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Uma análise da personagem raquel, de 'a bolsa amarela', que busca esconder três grandes desejos: ser menino, crescer e ser escritora. A construção de sua identidade é marcada pelos conflitos entre suas vontades e as dos adultos, diferentes formas de enfrentar o mundo e defender suas ideias. O texto reflete sobre a teoria da identidade, buscando extrair trechos significativos da obra e estabelecer uma reflexão com teóricos como kauffman, gil, frança e signorini.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
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Não perca as partes importantes!
22, 23 e 24 de setembro de 2009
Josenildo Oliveira de Morais∗
Raquel é uma menina que tem que guardar três grandes vontades: a de ser menino, a de crescer e a de ser escritora. Na construção de sua identidade de criança, ela estabelece relações diferenciadas com os adultos que a rodeiam: seus pais e seus irmãos principalmente. Os conflitos entre suas vontades e as dos adultos, as diferenças de formas de encarar o mundo e de defesa de suas idéias são elementos marcantes na novela “A bolsa amarela”. O trabalho tem como objetivo verificar essa construção identitária e os meios que a criança encontra para garantir a realização de seus anseios sem entrar em grandes confrontos com o pensamento dos adultos. Qual o papel (ou contribuição) de cada um dos envolvidos neste processo?
PALAVRAS CHAVES: identidade, família, diálogo, literatura infantil
Raquel is a little girl and she has to keep in secret three big wishes: to be a boy, to grow up and to be a writer. Building her child identity, she has different kinds of relationship with the adults around her: her parents and her brother and sisters especially. The conflict between her wishes and the adults ones, the different ways to face the world and to defend her ideas are remarkable elements in the novel “A bolsa amarela”. The objective of this work is to verify this identity construction and the means that the child finds to be true her desires without a confrontation with the adult thoughts. What is the role (or contribution) of everyone involved in this process?
KEY WORDS: identity, family, dialogue, childhood literature
Puxa Vida, quando é que vocês vão acreditar em mim, hem? Se eu tô dizendo que eu quero ser escritora é porque eu quero mesmo. (Raquel, em A bolsa amarela)
∗ (^) Aluno do Mestrado em Literatura e Interculturalidade, da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Professor do Departamento de Educação, da Faculdade de Educação, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.
22, 23 e 24 de setembro de 2009
A definição de um conceito para identidade tem levado muitos teóricos a expressarem pontos de vista de diferentes lugares: filosófico, sociológico, antropológico. O objetivo deste trabalho não é o de definir qual lugar teórico é o mais adequado ou não, mas sim discorrer sobre a construção da identidade de uma personagem – Raquel – da novela A bolsa amarela, escrita por Lygia Bojunga Nunes, em 1976^1. Para fazer a reflexão foi-se buscar ajuda teórica em Kauffman (2005), Gil (2000), França (2002) e Signorini (1998). Para a reflexão proposta, estabeleceu-se como primordial extrair trechos significativos da obra em questão e estabelecer uma reflexão com os teóricos propostos acima.
“Eu tenho que achar um lugar pra esconder minhas vontades.” (ABA, p. 11) É essa a frase dita por Raquel – a narradora-personagem da novela A Bolsa Amarela, da escritora Lygia Bojunga – que dá inicio a um longo percurso de buscas e descobertas na construção de sua identidade. As vontades a que Raquel se refere não são vontades pequenas, são vontades grandes: vontade de crescer e de deixar de ser criança, vontade de ter nascido garoto em vez de menina e vontade de escrever.
O lugar para ela guardar essas vontades aparece quando a tia Brunilda envia um pacote com pertences não mais utilizados para que possam ser reutilizados pela família de Raquel. Entre estes pertences estava a bolsa amarela em questão. Raquel nos conta como isso aconteceu:
Eu parei de fazer o dever e fiquei espiando. Vi aparecer uma bolsa; todo mundo pegou, examinou, achou feia e deixou pra lá. Antes quando chegavam os pacotes da tia Brunilda e não sobrava nada pra mim, eu ficava numa chateação daquelas. (...) Aí aconteceu uma coisa diferente: de repente sobrou uma coisa pra mim. (...) Era a bolsa. (ABA, p. 26-7) Nesta bolsa, Raquel vai encontrar espaço para guardar suas três vontades, além de outras coisas que vão aparecendo: nomes que ela vinha juntando – parte de sua vontade de escrever; um alfinete de fralda encontrado na rua; retratos do quintal da casa, desenhos feitos por ela e umas coisas que ela andava pensando; um guarda chuva; e dois galos. A convivência dentro dessa bolsa não é tão pacífica, já que as vontades de Raquel tendem a engordar quando ela se sente provocada.
