que coincidir com a Teoria do Direito, assim somo a Política — doutrina do Estado justo — tem que coincidir * com à Filosofia jnrídica —. dontrina do Direito justo.” E assim, segundo a própria expressão do chefe da “Escola de Viena”, a Teo- ria Geral do Estado é uma teoria generalissima do Direito, cuja fonte principal é a Constituição. “Alessandro Groppali define analiticamente Teoria Geral ou Dou- trina do Estado: “E a ciência geral que integra em sua síntese su- perior os princípios fundamentais das diversas ciências sociais, ju- rídicas e políticas que têm por objeto o Estado considerado em re- lação a determinados momentos históricos, e estuda o Estado de um ponto de vista unitário, em sua evolução, organização, funções e mais típicas formas, com o intuito de determinar-ihe as leis de formação, o fundamento e à finalidade." Os autores brasileiros também oferecem contribuição direta à con- ” eeituação da Teoria Geral do Estado, principalmente depois que ela e exigin em disciplina fundamental nas Faculdades de Direito, bem como, sob a denominação de Política, em dois cursos das Facul- dades de Filosofia. “Pedro Calmon conceitua Teoria Geral do Estado como estudo da estrutura do Estado, sob os aspectos jurídico, sociológico e his- tórico. Queirós Lima considerava-a parte teórica do Direito Constira- cional, Miguel Reale assim se exprime: “Embora o termo Política seja O mais próprio aos povos latinos, mais fiéis às concepções clássicas, é inegável que, por influência germânica, já está universalizado q uso das expressões Teoria Geral do Estado e Dontrina Geral do Estado (Allgemeint Staatslehre) para designar o conhecimento uni- tário e total do Estado, A palavra Política é conservada em sua acepção restrita para indicar uma parte da Teoria Geral, ou seja, a ciência prática dos fins do Estado e à arte de alcançar esses fins.” Orlando Carvalho, depois de acentuar as divergências terminoló- A 16 DARCY AZAMBUJA lógica ou política, Para estes, o aspecto social e dinâmico da orga- nização política Prevalece sobre o aspecto jurídico. Assim, os es- vantagens dos sistemas eleitorais, etc. Ora, como bem acentua Bigne de Villeneuve (Traité Général de E Etat, vol. 1), a Teoria Geral do Estado deve estudar o Estado sob todos os aspectos: sua origem e transformação, sua organiza- são, as influências recíprocas entre ele e o meio social. Os fatores históricos, *conômicos, morais e Políticos refletem-se no Estado, Ora predominando uns, ora outros. Portanto, a Teoria Geral do Estado não pode utilizar um método simples, não se Pode ater so- mente a uma das faces sob Que apresenta o Estado, ou contentar-se em estudá-lo sob um aspecto apenas. Se a análise jurídica da organização do Estado é necessária, não é menos necessário conhecer o aspecto social e político, como nas- cem e evoluem as diversas instituições, qual a influência das idéias € sentimentos, através da história, sobre essa construção a um tem- Po delicada e poderosa que é o Estado. O método da “Teoria Geral do Estado tem de ser complexo. Ao lado dos processos lógicos empregados Pela ciência jurídica, terá de Usar também os peculiares à Sociologia: a observação, à indução e Organismos a um fempo sociais, jurídicos e políticos, os Estados apresentam uma imensa complexidade, que necessariamente se há de imparcialidade, e bom-senso, a sincero desejo da verdade, são os únicos guias no estudo das sociedades políticas, CAPÍTULO III ELEMENTOS DO ESTADO ELEMENTOS ESSENCIAIS DO ESTADO. A POPULAÇÃO DO ESTADO, POVO E NAÇÃO. O PRINCÍPIO DAS NA- CIONALIDADES. DOUTRINAS CONTRARIAS A NAÇÃO: O INDIVIDUALISMO E O INTERNACIONALISMO. A RA- ÇA, À GRANDEZA E A DECADÊNCIA DAS NAÇOES. Elementos Pois que o objeto da Teoria Geral do Estado é a essa e organização política de que acima demos à noção . abreviada, cumpre inicialmente ter dela um conheci- mento científico, distingui-la de outras instituições que são seme- Ihantes ao Estado, mas com ele não se devem confundir. “Aparentemente, nada mais simples do que saber o que é um Es. tado. Qualquer pessoa medianamente culta, mesmo sem conheci- mentos jurídicos, sabe que o Brasil é um Estado, que a Inglaterra é um Estado, e à Alemanha, e à Argentina. Não poderá, porém, explicar por que as circunscrições territoriais do Brasil