Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Neoconstitucionalismo: o modelo axiológico de Constituição e os direitos fundamentais, Notas de estudo de Direito Constitucional

O neoconstitucionalismo é um conjunto de teorias que descreve o processo de constitucionalização de sistemas jurídicos contemporâneos, caracterizado pelo modelo axiológico de constituição como norma. Essa teoria enfatiza a presença de princípios e valores fundamentais na constituição, que traduzem para a linguagem normativa as opções éticas e políticas da sociedade. As normas de direitos fundamentais são a tradução jurídica dos valores morais de uma comunidade, e todos os ordenamentos jurídicos estão impregnados por conteúdos morais. O estado constitucional é marcado pela constitucionalização do ordenamento jurídico através das normas de direitos fundamentais, que expressam a compatibilidade entre a distinção conceitual entre direito e moral.

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 13/09/2012

ruy-abreu-2
ruy-abreu-2 🇧🇷

1 documento

1 / 11

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
Revista Brasileira de Direito Constitucional RBDC n. 09 jan./jun. 2007
67
ASPECTOS DO NEOCONSTITUCIONALISMO
ANDRÉ RUFINO DO VALE*
Introdução
O Direito Constitucional atual está envolvido pela atmosfera teórica, metodológica e
ideológica do denominado neoconstitucionalismo1 (ou simplesmente constitucionalismo),
presente em diferentes aspectos nas teorias de Ronald Dworkin2, Robert Alexy3, Gustavo
Zagrebelsky4, Luis Prieto Sanchís5, Carlos Nino6, Luigi Ferrajoli7, dentre outros. Esses autores
não podem ser reunidos numa corrente unitária de pensamento, mas em suas teorias é
possível encontrar uma série de coincidências e tendências comuns que podem conformar
uma “nova cultura jurídica 8, um “paradigma constitucionalista in statu nascendi9, ou, em
outros termos, “o paradigma do Estado constitucional de direito10.
Esses pontos em comum, retirados de teorias cujas bases filosóficas são bastante
ecléticas, podem ser sintetizados da seguinte maneira11: a) a importância dada aos princípios e
valores como componentes elementares dos sistemas jurídicos constitucionalizados; b) a
* Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília.
1 O termo neoconstitucionalismo pode ser utilizado como fazendo referência a uma teoria, a uma ideologia ou a um
método de análise do direito; ou como designando alguns elementos estruturais de um sistema jurídico e político,
um modelo de Estado de Direito. Sobre as diversas acepções do termo neoconstitucionalismo, vide: COMANDUCCI,
Paolo. Formas de (neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. In: CARBONELL, Miguel (ed.).
Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta; 2003, p. 75.
2 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes; 2002.
3 ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gedisa; 2004.
4 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. Madrid: Trotta; 2003.
5 PRIETO SANCHÍS, Luis. Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales. Madrid: Trotta; 2003, p. 101.
6 NINO, Carlos. Ética y Derechos Humanos. Un ensayo de fundamentación. Buenos Aires: Astrea; 1989. Idem. La
Constitución de la democracia deliberativa. Barcelona: Gedisa; 2003.
7 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías. La ley del más débil. Madrid: Trotta; 2004. Idem. Direito e razão. Teoria do
garantismo penal. São Paulo: RT; 2002.
8 Diante das imprecisões terminológicas e dos diferentes usos do termo neoconstitucionalismo, Prieto Sanchís
refere-se ao constitucionalismo como uma “nova cultura jurídica”. PRIETO SANCHÍS, Luis. Sobre el
neoconstitucionalismo y sus implicaciones. In: Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales. Madrid: Trotta;
2003, p. 101.
9 Manuel Atienza denomina “paradigma constitucionalista” a nova concepção do Direito formada por coincidências
e tendências comuns encontradas nas teorias de autores herdeiros do positivismo analítico e que hoje se
aproximam das teses de Dworkin, como Neil MacCormick, Joseph Raz, Robert Alexy, Carlos Nino e Luigi Ferrajoli.
ATIENZA, Manuel. El sentido del derecho. Barcelona: Ariel; 2004, p. 309.
10 Luigi Ferrajoli utiliza o termo “paradigma do Estado constitucional de direito” para representar o modelo
garantista. FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías. La ley del más débil. Madrid: Trotta; 2004, p. 22.
11 Sobre as características comuns entre as diferentes perspectivas teóricas dos autores acima citados, vide:
POZZOLO, Susana. Neoconstitucionalismo y especificidad de la interpretación constitucional. In: Doxa n° 21-II, 1998,
p. 340 e ss.
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Neoconstitucionalismo: o modelo axiológico de Constituição e os direitos fundamentais e outras Notas de estudo em PDF para Direito Constitucional, somente na Docsity!

