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Traduções de O Lustre de Clarice Lispector na Argentina e Espanha, Notas de estudo de Língua Espanhola

Este documento discute as traduções do romance o lustre de clarice lispector para a língua espanhola, especificamente as versões publicadas na argentina e espanha. O autor analisa as opiniões de lúcio cardoso sobre o título do romance e as diferenças entre as traduções argentina e espanhola do termo 'lustre'. O documento também discute as implicações teóricas da tradução de palavras polissêmicas e a importância de considerar o contexto do romance na análise da tradução.

O que você vai aprender

  • Quais são as implicações teóricas da tradução de palavras polissêmicas em O Lustre de Clarice Lispector?
  • Qual é a opinião de Lúcio Cardoso sobre o título do romance O Lustre de Clarice Lispector?
  • Como as traduções argentina e espanhola do termo 'lustre' diferem?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Pernambuco
Pernambuco 🇧🇷

4.2

(45)

225 documentos

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Qorpus v.11 n. 2 jun 2021 ISSN 2237-0617 127
As traduções de O lustre de Clarice Lispector na Argentina e Espanha
Rosangela Fernandes Eleutério1
Universidade Federal de Santa Catarina
O título do romance O Lustre de Clarice Lispector apresenta um grande desafio
aos tradutores de língua espanhola. Afinal, um lustre tem a mesma função da lâmpada,
iluminar o ambiente. Porém, um lustre é muito mais que sua função, ele é também um
arranjo decorativo, um artefato para casas mais requintadas que oferece sofisticação ao
ambiente. Nos textos de Clarice Lispector, um lustre pode ser interpretado como uma
metáfora à linguagem, pois nesse aspecto, todo o texto da autora é um arranjo
sofisticado. A poética clariceana, a forma como cada frase é construída palavra a
palavra, para assim como uma lâmpada, trazer luz a uma ideia, e assim como um lustre,
oferecer sofisticação ao texto, a uma reflexão, a uma forma de interpretar o outro e a
subjetividade do ser humano.
Esse título para um romance de Clarice Lispector foi criticado por cio
Cardoso, amigo e primeiro leitor do romance a pedido da própria autora. Segundo
Cardoso (2002, p. 25), o título é simples demais, porém, revela no ato da tradução, que
é um termo muito mais complexo do que aparenta no início. Nas palavras de Cardoso
em uma carta dirigida à autora, ele diz: ―Não li seu livro, mas tive muita vontade disto.
Gosto do título O lustre, mas não muito. Acho meio mansfieldano e um tanto pobre para
pessoa tão rica quanto você‖ (2002, p. 52).
Essa opinião do escritor é contestada por Lispector:
Me entristeceu um pouco você não gostar do título, O lustre.
Exatamente pelo que você não gostou, pela pobreza dele, é que eu
gosto. Nunca consegui mesmo convencer você de que sou pobre...;
infelizmente quanto mais pobre, com mais enfeites me enfeito (2002,
p. 53).
O romance foi traduzido para a língua espanhola em dois países hispânicos:
Argentina, pela Editora Corregidor, e Espanha, pela Editora Siruela. La arãna, tradução
1 Doutoranda em Estudos da Tradução na Universidade Federal de Santa Catarina; Mestra em Estudos da
Tradução (2018); Licenciada em Letras - Língua e Literaturas de Língua Espanhola (2015) pela mesma
instituição. Bolsista CAPES. E-mail: rosangelaeleuterio@gmail.com.
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As traduções de O lustre de Clarice Lispector na Argentina e Espanha

Rosangela Fernandes Eleutério^1 Universidade Federal de Santa Catarina

O título do romance O Lustre de Clarice Lispector apresenta um grande desafio aos tradutores de língua espanhola. Afinal, um lustre tem a mesma função da lâmpada, iluminar o ambiente. Porém, um lustre é muito mais que sua função, ele é também um arranjo decorativo, um artefato para casas mais requintadas que oferece sofisticação ao ambiente. Nos textos de Clarice Lispector, um lustre pode ser interpretado como uma metáfora à linguagem, pois nesse aspecto, todo o texto da autora é um arranjo sofisticado. A poética clariceana, a forma como cada frase é construída palavra a palavra, para assim como uma lâmpada, trazer luz a uma ideia, e assim como um lustre, oferecer sofisticação ao texto, a uma reflexão, a uma forma de interpretar o outro e a subjetividade do ser humano. Esse título para um romance de Clarice Lispector foi criticado por Lúcio Cardoso, amigo e primeiro leitor do romance a pedido da própria autora. Segundo Cardoso (2002, p. 25), o título é simples demais, porém, revela no ato da tradução, que é um termo muito mais complexo do que aparenta no início. Nas palavras de Cardoso em uma carta dirigida à autora, ele diz: ―Não li seu livro, mas tive muita vontade disto. Gosto do título O lustre , mas não muito. Acho meio mansfieldano e um tanto pobre para pessoa tão rica quanto você‖ (2002, p. 52). Essa opinião do escritor é contestada por Lispector:

Me entristeceu um pouco você não gostar do título, O lustre. Exatamente pelo que você não gostou, pela pobreza dele, é que eu gosto. Nunca consegui mesmo convencer você de que sou pobre...; infelizmente quanto mais pobre, com mais enfeites me enfeito (2002, p. 53).

O romance foi traduzido para a língua espanhola em dois países hispânicos: Argentina, pela Editora Corregidor, e Espanha, pela Editora Siruela. La arãna , tradução

(^1) Doutoranda em Estudos da Tradução na Universidade Federal de Santa Catarina; Mestra em Estudos da Tradução (2018); Licenciada em Letras - Língua e Literaturas de Língua Espanhola (2015) pela mesma instituição. Bolsista CAPES. E-mail: rosangelaeleuterio@gmail.com.

argentina, aproxima o termo à poesia que o título expressa, embora em um primeiro contato, o leitor vir a interpretar que ―araða‖ refere-se ao animal. Em português, ―aranha‖ é um tipo de lustre, um formato que se pode escolher entre outros, ou seja, um dos modelos de lustres disponíveis. O romance de Lispector não específica o modelo, pois fala de um lustre qualquer, cabe ao leitor imaginar seu formato. Porém, em espanhol argentino, ―araða‖ é um termo que contempla o conceito do que é lustre em português e o leitor sentirá menor estranhamento na leitura e poderá entender ao ler o título, que se trata de um objeto com maior sofisticação do que uma simples lâmpada. A tradução espanhola não oferece esse recurso poético no título, pois ao traduzir por La lámpara , o sentido de um objeto requintado é apagado. É no início do romance, dentro do texto que a tradutora traduz ―o lustre‖ por ―la lámpara de lágrimas‖. Essa escolha corresponde ao mesmo conceito linguístico que lustre, e em espanhol parece ainda mais poético. Entretanto se a discussão se atém apenas na tradução do título, estamos perante um conflito tradutório, pois vemos uma impossibilidade, pois a tradutora não poderia (ou poderia?) colocar lámpara de lágrimas no título. Isso faria o título do livro traduzido perder a suposta simplicidade que a autora criou no texto em português. O romance é como o lustre, la araña, la lámpara de lágrimas, pois há todo um rebuscamento nas frases, nas expressões e divagações dos personagens. Segue o fragmento onde é possível observar a primeira referência ao lustre que a autora faz no romance, e logo, como ficou nas duas traduções, a argentina e espanhola:

“Mas o lustre! Havia o lustre. A grande aranha incandescia. Olhava-o imóvel, inquieta, parecia pressentir uma vida terrível. Aquela existência de gelo. Uma vez! uma vez a um relance – o lustre se espargia em crisântemos e alegria. Outra vez – enquanto ela corria atravessando a sala – ela era uma casta semente. O lustre. Saía pulando sem olhar para trás‖. (LISPECTOR, 1999, p. 15, grifos meus) ―¡ Pero la araña! Estaba la araña. La gran araña enrojecía. La mirada inmóvil, inquieta, parecía presentir una vida terrible. Aquella existencia de hielo. ¡Una vez!, una vez en un abrir y cerrar de ojos, la araña se esparcía en crisantemos y alegría. Otra vez -mientras ella corría cruzando la sala -ella era una casta simiente. La araña. Salía saltando sin mirar para atrás. (LISPECTOR, Tradução Barros, 2010, p. 39, grifos meus) ―¡ Pero la lámpara! Estaba la lámpara. La gran lámpara de lágrimas refulgía. La mirada inmóvil, inquieta, parecía presentir una vida terrible. Aquella existencia de hielo. ¡Una vez!, una vez ante su