são também chamadas Estados, e as da França não, Além diso, confunde-se geralmente o conteúdo dos termos Estado, país, nação e Povo, entre os quais, no entanto, há profun- Se tornarmos precisa à significação da palavra Estado, elucida- remos também em que acepção devem ser aquelas ontras empregadas. Esolando do conceito de Estado uma série de noções acidentais ou secundárias, verificar-se-á a Permanência de três elementos essenciais: 18 DARCY AZAMBUJA uma população, um território, um governo independente, ou quase, dos demais Estados. Esses elementos são essenciais e suficientes porque, em faltando um deles, não pode existir o Estado; onde concorram os três, surge o Estado, Ea população A população, ou elemento humano do Estado, deve ser examinada sob vários aspectos. Haverá limite numérico para a população do Estado? Aristóteles entendia que, para ser bem governado, não devia ter o Estado mais de dez mil habitantes. Nesse número não eram incluídos os estra- vos. Platão firou um número certo: 5 040 homens livres. Eram idéias conforme ao tempo, os Estados gregos tinham os limites da cidade, a Polis. Rousseau, visando o governo ideal, a seu ver, o go- verno direto, estimava em dez mil o número dos habitantes que convinha ao Estado possuir. Nunca foi, nem será possível fixar o número dos habitantes do Estado. Na Antiguidade, eram comuns, mormente no mundo grego, os pequenos Estados, mas existiam também grandes e populosos impérios, como a Pérsia, a China etc. No mundo moderno, preva- lecem os Estados de grande população, com dezenas e até centenas de milhões de habitantes. A população varia sob a influência de diversos fatores e circuns- tâncias, desde o simples crescimento vegetativo à anexação ou des- membramento. O Brasil, pelo aumento natural e pela imigração, passou, em um século, de cinco a noventa milhões de habitantes, Espanha e Portugal, com a emancipação de suas colônias da Amé- rica, perderam mais de metade da população. O que se pode afirmar, apenas, é que uns poucos indivíduos, uma dúzia de famílias, não poderão formar um Estado, pois lhes faltaria o poder necessário. O Estado ultrapassa os limites da tribo, do clã, da reunião de aígumas famílias; não há, porém, um máximo nem um mínimo certo para sua população. Grande ou pequena, no entanto, a população do Estado não é a simples justaposição de indivíduos. Estes pertencem a várias asso- ciações, como a família, os grupos profissionais, etc. Formam um TEORIA GERAL DO ESTADO 19 todo orgânico, têm os seus interesses e as suas atividades enquadra- das dentro de sociedades de naturezas diversas, não se encontram isoladas, singnlarizados diante do Estado. Indivíduo e sociedade são termos de um binômio indestrutível, não é possível conceber um sem o outro. Povo é Nação. Na linguagem vulgar, à população do Estado chama- se indiferentemente povo ou nação. É um equívoco lamentável, que a ciência do Estado procura banir da terminologia política, escla- recendo à exata significação dos dois termos. É possível, e necessário, fixar o conceito de povo e nação e evi- denciar a diferença que existe entre ambos. Povo é a população do Estado, considerada sob o aspecto pura- mente jurídico, é o grupo bumano encarado na sua integração numa ordem estatal determinada, é o conjunto de individuos sujeitos às mesmas leis, são os súditos, os cidadãos de um mesmo Estado. Neste sentido, o elemento humano do Estado é sempre um povo, ainda que formado por diversas raças, com interesses, ideais e aspirações diferentes. Nem sempre, porém, o elemento bamano do Estado é uma nação. Nação é um grupo de individuos que se sentem unidos pela ori- gem comum, pelos interesses comuns e, principalmente, por ideais e aspirações comans. Povo é uma entidade jurídica; nação é uma entidade moral no sentido rigoroso da palavra. Nação é muita coisa mais do que povo, é uma comunidade de consciências, unidas por em sentimento complexo, indefinível e poderosíssimo: o patriotismo. Quando 2 população de um Estado não tem essa consciência co- mum de interesses e aspirações, mas está dividida por ódios de raça, de religião, por interesses econômicos e morais divergentes, e apenas sujeita pela coação, ela é um povo, mas não constitui uma nação. Hã nações divididas pela força entre mais