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Uma revisão da teoria do gênero discursivo, sua importância na compreensão da linguagem e sua aplicação em textos escritos. O texto aborda diferentes teorias sobre gêneros, como as teorias de john swales, carolyn miller, gunther kress e jim martin, e as fases cronológicas na pesquisa sobre gêneros no contexto anglofônico. Além disso, o documento discute as teorias sociológicas de mikhail bakhtin e suas contribuições para a pedagogia de redação acadêmica. O texto também enfatiza a importância de analisar o contexto e o texto em conjunto, além da necessidade de ensinar a compreender o funcionamento de gêneros na sociedade.
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Tipologia: Esquemas
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MOITA LOPES: INGLÊS E GLOBALIZAÇÃO EM UMA EPISTEMOLOGIA... 341
ENSINO E A PESQUISA DE LINGUAGEM^1
(Critical genre analysis: contributions to language teaching and research)
Désirée MOTTA-ROTH (LABLER-Laboratório de Pesquisa e Ensino de Leitura e Redação Universidade Federal de Santa Maria)
RESUMO: É crescente o interesse pela análise de práticas discursivas em contextos específicos, envolvendo atividades e papéis sociais recorrentes. O conceito de gênero discursivo tem emergido como um uma ferramenta de teorização e de explanação sobre como a linguagem funciona para criar e recontextualizar interações sociais. O objetivo do presente artigo é apresentar um levantamento amplo da discussão sobre o conceito de gênero na literatura recente, especialmente em relação à delimitação, análise e interpretação da linguagem como gênero sob uma perspectiva crítica. Contribuições para as práticas pedagógicas de linguagem são apontadas, tomando por referência a Análise de Gêneros, a Análise do Discurso Crítica, a Lingüística Sistêmico-Funcional e o Interacionismo Sócio-Discursivo. PALAVRAS-CHAVE: Análise Crítica de Gêneros, levantamento de pesquisa, linguagem e atividade, implicações para o ensino e aprendizagem de línguas
ABSTRACT: There is an increasing interest on the analysis of discursive practices in specific contexts, involving recurrent social activities and roles. The concept of discursive genre has emerged as a tool for theorizing and explaining on how language functions in order to create and to re-contextualize social interactions. The objective of the present article is to present an overview of the research work around the concept of genre in recent literature, especially relating to the delimitation, analysis and interpretation of language
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as genre under a critical perspective. Contributions to the language pedagogy are pointed out with reference to Genre Analysis, Critical Discourse Analysis, Systemic-Functional Linguistics, and Socio-Discursive Interactionism. KEY-WORDS: Critical Genre Analysis, overview of research work, language and activity, implications for language teaching and learning
Há, na atualidade, um crescente interesse pela análise de diferentes gêneros discursivos da vida social a partir de atividades e papéis sociais recorrentes do dia a dia em uma diversidade de contextos culturais (ver, por exemplo, Kaufer 2006; Al-Ali 2006; Jorge & Heberle 2002; Machado e Cristóvão 2006). Em virtude desse interesse, busco fazer, neste trabalho, um inventário de contribuições teórico-metodológicas da Análise Crítica de Gêneros para a pesquisa e o ensino da linguagem. Para tanto, localizo historicamente os estudos de gêneros discursivos, sintetizo a discussão sobre o conceito na literatura e, por fim, aponto algumas contribuições da perspec- tiva crítica sobre os gêneros para a pesquisa e o ensino da linguagem.
Este apanhado histórico é apenas uma versão unilateral e limitada dos estudos de gêneros discursivos no Brasil e no exterior. Delimito meu lugar de fala para traçar esse histórico como membro GT do Grupo de Trabalho de Lingüística Aplicada da ANPOLL-Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Letras e Lingüística, atuando no Sub-GT de “Teorias de Gêneros em Práticas Sociais”. É desse lugar bem restrito que escrevo: como analista do texto e do discurso, formadora de professores de lingua- gem, interessada no ensino de leitura e redação e na metodologia de pes- quisa que usamos para analisar os gêneros discursivos (Motta-Roth 2006a; 2006b). O GT de LA combina pessoas interessadas nesses 3 pontos focais: Teoria e Análise de Gêneros no Contexto Social, Formação de Professores e Ensino e Aprendizagem.
