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anatomia funcional de perna perna (l1nné), Notas de aula de Anatomia

Bivalvia, Mytilidae, Perna perna, functional anatomy, Brazilian littoral ... Perna perna é molusco de importância alimentar nas regiões onde ele ocorre.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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ANATOMIA FUNCIONAL DE PERNA PERNA (L1NNÉ)
(BIVALVIA, MYTILlDAE)
Walter
Narchi 1
Mario Sergio Galvão-Bueno 2
ABSTRACT.
FUNCTIONAL
ANA
TOMY
OF
PERNA
PERNA
(LINNÉ)
(BIVAl
VIA,
MVTlllDAE).
Perna perna
(Linné,
1758)
occurs
on
the
Atlantic
littoral
from
Venezuela
to
Uruguay.
The
main
organ
systems
were
studied
in
lhe
living
animais,
particular
attention
being
paid
to
lhe
ciliary
feeding
and
c1eansing
mechanisms
in
lhe
mantle
cavity.
The
anatomy,
functioning
oflhe
stomach
and
the
ciliary
sorting
mechanisms
are
described.
The
siphons
belong
to
type
A
(YONGE
J
948b),
the
ctenidia
to
type
B(I)(A
TI<INS
1936c)
and
lhe
stomach
is
of
type
III
(PURCHON
1957)
or
Section
I
(DINAMANI
1967)
wilh
sorting
mecanisms
of
type
A
and
B(REID
1965).
A
general
comparison
was
made
between
the
genera
ofthe
MytiJidae
known
and
some
features
of
Mytella
Soot-Ryen,
1955.
KEY
WOROS.
Bivalvia,
Mytilidae,
Perna perna,
functional
anatomy,
Brazilian
littoral
De acordo com
SOOT-RYEN
(1955), afamília Mytilidae compreende 23
gêneros, dos quais
KLAPPENBACH
(1964) registrou apenas
12
em águas brasileiras:
Mytilus Linné, 1758, Perna Retzius, 1788, Braehidontes Swainson, 1840, Mytella
Soot-Ryen, 1955, Modiolus Lamarck, 1799, Amygdalum Megerle von Mühlfeld,
1811, Lioberus Dahl, 1898, Museulus Rõding, 1789, Gregariella Monterosato,
1884, Crenelfa Brown, 1827, Botula Mõrch, 1853 eLithophaga Rõding, 1798. O
gênero Perna
foi
criado por Retzius
em
1788 na "Dissertatio historico-naturalis
nova Testaceorum genera"
(SooT-RYEN
1955), com otipo Perna magellaniea
Retzius, 1788,
descrito em 1758 por Linné como Mya
perna
(KLAPPENBACH
1965). Ogênero
foi
revalidado,
em
1955, por
SOOT-RYEN
(1955), por ser onome
mais antigo para ogrupo de mitilídeos incluídos comumente no gênero Chloromya
Mõrch, 1853. Ogênero, segundo
SIDALL
(1980), caracteriza-se pela concha lisa,
borda resilial perfurada, duas cicatrizes de músculos retratores
do
pé, usualmente
dois (às vezes um) dentes dissodontes, dez adezoito dentes primários laterais e
ausência
do
músculo adutor anterior.
Aespécie
P.
perna
foi
descrita por Linné, em 1758, na décima edição do
"Systema Naturae", com onome de
Mya
perna.
Na
sinonímia estão, entre outros,
Mytilus elongatus Chemnitz, 1785, Perna magellaniea Retzius, 1788, Mytilus
magelfanieus Rõding, 1788 eMytilus (Chloromya) perna (Linné, 1758).
1)
Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo. Caixa
Postal
11461
,05422-970 São Paulo, São Paulo, Brasil.
2) Departamento de Biociências, Universidade de Guarulhos. 07023-070 Guarulhos, São
Paulo, Brasil.
Revta bras. Zoa
I.
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ANATOMIA FUNCIONAL DE PERNA PERNA (L1NNÉ)

(BIVALVIA, MYTILlDAE)

Walter Narchi 1 Mario Sergio Galvão-Bueno 2

ABSTRACT. FUNCTIONAL ANATOMY OF PERNA PERNA (LINNÉ) (BIVAl VIA, MVTlllDAE).

Perna perna (Linné, 1758) occurs on the Atlantic littoral from Venezuela to Uruguay.

