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Este texto analisa os efeitos estilísticos obtidos por carlos drummond de andrade na poesia erótica através da criação de novas palavras e unidades lexicas. O autor examina as unidades neológicas presentes na obra, como elaeu, bundamor e lambilonga, e discute a importância da estilística lexica na expressividade obtida com as palavras. O texto também aborda a necessidade de expressão pessoal e a criatividade lexical artística.
O que você vai aprender
Tipologia: Resumos
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Elis de Almeida Cardoso (USP)
Introdução
Este trabalho tem por objetivo analisar, na poesia de Carlos Drummond de Andrade, quais os efeitos estilísticos obtidos com a criação de novas lexias para caracterizar o erotismo presente em “O amor natural”. Escrito em meados dos anos 70, “O amor natural” só foi publicado em 1992, após a morte do poeta. Pode-se dizer que a obra póstuma revela mais uma das muitas faces desse grande poeta-criador: o erotismo. Nos quarenta poemas que compõem a obra, o amor carnal é visto pelo poeta de uma maneira totalmente natural, como o título avisa. O amor, para ele “palavra essencial”, só se manifesta em sua amplitude pelo sexo. É por meio do sexo que se pode atingir a plenitude da existência; voltar à origem primitiva; atingir a paz eterna, o repouso merecido, o sagrado, o céu infinito; vencer a morte. O coito é, nas palavras do poeta, “morte de tão vida”. A ligação entre amor e sexo é mostrada de várias maneiras: pelo desejo incitado com a negação do sexo (“A moça mostrava a coxa”); pelo sexo genital (“O que se passa na cama”); pelo sexo oral (“A língua lambe”); pelo sexo anal (“A outra porta do prazer”); pela masturbação (“À meia-noite, pelo telefone”); pelas lembranças do sexo que causam prazer (“No pequeno museu sentimental”). Sobre os poemas eróticos, disse, em entrevista, o poeta:
São poemas eróticos, que eu tenho guardado, porque há no Brasil – não sei se no mundo –, no momento, uma onda que não é de erotismo. É de pornografia. E eu não gostaria que os meus poemas fossem rotulados de pornográficos. Pelo contrário, eles procuram dignificar, cantar o amor físico, porém sem nenhuma palavra grosseira, sem nenhum palavrão, sem nada que choque a sensibilidade do leitor. É uma coisa de certa elevação. (BARBOSA, 1987, p. 8).
Drummond opta por palavras eróticas, mas não pornográficas. Palavrões não aparecem na obra. Essa forma de se referir ao erotismo faz Achcar (2000, p.111) afirmar que em “O amor natural” há “grandes poemas”, “cuja finura faz com que esqueçamos todas as grosserias que cercam o assunto, desde velhos tempos romanos”. Para Preti (1984, p.61),
...se é muito grande, de fato, a ligação entre léxico e costumes, muito maior se torna, quando se refere a certos vocabulários, como, por exemplo, aqueles que representam o ato sexual e as práticas eróticas, porque os juízos da sociedade sobre eles se transferem também para o léxico. Para nós, este passa a ser encarado como uma autêntica “linguagem proibida”. E, nessa denominação não vemos apenas o fenômeno do tabu linguístico, mas também o problema sociolinguístico dos vocabulários cujo uso depende das conveniências e de um prestígio de natureza social que os termos possuem, em função da classe dos falantes que os usam e da situação.
A “linguagem proibida”, mencionada por Preti (1984, p.61), é utilizada por Drummond de uma forma absolutamente sutil. Para se referir aos genitais masculinos e femininos o poeta utiliza unidades lexicais como membro, pênis, vulva, clitóris, vagina. Encontram-se nos poemas outras unidades que se referem ao corpo: coxas, nádegas, bunda, lábios, unhas, boca, pêlos, seios, ânus. Muitas vezes o poeta prefere as metáforas, sobretudo para se referir ao órgão sexual feminino: crespo jardim, flora pubescente, pétalas vermelhas da rosa, gruta cabeluda, abismos lexicais, caracóis perfumados, flora brava. Além das unidades lexicais atestadas, encontram-se na obra unidades neológicas tais como elaeu, bundamor, lambilonga, lenta-lambente-lambilusamente, arquibunda, boquilíngua, matar-morrer, abre-que- fecha-que-foge. Na visão de Affonso Romano de Santana (1992, p. 79) “as palavras às vezes copulam semanticamente”. É o caso da aglutinação eleu. Pode-se afirmar que os poemas eróticos apresentam um léxico bastante peculiar e, aqui, pretende-se abordar, do ponto de vista da Estilística léxica o efeito expressivo gerado por algumas das criações lexicais.