Inicio minha exposição, partindo desse lugar para fazer uma pequena “cartografia” da pesquisa no âmbito internacional, comparando-as e in- ventariando algumas de suas contribuições teórico-metodológicas. Em se-
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rência de elementos léxico-gramaticais dentro dos limites da sentença. Os estudos dessa primeira fase enfocavam a textualização e a léxico-gramáti- ca. Já na parte final dessa fase, as pesquisas identificam-se com a Lingüís- tica Textual de autores como Beaugrande & Dressler (1981), pois buscavam identificar traços de textualidade na superfície dos textos.
Nos anos 80 e 90, os estudos sobre organização textual da segunda fase (cf.: Bhatia 2004: 8-10) enfocavam a macroestrutura do texto para identificar regularidades na organização do discurso em termos de estrutu- ras textuais básicas, estruturas retóricas ou esquemáticas. A ênfase é me- nos no contexto e mais nos aspectos macroestruturais.
Ao final dos anos 90 e início dos 2000, surgem múltiplos olhares sobre o fenômeno dos gêneros discursivos, com freqüente referência aos escritos de Mikhail Bakhtin e à análise do discurso crítica de Norman Fairclough. Essa terceira fase dos estudos de gêneros escritos enfatiza a contextualiza- ção do discurso, os aspectos externos da construção dos gêneros (cf.: Bhatia 2004: 11).
Cada uma dessas épocas representa um marco no desenvolvimento da teorização sobre gêneros, especialmente na segunda e na terceira fases.
A segunda fase representa um marco, porque, nessa época, emergem as teorias de gênero sobre textos escritos institucionalizados, especialmen- te aqueles do contexto educacional (cf.: Bhatia 2004:10). Nessa fase, cria- se um aparato teórico com três enquadramentos teóricos (cf.: Hyon 1996; Bhatia 2004), freqüentemente chamados de escolas:
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Por sua importância atual no cenário brasileiro, devemos acrescentar, a essa descrição, uma quarta tendência, a da chamada escola suíça, repre- sentada por autores como Jean-Paul Bronckart, Bernard Schneuwly e Joa- chin Dolz. Tomando o trabalho de J.-P. Bronckart como exemplo, pode-se dizer que o Interacionismo Sócio-Discursivo (ISD) teoriza centralmente sobre a semiotização das relações sociais, tendo como base o trabalho do Círculo de estudos de Lev Vygotsky (Bronckart 1999:13; Bronckart 2006:7; 9-10; 15) e o conceito de ação social, desenvolvido nas teses de Gertrude Elizabeth Margareth Anscombe (1957) e Jürgen Habermas (1987) (cf.: Bronckart 2006:15; 46).
O ISD contesta a atual divisão das Ciências Humans/Sociais por não se inscrever apenas numa ou noutra área, se constituindo em “uma corren- te da ciência do humano” e postulando que o “problema da linguagem é absolutamente central ou decisivo para essa ciência do humano (Bronckart 2006:10). Nesses termos, o quadro do ISD leva á análise da ação da lin- guagem como ação imputada a um agente, por um motivo e com uma intenção, situada em formações sociais identificáveis (Bronckart 1999:13). A ação de linguagem é analisada por meio do texto, a partir de tipos de discurso (teórico, interativo, etc.) e seqüências (narrativa, argumentativa, etc), mecanismos de textualização (conectores, coesão nominal, etc.) e mecanis- mos enunciativos (modalização, voz, etc.) (Bronckart 1999: 113-35).
As pesquisas desenvolvidas no Brasil na década de 90 identificam-se em grande escala com essas quatro escolas e originam um pensamento voltado para as práticas pedagógicas de linguagem. Constrói-se no país um arcabouço teórico fundado nessas quatro escolas que vai servir de base para propostas diversas como as de políticas públicas como os PCN (cf.: Brasil 1997), que tem influência do ISD e da teorização de Mikhail Bakh- tin (por exemplo, 1952-1953/1992a; b), ou as de reformas curriculares, como a recentemente implementada no Curso de Letras-Inglês da UFSM (cf.: Brasil 2004), inspirada nos quadros teóricos da sociorretórica america- na e da lingüística sistêmico-funcional australiana.