The main organ systems were studied in lhe living animais, particular attention being

paid to lhe ciliary feeding and c1eansing mechanisms in lhe mantle cavity. The

anatomy, functioning oflhe stomach and the ciliary sorting mechanisms are described.

The siphons belong to type A(YONGE J948b), the ctenidia to type B(I)(A TI<INS 1936c)

and lhe stomach is of type III (PURCHON 1957) or Section I (DINAMANI 1967) wilh

sorting mecanisms of type A and B (REID 1965). A general comparison was made

between the genera ofthe MytiJidae known and some features of Mytella Soot-Ryen,

KEY WOROS. Bivalvia, Mytilidae, Perna perna, functional anatomy, Brazilian

littoral

De acordo com SOOT-RYEN (1955), a família Mytilidae compreende 23

gêneros, dos quais KLAPPENBACH (1964) registrou apenas 12 em águas brasileiras:

Mytilus Linné, 1758, Perna Retzius, 1788, Braehidontes Swainson, 1840, Mytella

Soot-Ryen, 1955, Modiolus Lamarck, 1799, Amygdalum Megerle von Mühlfeld,

1811, Lioberus Dahl, 1898, Museulus Rõding, 1789, Gregariella Monterosato,

1884, Crenelfa Brown, 1827, Botula Mõrch, 1853 e Lithophaga Rõding, 1798. O

gênero Perna foi criado por Retzius em 1788 na "Dissertatio historico-naturalis

nova Testaceorum genera" (SooT-RYEN 1955), com o tipo Perna magellaniea

Retzius, 1788, já descrito em 1758 por Linné como Mya perna (KLAPPENBACH

1965). O gênero foi revalidado, em 1955, por SOOT-RYEN (1955), por ser o nome

mais antigo para o grupo de mitilídeos incluídos comumente no gênero Chloromya

Mõrch, 1853. O gênero, segundo SIDALL (1980), caracteriza-se pela concha lisa,

borda resilial perfurada, duas cicatrizes de músculos retratores do pé, usualmente

dois (às vezes um) dentes dissodontes, dez a dezoito dentes primários laterais e

ausência do músculo adutor anterior.

A espécie P. perna foi descrita por Linné, em 1758, na décima edição do

"Systema Naturae", com o nome de Mya perna. Na sinonímia estão, entre outros,

Mytilus elongatus Chemnitz, 1785, Perna magellaniea Retzius, 1788, Mytilus

magelfanieus Rõding, 1788 e Mytilus (Chloromya) perna (Linné, 1758).

  1. Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo. Caixa Postal 11461 ,05422-970 São Paulo, São Paulo, Brasil.
  2. Departamento de Biociências, Universidade de Guarulhos. 07023-070 Guarulhos, São Paulo, Brasil.

Revta bras. ZoaI. 14 (1): 135 -168,

136 NARCHI & GALVÃO-BUENO

Da mesma forma, Mytilus achatinus Lamarck, 1819 (LAMY 1920) e Mytilus

elongatus Metivier, 1967 (Rios 1994) devem ser consideradas como sinônimos de

Perna perna (Linné, 1758).

SIDDALL (1980) tentou fazer uma revisão histórica e esclarecer o posiciona-

mento do gênero Perna, mostrando quão confuso é o status taxonômico das espécies

dentre os Mytilidae. Para MORTON (1987), como o autor precedente, o gênero Perna

é representado por três espécies com distribuição geográfica sem recobrimento: P.

canaliculus (Gmelin, 1791) restrito a Nova Zelândia, P. viridis (Linné, 1758) do

Indo-Pacífico, e P. perna que é amplamente distribuída ao longo das costas da África

e da costa atlântica da América do Sul.

Perna perna vive na costa oeste do Atlântico desde a Ilha Margarita e

Cumaná (Venezuela) até a Ilha de Lobos e Punta dei Este (Uruguai), sendo abundante entre Rio de Janeiro e Santa Catarina (KLAPPENBACH 1964; BEAUPER- THUY 1967a). Segundo LANGE DE MORRETES (1949) a espécie ocorre no Rio de Janeiro, Santos (São Paulo), Paraná e Santa Catarina. Para KLAPPENBACH (1965), esta espécie constitui o maior mitilídio brasileiro. Rios (1994) registrou seu apare- cimento na Venezuela, toda a costado Brasil até o Uruguai; duvida de sua ocorrência em Mar dei Plata, Argentina, e assinalou seu aparecimento na África do Sul. A espécie foi descrita originalmente para o Estreito de Magalhães, localiza- ção considerada errada por KLAPPENBACH (1964). Parece que sua distribuição não se extende para0 sul, além do Uruguai, onde é confirmada por BARAlTINI & URETA (1961). A espécie não é citada para a região patagônica nos catálogos de CARCELLES (1944, 1950), CARCELLES & WILLlAMSON (1951) e AGEITOS DE CASTELLANOS

