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Pesquisa analisa o conceito de 'poder' na prática profissional do assistente social na literatura brasileira de serviço social dos anos 80, com base em Michel Foucault. Objetivo é ampliar a análise teórica da profissão. Dois eixos são estruturados para análise dos discursos: dominação e resistência. Documento discute investimentos de poder no serviço social e mecanismos de dominação e controle social na prática profissional.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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Não perca as partes importantes!
Universidade de Brasília – UnB Instituto de Ciências Humanas - IH Departamento de Serviço Social – SER
Orientadora: Patrícia Cristina Pinheiro de Almeida
Brasília, outubro de 2012
O poder na prática do Assistente Social: a literatura brasileira de Serviço Social na década de 80.
Trabalho apresentado ao Departamento de Serviço Social - SER da Universidade de Brasília – UnB Como exigência para aprovação na disciplina de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso).
Brasília, outubro de 2012
Dedico a meus pais, Teresinha e Pádua, a meus irmãos e a todos aqueles que conseguiram e conseguem resistir aos dias que seguem exaustivamente.
Agradecimentos Agradeço primeiramente a força investida todos os dias e momentos em cada pedaço desse trabalho por minha determinação e esforço, pois sem força de vontade eu jamais continuaria a acordar dia após dia para conclui-lo, sem persistência eu teria desistido do projeto que para tantos era “criativo demais”, “impossível”, “irrelevante”, sem vontade própria eu ainda estaria em algum canto falando de qualquer assunto que não me inflasse de entusiasmo. À minha mãe Teresinha Sousa pela dedicação, paciência e cuidados que ela teve todos esses anos comigo, especialmente quando mudou de cidade para me acompanhar nos estudos, meu pai Antônio de Pádua, que mesmo com a enorme distância entre Brasília-Teresina sempre esteve comigo de uma maneira ou de outra, meus irmãos França, Bethânia, Jefferson e Mauro pelo amor, assim como à minha cunhada Luana. Ao meu companheiro, amigo, amado Lucas, pelo colo, amor, paciência, sorrisos, abraços e palavras confortantes, por me ajudar a suportar os bons e os maus dias e me ensinar a arte da felicidade. Agradeço a todos aqueles que me suportaram e apoiaram durante momentos de desespero e alegria a cada parágrafo, Marina, Diego André, Pamela,Izis,Kaline, Celso, Camila, minha companheira de biblioteca Lina. Àminha orientadora, Patricia Pinheiro, por ter aberto a porta que todos me fecharam, por ter me permitido ir em frente, mesmo com tanta gente pondo à prova minha capacidade e até mesmo minha sanidade quando decidi Foucaultear no terreno menos Foucaultiano possível. À Vicente Faleiros, pela atenção, paciência e prestatividade. Em especial agradeço, agradeço e agradeço, mesmo sabendo que ele odiará o agradecimento, à T.R.A., pois sem ele eu não conseguiria de maneira alguma ter uma estrutura para esse trabalho, te agradeço por ter sangrado, suado e sofrido comigo naqueles dias em Teresina, por ter me ensinado, guiado, suportado e por não desistir sequer por um segundo da força na sua jovem padawan. À Foucault por ter proporcionado a mim e a toda humanidade esses deliciosos – e difíceis – textos, pois é como Roberto Freire diz: “Sem tesão, não há solução!”.