Antes de aprofundar a discussão sobre o conceito de gênero nessas quatro tendências, faço um inventário da pesquisa no Brasil a partir da perspectiva unilateral delimitada por mim.
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sil: o papel central da idéia de gêneros nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil 1997), de cuja elaboração muitos dos colegas fizeram parte. A cons- trução dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) foi concebida como um processo contínuo de invenção: eles deveriam influenciar positivamente a prática do professor e, ao mesmo tempo, deveriam poder, com base nessa prática e no processo de aprendizagem dos alunos, ser revistos e aperfeiço- ados (cf.: Brasil 2000:4).
Originalmente o objetivo dos PCN foi “dar significado ao conheci- mento escolar, mediante a contextualização; evitar a compartimentaliza- ção, mediante a interdisciplinaridade; e incentivar o raciocínio e a capacidade de aprender... [para] difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor, na busca de novas abordagens e metodologias.” (Brasil 2000:4).
Apesar das controvérsias surgidas entre pesquisadores brasileiros so- bre sua adequação ou mesmo legitimidade, para muitos deles, os PCN “se constituem como o guia maior das diferentes atividades educacionais no Brasil” (Bronckart & Machado 2004: 140). Ao defender o conceito de gê- nero como base da elaboração da proposta pedagógica de ensino de lin- guagem (Línguas Portuguesa e Estrangeira), o documento, faz uma contribuição importante no que tange à pesquisa e à prática pedagógica em linguagem:
A perspectiva da linguagem adotada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (doravan- te PCN) é orientada para a vida social e se configura em um avanço, se comparada à visão estruturalista amplamente adotada na escola até bem recentemente, em que se definia um programa de curso em termos de categorias da gramática normativa a serem trabalhadas de modo descontextualizado, tais como a concordância verbal e o emprego dos advérbios (Motta-Roth, 2006a: 497).
Os PCN adotam uma perspectiva social da linguagem ao defender uma aprendizagem que vai “além da memorização mecânica de regras gra- maticais ou das características de determinado movimento literário, o alu- no deve ter meios para ampliar e articular conhecimentos e competências que possam ser mobilizadas nas inúmeras situações de uso da língua com que se depara, na família, entre amigos, na escola, no mundo do trabalho” (cf.: Brasil 2002:55)
Na primeira metade da década de 2000, os membros do Sub-GT de Gêneros em Práticas Sociais da ANPOLL produziram muitos estudos de
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gênero em núcleos de pesquisa espalhados por quatro das cinco regiões do Brasil:^3
Ao longo da década de 2000, esses núcleos de pesquisa têm demons- trado vitalidade e produzido pesquisa sobre uma gama variada de gêneros discursivos, tanto da vida diária – como, por exemplo, o estudo de Jorge & Heberle (2002) sobre folder bancário e de Rodrigues (2001; 2003) sobre artigos jornalísticos – quanto da vida acadêmica – como os de Machado (com Lousada e Abreu-Tardelli 2004a; 2004b) e Motta-Roth (2001) sobre abstracts, artigos, resenhas e resumos.
Em 2003, o I Simpósio Nacional de Gêneros Textuais foi proposto como um evento de caráter interdisciplinar que reunisse várias perspecti- vas sobre o binômio língua-cultura. O Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina - PR, sob a coordenação das professoras Adja Durão, Elvira Nascimento e Vera Cristó- vão, realizou o 1º SIGET com especialistas de Língua Materna e Estrangei- ra de todas as regiões do país e do exterior. O II SIGET (realizado pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras, em União da Vitória, Paraná) constituiu-se em marco nas discussões e proposições de novos parâ-
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diferentes em vários aspectos, as quatro^4 escolas identificadas acima guar- dam pontos em comum em relação ao conceito de gênero, conforme passo a discutir.
A opinião de autores das quatro escolas sobre o que é gênero parece coincidir em pelo menos dois pontos:
Esses princípios comuns podem ser abstraídos de definições desses autores para gênero:
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Podemos dizer, então, que gêneros se referem a tipos relativamente es- táveis de enunciados (cf.: Bakhtin, 1952-1953/1992 a; b), usados para fins específicos em um dado grupo social. São processos sociais que levam a con- venções e expectativas reconhecíveis e compartilhadas (cf.: Grabe 2002: 250).
