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Este artigo analisa intersemioticamente a tradução cinematográfica de romeu e julieta, escrita por william shakespeare, observando as atualizações e deslocamentos no filme de baz luhrmann. O artigo foca nos códigos visuais e semióticos, as atualizações estéticas e na redesenho da estética em novos nichos culturais da contemporaneidade.
Tipologia: Provas
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As atualizações estéticas em Romeu e Julieta : uma tradução intersemiótica Ernesto Diniz^1 Elizabeth Ramos^2 Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Resumo O artigo intitulado "As atualizações estéticas em Romeu e Julieta: uma tradução intersemiótica" tem por objetivo fazer a análise intersemiótica da tradução para o cinema da obra "Romeu e Julieta", escrita por William Shakespeare, entre 1595 e 1596. Serão observados as atualizações e deslocamentos no filme "Romeu + Julieta" (1996) dirigido por Baz Luhrmann, focalizando os códigos visuais de reconfiguração estética, através dos deslocamentos culturais e sociais para a contemporaneidade. O deslocamento do local de fala possui pontos de contato direto com as características dramáticas e temáticas da peça de partida, mas é importante observar que a apropriação e atualização da obra transformam o produto cultural – o filme – em uma nova arte. A tradução de um texto do século XVI para o século XX, em uma nova mídia, não mais está em débito com o antigo conceito de fidelidade ou de louvor ao cânone.
Palavras-chave: William Shakespeare - Romeu e Julieta - Baz Luhrmann.
Abstract The article entitled “The aesthetic updates in Romeo and Juliet (1996): an intersemiotic translation” aims to analyze, intersemiotically, the film adaptation of the Shakespearean play Romeo and Juliet, written between 1595 and 1596. The main focus will lie upon the updates and displacements of the movie Romeo
Key words: William Shakespeare - Romeo and Juliet - Baz Luhrmann.
Aos 26 anos, Shakespeare escreveu uma das histórias de amor mais marcantes e trágicas de toda a história da dramaturgia, talvez sem imaginar que suas obras sobreviveriam a toda sorte de transformações de linguagem ou de traços culturais. Suas peças foram, ao longo dos séculos, reinventadas e adaptadas das mais diferentes formas, encenadas não só em palcos do mundo inteiro, mas transportadas para meios de cultura de massa, como o cinema. Essa nova topografia, o novo palco das suas peças, constituído também pelas centenas de outros tipos de adaptações divulgadas até mesmo no espaço virtual através, por exemplo, de sites como o YouTube^3 , trouxe o mestre do
(^1) Aluno do Curso de Graduação em Letras da Universidade Federal da Bahia. Pesquisador voluntário do PIBIC – Projeto “Shakespeare vai ao cinema contemporâneo”. 2 3 Professor Adjunto do Curso de Letras da Universidade Federal da Bahia. O YouTube (www.youtube.com) é um site através do qual os usuários podem compartilhar vídeos. Fundado em fevereiro de 2005, nos Estados Unidos da América, o serviço rapidamente cresceu em número de acessos e sua influencia hoje conseguiu redesenhar a forma como o conteúdo visual é divulgado e partilhado na internet. Com isso foi criada uma mídia alternativa de divulgação de conteúdo independente, seja através de vídeos caseiros, programas audiovisuais, videoclipes ou até mesmo
teatro elizabetano de volta ao povo, por quem, no começo de sua carreira, foi aplaudido e reverenciado. Através da análise intersemiótica do processo de tradução da obra “original”, escrita entre 1595 e 1596, este artigo observa as atualizações e deslocamentos no filme Romeu e Julieta (1996) dirigido por Baz Luhrmann. O viés analítico tem seu foco principal nos códigos visuais e semióticos e suas relações semasiológicas, nas atualizações estéticas e nos pontos em que a estética em si, em sua concepção mais profunda e relacionada diretamente aos estudos semiológicos, foi redesenhada através de novos nichos culturais da contemporaneidade e da nova configuração do substrato social contemporâneo. A análise também leva em conta a iconografia subjacente às temáticas, já que também fazem parte do universo visual da composição estética do filme. Em termos da análise intersemiótica, é imperativo, também, que o lugar de fala seja considerado como ponto importante de apoio na reordenação dos signos visuais dos traços de um produto de partida para um produto de chegada (em face das mídias diferentes envolvidas na análise proposta: peça de teatro e filme). Dessa forma, e, com efeito, é impossível não considerar o filme como o produto da cultura norte-americana dos anos 90, deixando rastros, em várias instâncias, de seus valores, hierarquia social e política. No caso específico do filme Romeu e Julieta (1996), esse lugar de fala aponta, de forma imperativa, para os signos visuais, que indicam o deslocamento da obra de William Shakespeare para a década de 90, marcada pelo colapso do comunismo, pelo otimismo e pelo crescimento econômico global dos países desenvolvidos, através de suas democracias e do consumo excessivo, levando, no decorrer dos anos, ao enfraquecimento do ideário do American way of life e do American dream. Esse deslocamento possui pontos de contato direto com as características dramáticas e temáticas da peça, mas é importante observar que a apropriação e a atualização da obra transformam o produto cultural – o filme – em uma nova arte. A tradução de um texto do século XVI para o século XX, em uma nova mídia, não mais está em débito com o antigo conceito de fidelidade à origem ou de louvor ao cânone.
propagandas criadas para o formato do site. “A que estamos assistindo dessa vez? A um novo terremoto que agora vai apavorar e transformar a indústria do audiovisual? A uma nova forma de ver TV? (...) Todos os dias, 100 milhões de vídeos são vistos no YouTube! Um ibope de dar medo a qualquer rede poderosa de TV” (TAS, Marcelo. Ensaio: A espiral do YouTube. In: Revista Bravo!, nº 111, novembro 2006, p. 120).