ANDRÉ RUFINO DO VALE*

Introdução

O Direito Constitucional atual está envolvido pela atmosfera teórica, metodológica e

ideológica do denominado neoconstitucionalismo^1 (ou simplesmente constitucionalismo),

presente em diferentes aspectos nas teorias de Ronald Dworkin^2 , Robert Alexy^3 , Gustavo

Zagrebelsky^4 , Luis Prieto Sanchís^5 , Carlos Nino^6 , Luigi Ferrajoli^7 , dentre outros. Esses autores

não podem ser reunidos numa corrente unitária de pensamento, mas em suas teorias é

possível encontrar uma série de coincidências e tendências comuns que podem conformar

uma “nova cultura jurídica” 8 , um “paradigma constitucionalista in statu nascendi ” 9 , ou, em

outros termos, “o paradigma do Estado constitucional de direito” 10.

Esses pontos em comum, retirados de teorias cujas bases filosóficas são bastante

ecléticas, podem ser sintetizados da seguinte maneira^11 : a) a importância dada aos princípios e

valores como componentes elementares dos sistemas jurídicos constitucionalizados; b) a

  • (^) Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília.

(^1) O termo neoconstitucionalismo pode ser utilizado como fazendo referência a uma teoria, a uma ideologia ou a um

método de análise do direito; ou como designando alguns elementos estruturais de um sistema jurídico e político, um modelo de Estado de Direito. Sobre as diversas acepções do termo neoconstitucionalismo, vide: COMANDUCCI, Paolo. Formas de (neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. In: CARBONELL, Miguel (ed.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta; 2003, p. 75. (^2) DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes; 2002.

(^3) ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gedisa; 2004.

(^4) ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. Madrid: Trotta; 2003.

(^5) PRIETO SANCHÍS, Luis_. Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales_. Madrid: Trotta; 2003, p. 101.

(^6) NINO, Carlos. Ética y Derechos Humanos. Un ensayo de fundamentación. Buenos Aires: Astrea; 1989. Idem. La

Constitución de la democracia deliberativa. Barcelona: Gedisa; 2003. (^7) FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías. La ley del más débil. Madrid: Trotta; 2004. Idem. Direito e razão. Teoria do

garantismo penal. São Paulo: RT; 2002. (^8) Diante das imprecisões terminológicas e dos diferentes usos do termo neoconstitucionalismo, Prieto Sanchís

refere-se ao constitucionalismo como uma “nova cultura jurídica”. PRIETO SANCHÍS, Luis. Sobre el neoconstitucionalismo y sus implicaciones. In: Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales. Madrid: Trotta; 2003, p. 101. (^9) Manuel Atienza denomina “paradigma constitucionalista” a nova concepção do Direito formada por coincidências

e tendências comuns encontradas nas teorias de autores herdeiros do positivismo analítico e que hoje se aproximam das teses de Dworkin, como Neil MacCormick, Joseph Raz, Robert Alexy, Carlos Nino e Luigi Ferrajoli. ATIENZA, Manuel. El sentido del derecho. Barcelona: Ariel; 2004, p. 309. (^10) Luigi Ferrajoli utiliza o termo “paradigma do Estado constitucional de direito” para representar o modelo

garantista. FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías. La ley del más débil. Madrid: Trotta; 2004, p. 22. (^11) Sobre as características comuns entre as diferentes perspectivas teóricas dos autores acima citados, vide:

POZZOLO, Susana. Neoconstitucionalismo y especificidad de la interpretación constitucional. In: Doxa n° 21-II, 1998, p. 340 e ss.