de um Estado, há Es- tados que abrangem várias nações diferentes e até inimigas. Assim. para citar um exemplo, o império austro-húngaro até o fim da guerra européia de 1914-1918, era um Estado que compreendia o povo anstro-húngaro; não existia, porém, a nação austro-húngara. pois aquela população, de origem e aspirações tão diversas, não se ssa o ia a efe tiBiigar alum id o is a 22 DARCY AZAMBUJA A identidade de história e de tradição, o pastado comum, é con- dição indispensável à formação nacional. A permanência no mesmo meio físico, Intas e sofrimentos, trabalhos e vitórias comans é que vão plasmando a nação, pela comunhão de sentimentos e de in- teresses econômicos e espirituais. Cicero dizia que o que une os homens em Estado é o reconhe- cimento do mesmo direito e a identidade de interesses: “juris con- sensu et utilitatis communione sociatus”. Da influência variável e diversamente reconhecida de todos esses fatores decorrem as definições diferentes que têm sido dadas ao termo nação. Algumas são puramente literárias, outras mais obje- tivas. e, ainda que todas incompletas, concorrem para esclarecer € compreender esse grande fato moral, cuja importância vai crescendo no mundo moderno. Renan dizia que a “nação é uma alma, um princípio espiritual”. Mancini, professor de Direito Internacional em Turim, propôs, em 1851, uma definição que ficou célebre: “Nação é uma socie- dade natural de homens, na qual a unidade de território, de oxi- gem. de costumes, de língua e a comunhão de vida criatam a consciência social.” Padrier-Fodéré traduzin e ampliou esta definição: “Nação é a reunião em sociedade dos habitantes de um mesmo pais, tendo à mesma língua, regidos pelas mesmas leis, unidos pela identidade de origem. de conformação fisica e de disposições morais produzidas por uma longa comunidade de interesses e sentimentos e pela co- munhão de vida no decurso de séculos.” Essas definições. aparentemente exatas, pecam pela inclusão de elementos que não se encontram em todas as nações, pois muitas têm origem e linguas diferentes. A raça, a língua, a submissão ao mesmo Estado não bastam por «i só para formar uma nação. Quando um, ou alguns desses elementos, aliados à identidade de história, de interesses e de aspirações, consegue criar uma conseiên- cia, uma alma coletiva, essa unidade moral se traduz pela vontade de viver em comum, pela aceitação do mesmo destino, pelo senti- mento profundo de solidariedade entre os filhos da mesma nação e de diferença das demais nações. TEORIA GERAL DO ESTADO 23 Ao conjunto de todos esses traços morais, que dão uma fisio- nomia peculiar a cada nação, chama-se nacionalidade; a esse amãl- gama indefinível de sentimentos de simpatia recíproca, de amor às mesmas tradições, de aspirações de grandeza futura, de nnidade e permanência de uma personalidade coletiva, denomina-se patriotis- mo. De Pátria den Rui Barbosa uma definição que com justiça a identifica à nação: “Pátria não é um sistema, nem uma seita, nem em monopólio, nem uma forma de governo: é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o tá- mulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da Hiber- dade” À nação, pois, não é apenas o presente, mas também as gerações passadas e as vindonras, a herança de umas e o porvir de outras, uma córrente ininterrupta de sentimentos que une os destinos cum- pridos aos destinos a cumprir. O Estado pode existir apenas com o povo. mas somente será grande e duradouro se repousar sobre à nação. Os Estados que se formam pela força, pela sujeição de nações diferentes, cedo ou tarde se esfacelam e desaparecem. Só a unidade moral dos espíritos, a comunhão de interesses e ideais é que faz grandes os Estados. Nesse sentido é verdadeira a definição de Blun- tschfi: O Estado é a nação politicamente organizada. O princípio Foi sintetizado por Blantschli nos seguíntes termos: Ed) “Toda nação é destinada a formar um Estado, tem nacionalidades. o direito de se organizar em Estado. A humanidade divide-se em nações: o mundo deve dividir-se em Estados que lhes correspondam. Toda nação é um Estado; todo Estado, uma pessoa nacional.” Esse princípio, proclamado pela Revolução Francesa, teve aco- Ibida unânime pelos tratadistas de Direito Internacional, onde se tornou um dogma, Na