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Uma análise antropológica sobre o amor romântico, baseada na obra de josefina pimenta lobato, publicada em 1997. O autor questiona a ideia de que o amor romântico é uma invenção recente e ocidental, apontando evidências de sua ocorrência em diversas sociedades e épocas. O texto também discute os conceitos de 'amor disciplinado' e 'amor-paixão', e analisa três histórias de amor antigas para demonstrar a antiguidade do amor romântico.
O que você vai aprender
Tipologia: Esquemas
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Universidade de Brasília
LOBATO, Josefina Pimenta. 1997. Amor, D esejo e Escolha. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tem pos (C oleção Gênero). 193 pp.
Durante algum tempo, o amor romântico chegou a ser considerado uma invenção do mundo ocidental e, muito mais do que isso, uma invenção recente, utilizando-se o argumento de que, até o início deste século, mesmo nas socie dades ocidentais, eram os pais que escolhiam os noivos para os filhos. O fato constatado pelos etnólogos de que em muitas sociedades, principalmente, nas chamadas “ primitivas” , a escolha matrimonial é uma decisão da família e não dos futuros cônjuges foi um fator determinante para o surgimento dessa crença. Josefina Pimenta Lobato, em Amor, Desejo e Escolha , demonstra que os antropólogos modernos estão certos quando admitem que o amor romântico é muito mais antigo do que se supunha e não é uma invenção apenas do mundo ocidental, além do fato de que a sua ocorrência não pode ser limitada apenas aos domínios das relações matrimoniais. A autora cita vários autores modernos que sustentam esta tese, dentre os quais destacamos Jankowiak e Fischer que basearam a sua argumentação na análise de 186 monografias. Esta posição moderna se contrapõe à dos antigos antropólogos que acreditavam inexistir nas sociedades primitivas esse sentimento que chamamos de amor. A autora cita também vários autores que sustentavam essa crença, entre os quais encontramos Lewis Henry Morgan afirmando, em 1877, que “ os povos bárbaros não conhe
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ciam o amor. Não poderiam experimentar sentimentos que são fruto da civili zação e da sutileza que a acompanha” (apud Lobato 1997: 33). A própria Margaret Mead afirmava, em 1928, que “ o amor romántico, tal como ocorre em nossa civilização, inextrincavelmente ligado às idéias de monogamia, de exclusividade, de ciúmes e de uma fidelidade total, não ocorre em Samoa” (apitd Lobato 1997: 34). Em 1955, Evans-Pritchard dizia que qualquer pessoa que conviva com povos primitivos “ logo descobrirá que ainda que entre eles o amor sexual se manifeste com profusão, é raro existir um sentimento correspondente ao que nós entendemos por amor romântico” (apud Lobato 1997: 35). Para fazer a sua demonstração, a autora recorreu aos conceitos de “ amor disciplinado ou doméstico” que se opõe à selvageria do “ amor-paixão”. A idéia de amor disciplinado surge na explicação do “ casamento arranjado” quando a autora argumenta que
[A] adoção de casam entos pré-escolhidos não im plica, necessariam ente, a inexistên cia do sentim ento de amor entre os cônjuges no período anterior ou posterior ao casam ento. A ssim com o nós construímos nosso amor pelos filhos [...] bem antes do seu nascim ento e os amamos do jeito que eles são ao nascerem, não importa se feios ou bonitos, gordos ou magros, louros ou morenos, sadios ou doentes, o amor ao marido pode ser dado de antemão, independentemente do personagem que irá ocupar esse statu s (: 126).