ANDRÉ RUFINO DO VALE

ponderação como método de interpretação/aplicação dos princípios e de resolução dos

conflitos entre valores e bens constitucionais; c) a compreensão da Constituição como norma

que irradia efeitos por todo o ordenamento jurídico, condicionando toda a atividade jurídica e

política dos poderes do Estado e até mesmo dos particulares em suas relações privadas; d) o

protagonismo dos juízes em relação ao legislador na tarefa de interpretar a Constituição; e)

enfim, a aceitação de alguma conexão entre Direito e moral.

Em suma, nas palavras de Prieto Sanchís^12 , inspirado em Alexy^13 , pode-se traçar o

seguinte perfil do constitucionalismo contemporâneo: mais princípios que regras; mais

ponderação que subsunção; mais Constituição que lei; mais juiz que legislador.

Não se trata, portanto, de um movimento, mas de um conjunto de posturas teóricas que

adquiriram sentidos comuns ao tentar explicar o direito dos Estados constitucionais,

especificamente aqueles que, a partir do segundo pós-guerra, em momentos históricos de

repúdio aos recém-depostos regimes autoritários, adotaram constituições caracterizadas pela

forte presença de direitos, princípios e valores e de mecanismos rígidos de fiscalização da

constitucionalidade — manejados por um órgão jurisdicional especializado, normalmente o

Tribunal Constitucional — como as Constituições da Itália (1948), Alemanha (1949) e Espanha

(1978), contexto no qual as Constituições de Portugal (1976) e do Brasil (1988) inserem-se

perfeitamente.

Nos tópicos seguintes, serão desenvolvidos, sinteticamente, alguns desses aspectos do

neoconstitucionalismo e suas implicações teóricas, metodológicas e ideológicas.

1. O modelo axiológico de Constituição como norma

Se o neoconstitucionalismo é concebido como um conjunto de teorias que pretendem

descrever o processo de constitucionalização dos sistemas jurídicos contemporâneos, seu

traço distintivo não poderia ser outro que a adoção de um peculiar modelo constitucional: o

denominado “modelo axiológico de Constituição como norma” 14. De acordo com esse modelo,

a Constituição é marcada pela presença de princípios, especificamente, de normas de direitos

fundamentais que, por constituírem a positivação (expressão normativa) de valores da

(^12) PRIETO SANCHÍS, Luis. Sobre el neoconstitucionalismo y sus implicaciones. In: Justicia Constitucional y Derechos

Fundamentales. Madrid: Trotta; 2003, p. 101. Idem. Ley, principios, derechos. Madrid: Dykinson; 1998, p. 35. (^13) ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gedisa; 2004, p. 160.

(^14) POZZOLO, Susana. Neoconstitucionalismo y especificidad de la interpretación constitucional. In: Doxa n° 21-II,

1998, p. 342. COMANDUCCI, Paolo. Formas de (neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. In: CARBONELL, Miguel (ed.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta; 2003, p. 83.

ANDRÉ RUFINO DO VALE

3. As normas de direitos fundamentais como ponto de encontro entre Direito e

moral

A presença de normas de direitos fundamentais nos sistemas jurídicos

constitucionalizados pode ser entendida como o resultado da transformação da moral crítica

em moral legalizada. No marco de análise das relações entre Direito e moral

21

, a moral crítica é

constituída por aqueles conteúdos morais que ainda não foram incorporados pelo sistema

jurídico, mas que o pressionam constantemente para obter reconhecimento. Nesse sentido,

pode-se afirmar, seguindo Ansuátegui Roig, que “todo sistema de moral crítica possui vocação

a se converter em moral legalizada” 22. Em outros termos, os valores morais assumidos

historicamente pela comunidade possuem a vocação de serem realizados, ou seja, tendem a

ser positivados e, nesse passo, a contar com o respaldo do poder estatal de coação. As normas

morais, ao se transformarem em normas jurídicas, recebem um plus de normatividade, a

jurídica, em adição às que já possuíam antes, a moral.

