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Este documento discute o papel da família e meio ambiente na anorexia nervosa, enfatizando a importância de estabilidade conjugal e boas relações pais-filhos na pré-preparação da criança para dialogar e resolver problemas. Além disso, o texto aborda o impacto negativo de desentendimentos e conflitos entre pais na criança, que pode levar a cismas com partes do corpo e complexos de inferioridade.
Tipologia: Notas de aula
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Caso Dominique
Quando fui convidada para participar deste livro, aceitei de imediato. A anorexia de Dominique serve como parâmetro de avaliação para outros casos semelhantes. É bem verdade que as psicopatologias nunca se apresentam de forma idêntica a todas as pessoas, porém os sintomas são basicamente iguais. Uma obra como esta é de vital importância para aqueles que sofrem, de forma direta ou indireta, do mal anoréxico. Creio que este é o primeiro título no Brasil – quem sabe no mundo – no qual doente e psicólogo se aliam a fim de esclarecer e beneficiar o público acerca de uma enfermidade tão corrosiva quanto letal e, praticamente, desconhecida. Ressalto a coragem de Dominique ao expor uma situação que tantos preferem esconder. Vejo nela o exemplo de alguém que soube crescer em meio ao sofrimento. Isso serve para todos os que padecem ou vêem algum familiar padecer de anorexia. Você pode vencer e transformar em benefício próprio, e dos outros, aquilo que um dia, de maneira sorrateira, invadiu e prejudicou a sua vida. Leia com o coração. Talvez você chore ou se pergunte por que ela entrou nessa “furada”, mas reflita que todos nós estamos sujeitos a algum transtorno traumático no decorrer de nossa vida. Ninguém está isento de sofrer pertubações oportunistas e aparentemente incompreensíveis, como depressão, síndrome do pânico, compulsão, entre tanto outros males. Se soubermos aproveitar e sublimar as duras provas, tal qual Domi fez, e igual a ela, tivermos a atitude corajosa de encarar o sofrimento e a doença, buscar ajuda, aceita-la, para, finalmente, vencer, então estaremos sendo grandiosos e preparados como seres humanos, para enfrentar qualquer coisa.
Haroldo Lopes Psicólogo
A partir dessa data, o riso foi embora. Não compreendia a dor da separação. Viver perdeu o sentido. Acordava por obrigação, e não pela alegria que havia conduzido minha vidinha cor-de-rosa igual às paredes do meu quarto. Assim começa a história do pior ano de minha vida.
1º de janeiro
No Rio ainda está chovendo. Não faz nem um mês que minha avó morreu. Muitas vezes questiono Deus sobre o porquê de ela ter ido tão cedo e dessa forma dolorosa. O câncer não dá tréguas, nem para a vítima nem para a família. Eu me sinto culpada de desejar a sua presença (dizem que faz mal para o morto), mas como não sentir falta de alguém que cuidou de mim desde bebê? Da minha família, só resta a minha mãe. Na verdade, ela está piorando cada dia mais. Finjo que não a vejo chorando, pois, quando percebe que eu estou presenciando a sua tristeza, fica sem graça. Ela deu embora a minha cachorrinha. Fiquei chateada, mas não a culpo. Foi necessário. Fui ao cinema para arejar as idéias.
2 de janeiro
Falei com o meu pai. Acho que ele vem ver-me amanhã.
3 de janeiro
Hoje faço aniversário. Catorze anos. Fui até o subúrbio só para patinar no gelo. Dei um show. Todos ficaram olhando para mim. Como eu queria ser patinadora profissional! Pena que é muito complicado estudar patinação nos EYA, e em Sampa a pista sempre fecha. Tudo bem! Um dia vou fazer esse curso, nem se for aos 40 anos. Não importa. Eu amo patinar. Meu pai, para variar, não me deu nada de aniversário. Será que ele se lembra que a sua única filha nasceu hoje e que, por acaso, sou eu? Ainda bem que tenho minha mãe, que me ama muito. De presente ela me deu uma “tatoo”. Super 10! Sinto falta da minha avó.
4 de janeiro
Saltei de asa-delta. Nossa! A saudade da minha avó é tão forte! Tem horas que me dá vontade de sumir até acabar essa tristeza.
