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Este documento analisa a interpretação da lei em relação à extensão do regime de separação obrigatória de bens, direcionado originalmente ao casamento, à união estável. A pesquisa aborda as inconsistências e injustiças que surgiriam com a aplicação do regime à união estável, argumentando contra a aplicação analógica de normas restritivas de direitos. Além disso, o documento examina as consequências patrimoniais e sucessórias das diferentes opções de regime de bens no casamento e na união estável.
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Tipologia: Notas de aula
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Beatriz Portilho Florentino
Rio de Janeiro 2017
Artigo apresentado como exigência de conclusão de Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Professores Orientadores: Mônica C. F. Areal Néli L. C. Fetzner Nelson C. Tavares Junior
Rio de Janeiro 2017
O aludido dispositivo é criticado pela doutrina, porquanto perpetua discriminação contra o idoso, frustrando o princípio da dignidade da pessoa humana, vez que obriga os maiores de 70 anos a casarem-se com regime específico de bens, o da separação absoluta. Como há previsão expressa da aplicação de tal regime para o casamento, continua sendo usado pelo Poder Judiciário. No entanto, faltam justificativas para empregá-lo à união estável, em verdadeira aplicação analógica de norma de direitos restritivos, vedada pelo ordenamento jurídico. Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo analisar as possíveis injustiças perpetradas pelos Tribunais, em razão desse entendimento, sobretudo, porque amplia, a situações não previstas originalmente pela lei, dispositivo legal altamente reprovado. Nessa linha, procura o primeiro capítulo a demonstrar até que ponto o regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1641, II, CC/02, se encontra ultrapassado no ordenamento jurídico, conquanto continue plenamente utilizado e, ainda, ampliado para a união estável. Em complemento, intenta o segundo capítulo examinar os motivos pelos quais o STJ e parte da doutrina entendem que o regime da separação obrigatória de bens deve ser aplicado também à união estável e, por conseguinte, revelar que, diante desse entendimento, os institutos do casamento e da união estável têm perdido seus caracteres diferenciadores, sendo reduzida a facultatividade existente na escolha por um deles. O terceiro capítulo destina-se a defender a impossibilidade de extensão do regime de separação legal de bens à união estável, porquanto, do contrário, além de realizar erroneamente interpretação analógica de norma restritiva de direitos, são cometidas evitáveis injustiças, a serem demonstradas pelo exame de julgados. Para enfrentar as aludidas questões, a pesquisa será desenvolvida em conformidade com o método hipotético-dedutivo, porquanto, a partir das dificuldades trazidas pelo problema escopo do trabalho, o pesquisador elabora hipóteses e as utiliza para deduzir consequências, comprovando-as ou rejeitando-as argumentativamente. O objeto do presente artigo também será abordado de forma qualitativa, visto que se pretende, por meio da qualificação dos dados sociais e jurídicos, amplos e complexos apresentados, interpretar o fenômeno a que se propõe expor, tendo como base a bibliografia doutrinária e legal, bem como as posições jurisprudenciais pertinentes ao tema. Por derradeiro, a pesquisa usa o método descritivo e explicativo, a fim de descrever os fatos da realidade apresentada e os entendimentos em vigor sobre a temática, assim como
identificar os fatores que contribuem para a ocorrência desses fatos e entendimentos, aprofundando o conhecimento acerca dessa realidade.
Em regra, quando duas pessoas decidem se casar, a lei lhes oferece a possibilidade de optar por uma das espécies de regime de bens, seja por pacto antenupcial ou por contrato de convivência. Assim, diante de eventual partilha de bens, não será possível ao direito sucessório obrigar o casal a dividir o patrimônio de forma diversa da eleita naquele momento anterior^1. Todavia, a exceção à escolha livre dos nubentes fica por conta do regime de separação obrigatória de bens, o qual consiste em verdadeira imposição legal aos noivos que preencherem determinadas características previstas no art. 1641^2 do Código Civil. O presente artigo se aprofunda no estudo do inciso II do aludido dispositivo, de modo que pretende destacar a ausência de razoabilidade de sua permanência no ordenamento jurídico, bem como a ampliação de seus efeitos para a união estável. Para tanto, a crítica inicial, objeto deste primeiro capítulo, cinge-se à inconstitucionalidade do artigo em questão, tendo em vista a discriminação à pessoa do idoso. Isso porque limita que os nubentes maiores de setenta anos de idade opinem acerca do regime de bens, importante ponto a ser decidido no momento do casamento, haja vista os diversos efeitos patrimoniais que acarreta em sede sucessória. A Constituição Federal de 1988 vedou, em seu art. 3º, inciso IV^3 , qualquer forma de discriminação advinda de cor, sexo ou idade, em homenagem aos fundamentos do Estado democrático de Direito, à cidadania e à dignidade da pessoa humana. Igualmente, assegurou
(^1) DIAS, Maria Berenice. Casar ou não casar? Disponível em: <www.mariaberenice.com.br/artigos.php>. Acesso em: 09 out. 2016. 2 BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 05 set. 2016. Art. 1641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. 3 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 09 out. 2016.