A outra grande esfera temática é a questão filosófica existencial, que no filme também é bastante explícita. Nas palavras de Marilise Rezende Bertin, na apresentação de sua tradução bilíngüe da peça, encontramos:
Não conseguimos vencer muitas barreiras em nossas vidas, sofremos limitações, caminhamos para a morte. Será que esse sentimento nos arrasta para a peça? [...] Acredito ser este ser o primeiro grande desafio que Shakespeare nos faz. [...] Nada dos finais felizes previsíveis, a história não terá happy end. A fragilidade humana está resumida no final da peça, Shakespeare novamente nos convida a refletir sobre a condição humana, de seres falíveis e mortais.^6
Ao redor da questão da violência, o grave apelo iconográfico foi maximizado pelo uso de índices religiosos do catolicismo. É interessante verificar que o lugar de fala de Shakespeare (séculos XVI e XVII) constitui a transição entre o Medievo e a Renascença. Os vários séculos de opressão religiosa imposta pela Igreja Católica não poderiam ser apagados de uma vez, e a marca da sua força está presente em algumas adaptações sobre ou de obras de Shakespeare. Aqueles que assistiram ao filme ‘Shakespeare Apaixonado’ ( Shakespeare in Love [1998]), de John Madden, irão lembrar-se da cena inicial em que Henslow é torturado, para ser forçado a pagar seus débitos, com a produção de uma peça de teatro que rendesse boa bilheteria. A prática mostrada na cena traz, claramente, a marca da transição entre a Idade Média e o Renascentismo. Da mesma forma, é possível que o apelo iconográfico católico, presente no filme Romeu e Julieta , que ora examinamos, possa estabelecer essa mesma ligação. Além disso, tais marcas podem ter relação próxima com o novo cenário sócio- cultural dos séculos XX e XXI. Segundo estimativas do NSRI (Natural Sciences Research Institute) e dados do ARIS (American Religious Identity Survey), em 2004, a população cristã, nos Estados Unidos, superava 220 milhões de pessoas. O número crescente de cristãos, nos Estados Unidos da América e no mundo, possivelmente refletiu-se nas escolhas iconográficas no processo da adaptação intersemiótica da peça, pois o ato da atualização – tradução – visa recontextualizar e redimensionar o objeto traduzível, deslocando-o no espaço e no tempo, de forma a criticá-lo, apreciá-lo e/ou torná-lo mais compreensível ou acessível. Com isso, o poder de penetração e a potencialidade financeira do filme são ampliados, já que mais pessoas podem ser
(^6) BERTIN, Marilise Rezende. Romeu e Julieta / William Shakespeare ; adaptação e tradução Marilise Rezende Bertin e John Milton, p. 17.
atingidas com o filme. Pode-se traçar um paralelo desse esforço moderno de abarcamento de uma maioria, ou seja, do abarcamento da diversidade, com a prodigiosa diversidade da platéia elisabetana e o poderio temático do dramaturgo em questão:
Shakespeare mostra-se sempre muito consciente em relação à sua platéia elisabetana, uma mistura de aristocratas, letrados, almofadinhas, gatunos, marinheiros e soldados de licença, estudantes e aprendizes, que se assemelha muito mais à moderna platéia de cinema do que à moderna platéia de teatro. [...] Essa platéia tinha que receber o que queria e, sendo uma mistura, queria coisas variadas – ação e sangue para os iletrados, belas artes e engenho para os almofadinhas, humor sutil para os refinado, palhaçada escandalosa para os não-refinados, assuntos amorosos para as damas, canção e dança para todos. Shakespeare dá todas essas coisas; nenhum outro dramaturgo jamais conseguiu dar tanto.^7
Dessa forma, o caso mercadológico da adaptação, na atualidade, é parte relevante nas decisões e linhas assumidas no ato da tradução intersemiótica de uma obra literária para uma fílmica, uma vez que se deve considerar o público-alvo (no caso, os jovens e adolescentes), na busca do lucro financeiro com o produto de chegada. Observa-se que o processo de deslocamento faz com que a fruição do produto traduzido ocorra, potencialmente, de forma mais natural, com menos obstáculos: quanto mais o produto de chegada se aproximar do público, maior será o consumo e, por conseqüência, maior será o lucro e o afastamento do prestígio e da sombra do cânone, estabelecendo uma nova relação artístico-economônica do cinema com a massa. As escolhas adotadas no filme Romeu e Julieta (1996) não devem ter atendido apenas aos pressupostos estéticos, mas também aos pressupostos político-financeiros. Observando-se, inicialmente, o trailer do filme – que não pode ser descartado como parte integrante da obra – é possível entender o caminho das escolhas e o tom da adaptação. O filme é apresentado ao público com cortes de câmera rápidos, seguindo o código fílmico^8 dos videoclipes, como estratégia para preencher os sentidos do espectador com o máximo de estímulos em um curto espaço de tempo. Paralelamente aos novos elementos inseridos e recontextualizados, os motivos medievais são mantidos, seja nos brasões das famílias Capuleto e Montéquio, seja no adereço da roupa de Romeu, na festa dos Montéquio, com sua camisa imitando uma
(^7) BURGESS, Anthony. A Literatura Inglesa , p. 89-90. (^8) “O código fílmico não é o código cinematográfico; o segundo codifica a reprodutibilidade da realidade por meio de aparelhos cinematográficos, ao passo que o primeiro codifica uma comunicação ao nível de determinadas regras narrativas” (ECO, Umberto. A Estrutura Ausente , p. 139).