prática, porém, sua fortuna não foi a mes- ma. O Congresso de Viena desprezou-o ostensivamente, reorgani- zando a Europa sem qualquer atenção ao direito das nações de dispor do próprio destino. Posteriormente, foi em nome desse prin- cípio que a Itália se unificon; o Tratado de Versalhes pretendeu 26 DARCY AZAMBUJA deiro sentimento de justiça, pelo aperfeiçoamento moral das socie- dades civilizadas. À isso, a nação não se opõe, e é antes o meio natural em que o homem maiores estímulos encontra para o pen- samento e para à ação. A raça, q As teorias racistas não se limitam a insistir sobre in- fluência do fator étnico na formação das nações. On- de, principalmente, elas têm feito mais rumor é na influência da raça no desenvolvimento dos Estados, na grandeza e decadência das nações e das civilizações. Trata-se, pois, de questões diferentes. Em primeiro lugar se cogitava de saber se a raça é um fator essencial para a formação de uma nação, O segundo aspecto do problema é, mesmo admitindo que uma nação Possa ser formada de várias Taças, demonstrar que somente uma determinada raça é capaz de criar grandes nações e grandes Estados, e que todas as nações em que essa raça não entra como elemento preponderante, são organismos sociais inferiores, incapazes de alta civilização. Na exposição do assunto, seguiremos a lição do eminente Saro- kin. professor da Universidade de Harvard (Les Théories sociolo- gigues contemporaines) . Para termos uma compreensão exata do que se deve entender por fator racial, parece que q mais indicado será examinar as prin- cipais teorias que a respeito foram formuladas. São três os grupos mais importantes. O primeiro é formado pelas doutrinas de Go- bineau e Chamberlain, o 2.º é constituído pelas teorias de seleção social, de Lapouge e Ammon: o 3º é a escola da hereditariedade de Galton e Pearson. O conde Arthur de Gobineau, erudito e diplomata francês, re- Presentante da França em nosso país durante alguns anos e amigo íntimo de D. Pedro II. após longas viagens por diversos conti- nentes. publicou, em 1852, uma obra em quatro volumes, a que deu o título: Ensaio Sobre a Desigualdade das Reças Humanas. Nessa obra, interessante sob todos os aspectos, sustentou as idéias que formam a base das teorias raciais, hoje tão faladas e discutidas. Começa ele indagando quais serão as fausas do progresso e de- TEORIA GERAL DO ESTADO 27 cadência das nações, que fatores determinam a ascensão ea queda das civilizações. Ao contrário do que muitos afirmam, diz Gobi- neau, não se pode atribuir o declínio dos povos ao fanatismo Je ligioso, à corrupção, ao luxo, à ausência de virtudes. O império asteca era fanático a ponto de sacrificar vitimas humanas no altar de deuses horripilantes, e no entanto essa mentalidade não impediu que durante séculos prosperasse e se engrandecesse. As classes do- minantes da Grécia, Roma, Pérsia, Veneza, Inglaterra e Rússia. viveram também durante séculos no luxo e nos prazeres e nem por isso esses povos decaíram. De outro lado, os romanos e os gregos não primavam pela posse de muitas virrudes. Os primeiros eram impiedosos, cruéis e ambiciosos; os espartanos e os fenícios prati- cavam habitualmente o roubo, a pilhagem e a mentira, eram cor- tompidos e corruptores, e ainda assim cresceram em poder e opu- lência. Pode-se mesmo provar, continus Gobineau, que os senti- mentos religiosos, a prática de muitas virtudes pessoais e coletivas, coincidiu exatamente com a decadência de muitos dos povos antigos. Os méritos de um governo não influem grandemente na longevi- dade histórica de um povo, assim como os maus, por si sós, não the determinam a decadência. As invasões e conquistas igualmente não têm esse poder. A China, a Pérsia, a Judéia, foram conquis- tadas e governadas por dinastias estrangeiras e isso não impediu o seu florescimento. A Inglaterra foi conquistada e sofreu péssimos reis, sem que esse infortúnio impedisse que ela se tornasse um gran- de império. . o Sem negar a influência boa ou má dessas diversas circunstâncias, Gobineau demonstra que elas não são a causa da grandeza ou da decadência dos povos, e torna a perguntar: Qual será então a causa real que determina à ascensão e à queda das sociedades humanas através da história? E responde que essa causa é à