regime obrigatório da separação de bens^11. No entanto, tal proibição coube ao Superior Tribunal de Justiça (STJ)^12. O art. 1641 do Código Civil^13 não impõe o regime de separação legal apenas na hipótese aqui tratada, também o faz para as pessoas que contraírem casamento sem observar as causas suspensivas de celebração (inciso I), assim como para as que dependerem de suprimento judicial para casar (inciso III). Entretanto, esses incisos preveem casos eminentemente distintos da limitação aos idosos, uma vez que, neles, pode o juiz excluir a restrição legal. Na hipótese retratada pelo inciso III, basta a declaração afirmativa e permissiva do juiz para que se realize o casamento. Já, no tocante ao inciso I, o art. 1523, parágrafo único, do Código Civil^14 permite que os nubentes provem certos requisitos no afã de serem liberados do regime de separação legal de bens. O inciso II, contudo, objeto do presente ensaio, traduz imposição de incomunicabilidade absoluta, isto é, inexiste previsão que amenize o rigor da lei. Destarte, tal imperativo é tido por Maria Berenice Dias como uma falsa norma protetiva, que, com efeito, traduz verdadeira sanção, apenamento de ordem patrimonial^15. Em vista disso, inegável que a aplicação plena do art. 1641, II^16 implica a ausência de leitura do dispositivo à luz da constitucionalização do Direito Civil. Por essa razão, os Tribunais, mesmo após a vigência do Código Civil de 2002, permaneceram usando a Súmula 37717 do Supremo Tribunal Federal (STF), elaborada em 1964, que houvera sido baseada nos princípios da solidariedade social e da vedação ao enriquecimento sem causa^18. O aludido enunciado do STF prevê, em regime de separação obrigatória de bens, a comunhão dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, desde que provado o esforço comum.
(^11) MADALENO, op. cit., p. 64. (^12) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP n. 402.697. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=resp+402.697&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPes quisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO>. Acesso em: 09 out. 2016. 13 14 Vide nota 02. BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 05 set. 2016. 15 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 327-
Desse modo, o regime de separação legal de bens, ao mesmo tempo em que se distancia da comunhão patrimonial, aproxima-se desta. Por um lado, os bens adquiridos onerosamente durante o casamento podem ser objeto de partilha pelo cônjuge se comprovado esforço comum de ambos para sua aquisição. De outro, enquanto se exige a prova do esforço comum no regime de separação legal, na comunhão parcial de bens, é suficiente a mera convivência dos cônjuges. Diferentemente do que ocorre com a limitação ao casamento dos septuagenários, não há, no tocante à união estável, regra similar. Em contrapartida, a união estável possui previsão própria sobre seu regime de bens, que, na falta de contrato de convivência, deve ser o de comunhão parcial, consoante o disposto no art. 1725^19 do Código Civil^20. Como a supracitada limitação não existe na união estável, não cabe interpretação analógica para restringir direitos. Ainda assim, a jurisprudência firmou-se no sentido da aplicação do regime de separação obrigatória aos idosos que estabelecem união estável. Igualmente ao que ocorre ao casamento, o entendimento é temperado pela incidência da Súmula 377 do STF, de modo que, ainda que com regime de separação obrigatória, é possível haver direito à meação do companheiro, desde que provado o esforço comum. Embora seja um temperamento ao regime de separação obrigatória de bens, a aplicação da súmula não pode ser vista como vantagem quando a circunstância fática retratar hipótese de união estável. Isso porque se a literalidade da lei houvesse sido seguida, a prova do esforço comum seria dispensada, já que o regime de comunhão parcial foi determinado pela lei especialmente à união estável.