Portanto, tanto o título em língua portuguesa quanto as traduções devem ser cuidadosamente considerados dentro de todo o contexto do romance clariceano. Considerando que as tradutoras, tanto da Argentina quanto da Espanha, são pesquisadoras com ampla bibliografia sobre crítica às obras de Clarice Lispector e também da literatura brasileira, pode-se inferir que a tradução ―la lámpara‖, embora demais simplificada, oferece o primeiro estranhamento, o mesmo que causa ao leitor de língua portuguesa ao se deparar com ―o lustre‖. Uma palavra, um objeto, algo inanimado, mas que no decorrer da narrativa se desdobra em um objeto que causa muita influência no desenvolvimento psicológico de uma menina que, da casa onde cresceu, o lustre é sua principal lembrança. A tradução entre língua portuguesa e espanhola, nos lembra Rónai (2012), há vários perigos sobre ―excessiva proximidade das duas línguas, não raro ilude o tradutor a respeito da possível facilidade da sua tarefa‖ (2012, p. 47). Porém, essa pode ser uma percepção errônea, pois, como nos recorda Blanchot (2003, p. 85), a palavra é plural, não termina, não existe sozinha. A palavra existe dentro de um contexto, de uma frase, de uma ideia. Portanto, o ―lustre‖, dentro do romance clariceano, adquire proporções amplas quando relacionada ao aspecto filosófico da história. Como um lustre, ou arãna, as divagações da protagonista possuem várias vertentes, direções divergentes, sentimentos ambíguos. A imagem poética que a narração traz assemelha-se ao corpo de uma aranha, os rebusques de um lustre e a melancolia que a tradução ―lámpara de lágrimas‖ pode remeter o leitor. Ambas as traduções para língua espanhola, os termos têm sentidos ambíguos, enquanto em língua portuguesa, essa ambiguidade está no sentido que o objeto expressa. Como é possível notar, o lustre está no centro das memórias da protagonista e é um personagem significativo no romance. Na história, o lustre é como uma raiz que sustenta as angústias da personagem Virgínia. Ele está no centro de suas emoções quando a protagonista, já adulta, retorna a casa paterna e se depara com aquele lustre antigo. Portanto, a tradução do título é algo a ser repensado e discutido, pois sua complexidade não se limita a termos gramaticais, mas sim ao discurso poético da autora. Sobre essas traduções existentes para o espanhol, podemos pensar que ―a conclamada ―fidelidade‖ das traduções não é um critério que leva à única tradução aceitável [...]. A fidelidade é, antes, acreditar que a tradução é sempre possível se o texto fonte for interpretado com apaixonada cumplicidade‖ (ECO, 2007, p. 426). De

acordo com Eco (2007), é preciso compreender o sentido do texto para fazer uma escola tradutória mais justa. E o sentido do romance O lustre está intimamente relacionado às memórias da infância de uma mulher, que já adulta, está imersa na escuridão de suas emoções conturbadas e oprimidas por seu irmão Daniel. Por sua dependência emocional e inadequação ao tentar estabelecer um vínculo afetivo com outros homens. O lustre da casa de Virgínia, como uma aranha, tem várias patas, ou seja, várias vertentes que se espalham e se encontram para tecer uma ―teia‖ de lembranças minuciosas, de como foi amar profundamente o irmão, que com seu egoísmo, a sufocava como um inseto é sufocado na teia de uma aranha. O lustre, como uma lâmpada, ilumina a escuridão de uma mulher que se sente apagada, sem capacidade de brilhar sozinha e que busca aliar-se ao irmão, que já na infância, apagava todas as suas iniciativas de agir e pensar condenando suas mínimas palavras e ações, lançando à irmã sua arrogante superioridade de homem. A ―lámpara de lágrimas‖ contêm as prñprias lágrimas de Virgínia nunca vertidas, apenas contempladas em um objeto pendurado no centro da sala de sua casa.

REFERÊNCIAS

BLANCHOT, Maurice. The Infinite Conversation. Minneapolis: University of Minnesota, 2003. Tradução de Susan Hanson. ECO, Umberto. Quase a mesma coisa: experiências de tradução. São Paulo: Editora Record, 2007. Tradução de Eliana Aguiar. LISPECTOR, Clarice. O lustre. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1999. ________. La araña. Buenos Aires: Ediciones Corregidor, 2010. Tradução de Haydeé M. Joffré Barroso. LISPECTOR, Clarice. La lámpara. Madrid: Ediciones Siruela, 2017. Tradução de Elena Losada Soler. RONÁI, Paulo. Escola de Tradutores. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2012.