5 de janeiro
Voltei para São Paulo. Mamy e eu decidimos mudar para o Rio. Acho que a vida vai melhorar se trocarmos de cidade. Não sei... Outros ares podem fazer bem, daí vou poder ir à praia todo dia e ficar bronzeada como eu gosto. Foi ruim chegar em casa. Deu um vazio tão grande! Eu queria ter a minha velha vida de volta. Eu era feliz e não sabia... Pena que só percebemos isso quando as coisas mudam e não podemos voltar atrás. Ainda bem que nunca briguei feio com a minha avó, senão morreria. Tenho remorso até de ter pensado quanto ela era "chata" por não deixar eu fazer algumas coisas. Hoje percebo que a gente se amava demais.
6 de janeiro
Achei o lugar onde eu vou fazer a minha "tatoo". Vai ser um gato siamês na perna. O desenho é lindo. Não vejo a hora. Amo tatuagem desde pequena. Não sei por que algumas pessoas têm preconceito. Nunca fumei ou bebi, mas sei que, quando os outros virem a minha tatuagem, vão achar o contrário. Não me importo, nunca liguei para a opinião alheia. Eu sei quem sou e pronto. Minha mãe está preocupada e perguntou se eu tinha certeza, e para o futuro não acusá-la, pois ela me alertou sobre as consequências.
7 de janeiro
Fiz a minha "tatoo". Ficou linda. Amei. Não vou negar que doeu muito, mas valeu! Minha mãe falou que se a vó estivesse aqui mataria nós duas, e o pior é que ela tem razão. Minha velhinhas brigaria, mas logo em seguida iria rir da minha cara e me ajudaria a cuidar.
8 de janeiro
Revi a Karina. Como é bom ter amigos! Alguém para fofocar. Ela está superbronzeada. Eu estou cuidando direitinho da "tatoo", para não dar nenhum problema. Mal consigo andar, arde muito. Isso dá um trabalho danado e dói. Porém, ainda nem sarou, e eu já quero fazer outra. Estou com saudade da minha avó, mas a vida é assim. A saudade faz a gente perceber a capacidade de amar alguém. E sei que essa dor só o tempo cura.
9 de janeiro
Fui orar um pouco. Deus ajude a minha mãe! Ela tenta disfarçar, mas dá para ver que ela está muito mal, e eu não sei o que fazer para animá-la. Estou meio perdida.
10 de janeiro
O dia foi parado. Quero movimento! O Danilo acabou de chegar em casa. Como é bom ter um primo tão alegre e divertido! Toda vez que vou para Campinas eu apronto com ele. Agora tenho de esconder bem a minha agenda, pois o danadinho adora roubá-la e ler tudo. Isso é muito chato! Depois que meu primo chegou, o dia ficou mais legal.
De tardezinha, fui patinar.
17 de janeiro
A mamy volta amanhã do Rio. Ela viu um apartamento de que gostou muito. Temos de mudar rápido; este em que nós moramos já foi vendido. Vou sentir falta de Sampa. Gosto muito daqui, mas quero mudar. Estou meio confusa. Creio que sair daqui vai fazer bem pra gente. Tomara que minha mãe melhore com essa mudança. Ela já está procurando escola para mim no Rio de Janeiro.
18 de janeiro
Oba! Mamy chegou! Ela já fez uma proposta num apê. Falou que é lindo, de frente para o mar. Tem piscina, sauna, sala de ginástica, enfim tem tudo que queremos e fica na Barra. Ela gostou muito e acha que vou gostar também. De noite ela foi para o quarto, e acho que chorou. Torço para que a mudança para o Rio melhore as coisas.
19 de janeiro
De manhã, joguei handebol, e já começamos a arrumar tudo para mudar. Parece fácil, mas você encontra cada coisa! Tudo que lembra a vó minha mãe joga fora. É muito dolorido ver os objetos da minha velhinha. Vamos vender ou doar alguns eletrodomésticos, pois o apartamento já vem mobiliado. Os móveis vão para a casa do meu tio em Campinas. Lá é grande e tem espaço para guardar. Não quero dar tudo embora. Basta ter dado as minhas Barbies. Dos brinquedos da minha infância, só vou levar os ursinhos. Está sendo difícil abrir mão de algumas coisas, mas não tem jeito.
20 de janeiro
Mamy e eu fomos patinar no gelo. Foi divertido. Ela morreu de medo, mas eu a ajudei. Depois tomamos sorvete com bastante cobertura. A Karina veio em casa e nos ajudou a empacotar as roupas. Quanta bobagem a gente acha numa mudança|! Não consigo achar as duas Barbies que tinha separado para mim. Será que levaram elas também? Aquelas duas eu não queria dar de jeito nenhum. Mais uma coisa que amava e se foi.