(1957). Para SlDDALL 1980, registros do aparecimento de P. perna em águas frias

ao sul do Rio da Prata, Argentina, até o Estreito de Magalhães, constituem pontos

a serem discutidos. Também não há referências para essa espécie na costa pacífica pois, segundo BEAUPERTHUY (1967b) não ocorre no litoral do Chile. Curiosamente, BEAPERTHUY (1967b) estende sua distribuição às costas da África e da Ásia Central, devido a ampliação da sinonímia, o que pode ter acontecido com BERR Y (1978) e LUBET (1973).

Perna perna é molusco de importância alimentar nas regiões onde ele ocorre

em grande quantidade, ou seja, entre os estados do Rio de Janeiro e Santa Catarina (IHERING 1900). Essa espécie foi estudada sob vários aspectos. SAWAYA & ABBUD (1963) estudaram a farmacologia do músculo adutor, trabalho continuado por ABBUD (1969). A fisiologia e a farmacologia do coração foi objeto de pesquisa por

SAWAYA & KHOURI (1963,1965) e SAWAYA & OLIVEIRA (1965). LAVALLARD et

aI. (1969) pesquisaram o crescimento relativo da concha. Sem dúvida nenhuma, os

aspectos da reprodução e desenvolvimento da espécie mereceram a atenção de

muitos autores. BOUCART et aI. (1965), discutiram a ultra estrutura do espermato-

zóide. ROIAS (1967) e ROIAS & MARTINEZ (1967) pesquisaram os aspectos da

biologia principalmente a reprodução e desenvolvimento larval experimental da espécie. EPIFANIO (1967) identificou e descreveu as larvas do mexilhão do litoral da Venezuela. UMIn (1969) estudou a neurosecreção e sua correlação com o ciclo reprodutivo do animal. ROMERO (1980) verificou os efeitos da salinidade e tempe-

raturasobre embriões e larvas de P. perna. LUNETTA (1969) e CARMO & LUNETTA

138 NARCHI^ &^ GALVÃO-BUENO

Os animais foram mantidos vivos em aquários colocados em ambiente com temperatura constante (20°C) por períodos de até 30 dias. Foram utilizados animais vivos, anestesiados e posteriormente fixados em álcool ou formol. Desenhos foram feitos observando-se animais vivos ou animais fixados; aos detalhes de anatomia adicionou-se, posteriormente, indicações funcionais, tais como correntes ciliares. Estas foram visualizadas pela movimentação de partículas em suspensão de carmim, de aquadag (grafite coloidal) e carborundum bem fino, a medida que precipitavam sobre os órgãos e estruturas. A utilização de aquadag e de carborundum, técnica já usada por ATKINS (l936a), NARCHI (1972 e 1974b) e HEBUNG (1976), visa eliminar as dificuldades apontadas por KELLOGG (1915) com o uso do carmim, que, muito leve, permanece em suspensão na água, sendo carregado por ela e não pelos cílios. Dissecções foram processadas pelas técnicas usuais. Cortes seriados de 10l!m foram feitos em animais fixados em Bouin e inclui dos em parafina. A coloração foi feita pelo processo tradicional da hematoxi- lina e eosina. Animais fixados em álcool ou formol foram previamente anestesiados com cloreto de magnésio, para evitar retração, como fizeram HEBLING (1976), NARCHl

(1972) e AVELAR & NARCHl (1984).

Os ctenídios foram examinados em animais vivos, em água do mar, e as correntes ciliares observadas com a adição de carborundum em pó, aquadag e carmim, segundo a metodologia de RrDEWOOD (1903), ATKINS (1936c), NARCHI (1972) e HEBLING (1976).