As quatro escolas de gênero, mencionadas anteriormente, estão muito presentes no contexto brasileiro atual, conforme demonstra a coletânea Teorias, métodos e debates (Meurer, Bonini e Motta-Roth 2005). Nesse volume, um grupo de autores brasileiros explica e dá exemplos da análise proposta por cada um desses enquadramentos teóricos de modo a contribuir para o entendimento das várias dimensões implicadas na produção de sentido.
Nos anos 2000, portanto, temos um cenário de múltiplos olhares so- bre o fenômeno dos gêneros discursivos. Nesta última fase dos estudos do texto escrito, identificada por Bhatia (2004) como de contextualização do discurso, a referência aos escritos de Bakhtin e à análise do discurso crítica, como a proposta por Norman Fairclough, entre outros, é cada vez mais freqüente e o conceito de gênero é cada vez mais expandido para além dos limites do léxico e da gramática, para abarcar o contexto social, o discurso e a ideologia (cf.: Berkenkotter 2001; Giannoni 2002).
Tal expansão demanda que as análises considerem as condições de pro- dução, distribuição e consumo do texto, e focalizem os textos que circulam na sociedade contra o pano de fundo do momento histórico. Olham-se as finalidades e a organização econômica dos grupos sociais, em termos de vida cotidiana, negócios, meios de produção, formações ideológicas, etc., que determinam o conteúdo, o estilo e a construção composicional dos gêneros, conforme os exemplos mostrados mais adiante de artigos acadê- micos que relatam pesquisas sobre gêneros.
Nessa fase de preocupação com o contexto social, autores de diferen- tes vertentes têm se concentrado em pelo menos três pontos distintos:
1º) O contexto institucional e as variações de epistemologias e práticas discursivas em diferentes áreas como o livro mais recente de Swales (2004) sobre os gêneros de pesquisa em diversas áreas e o artigo de Araújo (2005) sobre práticas discursivas em artigos de Lingüística Aplicada;
2º) Os aspectos sócio-cognitivos e a função social dos gêneros, como o livro de Bazerman (2005) sobre gêneros textuais, tipificação e interação ou
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tância imediata de uso da linguagem – do léxico e da gramática instancia- dos na fonologia/grafologia – até o extremo mais abstrato – do discurso, instanciado no gênero e no registro.
Ao adaptar um modelo antigamente adotado na Lingüística Sistêmi- co-Funcional^6 , tento representar o deslocamento cronológico e o direcio- namento dos estudos, ao longo do tempo, a partir dos elementos da linguagem dentro da sentença em direção aos elementos do contexto, das atividades, dos papéis e relações, das formações discursivas e ideológicas da sociedade.
A Figura 1 se presta a uma analogia visual ao desenvolvimento crono- lógico dos estudos de gêneros discursivos em relação à estratificação dos planos comunicativos. A flecha ascendente indica o percurso dos estudos de gêneros a partir do enfoque na instanciação fonológica ou grafológica do léxico e da gramática até estudos centrados na instanciação do discurso e da ideologia pelo registro e pelo gênero.
Cada círculo concêntrico recontextualiza os círculos menores e assim subseqüentemente (cf.: Martin 1992:496), à medida que a análise passa a enfocar unidades cada vez maiores, da fonologia ao discurso. A linha mais espessa demarca o contexto que circunscreve os planos da fonologia, da gramática e da semântica.
Nessa representação, gênero é uma conformação de significados re- correntes, organizada em estágios e orientada para o objetivo de realizar práticas sociais (cf.: Martin 2002: 269). Essa conformação é específica da cultura (cf.: Halliday 1978: 145), portanto é uma unidade mais ampla do que o texto – “linguagem que é funcional”, que realiza uma tarefa em al- gum contexto (Halliday 1985/1989: 5), “uma instância real de linguagem em uso” (Fairclough 2003:3) – e menos abrangente do que discurso – vi- sões particulares formuladas na linguagem em uso (cf.: Fairclough 2003: 3).
A ampliação do foco dos estudos de gênero da léxico-gramática para o discurso indica a busca por um entendimento mais rico da conexão entre texto e contexto.