21 de janeiro
Estou pensando quando eu chegar ao Rio, deveria arrumar um emprego em alguma loja, ajudar nas despesas de casa. Já sou uma moçona. Eu quero ter o meu dinheiro. Preciso trocar de patins; o meu está muito velho e ruim. Meu professor de patinação no gelo, o Roberto, é o melhor do Brasil. Pena que ele é muito ocupado. Depois que termina meu horário, fico olhando-o ensinar os outros alunos e tento copiar. Já aprendi bastante assim.
22 de janeiro
Fui patinar de novo. Quero aproveitar meus últimos dias de patinação. O professor falou que eu melhorei, mas sei que não é verdade. Não melhorei NADA! A casa está quase toda vazia. É estranho vê-la sem móvel algum. Sempre gostei de mudanças, mas desta vez está sendo diferente. Eu não quero ficar aqui, mas também sinto pena de deixar tudo para trás. Estou dividida.
23 de janeiro
Mudamos amanhã. Estou anciosa. Será que a minha vida vai mudar? Será que vou recuperar a felicidade de antes? Acho difícil sem a minha avó. Estou com saudades dela.
24 de janeiro
Dia da mudança! A Karina veio ajudar, coitada! Está carregando peso também. Mas são só as malas de roupas e objetos pessoais. Mesmo assim, é muita coisa. Hoje amanheceu chovendo. O dia está feio! Mamy parece meio insegura; eu também estou apreensiva. Choramos quanto estávamos pegando a via Dutra. Desta vez tudo ficou para trás mesmo. Na descida da Serra das Araras houve uma batida, e ficamos paradas cerca de 4 horas. Chegamos ao hotel quase as 3 da manhã. Aqui no Rio está calor.
25 de janeiro
Fomos resolver a papelada do apartamento. Gostei muito dele. Acho que em uma semana mudamos para lá. Mamy quer me dar um presente, alguma viagem para que eu possa relaxar. Acho que vou para um spa. Não sei, tenho de decidir ainda. O Rio de Janeiro continua lindo! Saímos para procurar escola. Temos duas opções legais perto da minha nova casa.
26 de janeiro
Falei com meu pai. Ele ficou feliz em saber que mudei para o Rio. Diz que vamos ser mais unidos, pois agora estamos morando na mesma cidade. Acho difícil. Somos muito desencanados um do outro. Não temos um vínculo. Quando era pequena, ele passava anos sem me ligar. Já tentei dialogar. Não adiantou. Acho que meu pai nem se lembra do que fez, ou melhor, do que não fez por mim. Nunca participou da minha vida. A minha mãe sempre quis que nós tivéssemos mais contato; até ligava pedindo que ele me telefonasse. Quando menina, eu ia dormir na cama dela e nessas horas eu fingia que estava dormindo e controlava o meu choro. Não queria que ela me visse triste. O passado já foi construído, e, por mais que minha mãe queira, é difícil reconstruir uma amizade depois de tanto tempo.
27 de janeiro
Saímos para passear. A minha avó nunca quis morar aqui no Rio.
escondidos da mente. Em breve ou a longo prazo, isso retorna ao corpo como psicopatologia. Mas nem sempre a anorexia é causada por perdas. Há de se levar em conta a hereditariedade. A predisposição à depressão facilita o acesso a certos distúrbios comportamentais. A desestrutura familiar é outro fator de complicação. Em meu caso, a mudança para o Rio de Janeiro, logo após a morte de minha avó, criou uma expectativa enorme, causando insegurança. Fui forçada a abandonar os amigos, apartar-me das bonecas que ainda guardava com carinho e cortar as escapadas para assistir aos treinos de futebol do meu time predileto, isso sem contar o abandono dos esportes que adorava praticar. Enfim, do cotidiano calmo e tranqüilo com a minha avó, eu fui transferida para o frenético mundo de minha mãe sem nenhum preparo. Era de se esperar que algo acontecesse comigo, mas não havia como adivinhar. A anorexia era uma doença praticamente desconhecida e da qual nem eu nem minha mãe jamais ouvíramos falar. Este foi um dos motivos para escrever este livro. Esclarecer, promover discussões a respeito, para que outras pessoas não sofram tanto quanto sofri sem entender o que está acontecendo, e também apresentar aos membros da família de um anoréxico alguns aspectos absurdos e estranhos desse mal. Falta acrescentar às causas da anorexia a busca pela forma física ideal, mas essa ânsia é apenas efeito de algum trauma ou predisposição interna. Entretanto, por mais que se busquem as razões, muitas vezes não dá para chegar a uma explicação coerente. Essa é apenas a minha opinião de leiga, porém vítima da anorexia.