Os palpos foram estudados sob microscópio estereoscópico, sob água do mar, usando-se carmim e carborundum em pó para a evidenciação das correntes ciliares, técnica já usada por NARCHI (1974a). Para evidenciar as correntes entre as pregas que permanecem encostadas umas às outras, os palpos foram dobrados de várias maneiras. Para o estudo do canal alimentar foram feitas dissecções, sob microscópio estereoscópico, em animais fixados em álcool ou formol e em animais vivos. Cortes transversais, espessos, de 0,5 a 1cm de espessura, foram feitos e desenhados. Completou-se o estudo com cortes seriados de animais totais (I Ol!m de espessura), seguidos de reconstituição gráfica.

As observações de espécimes vivos foram realizadas nos próprios locais de coleta e os trabalhos de laboratório, no Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, onde foram mantidos vivos e em boas condições por algum tempo.

RESULTADOS

Valvas da Concha A concha dos mitilídeos é equivalva e inequilateral, com umbos prosógiros próximos à extremidade anterior (SOOT-RYEN 1955). A concha da espécie aqui estudada é equivalva e inequilateral, mitiliforme, com um ângulo suave no lado dorsal, borda posterior arredondada e lado ventral

Anatomia funcional de Perna perna (Linné)... 139

côncavo (Fig. 1). Foi verificado para Perna perna o mesmo fato já apontado por

WHlTE (1937) para Mytilus edulis Linné, 1758, ou seja, a tendência que a concavi-

dade da borda ventral das valvas tem em ser maior nos animais que vivem em costões

expostos do que naqueles de costões protegidos. Nestes, a borda ventral toma-se

mais convexa.

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Figs 1-3. Perna perna. (1) Aspecto externo da concha, vista pelo lado esquerdo; (2) detalhe da região umbonal interna da valva direita; (3) face interna da valva direita. (ars) Cicatriz do músculo anterior retrator do bisso, (by) bisso, (f) pé, (frs) cicatriz do músculo retrator do pé, (mrs) cicatriz do músculo mediano retratordo bisso, (pas) cicatriz do músculo adutor posterior, (pl) cicatriz do músculo palial, (prs) cicatriz do músculo posterior retrator do bisso, (r) resílio, (t) dente, (u) umbo.

o ângulo dorsal em P. perna situa-se na metade do comprimento do animal.

Ao estudar a condição heteromiária, YONGE (1953) concluiu que a fixação através

do bisso fez com que o pé se tomasse um ponto ventral de fixação levando a

alterações na forma do corpo com o conseqüente deslocamento dos umbos e do

ligamento para a região anterior. Com isso, a região dorsal foi a mais afetada, tendo

Anatomia funcional de Perna perna (Linné) ... 141

retrator do pé (Fig. 3, frs), maior em P. perna que do que em Mytella charruana,

observada por NARCHI & GALVÃo-BuENO (1983). Essa cicatriz conflue com a do

músculo retrator mediano do bisso (mrs), aproximadamente circular e concentrada

em P. perna, e alongada e estendendo-se para a parte posterior em Mytella char-

ruana.

A cicatriz do músculo retrator posterior do bisso (Fig. 3, prs) se continua com a cicatriz arredondada do músculo adutor posterior. Deste parte uma cicatriz alongada que percorre a parte posterior e a parte ventral da valva, pertencente ao músculo da margem do manto, que apresenta uma leve reentrância para o centro da valva na região do pé, simulando um seio palial muito incipiente. Os sifões não têm nenhum efeito sobre o ligamento. Como nos outros Mytilacea (YONGE 1957), as extensões periostracais do ligamento dessa espécie

parecem ter significado funcional, provavemente devido à redução dos dentes. A

extensão periostracal posterior já havia sido observada em Modiolus, Lithophaga e

Botula por YONGE (1955), em Brachidontes darwinianus darwinianus por A VELAR

& NARcm (1984) e em Mytilus por YONGE (1957). TRUEMAN (1950), que também

estudou esse último gênero, denominou a extensão periostracal posterior de "coberta posterior".

Sifões

Os sifões são formados pela fusão das dobras do manto ou mesmo pelo próprio manto. Foram classificados por Yonge de acordo com o tipo de fusão e as

partes do manto envolvidas. Os sifões de P. perna classificam-se como do tipo A

(YONGE 1948b), onde somente a dobra interna, muscular, está envolvida; a abertura exalante conserva o caráter primitivo e não constitui um verdadeiro sifào, é assim formada, conservando o caráter primitivo. A margem ventral do sifão inalante é formada pela justaposição das margens do manto. Sua abertura se continua pela abertura do pé, o que é característico em Mytilidae, até mesmo nos gêneros que

possuem sifões longos, como em Lithophaga (YONGE 1955) e em Botula (FANKBO-

NERI971).

