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resenha critica ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão
Tipologia: Resumos
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Não perca as partes importantes!
ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão : o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
Gustavo Machado^1 Tainã Góis^2
O mais recente livro de Ricardo Antunes, O Privilégio da Servidão: o novo proletariado de serviços na era digital , publicado em 2018 pela Editora Boitempo, traz uma coletânea de ensaios e artigos produzidos pelo autor ao longo dos últimos anos, além de textos inéditos que contribuem enormemente para dar sentido às atuais transformações no mundo do trabalho. Em torno das questões: o que é trabalho no mundo informatizado-digital, quem é a classe trabalhadora hoje no Brasil e no mundo, e qual o seu papel na organização sindical e na mobilização das contradições sociais, o autor elabora suas reflexões que nos orientam em meio a uma avalanche conservadora que faz da Justiça do Trabalho um de seus principais eixos de desmonte.
Antunes alicerça a obra na explicação do que denomina de nova morfologia do trabalho social : uma nova conformação das relações laborais ditada pela mudança da correlação de forças desencadeada pelas transformações na organização da esfera produtiva, principalmente a partir dos anos de 1970-80 – que culminaram nacionalmente no desmonte da legislação social, assumindo sua mais aguda expressão com a Lei 13.429/2017, que ampliou a permissividade das práticas terceirizantes, e a Lei 13.469/2017, que trouxe novas tipificações para a contratação da força de trabalho. Na obra o Autor aprofunda esses conceitos, desvelando suas inflexões nas condições sob as quais as classes trabalhadoras se colocam em movimento por seu espaço no mundo.
Para empreender tal tarefa, nos primeiros ensaios da obra Antunes se dedica à sistematização da agenda que estabeleceu deste Os sentidos do trabalho (2009) , articulando seu arsenal no combate às teorias do “fim do trabalho”, que diagnosticam um descolamento do capital da necessidade de trabalho vivo como consequência dos avanços tecnológicos, da aparente redução das distâncias, e do poder expansivo da comunicação na globalização incessante. Ao retomar a importância ontológica do trabalho, o autor refaz o caminho da relevância da categoria enquanto elemento fundamental da organização social, buscando expandir o horizonte restrito de sua forma sob o capital.
Aponta o autor que apenas uma visão eurocêntrica do trabalho permitiria enxergá-lo se “desmaterializando”, uma vez que, principalmente no Sul global, a maior parte daqueles que vendem sua força de trabalho não estão empregados em postos de trabalho imateriais ou vinculados à alguma facilitação digital. A apreensão totalizante conduzida por Antunes promove uma ruptura necessária com o referencial da imaterialidade, anunciando o quanto essa perspectiva, para além de limitada, não guarda lastro material com a conformação do mundo do trabalho contemporânea.
Encontrando novamente a classe trabalhadora em meio à precarização, Antunes apresenta uma sociedade assolada por uma crescente desigualdade, pelo aumento de adoecimento no trabalho, pelo esgarçamento do tecido social e desmantelamento democrático, narrando
(^1) Professor Adjunto do Departamento de Direito do Trabalho e Introdução ao Estudo do Direito – UFMG, Doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Pesquisador convidado, em sede pós-doutoral, junto ao CéSor/EHESS/CNRS (2018). (^2) Mestra em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
os porões desse falso futuro brilhante da informatização e da privatização de serviços que, ao invés de amparar a humanidade de uma tecnologia capaz de livrar o corpo do sofrimento do trabalho, a submete à lógica e aos tempos da inteligência artificial, restando desprovida de acesso à condições mínimas de existência. Longe de promover avanços que emancipem a sociedade do trabalho, a reestruturação produtiva estaria aprofundando a desestruturação da lógica do trabalho, criando formas mais precárias de organização, materializada principalmente no proletariado de serviços e tecnologia.
A arte da capa não vem à toa. A obra Reload , grafite de Levalet, em Paris, é a expressão da realidade da classe que descreve o livro: um proletariado de serviços da era digital que, longe de se emancipar do trabalho físico, se encontra em condições subumanas. Frente à essa problemática, Antunes passa a demonstrar como a reestruturação do capital possibilita a extração de mais-valor a partir dos setores impactados pela tecnologia, encontrando no exemplo do trabalho de telemarketing as chaves necessárias para a aplicação da crítica da economia política materialista na atual conjuntura.
Segundo o autor, a liofilização da organização do trabalho – ou seja, o enxugamento de todo o tempo de trabalho não imediatamente necessário à produção, é a condição sob a qual surgem novas formas de extração de mais-valor que, atingindo as áreas de produção não material/imaterial, tornam produtivos elementos antes margeados do campo do trabalho
No capítulo 3, Infoproletariado, informalidade, (i)materialidade e valor: o novo proletariado global e suas principais tendências , explora Antunes como a reestruturação produtiva, materializada na chamada Indústria 4.0, também conforma uma nova forma de sociabilidade capitalista, cujo objetivo central é criar a aparência de inexistência do trabalho, engolindo porções cada vez maiores de mais-valor, enquanto mina as resistências contra seus assaltos. Nas reflexões que apresenta no Capítulo 5, A subjetividade operária, as reificações inocentes e as reificações estranhadas, Antunes demonstra como a precarização do trabalho pressiona ainda mais os indivíduos trabalhadores (quer dentro, quer fora do mercado de trabalho) para se identificarem enquanto seres competitivos no mercado de trabalho, individualistas no introjetar da tarefa gerencial pelo produtivismo, déspotas de si mesmos.
O trabalho de Antunes é riquíssimo e merece ser aclamado. Não é uma questão menor, por exemplo, a atenção que coloca o autor na flexão de gênero tanto no masculino quanto no feminino para tratar do conjunto das classes trabalhadoras, o que por si só já denota uma relevante inflexão no campo expositivo, que não só é formal mas expressa uma preocupação concreta com a dimensão de gênero. A somatória de um sólido arcabouço teórico, que fundamenta o pensamento da sociologia do trabalho, a uma apreensão das novas categorias trazidas para descrever o mundo do trabalho, permite seu reencontro com uma classe trabalhadora em movimento de expansão e reorganização, bastante distinta da “tradicional”, passando a descrever sua composição como altamente heterogênea, quer com relação à sua condição de trabalho, quer com suas determinantes de gênero, raça, sexualidade, e localização geográfica.
Nesse sentido, a despeito de não citar seus trabalhos, Antunes caminha ao lado dos profícuos debates feministas marxistas e materialistas, que ao longo das últimas décadas