A presente pesquisa teve como objetivo analisar à luz de Michel Foucault, a categoria “poder” na prática profissional do assistente social dentro da literatura de serviço social brasileiro da década de 80. A profissão de assistente social carrega desde as suas protoformas um estigma controlador e disciplinador das massas, contendo as insatisfações da mesma através de práticas assistencialistas e clientelistas. O advento do Movimento de Reconceituação da profissão a partir da década de 60 na América Latina transformou o modo de atuar e pensar, adotando uma perspectiva critica para a mesma, mas o estigma controlador ainda adentra os anos que se seguem. A pesquisa, de base documental e caráter qualitativo, pôde esmiuçar nos textos analisados, através dos eixos de dominação e resistência, os sutis mecanismos de dominação ainda presentes na profissão, bem como as resistências a esse mesmo processo de controle social e formação de corpos dóceis. Verificou-se uma série de pontos a serem aperfeiçoados e desenvolvidos na busca de uma estratégia de comprometimento com uma prática qualificada e estruturada em beneficio dos usuários e incentivo às resistências sociais seja dentro da profissão ou nas camadas populares. Palavras-chave: Poder; Literatura; Serviço Social; Prática Profissional;
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forma livre, legitimando assim seu governo (FOUCAULT, 2011b), se trata agora de fazer investimentos nos corpos dos indivíduos, em todas as etapas de sua vida, cerceá-lo e disciplina-lo, forja-lo, torna-lo dócil dentro dos requisitos necessários para o pleno funcionamento do sistema, onde suas vontades correspondam com a lógica, fortificando os corpos de uma forma produtivamente útil, e enfraquecendo-os politicamente. A pesquisa buscou analisar a categoria poder e suas expressões dentro da prática profissional na sua relação assistente social/usuário através da literatura de Serviço Social da década de 80. Foi nesta direção que essa pesquisa seguiu, na tentativa de iniciar uma discussão sobre o Serviço Social imbuído nas formas de dominação da sociedade, como forma de poder relacional, dotado de estratégias e táticas que acabam por favorecer uma minoria na sociedade. Para tal foi necessário analisar a ação do serviço social na sua forma mais cotidiana e objetiva, ou seja, na relação assistente social/usuário, onde se conseguiria perceber a imediaticidade das implicações da ação profissional nas relações que o cercam. Foi em Marx e Engels que Netto encontrou a resposta para uma problemática metodológica que tentava colocar em questão o método de Marx como instrumento de estudo capaz de chegar aos problemas reais, já que essa problemática (oriunda dos pensadores Plekhanov e Kautsky) dizia que o método de Marx colocava de lado os fatos, o contexto do que acontecia (sua história) em favor de teorias gerais como o par materialismo dialético/materialismo histórico, quando, segundo Netto, o próprio Engels já dizia:
nossa [de Marx e dele] concepção da história é, antes de tudo, um guia para o estudo [...]. É necessário estudar novamente toda a história – e estudar, em suas minúcias, as condições de vida das diversas formações sociais – antes de fazer derivar delas as idéias políticas, estéticas, religiosas [...] etc. que lhes correspondem (MARX;ENGELS, 1963, p. 283 Apud NETTO, p. 3);
E é em favor dessa necessidade de se estudar continuamente o que ocorre na história, a sociedade em que se vive, seu tempo e espaço, suas especificidades e possibilidades que foi escolhido como referencial teórico para análise das obras selecionadas o pensador Michel Foucault, pois o mesmo faz um novo estudo dos aspectos histórico-sociais que envolvem o poder, criando assim uma análise das forças em suas minúcias na sociedade, isso e também a possibilidade de aprofundar mais uma aba no leque de discussões da profissão, visto que a discussão do poder no serviço
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social é parcamente explorada, principalmente no que diz respeito a utilização do referencial de Foucault. A pesquisa pôs em evidencia em todos os textos analisados, os mecanismos sutis que corroboram com a estratégia de dominação e controle social, como a burocratização da pratica profissional aprisionada nos moldes institucionais a cada passo, dificultando e podando a autonomia do usuário na administração de sua vida e de seus problemas, também a ênfase nas relações interpessoais entre assistente social/usuário como forma de conseguir ao máximo a adesão e apreensão das normas almejadas institucionalmente, a sobreposição do saber do assistente social ao do usuário verticalizando a relação e mais uma vez subjugando e ausentando o usuário de sua autonomia e capacidade reflexiva, a necessidade de direcionamento politico na atuação, visto que a sua falta acarreta a dificuldade de separar os objetivos profissionais