tema das minorias no produto de chegada : o papel da Ama, na peça, é o mesmo da Ama, no filme. Apenas as nuances sócio-culturais foram atualizadas. Um outro pólo de análise diz respeito à dicotomia cânone versus popularização. Por um lado, a proposta de Baz Luhrmann é que o novo Romeu e Julieta , traduzido intersemioticamente para o suporte cinematográfico, esteja em harmonia com os contextos sociais e a estética juvenil atual. Por outro lado, o mesmo diretor preserva os aforismos da linguagem shakespeariana, com adjetivações, invencionices sintáticas e neologismos^11. O roteiro, em sua quase totalidade, transmuta o texto “original” do dramaturgo inglês para a tela, com os naturais cortes necessários para a mídia em questão, embora mantendo as metáforas e marcações, o que configura um forte vínculo com a obra matricial. Se por um lado, a aura shakespeariana é desconstruída através da atualização de vários aspectos estéticos, por outro é mantida no que diz respeito à linguagem, demonstrando a relação simultânea de aproximação e afastamento própria da dinâmica do processo de tradução. O texto traduzido sempre trará as marcas do anterior. A soma de todas as escolhas – modificações, atualizações e ressignificações – demonstra que o estudo da tradução intersemiótica desponta como campo fértil para a convergência teórica e analítica de fenômenos culturais complexos, envolvendo não só o campo da Semiótica, como também diversas disciplinas como a Antropologia, a Sociologia, a Literatura e, evidentemente, todas as formas artísticas. É importante também verificar que, cada vez mais, essas obras – e aqui se retoma o conceito benjaminiano de reprodutibilidade da obra de arte, com as atualizações naturais dos novos tempos – se multiplicam com gigantesca velocidade, em gigabytes de informação, novos suportes midiáticos e bandas largas da Internet que estão, nesse exato momento, ad infinitum , reconfigurando os paradigmas da relação entre os produtos artísticos, o artista e o consumidor. Vivemos o momento da atomização do hic et nunc e do questionamento profundo dos conceitos clássicos da Tradução, que, no presente, participa ativamente das novas e mutantes formas de produção cultural.
(^11) “Ele [Shakespeare] usa um vocabulário aproximado de cem mil palavras, quando seus quase contemporâneos franceses Pierre Corneille (1606-1684) e Jean Racine (1639-1699) usavam um vocabulário de somente duas mil palavras. Aproveita-se de palavras regionais de Stratford-on-Avon, inventa palavras novas, busca palavras arcaicas, dá sentido novo às palavras já existentes, usa jargão de falcoeiros, de alquimia, de geografia, de exploração, de jardinagem e do cultivo de plantas e árvores, de guerra, de barcos, entre outras áreas específicas. (...) Suas falas longas são impossíveis, nunca indo diretamente ao ponto, (...) e suas piadas são um emaranhado de cipós verbais” (BERTIN, Marilise Rezende. Romeu e Julieta / William Shakespeare ; adaptação e tradução Marilise Rezende Bertin e John Milton, p. 11).
Referências
BENJAMIM, Walter. A obra de arte no tempo de suas técnicas de reprodução. In: Sociologia da Arte, IV. Rio de Janeiro, Zahar, 1969.
BERTIN, Marilise Rezende. Romeu e Julieta / William Shakespeare. Trad: Marilise Rezende Bertin e John Milton. São Paulo: Disal, 2006.
BLOOM, Harold. Shakespeare: a invenção do humano. Trad: José Roberto O’Shea. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
ECO, Umberto. Estrutura Ausente : introdução à pesquisa semiológica. Trad: Pérola de Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 2005.
HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. Trad: Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Artigos de revista:
Ensaio: A espiral do YouTube. Revista Bravo!. São Paulo. n. 111, novembro 2006.
Material da Internet :
WIKIPEDIA. YouTube. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Youtube Acesso em: 05 dez. 2006.