Os sifões sendo formados pela prega interna não apresentam tentáculos, embora na borda da abertura inalante exista uma série de lóbulos tentaculares, como nos Tellinacea, cujo sifão também é desse tipo (YONGE 1957).

O sifão exalante é completo, como em todos os Mytilidae (YONGE 1955), e formado apenas por uma projeção do manto ao redor do orifício exalante (Figs. 4-5). YONGE (1948b) considera-o mais como abertura do que como sifão verdadeiro. Sua margem é simples, sem papilas ou tentáculos, e a abertura é bem menor do que a do inalante.

O sifão inalante tem sua abertura continuando-se pela abertura do pé. As margens do sifão inalante são lobuladas e na região ventral se justapõem, comple- tando o sifão. Sua borda é densamente frangeada, apresentando, de cada lado, seis espessamentos na superficie interna. Quando o sifão se fecha, esses espessamentos se encaixam como dentes de uma engrenagem. A margem é pregueada com lóbulos

tentaculares curtos, digitiformes, pouco maiores em P. perna que em Mytella

charruana, como descritos porNARCHI & GALVÃo-BuENO (1983), se bem que esta

142 NARCHI & GALVÃO-BUENO

última espécie projete seu sifão mais para fora que aquela espécie. Assim que o sifão se abre, as papilas voltam-se para a região interna da abertura restringindo o seu tamanho. Quando os animais eram colocados em água limpa e estavam em completo repouso, o sifão se distendia totalmente e as papilas voltavam-se para o exterior, aumentando a abertura. O mesmo fato foi também observado por A VELAR &

NARCHl (1984) em Brachidontes darwinianus darwinianus e porNARcHl & GAL-

VÃO-BUENO (1983) em Mytella charruana. As papilas são maiores e ramificadas nos espessamentos e menores e simples entre eles.

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Figs 4-5. Perna perna, sifões exalante e inalante. (4) Vistos pelo lado direito do animal; (5) vistos pela região posterior do animal. A pigmentação da face intema dos sifões não está representada. (ex) sifão exalante, (in) sifão inalante, (sm) membrana sifonal.

A abertura do sifão inalante é separada da do sifão exalante por uma lâmina triangular que, distendendo-se ou contraindo-se, pode também aumentar ou reduzir essa abertura. KELLOGG (1915) a descreveu em Mytilus edulis e Mytilus californi- anus Conrad, 1837, e a denominou de membrana branquial, o que foi confirmado por WHlTE (1937) para aquela espécie. ORTON (1912) já a observara neste gênero, chamando-a de "cortina". Ocorre ainda em Brachidontes darwinianus darwinianus segundo AVELAR & NARCHl (1984). Aparece também em espécies dos gêneros

144 NARCHI & GALVÃO-BUENO

Considera-se, geralmente, três tipos de músculos extrínsecos: músculos adutores, músculos do bisso e músculos do pé. Entre os músculos intrínsecos, o músculo marginal do manto é o mais importante.

Músculos Adutores

O gênero Perna é caracterizado, segundo SrnDALL (1980) nos animais

jovens e adultos, e segundo RIos (1994) nos animais adultos, pela ausência total do

músculo adutor anterior (Fig. 6). Em P. perna foi encontrado apenas o músculo

adutor posterior (pam), cuja localização, seção e tamanho são semelhantes aos do

adutor posterior de Mytella charruana (NARCH1 & GALVÃo-BuENO 1983). Perna

atinge, então, a condição monomiária, que ocorre entre os mitilídios nesse gênero

(SooT-RYEN 1955) e, de acordo com SIDDALL (1980) em Chloromytilus Soot-Ryen,

1952 e Perna.

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Fig. 6. Perna perna, musculatura em vista lateral esquerda. (a) vista dorsal semi esquemática, (arm) músculo anterior retratar do bisso, (frm) músculo retratar do pé, (mmm) músculo marginal do manto, (mrm) músculo mediano retrator do bisso, (pam) músculo adutor posterior, (prm) músculo posterior retrator do bisso.