1. A Estilística léxica
Um dos objetivos da Estilística é indicar como se processa a escolha feita pelo enunciador, dentre os elementos linguísticos disponíveis, verificando de que maneira tal escolha determina efeitos estéticos e de expressividade e acenando para uma possível intenção do enunciador a partir de seu estilo. Por trás de todo ato de comunicação existe algo mais do que simplesmente transmitir uma mensagem. Mesmo que o texto seja puramente referencial, objetivo, ele carrega consigo um aspecto intencional, seja um desejo de impressionar o destinatário, seja um desejo de marcar uma posição. A Estilística léxica, por sua vez, ocupa-se com a expressividade obtida com as palavras, seja por sua flexão, sua formação, sua classificação ou pelo seu significado no contexto, focalizando os aspectos expressivos ligados aos componentes semânticos e gramaticais das palavras. Para Vilela (1994), o significado das palavras está relacionado com aquilo que elas representam, ou seja, com o universo de objetos, de entidades, de propriedades, de situações, de eventos, de ações, de processos e de estados que elas verbalizam. Utilizando o material linguístico de que dispõe, o enunciador faz, então, uma escolha que varia de acordo com o tipo de texto, com o tipo de público, com a situação da enunciação. Em relação às escolhas lexicais no discurso literário, afirma Teles (1976:91):
No momento em que o escritor opta por uma palavra ou frase, está praticando, ainda que inconscientemente, uma operação estilística, pois está se desviando da linguagem comum e, ao mesmo tempo, procurando imprimir nela a sua marca, a sua particular maneira de exprimi-la. E quando esta escolha é intencional e justificada não só pela obtenção do maior efeito como também por uma imposição do ato criador, o seu uso como traço caracterizador do estilo assume por certo um valor que ultrapassa a simples função comunicativa, para transformar-se num agente ampliador do conteúdo poético. A função linguística se transforma em função retórica, vale dizer, em função poética.
Tomando como base a definição de estilo de Guiraud (1975), pode-se afirmar que por trás de uma escolha existe sempre uma intenção e, dependendo de sua intenção, o autor do texto pode criar um ou outro efeito de sentido. Assim, pode-se dizer que as lexias, ao se manifestarem no discurso concretamente realizado, apresentam um significado exclusivo daquela situação de discurso e de enunciação.
2. As criações lexicais estilísticas
As criações lexicais estilísticas, presentes, sobretudo, no texto literário, são, na maioria das vezes, resultado da criatividade lexical do autor, que, conhecendo a língua, tem a capacidade de brincar com as unidades lexicais e criar novas unidades não atestadas. Utilizando os processos comuns de formação de palavras, tais como a derivação prefixal e sufixal e a composição, o poeta chama a atenção do leitor pela originalidade com que une unidades lexicais a outras unidades lexicais, ou unidades infralexicais a unidades lexicais e, principalmente, pelo efeito de sentido que essas criações trazem ao contexto em que se inserem. A expressividade das criações lexicais estilísticas é gerada pelo choque da novidade, associado ao estranhamento do leitor frente à nova construção lexical. A neologia estilística, apontada por Guilbert (1975), baseia-se na expressividade da própria palavra ou da frase, não com o objetivo de mostrar idéias originais de uma maneira totalmente nova, mas de exprimir de uma maneira inédita uma visão pessoal do mundo. Trata-se da forma de criação poética pela qual se pode fabricar uma nova lexia ou dar a uma lexia já formada uma significação diferente do sentido amplo e conhecido. Essa forma de criação está ligada à originalidade de expressão do indivíduo criador, à sua facilidade para criar, à sua liberdade de expressão, deixando de lado os modelos conhecidos ou até mesmo indo contra eles. Quando se fala em criação lexical e processos de formação de neologismos, pensa-se ou nas unidades que vêm enriquecer a língua geral (ou comum), ou ainda nas pertencentes às línguas de especialidade. Entretanto, os neologismos que surgem como resultado de uma necessidade de expressão pessoal merecem especial atenção por serem expressivos e resultantes da criatividade lexical artística.
material linguístico e estilístico, pretende-se verificar quais os processos de formação das unidades lexicais associadas ao universo do erotismo e qual o efeito estilístico de suas criações nos poemas eróticos. Destacamos as criações neológicas com o objetivo de mostrar que o amor natural, carnal, é também, na visão do poeta, lúdico. Os corpos se entrelaçam, assim como as palavras, que se unem para formar uma só. Para análise, foram selecionados três poemas em que se percebem criações lexicais estilísticas. São eles: “A língua girava no céu da boca”, “A língua lambe” e “Bundamel bundalis bundacor bundamor”. Destacam-se as formações: elaeu , eleu (“A língua girava no céu da boca”), pluriaberta, lambilonga, lambilenta, licorina, lambente (“A língua lambe”), bundamel, bundalis, bundacor, bundamor, bundalei, bundalor, bundanil, bundapão, bundarrabil, bundaril, bundilim, bunditálix, bundífoda, pluribunda, unibunda, arquibunda, girabundo (“Bundamel bundalis bundacor bundamor”).