Raquel é parte de uma família composta de pai e mãe, duas irmãs e um irmão. Ela é a irmã mais nova – a caçula – e entre ela e os demais filhos há uma diferença de
(^1) Para este trabalho foi utilizada a edição publicada em 2000, pela editora Agir, no Rio de Janeiro. No trabalho será adotada a sigla ABA para indicação da obra A Bolsa Amarela , seguido da indicação de página(s).
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Era domingo quando eu acabei a história. Me chamaram pro cinema. Saí às carreiras, larguei o romance no quarto. Minha irmã pegou e leu. (Quando eu cheguei em casa ela perguntou: “Como é que você pode pensar tanta besteira, hem, Raquel?”) Achou gozado e deu pra minha mãe ler. E a minha mão deu pro meu pai. E o meu pai deu pro meu irmão. E o meu irmão deu pra minha outra irmã. E ela deu pra vizinha. E a vizinha deu pro marido, que ainda por cima é síndico. Quando eu voltei do cinema encontrei todo mundo rindo da minha história. Era um tal de fazer piada de galo, de galinha, de galinheiro, que não acabava mais. E o pior é que eles não estavam rindo só da história: tavam rindo de mim também, e das coisas que eu pensava. (ABA, p. 20) É sempre assim que o adulto se comporta quando a criança deixa-se expor. Ela nunca é levada a sério. Suas idéias são apenas bobagens, brincadeiras, “coisas de criança”, como a maioria fala. É como se a criança fosse considerada um ser sem vontades, sem pensamentos, sem consciência. A função da criança é apenas brincar. E brincadeira não deve ser levada a sério. O adulto não percebe que essas brincadeiras – inclusive as de “brincar de ser” – são importantes no processo de construção da identidade da criança.
Por que a criança brinca de ser múltiplas personagens? Para, precisamente, procurar a consistência que não possui. O devir- guerreiro ou o devir-menina da criança é um tatear infinito de suas sensações, uma experimentação para encontrar o que lhe convém, saber o que pode conectar, fazer durar, construir. A criança nos seus vários devires e, em particular, no seu devir-adulto, visa dar uma consistência às suas sensações na dinâmica do seu presente (tempo seu e tempo do adulto que devem). Mistura de tempos diferentes, misturando(-se com) personagens. (GIL, 2000, p. 94) Raquel não se encaixa nesse padrão de imagem criado pelo adulto. Ela, ao contrário, é uma pessoa bastante decidida e até mesmo crítica para alguém da sua idade. Pode-se perceber essa faceta dela no momento da chegada da bolsa amarela que dá título à obra em questão. A família de Raquel tem uma tia – Brunilda – que envia esporadicamente pacotes com roupas e objetos que ela não pretende mais usar. Na chegada de um desses pacotes, pode-se testemunhar a reflexão de Raquel sobre esse fato:
Eu fico boba de ver como a tia Brunilda compra roupa. Compra e enjoa. Enjoa tudo: vestido, bolsa, sapato, blusa. Usa três, quatro vezes e pronto: enjoa. Outro dia eu perguntei:
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Ninguém deu bola. Fiquei pensando no tio Júlio. Meu pai diz que ele dá um duro danado pra ganhar o dinheirão que ele ganha. Se eu fosse ele, eu ficava pra morrer de ver a tia Brunilda gastar o dinheiro numas coisas que ela enjoa logo. Mas ele não fica. Eu acho isso tão esquisito! (...) Vou ver se um dia eu entendo essa jogada. (ABA, p. 25-6) Como se percebe, Raquel tem uma personalidade marcante. Ela vê o mundo pelos olhos de uma criança, mas não como os adultos imaginam que uma criança vê. Para os adultos o mundo infantil é sempre em miniatura: é tudo pequenininho, mimosinho, fofinho e outros tantos “inhos” possíveis. Durante um almoço, na casa da tia Brunilda, Raquel reclama desse comportamento do adulto:
Quando eu ia comer o amendoim minha irmã falou:
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A identidade tem a ver com discursos, objetos, práticas simbólicas que nos posicionaram no mundo – que dizem nosso lugar com relação a outro (outros pontos de referência, outro lugar). Ao fazer isto, a identidade também marca e estabelece uma posição, o lugar que efetivamente construímos e nos qual nos inserimos. Ela se constroi assim – nessa interseção entre discursos que nos posicionam e o nosso movimento de nos posicionarmos enquanto sujeitos no mundo. (FRANÇA, 2002, p. 28) Essa problemática ficaria resolvida se a construção da identidade fosse algo extremamente particular. Ao construir-se uma identidade há de se levar em consideração como essa identidade será vista pelos grupos nos quais se está inserido. Essa parte da identidade – a social – pode advir da observação das diversas pessoas com as quais se convive e a quem se deve certa reverência.