Anatomia funcional de Perna perna {Linné)... 145

Músculos do Bisso

Existem três pares de músculos retratores do bisso: um anterior, um mediano

e um posterior (Fig. 6). Em P. perna, como em Mytella charruana, o padrão de

constitllição desses músculos é o mesmo, mas em P. perna eles são muito mais

desenvolvidos do que em M charruana, relacionando-se, portanto, ao hábito

daquela espécie, onde os indivíduos se fixam fortemente pelo bisso às rochas.

Os músculos anteriores retratores do bisso (Fig. 6, arm) são longos e delgados, inserindo-se na região dorsal anterior, um na valva direita e outro na esquerda, fora da cavidade umbonal. Unem-se ao passar por entre os músculos retratores do pé (frm), terminando na glândula do bisso. A sua inserção valvar é

dorsal e maior em P. perna do que em M charruana (NARCHI & GALVÃo-BuENO

Os músculos medianos retratores do bisso (mrm) são mais curtos e espessos que os anteriores. Inserem-se ventralmente ao resílio, abaixo do ângulo dorsal da valva, juntamente com os músculos retratores do pé (frm).

Os músculos posteriores retratores do bisso (prm), longos e de espessura semelhante à dos músculos medianos, fixam-se acima da inserção do músculo

adutor posterior. Em P. perna sua inserção não une as cicatrizes do músculo

mediano retrator do bisso (mrm) e a do músculo adutor posterior (pam) de cada

lado. Em M charruana (NARCHI & GALVÃO-BUENO 1983) ocorre formando essa

união uma cicatriz contínua.

Músculos do Pé No pé existem dois músculos retratores, que se inserem na região dorsal da concha, contígua e internamente à inserção dos músculos retratores medianos do bisso. São os músculos retratores do pé (Fig. 6, frm). Cada músculo é estreito, com sua parte distai paralela ao músculo retrator mediano do bisso (mrm), enquanto sua parte proximal contorna os músculos retratores anteriores do bisso (arm) e, com outras fibras musculares e outros tecidos, forma o pé.

Músculo Marginal do Manto Entre os músculos intrínsecos ressalta-se o músculo marginal do manto (Fig. 6, mmm), que se estende desde o músculo adutor posterior (pam) até a região anterior do animal, chegando até o músculo adutor anterior (aam). Percorre toda a borda do manto e, na porção ventral do animal, apresenta uma leve concavidade mediana. Na região posterior, próximo e ventral ao músculo adutor posterior (pam),

é forte, correspondente à região do sifão inalante, de maior motilidade.

Este músculo é constituído por fibras radiais que se inserem na valva ao longo da linha palial e por fibras longitudinais entre as radiais. A motilidade da margem do manto é conseqüência da ação desses músculos e também da pressão do sangue nas lacunas aí existentes.

Pé e bisso O pé é um órgão cilíndrico, densamente musculoso e achatado na região ventral, onde apresenta uma série de dobras rasas, paralelas entre si e de disposição transversal (Fig. 7). Nessa face localiza-se longitudinalmente o sulco do bisso (bg),

Anatomia funcional de Perna perna (Linné) ... 147

nenhum bivalve adulto. Porém, vários autores, entre eles, NARCHI (l974b) em

Petricola typica (Jonas, 1844) e AVELAR & NARCHI (1984) em Brachidontes

danvinianus darwinianus, evidenciaram ciliação no pé de animais adultos. WHITE

(1937), ao descrever o pé de Mytilus edulis, observou ser ele coberto por um epitélio

ciliado.

O bisso é constituído por um eixo principal de cerca de I mm de espessura, de comprimento variável, do qual parte um grande número de filamentos secundá-

rios. Na região do eixo principal, próximo à glândula bissogênica, esses filamentos

secundários são nitidamente distribuídos em duas fileiras longitudinais, de situação diametralmente opostas. Na região distai do eixo, essa distribuição é mascarada pelo emaranhado dos filamentos.

Cada filamento tem, em sua extremidade distai, um disco de fixação, com o qual o animal se fixa ao substrato rochoso.