As normas de direitos fundamentais podem assim ser caracterizadas como a tradução

jurídica dos valores morais de uma comunidade em determinado momento histórico^23. As

exigências éticas de dignidade necessitam do Direito para serem realizadas e, assim, adquirem

normatividade com a positivação em normas de direitos fundamentais. Devido à presença

dessas normas, os ordenamentos jurídicos deixam-se impregnar por conteúdos morais. Como

bem elucida Eusébio Fernández García, no que é acompanhado por Gregorio Peces-Barba e

Ansuátegui Roig, com base no pensamento de Recaséns Siches e de Legaz y Lacambra:

todo ordenamento jurídico representa um ponto de vista sobre a justiça, é

dizer, sobre o moralmente justo, e ao mesmo tempo está traduzindo ou

expressando, através de normas jurídicas, uma certa legitimidade que lhe

serve de justificação

24

(^21) O debate filosófico-jurídico sobre as relações entre os sistemas normativos do Direito e da Moral, por sua própria

densidade e complexidade, não será aqui aprofundado. Sobre o tema, vide: VÁZQUEZ, Rodolfo (comp.). Derecho y Moral. Ensayos sobre un debate contemporáneo. Barcelona: Gedisa; 2003. LAPORTA, Francisco. Entre el Derecho y la Moral. México DF: Fontamara; 1995. (^22) ANSUÁTEGUI ROIG, Francisco Javier. Derechos, Constitución, Democracia. Aspectos de la presencia de derechos

fundamentales en las constituciones actuales. Valladolid: Instituto Universitario de Historia Simancas, Universidad de Valladolid; 2003, p. 178-179. (^23) Na conceituação de Prieto Sanchís, os direitos fundamentais são “a tradução jurídica das exigências morais mais

importantes que em cada momento (histórico) foram erigidas a critério fundamental para medir a legitimidade de um modelo político e, portanto, para justificar a obediência a suas normas”. PRIETO SANCHÍS, Luis. Derechos fundamentales. In: GARZÓN VALDÉS, Ernesto; LAPORTA, Francisco. El derecho y la justicia. Madrid: Trotta; Consejo Superior de Investigaciones Científicas; Boletín Oficial del Estado; 1996, p. 508. (^24) Cfr.: FERNÁNDEZ GARCÍA, Eusebio. Filosofia Política y Derecho. Madrid: Marcial Pons; 1995, p. 23. PECES-BARBA,

Gregorio; FERNÁNDEZ GARCÍA, Eusebio. Curso de Teoría del Derecho. Madrid: Marcial Pons; 2000.

ANDRÉ RUFINO DO VALE

No mesmo sentido, Elíaz Díaz ensina que “toda legalidade é expressão de uma certa

legitimidade; ou vice-versa, toda legitimidade tende a ser realizada por meio de uma concreta

e efetiva legalidade”, contexto no qual a Constituição — e, portanto, o conjunto das normas de

direitos fundamentais — representa a “zona de mediação entre legalidade e legitimidade” 25.

Dessa forma, na medida em que possuem uma dupla normatividade, moral e jurídica, ou

uma dupla dimensão, axiológica e deontológica, as normas de direitos fundamentais

constituem o ponto de encontro entre Direito e moral. Por isso, a interpretação e

argumentação desenvolvidas em torno dessas normas são, simultaneamente, jurídica e moral.

Assim, a presença de normas de direitos fundamentais nos ordenamentos jurídicos

constitucionalizados demonstra a compatibilidade entre a tese da distinção conceitual entre

Direito e moral, por um lado, e a tese segundo a qual entre os sistemas normativos morais e os

sistemas normativos jurídicos existem conexões^26. A separação que deve existir é entre o

Direito e uma suposta moral “correta”, “absoluta” ou “universal” 27. Cada ordenamento

jurídico está lastreado por relativos conteúdos morais, normalmente expressados pelos

princípios e valores fundantes do sistema, enfim, pelas normas de direitos fundamentais

positivadas na Constituição^28. Com isso, é possível dizer, seguindo Eusébio Fernández García,

que “todo Direito é estruturalmente moral”, o que não impede que seu conteúdo possa ser

moral ou imoral^29.