1º de fevereiro
Ligamos todos os dias para o pessoal de Sampa. Aqui no Rio, o ritmo está louco por causa do carnaval, que vai começar. Este ano não vamos ver o desfile no Sambódromo. Ficaremos em casa vendo pela TV. É uma pena! Eu adoro carnaval e samba. Agitação e diversão é de que estou precisando.
2 de fevereiro
Vou começar a estudar só no dia 17. Adorei!
3 de fevereiro
Pegamos as chaves do apê. É lindo! De frente para o mar. O janelão do quarto, a sala com varanda e até a cozinha e o banheiro têm vista para a praia! O som da água quebrando na areia é maravilhoso. O dia foi cansativo. Lavamos o nosso novo lar inteiro. Amanhã mudamos. Vamos trazer as malas. A decoração é graciosa, mas simples. Daremos um jeito. Vai ficar bem transada. Fui à praia do Pepe e fiz inscrição para aulas de vôlei de praia. Dormi um pouco à tarde e à noite comemos pizza!
Depois da mudança, vamos começar a procurar um spa para eu tirar umas férias. Minha mãe acha que estou um pouco estressada e que seria bom uns dias relaxantes.
4 de fevereiro
Guardei as roupas ouvindo axé. Dancei até “dizer chega”. Já que ser patinadora é impossível, quero ser dançarina e fazer aula de canto. Adoro cantar, mas não tenho técnica nenhuma. Por enquanto, vou ficar só com o vôlei, que já é suficiente.
5 de fevereiro
Estive na praia. Sei que não podia, por causa do “piercing”, mas não resisti. Tomei cuidado. O mar daqui é muito bom, bem gelado, do jeito que eu gosto, e o biscoito de polvilho que os ambulantes vendem é uma delícia! Comi muito! Minha mãe chegou de madrugada e fomos até o mercado. Compramos alimentos e um monte de guloseimas. Estou supercansada e com saudades das minhas amigas. Aqui no Rio ainda não tenho nenhuma.
6 de fevereiro
Hoje deu saudades de Barro Preto, uma cidadezinha no sul de Minas Gerais. Era bom ir lá. Eu me divertia muito. Minha avó adorava viajar. Quase todo fim de semana ela arrumava nossas malas e íamos para algum lugar com uma das minhas tias. Estou cozinhando cada vez melhor. Nisso eu acho que puxei a minha avó. O meu arroz ficou uma delícia! No jantar, vou fazer uma macarronada bem especial para a minha mãe. Acho que ela vai gostar.
7 de fevereiro
Preciso fazer alguma coisa. Estou cansada da mesmice de sempre. Algo em mim não está bom; não ando me sentindo bem. Não sei, estou confusa. Entre tantas coisas de que sinto falta, uma é de ir no CT do São Paulo. Era muito legal. As aulas precisam começar rápido. Quero me movimentar. Estou me sentindo inútil! Vou andar um pouco na praia.
8 de fevereiro
Fui à praia, mas não fiquei no movimento. Bateu uma idéia, sei lá. Eu me achei muito feia para estar no meio das pessoas. Preferi algo mais reservado. Lá estava cheio de gente bonita e bronzeada, e eu era uma ridícula paulista branca. Decidido: agora vou todos os dias pegar sol e, quando estiver com uma cor, posso pensar em voltar pra esse lugar tão movimentado. Não estou brincando! Foi horrível! Todos pareciam olhar e dar risada de mim. É muito chato morar perto da praia do Pepe e ter de ir até um lugar isolado para poder tomar sol sem passar vergonha.
9 de fevereiro
15 de fevereiro
Mais um dia sem nenhuma ligação. Não recebemos muitos telefonemas. Ninguém tem este número novo. Minhas tias ligam à noite para mamy, porém de dia nem um milagre faz este telefone tocar, nem engano, nem um trote sequer. As linhas da Barra estão sempre congestionadas. Antes, em casa, tínhamos duas linhas. Mal desligava e já havia outra chamada. Se não tocava por meia hora, podia ter certeza que estava fora do gancho. Agora, toda hora vou verificar se tem linha ou se desligamos direito o aparelho.