dos institucionais, onde nessa direção os interesses dos usuários ficam em ultimo plano. Pôde evidenciar também formas de resistências a esse processo de disciplinamento e dominação, onde o assistente social opta pelo fortalecimento dos interesses das classes populares, e direciona sua pratica nesse sentido, construindo uma estratégia profissional alternativa e qualificada, fortificando a autonomia do usuário, aprofundando-se na conjuntura institucional e social de modo a utiliza-la numa ação planejada até os limites profissionais em benefício das resistências populacionais e profissionais. Contribuindo assim para o entendimento dos vários aspectos a serem trabalhados na atuação profissional observada a forte tendência ao disciplinamento e controle dos usuários na mesma, através do explicitamento dos mecanismos de dominação reproduzidos na prática profissional e a sua implicação na vida do usuário é possível conscientemente trabalhar nessa estratégia de resistência, onde o assistente social direciona e estrutura sua ação em beneficio das classes populares. O trabalho se divide em três capítulos. O capítulo 1, nomeado “Disciplina e „poder‟” é onde se pôde situar o discurso de poder dentro do referencial teórico escolhido, ou seja, Michel Foucault, no capítulo é explicitado como o autor entende poder, e de que forma relaciona-lo com a presente pesquisa, nesse capítulo é possível apreender a sacada de Foucault para analisar a categoria como “poder” e não “Poder”. O capítulo 2, “A sociedade Brasileira e o Serviço Social nas esferas de dominação” consiste num resgate histórico da profissão na sociedade brasileira desde as suas protoformas, alinhando-a com as necessidades de cada época para perceber o desenvolvimento do serviço social no Brasil até a década de referência da pesquisa,
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A pesquisa possuiu base documental ,pois foram analisados dados já existentes, a intenção era perceber a realidade sem interferi-la: “Pesquisa baseada em dados já presentes na situação em estudo e que o pesquisador faz aparecer sem tentar modifica- los por uma intervenção” (LAVILLE; DIONE,2008, p.133). A técnica de coleta e tratamento dos dados foi a ficha de análise , onde se pôde construir segmentos de análise para a leitura dos textos selecionados: a) os temas de texto( os aspectos em que o autor se detém) b) ideário de poder ( alocação dos discursos através dos eixos dominação e resistência). Através da ficha foi possível uma visualização melhor do texto para análise e maior explanação do assunto nas categorias facilitando a mesma através de uma síntese dos documentos analisados. A discussão teórica da pesquisa sobre poder na literatura do serviço social pôde contribuir para a compreensão das tendências de dominação existentes na sociedade, organizadas em função do modo de produção capitalista, compreensão esta que pode ser utilizada e apropriada pelo serviço social, enquanto área de conhecimento no âmbito das ciências humanas e sociais, para, numa perspectiva crítica e comprometida com o projeto ético, político e profissional da categoria, contribuir com a construção de uma estratégia continua de resistência à dominação e em favor de uma prática qualificada.
Para melhor compreensão do fenômeno foi utilizado o método qualitativo, com uma análise crítica de interpretação através da identificação e decodificação dos componentes do problema.
A tônica é de que „materiais coletados‟ estão carregados de subjetividade, de conteúdos axiológicos, de ideologias e de significados atribuídos pelos sujeitos, diferentemente de pesquisas de abordagem quantitativa, que está fundada na objetividade, na demonstração numérica, estatística[...] (OLIVEIRA; BATISTA; RODRIGUES.2002.p.11) O pesquisador decide prender-se às nuanças de sentido que existem entre as unidades, aos elos lógicos entre essas unidades ou entre as categorias que as reúnem, visto que a significação de um conteúdo reside largamente na especificidade de cada um de seus elementos e na das relações entre eles, especificidade que escapa amiúde ao domínio do mensurável.(DIONNE; LAVILLE.2008.p.266)
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Para seleção da bibliografia a ser analisada foram obedecidos certos critérios, o primeiro e mais evidente foi a data, a pesquisa se concentrou na década de 80, visto que essa década possui produções consideradas como seminais, ou seja, geradoras ou precursoras do que se estuda hoje no curso , devido principalmente a proximidade com o Movimento de Reconceituação da profissão, por ser um momento de aprofundamento critico do serviço social.O termo literatura de Serviço Social não se limitou somente a documentos escritos por assistentes sociais, ou seja, embora o autor não pertença a profissão, se o mesmo estivesse se referindo a profissão e o tema da pesquisa, o documento entrou para a análise.