A língua girava no céu da boca
A língua girava no céu da boca. Girava! Eram duas bocas, no céu único. O sexo desprendera-se de sua fundação, errante imprimia-nos seus traços de cobre. Eu, ela, elaeu. Os dois movíamos possuídos, trespassados, eleu. A posse não resultava de ação e doação, nem nos somava. Consumia-nos em piscina de aniquilamento. Soltos, fálus e vulva no espaço cristalino, vulva e fálus em fogo, em núpcia, emancipados de nós. A custo nossos corpos, içados do gelatinoso jazigo, se restituíram à consciência. O sexo reintegrou-se. A vida repontou: a vida menor.
No poema “A língua girava no céu da boca”, o processo de junção de “fálus e vulva no espaço cristalino” é mostrado pela aproximação das palavras ela e eu. Os pronomes aparecem primeiramente separados ( Eu, ela ), em seguida há a justaposição ( elaeu ) e por fim a aglutinação ( eleu ). A fusão dos corpos e o ato sexual são expressos na cópula das palavras: eu, ela → elaeu → eleu
A língua lambe
A língua lambe as pétalas vermelhas da rosa pluriaberta; a língua lavra certo oculto botão, e vai tecendo lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta, a licorina gruta cabeluda, e, quanto mais lambente, mais ativa, atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos de leões na floresta, enfurecidos.
Os adjetivos não atestados lambente, lambilonga e lambilenta referem-se à língua.
A idéia de ação é mostrada claramente com a criação do adjetivo lambente. Lambilonga e lambilenta mostram bem os movimentos da língua. O volume das palavras e a sonoridade (provocada pela aliteração do fonema /l/) são responsáveis por produzir o efeito de sentido desejado: a ação da língua longa é inicialmente calma, mas repetitiva e ininterrupta.
O mesmo efeito é visualizado na composição lenta-lambente-lambilusamente^6
Os adjetivos licorina e pluriaberta referem-se a rosa e gruta , metáforas para o órgão sexual feminino.
que se refere ao ato da “mimosa boca errante”, a boca da mulher a quem “apraz colher o fruto em fogo”.
Bundamel bundalis bundacor bundamor
Bundamel bundalis bundacor bundamor bundalei bundalor bundanil bundapão bunda de mil versões, pluribunda unibunda bunda em flor, bunda em al bunda lunar e sol bundarrabil
Bunda maga e plural, bunda além do irreal arquibunda selada em pauta de hermetismo opalescente bun incandescente bun meigo favo escondido em tufos tenebrosos a que não chega o enxofre da lascívia e onde a global palidez de zonas hiperbóreas concentra a música incessante do girabundo cósmico. Bundaril bundilim bunda mais do que bunda bunda mutante/renovante que ao número acrescenta uma nova harmonia. Vai seguindo e cantando e envolvendo de espasmo o arco de triunfo, a ponte de suspiros a torre de suícidio, a morte do Arpoador bunditálix, bundífoda bundamor bundamor bundamor bundamor.
Ao criar vários substantivos por composição, o poeta aproveita a sonoridade da palavra bunda , utilizada como primeiro elemento do composto, e acrescenta a ela uma qualidade, caracterização obtida pelo segundo elemento do composto. Seu maior objetivo é, por meio da criação lexical, mostrar que a bunda tem “mil versões”, é “plural”. Ela é pluribunda , tem múltiplas interpretações mesmo sendo única ( unibunda ). Ela é mais do que tudo: é arquibunda. Nessas três formações, o poeta une à palavra bunda os elementos de composição pluri-, uni - e arqui - , que têm quase um valor prefixal, uma vez que atribuem à bunda a idéia de unidade, pluralidade (quantidade) e superioridade. Nas formações a seguir, o poeta, por meio da composição, une bunda a outros substantivos ( mel, lis, cor, alor, arrabil, lei, pão, amor e foda ). Em bundanil , a composição se dá com a combinação substantivo + adjetivo. Poderíamos interpretar as composições da seguinte maneira: A bunda é doce e meiga: bundamel (bunda + mel) A bunda é uma flor, um lírio: bundalis (bunda + lis) A bunda tem cor, e a cor é de anil: bundacor, bundanil ( bunda + cor, bunda + anil ) A bunda tem movimento, alor: bundalor (bunda + alor)
(^6) A composição aparece no poema Mimosa boca errante.
GUILBERT, Louis. La créativité lexicale. Paris: Larousse, 1975. PRETI, Dino. A linguagem proibida. São Paulo, T. A. Queiroz, 1984. SANTANA, Affonso Romano de. O erotismo nos deixa gauche? In: ANDRADE, Carlos Drummond de. O amor natural. Rio de Janeiro: Record, 1992. TELES, Gilberto de Mendonça. Drummond, a estilística da repetição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976 VILELA, Mário. Estudos de lexicologia do português. Coimbra: Almedina, 1994.