Ainda que o art. 1725 do Código Civil^21 expressamente determine o regime de comunhão parcial aos companheiros, sem restrições à idade, a jurisprudência defende a obrigatoriedade da separação quando sejam eles maiores de setenta anos. Alguns autores
(^19) BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 02 mai. 2017. Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. 20 BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 05 set. 2016. 21 Vide nota 20.
constitucionais aplicáveis à família, notadamente o da igualdade das entidades e o da liberdade conferidas às pessoas para constituição de suas famílias”^25. Consoante os ensinamentos de Paulo Lôbo^26 , a norma constitucional que permite a conversão da união estável em casamento não consiste em um mero ritual de passagem de um instituto ao outro, mas em especificação do princípio da liberdade de constituição da família. Nessa linha, as pessoas são livres para optar por qual instituto familiar mais se adequa a sua necessidade ou desejo. Cuida-se de faculdade ou poder potestativo a opção entre manter a união estável ou convertê-la em casamento^27. Deve-se ter em mente que, independentemente da família constituída, o tratamento será isonômico a qualquer entidade familiar. Por conseguinte, segundo a melhor interpretação constitucional, não se afigura correto colocar as entidades familiares em diferentes patamares hierárquicos. Os companheiros podem manter uma união estável até o fim de suas vidas, sem jamais a convolarem em casamento, o que corrobora a tese de que a união estável é independente, não se subordina hierarquicamente ao casamento, cabendo às pessoas a faculdade de decidir-se entre uma ou outra instituição. Pode-se afirmar, portanto, que a posição tida como majoritária – da qual discorda este artigo – reconhece que, mesmo com a inequívoca ausência de previsão legal acerca do regime de separação legal de bens à união estável, equipara-se o tratamento desta àquele previsto especificamente para o casamento. Percebe-se, assim, um evidente movimento de uniformização dos dois institutos. Ante as circunstâncias apresentadas, surge importante questão: por que existe ainda uma pretensa facultatividade na escolha entre tais entidades familiares? Se as normas concernentes ao casamento são sempre aplicáveis à união estável, esses institutos tornam-se cada vez mais semelhantes, perdendo, na mesma proporção, seus caracteres diferenciadores. Embora ainda sejam diferentes no tocantes às formalidades para criação e extinção, se em todos os efeitos forem iguais, a união estável deixa de existir e cessa a liberdade dos indivíduos de escolherem entre um e outro. Destaque-se que essa discussão se faz bastante importante, não apenas no que tange à opção pelo regime de bens, mas principalmente sobre a questão sucessória. Os direitos sucessórios previstos na lei muito se distinguem em relação ao casamento e à união estável,
(^25) LÔBO, Paulo. Direito Civil : famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 182. (^26) Ibid., p. 182-183. (^27) Ibid., p. 67.
porém, o Supremo Tribunal Federal os tornou equiparados^28 , dotando de inconstitucionalidade a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros. Todavia, não se mostra razoável tornar idênticos os institutos em tela, haja vista o zelo da Constituição Federal pelo princípio da liberdade de escolha, que se revela quando o constituinte oferece às pessoas tanto a opção pelo casamento quanto pela união estável. A própria Constituição Federal, como buscou tornar mais fácil a conversão da união estável em casamento, evidenciou o pressuposto de que existem diferenças entre eles. Diante da norma constitucional, não há outra interpretação possível que aquela que privilegie a autonomia da vontade entre casar ou constituir união estável. Aquele que deseja casar submete-se às regras previstas para o casamento, que são as mais diversas, até porque consiste em instituto extremamente formalizado. Já quem quiser constituir união estável, sujeita-se às normas para ela previstas. Aquele que se vê em uma união estável optou por ela justamente pela ausência de formalidades exigidas, bem como aceitou o regime de comunhão parcial do art. 1725^29. Logo, as normas restritivas do casamento, como a que impõe o regime de separação obrigatória aos septuagenários, devem ter aplicação limitada àqueles que intentam efetivamente a figura do casamento. Intepretação diversa frustra não apenas o princípio da liberdade de constituição da família e a autonomia da vontade, mas, sobretudo, o princípio da igualdade e do respeito à diferença entre as instituições familiares. A isonomia entre as entidades familiares decorre do caput do art. 226 da Constituição Federal^30 , que tutela qualquer tipo de família, sem restrições. Segundo Regina Beatriz Tavares da Silva^31 , para atingir-se a verdadeira igualdade, situações desiguais devem ser tratadas distintamente, na medida de suas desigualdades, de modo que o casamento e a união estável pedem tratamentos diferentes, que façam jus às suas peculiaridades. De fato, não poderia ser outro o entendimento, visto que o idêntico tratamento conferido a ambos institutos leva à existência de figura única, tornando desnecessária a permanência da união estável no ordenamento jurídico.