O levantamento bibliográfico foi guiado por título de texto e/ouséries/capítulos/subcapítulos da literatura que contivessem as palavras “poder” e/ou “disciplina” e/ ou “controle” nos mesmos. A primeira palavra ( poder ) foi escolhida por ser o conceito chave da pesquisa, as demais (palavras disciplina e controle) se tratam de indicadores que dão base ao conceitode poder para Foucault, selecionados devido a sua centralidade no conceito para a pesquisa.Apoiando-se em categorias de análise dentro do universo do conceito de poder, segundo o referencial teórico escolhido, Michel Foucault, foi possível a orientação para seleção e triagem dos textos mais pertinentes, logo após esse procedimento se deu inicio a análise de dados com a problematização da bibliografia. As obras elencadas para análise após o processo de revisão bibliográfica foram “As funções sócio-institucionais do serviço social” tendo Jean R. Weisshaupt como organizador, “Saber profissional e Poder Institucional” de Vicente Faleiros e “Relações Sociais e Serviço Social no Brasil” de Carvalho e Iamamoto. Na análise e problematização do material de pesquisa foram eleitas categorias que correspondessem com o aporte teórico de poder utilizado e pudessem dar conta da bibliografia em questão, visto que em Foucault não se dispõe de uma discussão a cerca de serviço social; através dessas categoriasse levantou dois eixos de análise a serem trabalhados, são eles o de dominação , onde se localizaram os discursos das relações de poder como estratégias de disciplinamento e controle no serviço social; e, o segundo eixo, o de resistência , onde foram alocados e analisadosos discursos de resistência a uma relação controladora na prática profissional e fortalecimento de uma relação de poder produtiva para fortalecimento do usuário e qualificação do profissional. Para melhor compreensão dos conceitos, Dominação aqui é entendida dentro das relações de poder, diferenciando-se da dominação pura no que diz respeito à liberdade, enquanto em
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É costumeiro ver em textos sobre poder em Foucault, que o mesmo nunca dedicou uma obra sistemática para esse assunto, pelo contrário, ele o espalhou por toda a sua obra, o que foi um entrave e ao mesmo tempo uma oportunidade de passear na imensidão de seus temas.Foucaultcercou-se de algumas precauções metodológicas ao estudar poder, e passa assim esta informação para todos aqueles que também pretendem faze-lo, sendo uma das pretensões desta pesquisa, apropriou-se o máximopossível daquelas, no decorrer do texto essas precauções serão explicitadas.
Estudar o poder segundo Foucault é libertar-se de uma série de amarras que acompanham os indivíduos durante toda a vida, como a ideia de que o poder possui um lugar, ou melhor, que seria algo capaz de ser possuído por alguém, que teria lugar certo nas mãos de um ou uns. Um dos primeiros efeitos do poder é a constituição do individuo, quando se trata de um poder disciplinar - que detalharemos mais à frente - a normalização dita as delimitações do que consiste ser um individuo, que normas seguir para existir perante a sociedade, para ser aceito. Constituído o “sujeito”, o poder passa então a transitar, percorrer neste, se articulando com os outros elementos ao seu redor numa forma de rede, permitindo dizer que o poder ao invés de localizar-se pontualmente em algo, alguém ou alguns, localiza-se por todo canto, dinâmica e transversalmente em toda a sociedade. Ao ver o poder como propriedade exclusiva de uns e não de outros, nega-se o poder que carrega todo individuo, e principalmente a força das resistências na sociedade.