4. Pós-positivismo, soft positivism e positivismo inclusivo

Afirma Gustavo Zagrebelsky que, atualmente, o positivismo jurídico não constitui mais

do que “uma inércia mental” ou “um puro e simples resíduo histórico” 30. Com efeito, as

(^25) DÍAZ, Elías. Ética contra política. México D.F: Fontamara; 1998. Idem. Legalidad-legitimidad en el socialismo

democrático. Madrid: Editorial Civitas; 1978. Idem. Curso de Filosofia del Derecho. Madrid: Marcial Pons, 1998. (^26) Esta tese é defendida pelos professores Gregorio Peces-Barba, Eusebio Fernández Garcia e Rafael de Asís Roig, da

Universidad Carlos III de Madrid, cujos contornos podem ser conferidos no Curso de Teoría del Derecho. Madrid: Marcial Pons; 2000. (^27) Esta tese é compatível com a “tese moral” ou “versão débil da conexão entre Direito e moral” defendida por

Alexy, segundo a qual “a presença necessária de princípios em um sistema jurídico conduz a uma conexão necessária entre o Direito e a Moral”, mas moral não no sentido de “moral correta”, mas de “alguma moral”, uma moral relativa. ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gedisa; 2004, p. 79. (^28) A idéia kelseniana de que a validez das normas jurídicas independe de sua correspondência com uma ordem

moral é extremamente necessária para uma análise clara das distinções entre Direito e moral, no entanto, deixa de reconhecer que entre estes dois sistemas normativos existem também conexões, ou seja, que um ordenamento jurídico sempre expressa valores e concepções morais vigentes ou aceitos socialmente em caráter predominante. PECES-BARBA, Gregorio; FERNÁNDEZ GARCÍA, Eusebio. Curso de Teoría del Derecho. Madrid: Marcial Pons; 2000, p.

(^29) FERNÁNDEZ GARCÍA, Eusebio. Filosofia Política y Derecho. Madrid: Marcial Pons; 1995, p. 23.

(^30) ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. Madrid: Trotta; 2003, p. 33,41.

ANDRÉ RUFINO DO VALE

Alexy^34 e Zagrebelsky^35 — que relativizam a separação entre Direito e moral, admitindo

critérios materiais de validade das normas, estão melhor adaptadas para descrever o sistema

jurídico dos Estados constitucionais.

Nada obstante, é preciso reconhecer que, após o profundo ataque manejado por

Dworkin, o positivismo jurídico vem sofrendo modificações substanciais, destinadas

principalmente a torná-lo mais adequado ao neoconstitucionalismo. Em resposta aos

argumentos de Dworkin, o próprio Hart, em seu Pós-escrito^36 , esclareceu que “a regra de

reconhecimento pode incorporar, como critérios de validade jurídica, a conformidade com

princípios morais ou com valores substantivos”, e que, portanto, sua doutrina deveria ser

designada como “positivismo moderado” ou “ soft positivism ” 37.

Essas afirmações, oriundas do autor da considerada teoria positivista mais evoluída de

que se tem conhecimento, consubstanciaram o estopim necessário para desencadear um

profundo debate sobre a incorporação da moral como condição de validade das normas, na

tentativa de estabelecer uma teoria intermediária entre o antipositivismo de Dworkin e o

positivismo de Joseph Raz^38. Um positivismo aberto à moralidade, que, sem renunciar à sua

identidade original — fundada em três teses principais: a separação conceitual entre Direito e

moral, a tese da discricionariedade jurídica e a das fontes sociais do Direito — teria

flexibilidade suficiente para se adequar aos sistemas jurídicos constitucionalizados, nos quais é

comum a presença de conceitos morais como liberdade, igualdade e dignidade humana. Nessa

linha estão o “positivismo incorporacionista” de Coleman, o “positivismo inclusivo” de

(^34) Em sua teoria do direito, Alexy adota uma teoria débil da conexão entre Direito e moral. ALEXY, Robert. El

concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gedisa; 2004. Na teoria da argumentação jurídica, Alexy formula a tese da argumentação jurídica como caso especial da argumentação moral e prática geral. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. São Paulo: Landy; 2001. A teoria dos direitos fundamentais está fundamentada em uma teoria dos princípios e valores. ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; 2001 (^35) O direito “mitte” (suave) de Zagrebelsky rechaça expressamente a cultura positivista de identificação entre lei,

direitos e justiça. ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. Madrid: Trotta; 2003. (^36) HART, Hebert. Pós-escrito. In: O Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; 1996, p. 312.