Para a construção dessa identidade social, o ser humano enfrenta uma variedade de perspectivas: lugar onde vive, gênero, etnia, profissão, classe social etc. Esses aspectos vão ajudar a desenvolver em cada um uma gama de possibilidades identitárias. Logo, tem-se uma identidade de gênero, outra profissional, outra religiosa, outra profissional
Consideramos, assim, que a identidade social é uma representação, relativa à posição no mundo social, e portanto intimamente vinculada às questões de reconhecimento. Concebemos a possibilidade de múltiplas identidades, com base em referenciais distintos – como a origem territorial, a condição de gênero, a etnia, a atividade profissional etc. –, pois, enquanto uma construção simbólica, a identidade não é decorrência automática da materialidade. (PENNA, 2002, p. 93) Raquel enfrenta toda essa problemática em parte estabelecendo diálogos com pessoas reais – seus pais, irmãos e parentes –, em parte com as personagens que povoam sua cabeça de escritora. Essas interlocuções são vitais para o crescimento dela como pessoa e para a construção da sua identidade. Vai chegar o momento em que ela, nesse processo de descoberta de si e dos outros, se sente realizada como criança e como menina. “Minha vida foi melhorando. Eu já não inventava muita coisa, meu pessoal não ficava tão contra mim. Comecei então a achar que ser menina podia mesmo ser tão legal quanto ser garoto.” (ABA, p. 109)
As consequências disso são uma mudança total na maneira de ela começar a encarar o mundo e todos que a rodeiam. Essa mudança, sinal de amadurecimento, desencadeará um processo forte de auto-identificação: ela se descobre enquanto pessoa e se torna consciente de suas forças e fraquezas, então não tem mais motivos para continuar desejando algo e ter medo de expor esses desejos. Chega o momento em que ela se livre dessas vontades: “Abri a bolsa amarela e tirei minha vontade de ser garoto e minha vontade de ser grande. Elas tinham emagrecido tanto que
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pareciam até de papel.” (ABA, p. 113). E ela solta-as como pipas na praia. E o vento vai soprando-as e elas abanam o rabo e somem atrás das nuvens.
E a vontade de escrever? Bem, essa Raquel decide não soltar. Afinal ela não pesa mais nada. Tudo que ela sente vontade de escrever, ela escreve, então a vontade não tem mais tempo de engordar e ela não pesa mais nada na bolsa. Feitas essas descobertas, Raquel se sente realizada. E qualquer um que se sente realizado sabe como é essa sensação: de completa e total liberdade e leveza. É assim que Raquel se sente ao final da novela. “A bolsa amarela tava vazia à beça. Tão leve. E eu também, gozado, eu também estava me sentindo um bocado leve.” (ABA, p. 115).
BOJUNGA, Lygia. A bolsa amarela. 32. ed. Ilustrações de Marie Louise Nery. Rio de Janeiro: Agir, 2000.
FRANÇA, Vera Regina Veiga. Discurso de identidade, discurso de alteridade: a fala do outro. In: ______. et al. (Org.). Imagens do Brasil: modos de ver, modos de conviver. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. p. 27-34.
GIL, José. A infância no devir-outro. In: ______. Diferença e negação na poesia de Fernando Pessoa. Rio de Janeiro: Relume/Dumará, 2000. p. 83-96.
KAUFFMAN, Jean-Claude. A invenção de si: uma teoria da identidade. Lisboa: Instituto Piaget, 2005.
PENNA, Maura. Relatos de migrantes: questionando as noções de perda de identidade e desenraizamento. In: SIGNORINI, Inês. (Org.). Língua(gem) e identidade: elementos para uma discussão no campo aplicado. Campinas, SP: Mercado de Letras; São Paulo: Fapesp, 2002. p. 89-112.