raça. Considerando, diz ele, que a decadência de uma nação é “o fato de ela não possuir mais o mesmo valor que antes”, a razão dessa degenerescência é que o povo não tem mais o mesmo sangue nas veias, e isso em consequência de cruzamentos e mestiçagens sucessi- vas que não lhe permitiram conservar a mesma raça dos seus an- 28 DARCY AZAMBUJA tepassados, Se a raça é boa, à sua Pureza é condição essencial para evitar a decadência; a mistura acarreta inevitavelmente a morte, por muito grande que seja a sua cultura. Assim aconteceu com os gre- os e com os romanos, os quais, não tendo mantido a pureza ra- cial, tendo-se mestiçado com outros grupos, entraram em decadên- cia e morreram, mau grado a cultura maravilhosa que possuiam. . Dessas afirmativas passa Gobineau à segunda proposição, rela- tiva à desigualdade das raças. Segundo ele, há raças superiores e ra- sas inferiores. As primeiras são capazes de progresso, as segundas São votadas a vegetar ingloriamente. A civilização e à cultura que conhecemos na história é obra exclusiva das raças superiores. tos. Em primeiro lugar, a desigualdade das raças é provada pelo fato de existirem várias Taças que, em milhares de nos, não sairam da barbárie, nada criaram além de uma rudimentar forma de vida selvagem, apesar de viverem em ambientes favoráveis. Em segundo lugar, Gobineau considera como indubitável que as raças surgiram em regiões diversas do globo, sob condições diferentes, e não por diam portanto deixar de possuir aptidões de valor diferente. Apesar de séculos de história e de cruzamentos, ainda hoje as taças são diferentes pela anatomia, a fisiologia e a psicologia, No começo da história humana, existiam três grandes raças pu- ras: à branca, a amarela ea negra, Todos os outros. grupos são apenas Variedades, resultantes do cruzamento desses troncos fun- damentais, A mais bem dotada, a verdadeiramente superior é a raça branca e, de modo especial, o ramo ariano. As dez civilizações que à história nos apresenta foram criadas exclusivamente pela raça branca, e seis dessas civilizações, 3 hindu, a egipcia, a assíria, a grega, a romana e a germânica, são obra do tamo ariano, As ourras quatro, chinesa, mexicana, peruviana e maia, foram fundadas Por ouiros ramos da raça branca já eru- zados com elementos estranhos. ' A raça branca, 0 ramo ariano principalmente, expandiu-se, sub- meteu Outras raças, mas foi também se cruzando com elas e di- minuindo assim as suas nobres qualidades primitivas. A consequên- cia disso é uma tendência para o declínio da civilização, o que se TEORIA GERAL DO ESTADO 29 tem acentuado nos últimos séculos. Esse declínio, essa decadência manifesta-se por vários sintomas, e um deles é o progresso das idéias igualitárias, os movimentos democráticos e a mistura de cul- turas diversas entre as raças do Oriente e as do Ocidente. Segundo Gobineau, a decadência da atual civilização é inevitável; nada poderá impedir os cruzamentos da raça ariana, que já quase não existe mais. Em um futuro de alguns séculos a mestiçagem estará completa, não haverá mais representantes da raça nobre, fi- lhos do sol e construtores de civilizações. Todos os homens, então, de parecerão, no físico e no moral, “Rebanhos humanos — diz fu- nebremente Gobineau — e não mais nações, acabrunhados em uma fatal sonolência, atolar-se-ão na inutilidade, como os búfalos que ruminavam nos pantanais pontinos." Será o fim da sociedade hu- mana, a morte da civilização. Eis, em resumo, a teoria de Gobineau, A grande erudição do seu autor, o estilo brilhante, a lógica aparentemente irrefutável dos seus argumentos, causaram uma profunda impressão, que, longe de se atenuar, aumentou no começo deste século. Continuador de Gobineau, ou pelo menos com idéias análogas, meio século mais tarde um outro escritor renovou o debate. Houston Steward Chamberlain, inglês educado na Alemanha, procurou, no seu livro À gênese do século XIX, evidenciar quais são os funda- mentos da nossa civilização. Segundo ele, essas origens são quatro: a civilização grega, a romana, a judaica e a tentônica. Dos gregos herdamos a Poesia, a Arte e a Filosofia; dos romanos, o Direito, à Política, a ordem, a intangibilidade da família e a propriedade; dos judeus, o cristianismo e ourros legados bons e maus. A esses três elementos, trouxeram sua contribuição os teutões, que criaram à atual civilização. Sob a designação de teutões, Chamberlain com- preende os germanos, os celtas, os eslavos e os americanos do nor- te, À seguir, diz o autor que as raças humanas são desiguais e que a raça branca é à superior, e o grupo ariano é o mais nobre. Quanto à pureza e origem das raças é que Chamberlain discorda de Go- bineau. Para este, as raças tiveram origem diversa e o seu cruza- mento as fez degenerar. Para Chamberlain, a raça branca é o re- sultado do cruzamento feliz de outras raças, e essas condições fe- É À ; ! 