(^37) No mesmo sentido, Genaro Carrió, quando explica: “Nada en el concepto de ‘reglas de reconocimiento’ obsta, en

consecuencia, para que aceptemos el hecho de que los criterios efectivamente usados por los jueces para identificar las reglas subordinadas del sistema puedan incluir referencias al contenido de éstas. Puede ocurrir que, en una comunidad dada, las únicas costumbres consideradas jurídicas o jurídicamente obligatorias sean aquéllas compatibles con las exigencias de la moral. O bien, los jueces pueden aceptar como válidas sólo aquellas leyes que, además de haber sido correctamente aprobadas por un cuerpo con competencia para ello, no violan un catálogo no escrito de derechos y libertades individuales”. CARRIÓ, Genaro R.. Dworkin y el positivismo jurídico. In: Idem. Notas sobre Derecho y lenguaje. Buenos Aires: Abeledo-Perrot; 1994. (^38) Sobre o tema, vide: ESCUDERO ALDAY, Rafael. Los calificativos del positivismo jurídico. El debate sobre la

incorporación de la moral. Madrid: Civitas; 2004. Idem. Positivismo y moral interna del derecho. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; 2000.

ANDRÉ RUFINO DO VALE

Waluchow^39 , o “positivismo ético” de Peces-Barba^40 , o “positivismo crítico” de Ferrajoli^41 e o

“constitucionalismo positivista” de Prieto Sanchís^42. Como entende Ferrajoli, o

constitucionalismo nada mais é do que um complemento do positivismo jurídico. Em suas

próprias palavras:

el constitucionalismo, en vez de constituir el debilitamiento del positivismo

jurídico o su contaminación jusnaturalista, representa su reforzamiento: por

decirlo de algún modo, representa el positivismo jurídico en su forma más

extrema y acabada^43.

Portanto, é possível entender que o neoconstitucionalismo pode ser compreendido

tanto pelas posturas pós-positivistas de Dworkin, Alexy e Zagrebelsky, como pelo soft

positivism de Hart, ou pelas novas reformulações e atualizações do positivismo jurídico, aqui

agrupadas sob a denominação de “positivismo inclusivo”, em referência à inclusão de critérios

materiais (moral) de validade das normas jurídicas.

5. Positivismo, jusnaturalismo e realismo jurídico: uma confluência de paradigmas

Na verdade, sob o manto teórico, metodológico e ideológico do neoconstitucionalismo,

o estudo do Direito Constitucional e, nesse âmbito, das normas de direitos fundamentais e de

sua interpretação, implica a superação da dicotomia positivismo/jusnaturalismo. Mais do que

isso, pode-se afirmar que o neoconstitucionalismo combina certos aspectos do positivismo, do

jusnaturalismo e do realismo jurídico

44

Por um lado, as normas de direitos fundamentais são normas jurídicas positivas,

produzidas segundo critérios formais de validade, melhor dizendo, baseadas na norma

fundamental do sistema. Nesse aspecto, satisfazem plenamente aos critérios de validade das

(^39) Sobre o positivismo incorporacionista de Coleman e o positivismo inclusivo de Waluchow, vide: ESCUDERO

ALDAY, Rafael. Los calificativos del positivismo jurídico. El debate sobre la incorporación de la moral. Madrid: Civitas;

  1. Idem. Positivismo y moral interna del derecho. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; 2000. (^40) PECES-BARBA MARTÍNEZ, Gregorio. Derechos Sociales y Positivismo Jurídico. Escritos de Filosofia Jurídica y

Política. Madrid: Dykinson; 1999. Para o jurista espanhol, a incorporação de argumentos morais na identificação e na interpretação do Direito é perfeitamente compatível com um positivismo capaz de sobreviver às mudanças, de incorporar a reflexão moral a seus esquemas. Este positivismo poderia ser denominado de “positivismo corrigido”, “positivismo ético”, “positivismo aberto”, “flexível” e até mesmo “dúctil”. (^41) FERRAJOLI, Luigi. Juspositivismo Crítico y Democracia Constitucional. In: Isonomía n° 16, abril 2002.