A análise do poder para ele é então ascendente, ou seja, parte das expressões mais extremas, mais “capilares”. Foucault procura uma análise ascendente justamente para perceber o poder em suas aparições mais extremas onde por vezes o controle escapa dos dedos. Percebe-lo no seu cotidiano, na sua realidade, como efetivamente ele se constitui, deixando um pouco de lado o “o que é o poder?” e pensar em “como ele funciona?”, pensa-lo através de sua capacidade operatória. Analisar o poder de cima para baixo é corroborar com a ideia de poder soberano que emana do alto sobre os súditos, é legitimar na própria análise esse Poder com P maiúsculo que subjuga as resistências na sociedade, bem como todas as relações existentes nessa. Sendo assim, numa análise ascendente, “se o poder se sustenta de baixo para cima,[...] quanto mais alto na hierarquia do poder, menor a autonomia do indivíduo para alterar as redes de
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poder na sociedade”(ALBUQUERQUE, 1995, p.109). Perceber ascendentemente é notar que as decisões advindas num sentido descendente não vão automaticamente alterar as relações de base. Coexiste a margem independente de resposta da população sobre essas decisões, as ligações mais extremas entre os indivíduos é que interferem mais diretamente sobre suas vidas.“Basta que qualquer um de nós se eleve sobre o outro, e o prolongamento dessa situação pode determinar a conduta a seguir, influenciar a conduta ou a não-conduta de outro”(FOUCAULT, 2004, p.267).Outra precaução para Foucault que corrobora para desmistificar esse “Poder”, é não analisá-lo em nível da intenção, não perguntar: “quem está com o poder?”, “o que deseja aquele que tem o poder?”, mas sim percebê-lo praticamente, na sua ação, naquilo que provoca, e assim como a análise ascendente, se aproximar o máximo possível do que seria seu objeto de dominação. E é por isso que a análise desse trabalho é focada primordialmente nesses aspectos capilares das relações de poder que envolvem a profissão do(a) assistente social, ou seja, ao invés de partir e privilegiar o topo da pirâmide para entender as relações, ao invés de seguir a linha descendente de dominante para chegar ao dominado, optou-se propositalmente pela relação assistente social/usuário em suas expressões mais cotidianas, mais palpáveis e imediatas, segundo a bibliografia escolhida.
1.1. PODER DISCIPLINAR Durante muito tempo o poder fora representado na figura de um soberano, e o direito, fruto de sua própria vontade, teria como função estabelecer limites e frear a opressão daquelelegitimando assim seu governo, até mesmo a história, era uma história da soberania; segundo Foucault, nos séculos XVII e XVIII desenvolve-se uma nova tecnologia de poder, diferente das anteriores que em sua maioria sobrevinha sobre terra, tributos, etc, essa nova tecnologia agora incidia sobre o corpo e suas ações, o submetia a uma serie de rituais para o controle e docilidade do mesmo, eram disciplinas^1 , era o começo da sociedade disciplinar. Após décadas de formas violentas como demonstração de dominação, aqueles que agora ascendiam, após a Revolução Francesa, logo percebem que legislações, constituições, e muito menos os antigos sistemas de violência explícita conseguiriam assegurar sua dominação e garantir que a situação continuasse sempre favorável para seu lado (FOUCAULT, 2011a, p.218). Torna-se necessário
(^1) “Disciplina [...] ela é um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma „física‟ ou uma „anatomia‟ do poder, uma tecnologia.” (FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da violência nas prisões. 39. ed.Petropolis: Vozes, 2011, p.203)
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se importam com os contratos, [...]” (STEIN, 1979, p.71 apud RAGO, 1985, p.20). Era necessário utilizar-se daquelas disciplinas, mencionadas acima, era preciso fazer um individuo produtivo. O ambiente fabril era propicio para a introdução dos mecanismos disciplinadores. Uma das técnicas disciplinares é estabelecer um cerco, um espaço onde se possam alocar os indivíduos para iniciar o controle dos mesmos. A fábrica cumpria essa função estratégica, Jeremy Bentham no século XVIII arquiteta o chamado panoptico^3 , uma estrutura capaz de permitir o controle e vigilância num espaço através de mecanismos sutis, articulados e minuciosamente eficazes. Modelo que se arrasta durante os séculos para os mais infindos objetivos, seja nas fábricas, prisões, hospitais psiquiátricos, etc. Indivíduos emaranhados e dispersos são difíceis de controlar, portanto foi necessário designar lugares a cada um, decompor aquela massa que emana insatisfação, cada um tem seu lugar, função, divisão, seção, formando um “quadro vivo” para Foucault, decompondo individuo,a massa, para