A formação dos filamentos do bisso foi observada em animais colocados em aquários, olhando-se através da parede de vidro onde eles se fixavam. Inicialmente o animal toca várias vezes o vidro, em um comportamento exploratório e, a seguir, aplica a face ventral do pé sobre ele. A glândula bissogênica elimina, então, muito lentamente, uma substância líquida pastosa de cor amarelada, que é pressionada para o sulco ventral através de movimentos musculares do pé e do corpo do animal. Essa substância preenche o sulco, agora fechado em canal e chega até a cavidade terminal do sulco, onde é forçada contra o substrato. Nessa região forma-se o disco adesivo terminal. O pé é, então, retirado lentamente, liberando o filamento contido no sulco que mostra ser contínuo com o eixo principal do bisso. WHITE (1937) relata a

descrição da formação do bisso em Mytilus edulis feita por WILLIAMSON (1907 apud

WHITE 1937), que é muito semelhante à descrição aqui registrada, acrescentando que os filamentos endurecem ao contato com aáguado mar, e que o disco de fixação de sua extremidade é produzido por uma secreção adesiva das glândulas purpúreas, que se localizam no sulco do pé próximas a sua fosseta terminal. O filamento, assim que se torna visível, é amarelado, enquanto WHITE (1937) observou que inicialmen- te tinham coloração branca.

Os filamentos são produzidos, portanto, por modelagem neste sulco pedioso e não pela secreção em forma filamentosa. O bisso é secretado em forma de lamelas

(BOUTAN 1895). Em Mytilus edulis os filamentos bissais são formados por proteínas

"fenólicas" originárias das glândulas purpúreas, formação essa que ocorre no sulco, sob a ação de polifenovidases (PUJOL 1967).

Cavidade do Manto

Topografia

A disposição dos principais órgãos da cavidade do manto está detalhada nas figuras 8 e 9, não havendo necessidade de descrição pormenorizada.

As considerações principais, válidas para a espécie em estudo, são as seguintes:

a) A massa visceral e o manto, nos animais sexualmente maduros, apresentam coloração amarelada nos machos e avermelhada nas fêmeas.

Revta bras. Zoo!. 14 (1): 135 -168, 1997

148

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9

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NARCHI & GALVÃO-BUENO

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in

rod

Figs 8-9. Perna perna, topografia da cavidade palial, vista do lado esquerdo do animal. (8) Após a remoção de parte do manto; (9) após a remoção de parte do manto e do ctenidio esquerdo. (alod) lamela ascendente da demibrânquia externa, (arm) músculo anterior retratar do bisso, (by) bisso, (ex) sifão exalante, (f) pé, (frm) músculo retrator do pé, (hr) região do coração, (in) sifão inalante, (lid) resto demibrânquia interna esquerda, (Iod) resto da demi- brânquia externa esquerda, (Iolp) palpo esquerdo externo, (m) manto, (mrm) músculo mediano retrator do bisso, (pam) músculo adutor posterior, (prm) músculo posterior retratar do bisso, (rid) demibrânquia interna direita, (rilp) palpo labial interno direito, (rod) demibrân- quia externa direita, (rolp) palpo labial externo direito, (u) umbo.

150 NARCHI & GALVÃO-BUENO

(=Modiolaria) marmoratus (Forbes, 1838), Musculus (=Crenela) discors (Linné,

1767) por ATK1NS (1936c) e em Brachidontes darwinianus darwinianus por A VE-

LAR & NARCHI (1984).

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Figs 10-11. Perna perna. (10) Esquema da secção transversal do ctenídio, mostrando a direção das correntes frontais; (11A) porção terminal de um filamento branquial; (11 B) correntes frontais nessa porção. (ai) Lamela ascendente, (alid) lamela ascendente da demi- brânquia interna, (alod) lamela ascendente da demibrânquia externa, (cd) discos ciliares, (di) porção descendente do filamento, (dlid) lamela descendente da demibrânquia interna, (dlod) lamela descendente da demibrânquia externa, (id) demibrânquia intema, (mg) sulco marginal, (od) demibrânquia externa, (e) correntes com direção oral.

Na borda ventral de cada demibrânquia existe um sulco marginal ciliado

(mg), bastante profundo em ambas as espécies. Outro sulco profundo forma-se na

região dorsal, na junção da lamela descendente da demibrânquia interna com a

lamela descendente da demibrânquia externa. Dois sulcos rasos são delimitados por

Anatomia funcional de Perna perna {Linné) ... 151

leves dobramentos na borda dorsal de cada filamento, tanto da lamela ascendente

da demibrânquia interna (próximo ao epitélio da massa visceral), quanto da lamela

ascendente da demibrânquia externa (próximo ao manto). Em todos esses cinco

sulcos existem correntes ciliares em direção oral.