(^42) PRIETO SANCHÍS, Luis. Constitucionalismo y positivismo. México/DF: Fontamara; 1997. Em defesa de um

“positivismo inclusivo”, vide também: MORESO, José Juan. In defense of inclusive legal positivism. In: Diritto&questioni pubbliche, 1/2001, p. 99 - 120. Idem. Algunas consideraciones sobre la interpretación constitucional. In: Doxa n° 23, 2000, p. 105-118. Sobre o tema, vide: VILLA, Vittorio. Alcune chiarificazioni concettuali sulla nozione di inclusive positivism. In: Diritto&questioni pubbliche, 1/2001, p. 56-99. POZZOLO, Susanna. Inclusive positivism: alcune critiche. In: Diritto&questioni pubbliche, 1/2001, p. 163-179. (^43) FERRAJOLI, Luigi. Juspositivismo Crítico y Democracia Constitucional. In: Isonomía n° 16, abril 2002, p. 8.

(^44) ATIENZA, Manuel. El sentido del Derecho. Barcelona: Ariel; 2004, p. 309.

ANDRÉ RUFINO DO VALE

a complexidade estrutural das normas de direitos fundamentais não pode ser explicada de

forma suficiente desde pontos de vista exclusivamente positivistas, nem jusnaturalistas,

tampouco realistas; segundo, que aspectos diferenciados de cada teoria são imprescindíveis

para poder compreender adequadamente o complicado fenômeno da presença das normas de

direitos fundamentais nas Constituições atuais. Como bem enfatiza García Figueroa, as três

grandes tradições do pensamento jusfilosófico (positivismo, jusnaturalismo e realismo jurídico)

oferecem bons argumentos para explicar o constitucionalismo, mas tais argumentos são

insuficientes se considerados isoladamente. Melhor dizendo, todas têm alguma razão, mas

nenhuma possui toda a razão^48.

Dessa forma, a compreensão da Constituição e dos direitos fundamentais pressupõe

uma teoria ao mesmo tempo integradora — de aspectos relevantes do positivismo, do

jusnaturalismo e do realismo jurídico — e superadora — de tratamentos isoladamente

positivistas, jusnaturalistas e realistas^49.

Esse é o desafio imposto atualmente aos filósofos do direito com vocação de

constitucionalistas e aos constitucionalistas com vocação de filósofos do direito^50.

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; 2001.

______. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gedisa; 2004.

______. Teoria da argumentação jurídica. São Paulo: Landy; 2001.

______. Los derechos fundamentales en el Estado Constitucional Democrático. In: CARBONELL, Miguel (ed.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta; 2003.

ANSUÁTEGUI ROIG, Francisco Javier. Derechos, Constitución, Democracia. Aspectos de la presencia de derechos fundamentales en las constituciones actuales. Valladolid: Instituto Universitario de Historia Simancas, Universidad de Valladolid; 2003.

ATIENZA, Manuel. El sentido del derecho. Barcelona: Ariel; 2004.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Novos questionamentos da Teoria da Constituição. In: SEGADO, Francisco Fernández (ed.). La Constitución Española en el contexto constitucional europeo. Madrid: Dykinson; 2003.

CARBONELL, Miguel (ed.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta; 2003.

(^48) GARCÍA FIGUEROA, Alfonso. La incidencia de la derrotabilidad de los principios iusfundamentales sobre el

concepto de Derecho. In: Diritto & Questioni Pubbliche, n° 3, 2003, p. 199. Idem. Norma y valor en el neoconstitucionalismo. Artigo a ser publicado na Revista Brasileira de Direito Constitucional n° 6. (^49) Como bem adverte Elías Díaz, na atualidade, a diferenciação e contraposição entre positivismo e jusnaturalismo

não desaparece nem perde seu sentido, mas se dilui em debates mais flexíveis, complexos e matizados que não se restringem aos esquemas tradicionais de cada paradigma. Assim sói ocorrer, por exemplo, no estudo dos valores, direitos e princípios jurídicos, seu significado, limite etc. DÍAZ, Elías. Curso de Filosofia del Derecho. Madrid: Marcial Pons, 1998, p. 14-15. (^50) A expressão é do Prof. Prieto Sanchís.

ANDRÉ RUFINO DO VALE

CARRIÓ, Genaro R. Dworkin y el positivismo jurídico. In: Idem. Notas sobre Derecho y lenguaje. Buenos Aires: Abeledo-Perrot; 1994.