Em seu trabalho fica evidente que a existência do amor romântico decorre da necessidade de sublimar os impulsos biológicos, domesticá-los através da cultura, mas continuar mantendo os desígnios da natureza que objetivam a reprodução da espécie. Neste sentido, o amor seria um fenômeno da mesma natureza da proibição do incesto — uma ponte entre a natureza e a cultura — , daí a perspicácia da autora em utilizar os conceitos de domesticação e de disciplina. Josefina Pimenta Lobato utilizou-se de vários trechos de outros autores para demonstrar a ocorrência do amor entre povos não ocidentais, dentre os quais destaco o trecho de Bronislaw Malinowski sobre os habitantes das ilhas Tro- briand, no Pacífico, quando esse antropólogo procura fazer a distinção enlre o termo trobriandês kwakwadu (estar juntos para fazer amor) e o inglês lovema- king, em que o primeiro se refere à “ situação de estarem juntas duas pessoas apaixonadas uma pela outra”. O trecho transcrito pela autora, na página 36, caracteriza muito bem essa situação: os enamorados “ defrustam do aroma e da
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literária. Escolheu o século XII porque este “ foi considerado como o século do nascimento, da glorificação, e da exaltação do amor no Ocidente, sobretudo no seu aspecto heterosexual e humanístico” (: 59). Cita Irving Singer que afirma que “ o conceito ocidental de amor [...] se não foi inventado ou descoberto, foi pelo menos desenvolvido no século XII como nunca antes” (apud Lobato 1997: 98, nota 1). Escolhendo o século XII, Josefina Pimenta Lobato perde a oportunidade de analisar textos muito mais antigos que comprovariam mais fortemente a sua tese. Quatro séculos antes de Cristo, por exemplo, Homero nos conta a história de Penélope, “ am ais cordata das mulheres” , e do seu persistente amor com Ulisses. Enquanto este faz um longo tour pelas praias do Mediterrâneo, seduzindo mulheres e deusas, Penélope chora a ausência do amado: “ Saudades, só as sinlo de Ulisses; só elas me comovem o coração”. E o ardiloso Ulisses, em seu sorrateiro regresso, disfarçado de mendigo, consola a saudosa rainha: “ não desfigures teu formoso rosto, nem consumas teu coração, derramando lágrimas por teu marido”. Quem se der ao trabalho de procurar texto mais antigo que este encontrará, com certeza, a evidência de que o amor romântico é muito mais antigo que Heródoto, talvez tão antigo quanto o homem. No desenvolvimento do livro, ocorreu um desequilíbrio entre as partes. Privilegia-se muito mais o caso indiano do que o árabe e o ocidental. Não é à toa que Madan é um dos autores mais citados. Uma das partes interessantes do livro é aquela onde a autora analisa o romance Pamela, or Virtue Rewarded , de Samuel Richardson, publicado na Inglaterra em 1740, tendo tido uma grande repercussão. Trata-se de um romance epistolar, no qual a heroína é Pamela, uma jovem serviçal que ganhou a simpatia de sua patroa, Lady, que muito a estimulou no aprendizado da escrita e da arte de bordar. Com a morte da patroa, Pamela torna-se vítima dos constantes assédios sexuais de Mr. Brown, o filho mais velho de Lady. A resistência de Pamela em aceder aos desejos de seu senhor culmina com o casamento enlre os dois, a partir do qual “ viveram felizes para sempre”. Esse livro faz parte de um conjunto de obras que enfatizam o amor entre pessoas de classes diferentes, quase sempre o homem de classe superior com a mulher de classe inferior, tendência literária que persiste até os nossos dias como, por exemplo, em My Fair Lady. Faltou, contudo, à autora formular duas questões: por que sempre,
A M O R R O M Â N T IC O , U M A A N Á L IS E A N T R O P O L Ó G IC A
do ponto de vista do homem, a relação hipogâmica que não elimina, mas reforça as barreiras de classe? É realmente fácil, como sugere a autora, ultrapassar as barreiras de classe no mundo britânico? É necessário lembrar que a literatura muitas vezes age como um espelho que inverte a realidade. Não resta dúvida que o livro proporciona uma leitura agradável, além de ser bastante provocador, mas termina abruptamente como a anunciar uma continua ção. Uma conclusão seria benvinda, mesmo que fosse em ritmo de Elis Regina: “ se não tivesse o amor, melhor era tudo se acabar”.