cd

  • fe

ai 0,1 mm

di

Fig. 12. Perna perna. Corte transversal de uma demibrânquia. (aI) Lamela ascendente, (cd) discos ciliares, (di) lamela descendente, (fc) cílios frontais, (ij) junção interlamelar, (Ic) cílios laterais, (Ife) cílios eu-Iátero-frontais.

o padrão de correntes nas superficies dos ctenídios é o mesmo encontrado

por NARCHI & GALVÃo-BuENO (1983) em Mytella charruana. Em ambas as

demibrânquias as correntes ciliares são dirigidas para a região ventral, carregando

as partículas para o sulco ciliar marginal. Apenas numa pequena faixa longitudinal

que margeia a porção dorsal dos ctenídios as correntes são dirigidas para a região

dorsal, conduzindo partículas para as bordas das lamelas ascendentes e paraaorigem

das lamelas descendentes. As partículas transportadas passam, nessas regiões, para

correntes de aceitação, com direção oral.

Os cílios frontais batem continuamente levando partículas para a região

ventral. Os cílios eu-Iátero-frontais, maiores que os frontais, são mais ou menos

rígidos e guardam a passagem interfi lamentar; por essa razão MOORE (1971) e

Anatomia funcional de Perna perna (Linné) ... (^153)

apontadas por KELLOGG (1915), NARCHI (1972) e MORTON (1987), e podem levar a erros de omissão.

NARCHI & GALVÃo-BuENO (1983) observaram que os palpos de Mytella

charruana são bastante longos, atingindo até a metade do corpo do animal, o que

não acontece porém em P. perna, cujos palpos não excedem a um quarto do

comprimento do animal.

/- J J I

Fig. 13. Perna perna, aspecto funcional dos palpos. (A-B) Vista interna e externa do palpo externo esquerdo; (C-D) vista externa e interna do palpo interno esquerdo. As setas indicam o caminho das partículas. (a) Região anteríor, (d) região dorsal, (p) região posterior, (v) região ventral.

o estudo dos palpos é dificil. A fragilidade dos mesmos é um obstáculo à sua manipulação. Nas condições normais, as dobras apresentam-se encostadas umas às outras, impedindo a análise da região profunda entre elas, o que só é possível com o dobramento do palpo.

As correntes ciliares observadas nos palpos foram representadas, de forma esquemática, nas figuras 13-15, e são as seguintes:

Correntes transversais:

1.1 - correntes em direção dorsal, na face lisa não voltada para as brânquias; 1.2 - correntes em direção ventral, na zona dorsal (não pregueada) da face voltada para as brânquias; 1.3 - correntes em direção à margem livre, na zona ventral da dobra longitudinal do palpo; 1.4 - correntes em direção ventral, nas cristas das pregas transversais; 1.5 - correntes em direção dorsal, entre as pregas transversais.

Correntes longitudinais de aceitação (ápice - base do palpo):

2.1 - correntes na face interna da margem livre ventral da dobra longitudinal; 2.2 - corrente na intersecção da dobra longitudinal com a face pregueada.

Correntes longitudinais de rejeição (base - ápice do palpo):

3.1 - corrente no sulco ventral, onde terminam as pregas transversais.

154 NARCHI^ &^ GALVÃO-BUENO

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14

Fig. 14. Perna perna, representação semiesquemática das correntes ciliares na superfície dos palpos. (A) Correntes ciliares na face pregueada; (B) pequena seção dás pregas; (C-D) mecanismo de tríagem. As setas índicam o caminho das partículas. (a) Região anterior, (aee) correntes de aceitação, (d) região dorsal, (p) região posterior, (rej) correntes de rejeição, (v) região ventral. (em C-D: ~ partículas grandes; .....~ partículas pequenas).

Todas as correntes transversais, ·com exceção das correntes em direção dorsal

entre as pregas (1.5), circundam o palpo sempre no mesmo sentido, passando

dorsal mente pela face externa não pregueada, daí para a face interna voltada para

as brânquias e, então, ventralmente sobre esta (Figs 14-15).

As partículas que chegam até o palpo são triadas de acordo com o seu

tamanho (Fig. 14). As que incidem na face lisa externa do palpo são carregadas,

pela borda dorsal, à face oposta, de onde são levadas pelos batimentos ciliares até

a borda livre da dobra longitudinal. Como esta recobre parcialmente a região