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3.1. A influência da análise sociológica da linguagem
De modo geral, na atual terceira fase dos estudos do discurso escrito, o conceito de gênero assume centralidade e é enriquecido por conceitos da perspectiva sociológica ou sócio-histórica de Mikhail Bakhtin (1929/1995), tais como: 1) a heterogeneidade (a instabilidade e fluidez dos usos da linguagem); 2) o dialogismo (a interação entre leitor e autor no espaço do texto); 3) a polifonia (a capacidade do texto de evocar diferentes pontos de vista ou vozes sociais que polemizam entre si, se complementam ou respon- dem umas às outras), e 4) a intertextualidade (a capacidade de um texto evocar outros textos existentes na cultura) (cf.: Pessoa de Barros 1994: 2-5).
Nos anos 2000, o impacto do pensamento sociológico de Bakhtin e de visões contemporâneas alinhadas com ela, como a Análise do Discurso Crítica de Norman Fairclough, se faz sentir em vários recantos dos estudos da linguagem. No caso da Análise de Gênero, Bakhtin e Fairclough, antes ausentes, aparecem nos livros mais recentes de Swales (1990; 2004) e Bha- tia (1993; 2004). Também se intensifica a referência a Bakhtin e Fairclou- gh nas obras mais recentes de lingüistas sistêmico-funcionais, como Martin & Rose (2003).
Mas se o pensamento sociológico ou sócio-histórico representado por Fairclough vem se sedimentando nas discussões sobre gêneros textuais ou discursivos, o emprego da palavra “gênero” por Fairclough também tem se tornado cada vez mais freqüente. Usado como uma ferramenta de teoriza- ção e explanação, “gênero” aparece num número crescente de páginas no índice remissivo das obras de fairclough ao longo dos anos. No início da década de 90, em Discourse and social change (Fairclough 1992b), a palavra gênero aparecia em apenas 21 páginas. Uma década mais tarde, em Analy- sing discourse: textual analysis for social research (Fairclough 2003), a referên- cia a gênero aparece em 94 páginas.
O trabalho de Fairclough (1989: 25) caracteriza-se pelo modelo em três dimensões que adota para a Análise do Discurso Crítica, incluindo o texto, a interação (processos de produção e interpretação do texto) e o contexto mais amplo da sociedade (condições sociais de produção e inter- pretação do texto).
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Uma aluna de Química ou um aluno de Letras, cada um gera um registro do gênero artigo científico. Em conjunto, essas várias instâncias do gênero artigo organizam a atividade de relatar a pesquisa, central à instituição academia e, assim, contribuem para o discurso da ciência.
3.2. A ordem teórico-metodológica da análise dos gêneros
É interessante notar que em seu texto de 1929/1995, Marxismo e Filoso- fia da Linguagem, Mikhail Bakhtin refere-se a uma ordem teórico-metodoló- gica para o estudo da língua que é inversa ao desenvolvimento histórico das fases, mostradas acima, que vão do texto para o contexto (cf.: Bhatia 2004).
A ordem teórico-metodológica determinada por Bakhtin (1929/1995:
A metodologia sociológica de Bakhtin inicia, assim, pelo contexto e segue em direção ao texto. Segundo Swales (2004: 97), o mesmo direcio- namento das estruturas “macro” para “micro” é seguida na Análise de Gênero padrão.
Como se pode ver, as abordagens diferenciam-se quanto ao que esco- lhem analisar em cada nível da planificação da linguagem (Figura 1) e em que ordem fazer isso, se “primeiro o texto” ou “primeiro o contexto” (Askehave & Swales 2001).
Alguns estudos visam examinar “primeiro o texto”, sem uma preocu- pação com observação direta do contexto, como o tipo de Análise de Gê- nero estritamente textual, representada nos Exemplos 1 e 2.^7
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The introductions and abstracts from these two disciplines were analyzed using the models employed in previous research, name- ly, Swales (1990) for article introductions and Bhatia (1993) for abstracts.
Exemplo 1 (Samraj 2005:145)
Metaphor identification and classification
The first step concerned identifying the metaphorical expressions in the corpus, and classifying them into the metaphor types re- cognized in the literature. Expressions were tagged as metaphori- cal when they illustrated any domain incongruity in reference or attribution.