16 de fevereiro
De noite íamos numa festa, só que não me deixaram entrar por causa da minha idade. Pó! Eu estava com a minha mãe! Será que não vale nada a presença dela no recinto? Acho que menores acompanhados dos pais poderiam entrar em qualquer lugar, e se o filho arrumasse problema os pais responderiam por ele. Voltamos para casa e vimos TV, mas fiquei chateada por ter atrapalhado a festa dela e também por não ter entrado.
17 de fevereiro
Adivinha! Entrou uma barata enorme voando em casa. Eu estava jogando baralho com a mamy e senti algo nas minhas costas. Cocei, e ela se mexeu, mas não percebi o que era. De repente, vimos aquele monstro andando na parede atrás de mim. Que nojo! Enquanto a supermãe foi matá-la, eu fui tomar um banho. Esfreguei tanto as minhas costas que ficaram roxas! Até agora sinto aquele bicho nojento em cima de mim.
18 de fevereiro
A escola é legal. Fica no bairro do Recreio. O pessoal é simpático. Na volta, eu e mamy “brigamos”, porque ela queria ir à praia e eu, para casa. Ela anda meio nervosa ultimamente. Nossas brigas nunca são agressivas, como eu vejo por aí. Ainda bem! Odiaria ser mal-educada com a minha própria mãe.
19 de fevereiro
No colégio foi tudo bem. Teve educação física. Adorei! Tem umas sete pessoas na classe. Pena que não vamos ter handebol pois não tem quadra poliesportiva, só um campo enorme de futebol. Fui estudar na casa de uma menina. Elas são legais, mas preferia a companhia de minhas amigas antigas.
20 de fevereiro
Tem um menino na escola que quer ficar comigo. Apesar de ele ser simpátic, não faz o meu tipo. Meu cabelo está supercomprido, na cintura. Ah! A mamy pintou o cabelo de loiro. Não ficou nada bom. Muito estranho, mas não falei nada. Parece que ela gostou e está feliz
assim. Agora quer fazer permanente. Dei um voto contra. Só o tempo vai mostrar o que ela decidiu.
21 de fevereiro
Já é sexta-feira. Vou cozinhar algo especial... Já sei! Vou fazer um bolo de chocolate. Até que a semana passou rápido. Agora só quero dormir.
22 de fevereiro
Ando tendo muitos pesadelos, quase todas as noites. Minhas mãe também está tendo um sono perturbado. Dá medo de dormir. Sei que vou sonhar algo ruim. Não é pensamento negativo. É constatação. Cada noite sonho um filme de terror pior que o outro.
23 de fevereiro
Cozinho muito bem e gosto de fazer isso. A minha mãe não pára de arruma a casa. Acho que vamos fazer pátina nos móveis, nas portas e no teto. Vai ficar bem legal.
24 de fevereiro
Fui no vôlei. Gostei da aula; me diverti muito. Sou ruim, mas quero aprender direitinho a jogar. Cheguei em casa e fui dançar.
25 de fevereiro
Sinto que estou sendo isolada na escola. É que as meninas já se conhecem há muito tempo, e eu fico de fora das conversas. Não as culpo; nem percebem que estão fazendo isso. Entendo que elas já são uma “turma antiga”. Elas me dão um pouco de atenção, mas o tratamento é diferente. Eu só quero ser feliz! Conversar, dar risada, paquerar enfim...
26 de fevereiro
Vôlei de novo. Já vejo melhora. Estou feliz com meu progresso (pelo menos isso). Liguei para Karina. Ela foi ao CT do São Paulo. Gostaria de ter ido também.
27 de fevereiro
Não fiz nada de mais e não “tô” a fim de escrever hoje.
28 de fevereiro
São do colégio. Vou parar de estudar e, em agosto, vou fazer um supletivo perto de casa. As minhas tias não sabem. Nem vamos contar nada, não queremos que elas fiquem preocupadas. Ninguém entenderia os motivos, mas eu os tenho. Não quero repartir isso nem com o meu diário; assim, no futuro, poderei esquecer essa parte.
Estou ansiosa para ir ao spa. Acho que vai ser legal. Quem sabe eu volto cheia de amigas. Fiquei sabendo que haverá muita gente da minha idade na semana que eu vou.