(^28) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 878.694. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Disponível em: http://stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4744004. Acesso em: 06 jun. 2017. 29 30 Vide nota 20. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 01 mar. 2017. 31 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. União estável e casamento: entidades familiares que devem ser totalmente equiparadas em efeitos sucessórios? Disponível em: <http://reginabeatriz.com.br/uniao-estavel-e-casamento- entidades-familiares-que-devem-ser-totalmente-equiparadas-em-efeitos-sucessorios/>. Acesso em: 01 mar. 2017.
Não se deve perpetuar a aplicação de dispositivos discriminatórios e, por conseguinte, inconstitucionais. Tal constatação vale para qualquer ramo do Direito, mas é especialmente importante para o Direito de Família, que tende a fazer prevalecer o princípio da igualdade – entre filhos, entre pais, entre famílias etc. –, o que deveria se estender também ao tratamento dos maiores de setenta anos, ainda aptos a realizar escolhas. Ainda, o afastamento do dispositivo se impõe, principalmente, diante do sacrifício hermenêutico necessário para que seja aplicado, visto que a hermenêutica jurídica exatamente se põe contra a extensão de normas restritivas de direitos. Assim sendo, ausente providência do Poder Legislativo no sentido de revogar o art. 1641, II do Código Civil^37 , caberia ao Poder Judiciário garantir a proteção dos vulneráveis, que são justamente os atingidos pela regra em questão. No entanto, não é o que se vê na prática, em que os Tribunais não apenas aplicam a aludida norma, mas também a estendem para casos entendidos como análogos. Inevitáveis, portanto, as injustiças decorrentes da errônea interpretação da lei. Com mera finalidade exemplificativa, citam-se os Embargos de Divergência no Recurso Especial 1.171.820^38 , que decidiram divergência de entendimento entre a Terceira e a Quarta Turmas no tocante à aplicação da Súmula 377 do STF. No acórdão do Recurso Especial que originou os embargos, a Terceira Turma entendeu que o regime de separação legal de bens da união estável se equiparava a um regime de comunhão parcial, visto que os bens adquiridos onerosamente na constância da união se comunicariam, sendo presumido o esforço comum. O embargante alegou a divergência, tendo em vista diversas decisões da Quarta Turma que, contrariamente, exigiam a prova do efetivo esforço comum. No julgamento, a Corte entendeu assistir-lhe razão, de forma que seria necessária a comprovação do esforço comum, para que, na partilha de união estável contraída por sexagenários (à época, vigorava o Código Civil de 1916), houvesse a comunicação dos bens. Desse modo, negou à companheira de doze anos meação nos bens do convivente falecido. Com essa posição jurisprudencial, o STJ parece partir da regra de que toda união contraída após determinada idade tem como base o interesse econômico de um companheiro em relação ao outro. Contudo, não pode essa situação ser tida como a regra; tanto o casamento
(^37) Ibid. (^38) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ERESP n. 1.171.820. Relator: Ministro Raul Araújo. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=ERESP+1.171.820&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tip oPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO>. Acesso em: 02 mar. 2017.
quanto a união estável estão sujeitos a acontecer com indivíduos na terceira idade e, ainda assim, nascem majoritariamente do afeto e do carinho. No caso em tela, o casal passou doze anos convivendo juntos. O tempo por si só não seria demonstração inequívoca do esforço comum na aquisição de patrimônio? Muitas vezes, o companheiro ou o cônjuge não contribui financeiramente para a compra de um bem, sem que isso signifique ausência de esforço comum. O próprio relator, ao mencionar Arnaldo Rizzardo em seu voto, corrobora a ideia de que a colaboração em adquirir patrimônio ultrapassa a contribuição meramente econômica. Nas suas exatas palavras, diz que “para caracterizar a sociedade na constituição do capital, importa a participação do cônjuge na atividade de qualquer tipo, mesmo na restrita às lides domésticas”. Ora, se atividades domésticas constituem esforço comum, apto a fazer com que se comuniquem os bens em união contraída sob regime de separação obrigatória, apenas situações excepcionalíssimas impediriam a comunicação dos bens. A princípio, a própria convivência que constitui união estável pode fazer prova do esforço comum na formação do patrimônio de um dos cônjuges. É evidente que há, aqui, presunção relativa, logo, aos interessados caberia demonstrar a ausência desse esforço mútuo. Embora essa seja a interpretação literal passível de extração do aludido decisum , tem- se que não será esse o fundamento das decisões dos tribunais pelo país. Tendo em vista que o esforço comum pode ser extremamente subjetivo – até porque as pessoas não procuram produzir provas, no momento em que estão realizando atividades cotidianas, que eventualmente serão úteis no futuro –, a sua valoração ficará a cargo dos magistrados, dando ensejo a decisões completamente diferentes. Se a hipótese tratasse de partilha de bens decorrentes do casamento realizado sob regime de separação legal de bens, o entendimento exposto, apesar de ultrapassado, estaria em conformidade com a disposição da lei. Entretanto, silencia a lei sobre qualquer restrição à união estável em virtude da idade dos conviventes, logo, há interpretação extensiva sobre norma restritiva, que prejudica gravemente a companheira. O STJ segue, porém, ampliando a aplicabilidade do art. 1641, II do Código Civil^39 e, assim, infringindo diretamente as regras da hermenêutica jurídica, que, contraditoriamente, deveriam servir para ditar o modo de interpretação e aplicação das leis. A Corte atua, ainda, em
(^39) Vide nota 02.