Exemplo 2 (Caballero 2003:149)
Os Exemplos 1 e 2 caracterizam estudos de gênero que se concentram primeiramente na análise dos elementos lingüísticos em si e incluem al- guns comentários ilustrativos das culturas que produziram os textos. As autoras identificam o procedimento de análise pelo nome do pesquisador que o desenvolveu, assumindo que é um procedimento padrão que servirá a qualquer texto. Além disso, olham para o texto, em busca de “similarida- des e diferenças entre (...) tipos de texto” (abstracts e introduções de arti- gos no Exemplo 1), com vistas à análise dos aspectos lingüísticos e textuais (da metáfora, no Exemplo 2), sem se preocupar com a observação inicial e direta do contexto. Esses estudos parecem se identificar com a segunda fase dos estudos de gêneros escritos, que enfocam a macroestrutura dos textos.
Outros estudos buscam “primeiro o contexto”, como a Textografia de Swales (1998) (Exemplo 3) ou a Análise Crítica de Gênero (Exemplo 4), que combina a Análise do Discurso Crítica com Análise de Gênero.
MOTTA-ROTH: ANÁLISE CRÍTICA DE GÊNEROS 359
Essas perguntas de pesquisa indicam a preocupação com o contexto, mas enfatizam a reciprocidade com o texto, pois os resultados obtidos na análise do contexto vão ajudar na análise do texto e vice-versa.
As far as data collection is concerned, a total of 200 written wedding invitations were collected by 45 (…) English speci- alists taking BA degrees at Jordan University of Science and Technology, Irbid/Jordan. (…) I asked the students, who come from different regions in Jordan, to collect four or five we- dding invitations each from within their own local circle of family and friends. (…).
As a Jordanian, the researcher is an active participant in wedding celebrations in the Jordanian community; thus, via observation and participation in various wedding events, I have been able to observe the weddings carried out by families, and that has for- med a rich background for my understanding of the people, their life, customs and habits. This in turn gave me, as a researcher, the information I desired about the effect of socio-cultural rules and norms in the wedding invitations. When it is a question of un- derstanding the discursive practices characteristic of cultu- re, we are obliged to seek explanations of their socio-cultural norms through the eyes of those who know the people tho- roughly or else incorrect judgments and justification will easily occur. (…). For Bhatia (2004: 113–14), in order for anyone to claim sufficient experience in genre analysis, one needs to have some understanding of the context of text-external as- pects of the genre in terms of the broader context in which the genre is to be constructed, interpreted and practiced in real-life situations.(…)
Following Ventola (1987), Swales (1990) and Bhatia’s (2004) move structure analysis of texts (…), the wedding invitations were analyzed for their component moves to determine how the inviters accomplished the overall purpose of their wedding invi- tations as socio-cultural activities. This involved scanning the texts
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to identify text units expressing particular functions. (…) Through recursive passes through the corpus texts, checking all ca- ses, I developed eight functional categories to include all text units in the corpus. To validate my analysis of the component moves the inviters used, I asked a second rater, who worked as a research assistant, to code independently half of the text corpus (…) there was an 85 percent agreement. (…).
The next two sections present a genre analysis of the corpus at hand in terms of the surface level generic cognitive features, com- plemented with a CDA analysis of implicit socio-cultural norms teasing the ideology in each generic component of the ritualized wedding invitation. Used together, these two approaches are ca- pable of yielding a clear description, interpretation and explana- tion of discourse.
Exemplo 4 (Al-Ali, 2006:697-698)
No estudo do Exemplo 4, o pesquisador discute os dados lingüísticos contra o pano de fundo da religião muçulmana e o texto do Alcorão, para demonstrar as marcas ideológicas na linguagem. Assim, a estrutura e a léxico-gramática de um gênero tão ritualizado e resumido como o convite de casamento revela o contexto sociocultural jordaniano.
A estrutura e as escolhas lexicais desse convite (Al-Ali, 2006:706) or- ganizam-se a partir da seguinte ordem canônica dos nomes: na parte supe- rior, logo após um trecho do alcorão, aparece o nome das tribos do noivo e da noiva, seguidos dos nomes dos pais ou guardiões do noivo e da noiva, depois o nome do noivo.
Essa ordem revela duas questões sobre a sociedade jordaniana: 1) a religião ocupa o papel mais importante, seguida do poder tribal, dos laços familiares, e 2) as diferenças hierárquicas entre velhos e jovens e entre ho- mens e mulheres são bem demarcadas.