6 de março
Queria conhecer mais gente. Nem eu nem a mamy temos amizades. As pessoas sumiram. Acho que vou pintar o meu cabelo de loiro-claro. Quero mudar o meu visual. É muito gostoso ficar na sacada vendo o mar. A vista é linda! Quando voltar do spa, vamos fazer a pintura da casa. Meu pai vai fazer a pátina. Ele é um excelente artista plástico.
7 de março
Estou comendo muitos doces para compensar os dias que terei de ficar sem comê-los.
8 de março
Estou ansiosa pela viagem, mas com pena de deixar a mamy. Será que ela vai ficar bem sozinha? Tem dia que, se eu não faço comida, ela não se alimenta. Ela quer que eu vá, de coração. Diz que é para eu relaxar bastante e que irei conhecer coisas novas. Será bom passar uns tempos longe de tudo.
9 de março
É horrível essa sensação que eu tenho de ter perdido tudo. Faz tempo que mamy não é mais a mesma. Não tem forças nem para trabalhar. Quer, mas não consegue. Esses dias ela recusou uma peça de teatro. Parecia que estava com medo. Procuro anima-la, mas não consigo. Na minha frente ela tenta não parecer triste, mas não é capaz de disfarçar mais.
10 de março
Cheguei ao spa! A mamy encheu a minha frasqueira de doces! Aqui é lindo! Passei por um psicólogo, e ele achou que estou com frescura em me sentir mal. Falou que quem tem estresse bagunça todo o ambiente em que vive. Engraçado! No meu caso, peguei uma mania ao contrário: arrumo tudo. Logo, segundo o raciocínio estranho desse psicólogo, se eu não faço bagunça significa que não tenho estresse. Não consegui entende-lo!
11 de março
Estou com dor de cabeça de fome. Dizem que é a fase de desintoxicação. A comida aqui é muito rígida. Tudo é natural, sem açúcar, adoçante, óleo ou sal. Difícil de acostumar. Saímos de dia para caminhar. Tem uma menina que não foi com a minha cara. Ela falou que amanhã vai ter baile e que vai dar um show de dança; que, se eu não quiser ser humilhada, é melhor nem chegar perto. Pô! Eu só quero fazer amizade, e o que eu ganho é isso? Juro que fui supersimpática, mas ela, com a sua turma, só quer me desprezar e me
ofender. Não falei nada para mamy no telefone. Eu não quero que se preocupe comigo. Ela já tem problemas suficientes, e eu não serei mais um.
12 de março
Fome, muita fome! Toda noite como um pouco de doce às escondidas. Adoro comer. No baile, foi o máximo! Elas estavam dançando axé quando eu cheguei perto para conversar. Mudaram de lugar. Fiquei na minha. Dancei bastante, e elas só ficaram observando caladas. No fim, falaram que até que eu danço bonitinho. Eu danço bem pra caramba!!!
13 de março
Hoje, as meninas nem olharam para a minha cara. Eu só quero ter amigas. Estou pedindo muito? Não quero competir com ninguém, juro! Quero a minha mãe. Mamy, “to” com saudades!
14 de março
Amanheci dolorida por causa da hidroginástica. Fiquei conversando com um judeu que está hospedado aqui. A religião judaica é muito interessante, e ele também é bem simpático. Foi bom falar com alguém diferente.
15 de março
Não agüento mais! Vou pedir para a mamy vir me buscar. Ando muito triste. Quero ir embora. O pessoal que trabalha aqui é legal, mas não agüento ser esnobada por essas meninas. Elas são muito problemáticas. Devem ter o dobro do meu peso. Parece que se irritam porque eu sou mais magra. Quero ir embora amanhã, o mais cedo possível.
16 de março
Voltei para casa. Que felicidade! Na volta, paramos num restaurante, e comi muito. Eu não acredito: mesmo comendo doce, emagreci dois quilos!
17 de março
O pessoal do prédio elogiou o meu corpo! Falaram que eu estou bem melhor. Acho que vou continuar com a dieta. Cara, se eu não tivesse comido os doces, estaria mais magra e mais bonita. Se arrependimento matasse...
18 de março
Fui ao mercado e já modifiquei meu cardápio. A minha alimentação está supersaudável. Quero emagrecer mais 4 quilos. Fui para o spa com 64, voltei com 62 e agora quero ter 59.
chá emagrecedor e vou acrescentar o chá diurético. Sinto enjôo. Tenho dor de estômago depois de comer, mas é bem fraquinha. Não vou contar para a minha mãe para não preocupá-la.