4 i i | : i Í É t 30 DARCY AZAMBUJA lizes podem ainda verificar-se, evitando assim a morte da nossa civilização. Para isso, segundo ele, são necessárias várias condições. Às principais são: presença de bons elementos étnicos para o cru- zamento e a endogamia. Raças nobres como os gregos antigos « os romanos, os francos, os italianos e os espanhóis no período do zeu esplendor, realizaram grandes obras materiais e espirituais enquan- to praticacam a endogamia, isto é, não se cruzaram com raças in- feriores. A seleção artificial, que consiste em eliminar os indivíduos infe- riores e facilitar o desenvolvimento dos tipos superiores, é um outro fator poderoso para a formação de uma raça capaz de criar grandes civilizações. Passa depois Chamberlain a demonstrar a influência perniciosa da raça judaica sobre a nossa civilização e à superiori- dade inegável dos teutões, que são o produto de cruzamentos fe- lizes de grupos da raça ariana. Grandes, louros, dolicocéfalos, de espirito inventivo, corajosos, enérgicos, leais e amantes da liberda- de, eles recolheram a herança das civilizações passadas e criaram uma nova e brilhante civilização. Se quisermos conservá-la e evitar-lhe a decadência, é preciso que Os teutões vençam a tremenda luta que levam travada contra os judeus e que se mantenham etnicamente puros. ou cruzando-se somente com elementos de raças brancas. O segundo grupo das teorias racistas é representado principal- mente pelas obras do sociólogo francês Vacher de Lapouge e do an- tropologista alemão Orto Ammon. Lapouge, nas suas três obras capitais — Seleções sociais, O eria- no ea sua função social e Raça e meio social, começa demonstran- do que não bá raças puras em sentido absoluto. Cada um de nós, se remontássemos até a época de Jesus Cristo, teríamos nada me- nos de 18.014.583.333.333.333 ascendentes. Essa cifra por si evi- dencia que em tão vastas multidões, através de povos e de séculos, não se podia manter pura nenhuma linhagem. Em sentido relati- vo. porém, pode-se admitir o conceito de raça, pois muitos croza- mentos são superficiais, não chegaram a alterar Os característicos raciais. Segundo Lapouge, a Europa possui três raças distintas. À primeira é formada pelo homo europeus ou raça ariana, que tem como característicos a elevada estatura, a dolicocefalia, isto é a TEORIA GERAL DO ESTADO 31 maior extensão do crânio segundo o eixo anteroposterior, e a pig- mentação loura. As qualidades morais do homo europeus são gran- des aspirações, trabalho incessante, audácia, belicosidade, grande in- teligência, etc. . A segunda raça é O homo alpina, de talhe mediano, braquicé- falo, isto é. cabeça redonda, cor moreno-clara. É frugal, laborioso, pendente, não ama a Inta. É o homem da tradição e do senso co- mam. Não aprecia o progresso, adora a uniformidade. A terceira raça é o homo contractus, o homem do mediterrâneo, de pequena estatura, subdolicocéfalo, escuro. de qualidades em tudo inferiores a0s dois outros tipos. Depois de afirmar que as altas qua- lidades morais estão ligadas ao índice cefálico, à forma do crânio, e.que só as possuem em grau máximo os dolicocéfalos louros ou arianos, Lapouge reproduz os argumentos de Gobineau para de- monstrar que O ariano é o fator exclusivo das grandes civilizações. Com auxílio da antropometria, sustenta que na mesma sociedade o índice cefálico varia de uma para ontra classe. Em todas as na- ções em que as altas classes são arianas, bá progresso, atividade, grande cultura. Quando os elementos braquicéfalos conseguem fo par os postos dirigentes, dá-se a decadência. Sempre que, atravês da história, surgem nações poderosas, que realizam grandes obras, é & elemento ariano que predomina entre elas. Isto posto, Lapouge trata de mostrar quais as causas que pro- duzem, dentro de uma determinada sociedade, a ascensão de ele- mentos braquicéfalos inferiores, a queda ou desaparecimento dos arianos e a consequente decadência de uma civilização ou de Lia nação. Depois de estudar a fonção do meio físico, da educação e da hereditariedade, diz que a causa mais ativa é a seleção social, em que se distingnem várias modalidades. oo O primeiro fator de transformação intensa da constituição an- tropológica de um povo é a seleção da guerra; os arianos, belicosos e audazes, mais fortes, amando a luta pela luta, são sacrificados Em larga escala, diminuindo assim a percentagem dolicocéfala e permi- tindo o advento de elementos braquicéfalos. As grandes guerras re- tígiosas, as cruzadas, as lutas contra os indígenas dos continentes recém-descobertos, foram uma grande sangria nas camadas mais 34 DARCY AZAMBUJA alemã, raça francesa, caça oriana, raça latina. Em verdade o que existe é uma nação alemã, uma nação francesa, línguas arianas e uma civilização latina, conceitos, estes sim, verdadeiros e muito di- ferentes do conceito de raça. Lapouge e seus continuadores, tentando precisar os termos e fu- gir a esse desmentido da ciência, deixaram de mão os arianos e criaram em seu lugar o homo europeus, o homem nórdico, dolico- céfalo louro, alto, de olhos azuis. Do ponto de vista antropológico, não há negar que esse tipo existe e que provavelmente formou, em tempos remotos, uma raça distinta. Mas, haverá a mesma segu- rança sobre os caracteres psicológicos que Lapouge e outros dão como atributos desses caracteres físicos? A afirmação de que os gregos, os romanos, ou as classes nobres da Idade Média eram dolicocéfalos louros, é absolutamente destituída de prova. É uma afirmação gratuita de todo em todo, pois não há documentos que nos possam esclarecer sobre a cor dos cabelos e dos olhos daqueles povos e classes. E só a forma do crânio não basta para dar supe- rioridade intelectual a uma raça, pois os australianos, os esquimós, os hotentotes, os cafres e todos os negros da Africa Ocidental são dolicocéfalos. As observações antropométricas feitas nas populações contem- porâneas por Nicéforo, Parsons, Perman, Kovalensky e tantos ou- tros, não têm em nada demonstrado as pretensas leis de Lapouge e Ammon. Nas classes elevadas, nos homens de gênio, sábios, artistas, esta- distas da Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Polônia, Espanha, Bélgica, as cuidadosas observações antropométricas de Muffang, Oloriz. Dallemagne e Heger, Lêvi e Rôse, deixaram provado E a dolicocefalia não é regra geral e que a existência dos crânios alon- gados nas altas classes está mais ou menos na mesma proporção que se encontra nas penitenciárias, nos hospícios e nas classes mais humildes. Quanto à pigmentação, os resultados são idênticos. Uma soma enorme de trabalhos feitos, quer nos Estados Unidos, quer na Europa, longe de confirmar têm refutado a relação Ro entre a forma do crânio, a pigmentação e as q! ades psicológicas , g o e as qualidad de ic TEORIA GERAL DO ESTADO 35 O gue a ciência tem até agora verificado, não justifica de modo algum as conclusões que os sectários daquela doutrina pretenderam impor. Mas tem, por outro lado, posto em relevo muitas obser- vações exatas. Assim, por exemplo, enquanto os racistas, apoiados na hereditariedade, dela queriam fazer o seu baluarte. hoje se vê na ação conjugada da hereditariedade e do meio social, o método apropriado para melhorar as sociedades humanas, porque os catac- teres adquiridos podem transmitir-se e fixar-se. Seria infantil negar as diferenças físicas e psicológicas que há entre os indivíduos e as taças: igualmente não se pode desconhecer que, em um momento dado, há raças mais cultas, mais enérgicas, mais bem-dotadas que outras.