diferentes tipos de entidades familiares, assim como se permite optar por casar ou contrair união estável. Uma vez que a Constituição Federal zela pela liberdade de escolha, na medida em que oferece ambos institutos, o casamento e a união estável, não se mostra coerente pensar que pretendeu tornar idênticas tais figuras. Afinal, a Carta Magna previu a união estável como entidade familiar autônoma e independente, sem subordinação hierárquica ao casamento, isto é, ainda que seja possível sua convolação em casamento, os companheiros podem manter uma união estável até o fim de suas vidas, sem jamais a converterem. Destarte, ante a autonomia da vontade entre casar ou constituir união estável, cabe às pessoas a faculdade de decidir entre uma ou outra instituição. Aquele que deseja casar submete- se às regras previstas para o casamento enquanto quem quiser constituir união estável, sujeita- se às normas para ela previstas. Por conseguinte, as normas restritivas do casamento, o que inclui o regime de separação obrigatória de bens, devem ter aplicação limitada àqueles que intentam efetivamente a figura do casamento. Ademais, trata-se o art. 1641 de norma restritiva de direitos. Considerada exceção no ordenamento jurídico, já que o casamento consiste em faculdade natural reconhecida às pessoas, deve ser interpretada também restritivamente. Isso significa dizer que normas restritivas não comportam o uso da analogia para abranger hipóteses não previstas originalmente pela lei. Desse modo, não há que usar o dispositivo supracitado para a união estável de septuagenários, a qual, segundo art. 1725, deve seguir o regime da comunhão parcial de bens. A extensão do art. 1641, relativo ao casamento, à união estável caracteriza verdadeiro sacrifício hermenêutico, realizado pelos tribunais no afã de justificar o patrimonialismo e a proteção dos herdeiros, fins visados pelo Código Civil. Inevitáveis, portanto, as injustiças decorrentes da errônea interpretação da lei.
ALMEIDA, Felipe Cunha de. A polêmica imposição do regime da separação obrigatória aos maiores de setenta anos. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS , Rio Grande do Sul, n. 33, p. 227-259, set. 2015.
AZEVEDO apud ALMEIDA, Felipe Cunha de. A polêmica imposição do regime da separação obrigatória aos maiores de setenta anos. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS , Rio Grande do Sul, n. 33, p. 227-259, set. 2015.
BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Código civil interpretado conforme a Constituição da República. V. IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.
BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 05 set. 2016.
______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 05 set. 2016.
______. Superior Tribunal de Justiça. RESP n. 402.697. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=resp+402.697&aplica cao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MOR TO>. Acesso em: 09 out. 2016.
______. Superior Tribunal de Justiça. RESP n. 646.259. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=resp+646.259&a plicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto= MORTO>. Acesso em: 01 mar. 2017.
______. Superior Tribunal de Justiça. RESP n. 1.090.722. Relator: Ministro Massami Uyeda. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=resp+1.090.722&aplic acao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MO RTO>. Acesso em: 01 mar. 2017.
______. Superior Tribunal de Justiça. ERESP n. 1.171.820. Relator: Ministro Raul Araújo. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=ERESP+1.171.820&aplica cao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MOR TO>. Acesso em: 02 mar. 2017.
______. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 377. No regime da separação obrigatória de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento. Disponível em: <http://www. stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=4022>. Acesso em: 02 mai.