26 de março
Faz tempo que não falo da minha avó, mas não esqueço dela em nenhum momento. Acho que ela morreria se soubesse que estou fazendo regime. Ela gostava que as pessoas comessem bem. A sua comida era ótima. A macarronada, então... Ai! Que delícia! O chá já está fervendo. Ele é muito ruim, difícil mesmo de engolir, mas é necessário, afinal, o que é mais importante: emagrecer engolindo coisas horríveis ou ficar gorda comendo coisas gostosas?
27 de março
Gente, as calorias de um simples quindim são assustadoras! Como eu conseguia engolir tudo isso sem ter culpa depois?! Que absurdo! Eu devia estar louca. Hoje fui me pesar, mas não tive coragem. Deu um medo de ver que estou mais gorda. Eu sei que engordei. Mal consigo me ver sem roupa na frente de um espelho. Estou enorme! Necessito recuperar meu peso urgente. Por que comi aquele sorvete alguns dias atrás?! Como sou burra! Estraguei tudo e agora voltei a ser obesa! Estou mais gorda do que as garotas do spa!
28 de março
Minha mãe está precisando de um médico, não sei de qual tipo. Estou ouvindo CD. O rádio está sem antena, não pega direito. Aqui no Rio tem um tipo de funk muito legal. O meu joelho parou de doer, mas, quando tentei jogar vôlei hoje, não agüentei; a dor foi grande. Quando eu danço, também dói; só que eu me recuso a parar de dançar também.
29 de março
Tomei mais de 2 litros de chá, mas não vejo efeito. De noite comi um sanduíche. Não consegui controlar a fome. Sou uma fraca. O meu problema é que, se fico muito tempo sem comer, passo mal. Será que deve acrescentar uma fruta no meio das refeições? Acho que é exagero meu pensar em comer frutas. Vou fazer essa maldade com o meu corpo. Como uma fruta, apenas uma, depois eu faço de tudo para eliminar as calorias. Fica assim, então: hoje eu como uma fruta inteira e depois, a cada semana, diminuo um pedaço, até não comer mais nada.
30 de março
Comi outra fruta. Meu estômago agradece, mas o corpo, não. Dancei bastante e fiz um pouco de esteira.
31 de março
Segunda-feira me lembra lasanha. Faz tanto tempo que não como uma! Minha mãe trouxe comida da rua. Ela não está colaborando com meu regime! Sabe que eu adoro comer e traz coisa gostosa para casa? Peguei só um pouquinho para não deixa-la chateada. Chegou tão feliz que valem a pena os 2 quilos que vou engordar só de ver esse prato.
O passo mais dramático para a instalação definitiva da anorexia ocorreu neste mês. A consulta com aquele psicólogo foi desastrosa. Ele deveria ter notado que eu estava à beira de um abismo. Frustração e culpa descabidas invadiam minha mente. Fiquei perdida e confusa num mundo totalmente diferente daquele em que fui criada. Não havia mais ninguém para conversar, pedir orientações, nem mesmo compartilhar idéias. As tias em São Paulo não foram comunicadas dos acontecimentos. Meu pai, desacostumado ao convívio, não percebeu a gravidade dos fatos. Os amigos se foram ou não conseguiram se comunicar, seja porque se afastaram (poucos suportam conviver com pessoas deprimidas), seja simplesmente pela coincidência ruim de as linhas telefônicas da Barra estarem sempre congestionadas em nosso prédio. Enfim, tudo parecia conspirar desfavoravelmente. Mas bastaria um bom terapeuta nessa fase para ajudar-me a buscar uma solução positiva aos meus problemas e orientação quanto ao melhor tratamento a ser seguido.
1º de abril
Encontrei este poema. Olha que lindo: “Não olhe agora para o passado. Não veja o tempo que passou. Eles já se foram e chegou a hora de viver Não olhe agora para o passado Permita que sua infância vá, só assim vai conseguir a sua paz interior E você conseguirá liberar sua mente quando dormir E você conseguirá liberar o seu próprio choro Não tenha medo, você vai conseguir. Sua cabeça vai voltar ao lugar, você vai dar um adeus ao passado ruim Não fique triste, você tem um futuro te esperando Pegue na minha mãe. Seu show vai ser diferente”.
2 de abril