-Não há, porém, imutabilidade nessas condições. Os diversos fatores do meio social e a hereditariedade podem melhorar e aper- feiçoar os grupos humanos e erguê-los da obscuridade para gran- des destinos. É o que a História nos demonstra e é o que à euge- nia bem compreendida está procurando fazer, apoiada nas melho- res razões científicas. E a consegliência desse esforço, longe do que profetizam Gobineau e Lapouge, será libertar a humanidade de muitas de suas taras e vícios. Sem dúvida, não se pode negar a desigualdade atual de certas raças, sendo mais adiantadas umas, e outras mais atrasadas; nem se deve obscurecer que estas têm características morais e intelectuais diferentes daquelas, e que, dentro dessa relatividade, para uma na- ção o cruzamento com elementos de determinados grupos raciais é mais aconselhável do que com os ontros. É uma questão de afi- nidade moral e intelectual, pode ser mesmo uma questão de esté- tica, não um imperativo antropológico. De oatro lado, o que a ciência tem demonstrado é que o aper- feicoamento físico dos indivíduos, a cultura moral e intelectual, coordenados com o fator tempo, são por si capazes de criar na- ções fortes, inteligentes e destinadas a uma alta civilização. É nessa tríplice cultura, moral, intelectual e física, e não na forma do crã- nio e cor dos. cabelos, que reside a cansa da grandeza das nações. CaPfTULO IV O TERRITÓRIO DO ESTADO NATUREZA E ESPÉCIES DO TERRITÓRIO. FRONTEI- RAS DO ESTADO. FRONTEIRAS ESBOÇADAS, FRONTEI- Natureza O segundo elemento essencial à existência do Esta. - e espéci do território, do é O território, a base física, a porção do globo Por ele ocupada, que serve de limite à sua Jurisdição e lhe fornece recursos materiais, O território é O país propriamente dito, * portanto país não se confunde com Povo ou nação, e não é sinônimo de Estado, do qual constitui apenas um elemento, Sem território não pode haver Estado. Os judeus são uma na- são, mas não formavam um Estado, ainda quando estivessem or- ganizados sob uma autoridade única, Porque não possuíam terri- tório. Quando o Papa, em 1870, perdeu o território pontifício, - € suas dependências. Os povos nômades, Mesmo que sujeitos à autoridade de um che- fe, não formam um Estado, porque o território deste deve ser fixo e determinado, uma vez que constitui o limite físico do seu poder Jurídico. O território Pode não ser contínuo, mas formado de porções TEORIA GERAL DO ESTADO 37 destacadas, como ilhas, ou situado em vários continentes, e não compreende somente a terra, mas também os rios, lagos, mares in- teriores, portos, golfos, estreitos. (O Direito Internaciona! considera. livre de qualquer soberania o alto mar e reconhece a jurisdição dos Estados sobre a faixa de águas situada entre as respectivas costas co alto mar. Admitia-se, primeiramente, que a largura dessa faixa, denomi- nada “águas territoriais”, era a do alcance de um tiro de canhão. O progresso da artilharia tornou imprestável esse critério, pois há canhões atualmente de alcance superior a cem quilômetros. Tratados e convenções internacionais têm fixado em três mi- lbas a largura das águas territoriais, mas nem todos os Estados a aceitam, por motivo de segurança das costas, fiscalização do comér- cio, etc. Admitem-se também como sujeitos à jurisdição do Es- tado os seus navios mercantes quando em alto mar, os navios de guerra em qualquer ponto onde se encontrem, e o terreno das em- baixadas e representações diplomáticas em geral, O desenvolvimen- to da navegação aérea fez com que se considere parte integrante do território a camada atmosférica que o cobre, à qual, por necessi- dade da própria segurança, o Estado estende sua soberania. O território do Estado pode ser de duas espécies: político e co- mercial. Político é o em que se exerce a soberania do Estado em toda à plenitude; comercial, aquele em que o Estado exerce ape- nas algumas faculdades limitadas. O território político é a base mais importante da vida do Estado; no território comercial o Estado se Preocupa principalmente com objetivos mercantis, e é constituído pelas regiões pouco civilizadas, No entanto, é fregiente o fato de o território comercial adquirir importância e ser incorporado ao ter- Fitório político, Enquanto isso não se dá, o Estado pode aban- donar, trocar e até vender o território comercial, sem que com isso a dignidade nacional seja ofendida. (Artaza — Derecho Político, pág. 26.) O território político pode ser aínda dividido em metropolitano e colonial. O primeiro é onde se “encontra o governo central, onde vive O núcleo nacional mais importante e em que se formou a tra- dição nacional”, (Artaza, op. cit.) O território colonial é forma-