depois estruturá-la no espaço de maneira visivelmente mais controlável, suscetível a apreciação e acompanhamento de suas operações, para garantia da qualidade das mesmas. Essa qualidade também é empregada no tempo, fixando-se horários que controlam a entrada, saída, a execução das atividades, e por vezes até a duração das idas ao banheiro^4 , forma-se economia de gestos, uma harmonia eficaz entre esses, o tempo e a globalidade do corpo, para que possa tirar dele o máximo possível qualitativamente (FOUCAULT, 2011b). Conecta-se o corpo ao objeto que ele manipulará, articula-os para que os elementos de ambos se harmonizem num movimento perfeito e eficiente. Não era necessário pensar nas ordens, mas apenas absorve-las e realiza-las, diferente das técnicas anteriores, que de tão violentas acabavam por desperdiçar o potencial de utilização do corpo, - por meio de
(^3) Desenvolvido no séc. XVIII por Jeremy Benthan, o panóptico é um dispositivo arquitetural de vigilância, amplamente utilizado em prisões, mas logo difundido pelo corpo social e suas instituições, a ideia é de que “na periferia uma construção em anel; o centro, uma torre: esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas tem duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar” (FOUCAULT, 2011b, p.191) o panóptico permite a organização das massas dispersas, onde cada peça possui seu lugar, a consciência de visibilidade permanente induz a reprodução da vigilância a si e aos outros, garantindo a continuidade e eficácia do dispositivo. “Uma sujeição real nasce mecanicamente de uma rel 4 ação fictícia.” (Ibid.p.192) “[...] Ao mictório só pode ir um empregado de cada vez, devendo pedir licença e explicar o que vai fazer.” (A Terra Livre, 12 abr. 1906 apud RAGO,Margareth Luzia. Do Cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890- 1930. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985.p.24).
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passavam de maus-tratos, torturas e violência explícita^5. “O corpo já não tem que ser marcado, deve ser direcionado; seu tempo deve ser medido ou plenamente utilizado, suas forças devem ser continuamente aplicadas ao trabalho” (FOUCAULT, 2001 p.469) Outro aspecto da tecnologia disciplinar é a hierarquização e separação dos indivíduos de acordo com seus méritos, diferenciando-os para o estabelecimento de níveis e divisões,os sistemas de recompensas e sanções alimentam essa segmentação, bem como a vigilância entre os próprios. Para que o sistema disciplinar possa funcionar existem mecanismos penais – micropenalidades – que garantem a sua eficácia. Os comportamentos que se adequam as normas de controle são “recompensados” através da alocação numa hierarquia, onde os mais obedientes recebem alguns benefícios, e passam a pertencer a uma camada “menos desprivilegiada”, e a aqueles que possuem comportamentos desviantes, inadequados aos comandos disciplinares, aplicam-se essas micropenalidades, cuja função é corrigir os desvios de forma que o indivíduo interiorize em suas ações os comandos a seguir, sob pena de sofrer sanções, podendo até perder sua característica de sujeito na sociedade, ou ser considerado um mau sujeito. É um sistema é baseado na meritocracia, onde as conquistas se dão à custa de suor, louvor, e muita obediência à normalidade. O individuo deve primeiramente estar entre os padrões normais aceitos e desejados pela sociedade e por aqueles que lucram; o normal, o padrão é trabalhar, favorecendo assim a produção e expropriação da mais-valia, ser honesto, e ter que suar a camisa durante todos os dias com o máximo de excelência possível para que se prove que merece ter algo, que merece ser recompensado com o salário do mês. “Trata-se, nesse caso, do indivíduo condicionado e autocondicionado, do bom moço instituído nos padrões individualistas do modo de vida, para dar um exemplo ocidental, regido pela moralidade capitalista eseu paradigma do modo de ser burguês.” (CASTELO BRANCO, 2001, p.246). Recompensar e remunerar de acordo com as capacidades individuais, com a produtividade, com a importância do individuo-peça para a acumulação, segmenta a classe trabalhadora que entra num ciclo de concorrência entre si, lutando contra aqueles que deviam se unir. Na década de 20 no Brasil, os fichamentos pessoais perturbaram a
(^5) “Era assim que funcionava o poder monárquico [...] a justiça só prendia uma proporção irrisória de criminosos; ela se utilizava do fato para dizer: é preciso que a punição seja espetacular para que os outros tenham medo. Portanto, poder violento e que devia, pela virtude de seu exemplo, assegurar funções de continuidade.” (FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 29.ed. Organ. e trad. de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2011a. P.217).