COMANDUCCI, Paolo. Formas de (neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. In: CARBONELL, Miguel (ed.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta; 2003.

DÍAZ, Elías. Ética contra política. México D.F: Fontamara; 1998.

______. Legalidad-legitimidad en el socialismo democrático. Madrid: Editorial Civitas; 1978.

______. Curso de Filosofia del Derecho. Madrid: Marcial Pons, 1998.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes; 2002.

______. O império do Direito. São Paulo: Martins Fontes; 1999.

______. The model of rules. University of Chicago Law Review, 35, p. 14-46, 1967.

ESCUDERO ALDAY, Rafael. Los calificativos del positivismo jurídico. El debate sobre la incorporación de la moral. Madrid: Civitas; 2004.

_______. Positivismo y moral interna del derecho_. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; 2000.

FERNÁNDEZ GARCÍA, Eusebio. Filosofia Política y Derecho. Madrid: Marcial Pons; 1995.

FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías. La ley del más débil. Madrid: Trotta; 2004.

_______. Direito e razão. Teoria do garantismo penal._ São Paulo: RT; 2002.

______. Juspositivismo Crítico y Democracia Constitucional. In: Isonomía n° 16, abril 2002.

______. Pasado y futuro del Estado de Derecho. In: CARBONELL, Miguel (ed.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta; 2003.

GARCÍA FIGUEROA, Alfonso. La incidencia de la derrotabilidad de los principios iusfundamentales sobre el concepto de Derecho. In: Diritto & Questioni Pubbliche, n° 3, 2003.

______. Norma y valor en el neoconstitucionalismo. Artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Constitucional n° 7 vol. 2.

GUASTINI, Riccardo. La “constitucionalización” del ordenamiento jurídico: el caso italiano. In: Idem. Estudios de teoría constitucional. México/DF: Fontamara; 2003.

HÄBERLE, Peter. Teoría de la Constitución como Ciencia de la Cultura. Madrid: Tecnos; 2000.

HART, Hebert. Pós-escrito. In: O Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; 1996.

HOLMES, O. W. O caminho do direito. In: MORRIS, Clarence (org.). Os grandes filósofos do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes; 1998.

LAPORTA, Francisco. Entre el Derecho y la Moral. México DF: Fontamara; 1995.

MORESO, José Juan. In defense of inclusive legal positivism. In: Diritto&questioni pubbliche, 1/2001, p. 99-120.

______ Algunas consideraciones sobre la interpretación constitucional. In: Doxa n° 23, 2000, p. 105-118.

NINO, Carlos. Ética y Derechos Humanos. Un ensayo de fundamentación. Buenos Aires: Astrea; 1989.

______. La Constitución de la democracia deliberativa. Barcelona: Gedisa; 2003.

PECES-BARBA, Gregorio; FERNÁNDEZ GARCÍA, Eusebio. Curso de Teoría del Derecho. Madrid: Marcial Pons; 2000.

PECES-BARBA MARTÍNEZ, Gregorio. Derechos Sociales y Positivismo Jurídico. Escritos de Filosofia Jurídica y Política. Madrid: Dykinson; 1999.

POZZOLO, Susana. Neoconstitucionalismo y especificidad de la interpretación constitucional. In: Doxa n° 21-II, 1998.

______. Inclusive positivism: alcune critiche. In: Diritto&questioni pubbliche, 1/2001, p. 163-179.

PRIETO SANCHÍS, Luis. Constitucionalismo y positivismo. México/DF: Fontamara; 1997.

_______. Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales_. Madrid: Trotta; 2003.

______. Derechos fundamentales. In: GARZÓN VALDÉS, Ernesto; LAPORTA, Francisco. El derecho y la justicia. Madrid: Trotta; Consejo Superior de Investigaciones Científicas; Boletín Oficial del Estado; 1996.

______. Ley, principios, derechos. Madrid: Dykinson; 1998.

VÁZQUEZ, Rodolfo (comp.). Derecho y Moral. Ensayos sobre un debate contemporáneo. Barcelona: Gedisa; 2003.

VILLA, Vittorio. Alcune chiarificazioni concettuali sulla nozione di inclusive positivism. In: Diritto&questioni pubbliche, 1/2001, p. 56-99.

ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. Madrid: Trotta; 2003.