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analisar os afroempreendimentos gastronômicos de Juiz de Fora – MG, sob a ótica das mulheres negras, e refletir sobre as possibilidades de suas inserções nos eventos oficiais da cidade.
Tipologia: Resumos
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Ateliê do Turismo, Campo Grande – MS, Edição Especial – Afroturismo. 1
Regina Celia Queiroga – UFJF * Vitória Camillo da Silva Maurício – UFJF * Edilaine Albertino de Moraes – UFJF * Palavras-Chave Resumo Afroempreendimentos. Mulheres negras. Alimentação e bebidas. Eventos. Afroturismo. Este artigo tem como objetivo analisar os afroempreendimentos gastronômicos de Juiz de Fora – MG, sob a ótica das mulheres negras, e refletir sobre as possibilidades de suas inserções nos eventos oficiais da cidade. Metodologicamente, esta pesquisa se caracteriza pela perspectiva qualitativa e exploratória. A pesquisa permitiu dar visibilidade a um tema sensível e importante para o povo negro, em especial às mulheres, que historicamente foram discriminadas, invisibilizadas e desvalorizadas nos eventos gastronômicos oficiais do município. Foram identificados oito empreendimentos gastronômicos de mulheres negras na cidade, o que possibilitou analisar como se identificam com o afroempreendedorismo. A interação entre o afroempreendedorismo das mulheres pesquisadas que atuam na área de alimentos e bebidas e esses eventos pode se tornar um elemento de integração socioeconômica e histórico-sócio-cultural com o turismo na cidade de Juiz de Fora. O racismo estrutural, porém, ainda impõe inúmeros obstáculos e desafios para a valorização da história e da cultura da população negra. Por isso, é fundamental incentivar a produção e o consumo de produtos e serviços oriundos de pessoas e culturas negras, como a gastronomia, os eventos e o afroturismo. ISSN 2594 - 8407 Licenciada por Creative Commons Atribuição Não Comercial / Sem Derivações / 4.0 / Internacional
Ateliê do Turismo, Campo Grande – MS, Edição Especial – Afroturismo. 2 Keywords Abstract Afro- entrepreneurship. Black women. Food and beverage. Events. Afrotourism. This article aims to analyse the gastronomic Afro-entrepreneurship in Juiz de Fora – MG, from the perspective of black women, and to reflect on the possibilities of their inclusion in the city's official events. Methodologically, this research is characterised by a qualitative and exploratory perspective. The research has allowed visibility to a sensitive and important issue for black people, especially women, who have historically been discriminated against, made invisible, and devalued in the official gastronomic events of the municipality. Eight gastronomic enterprises run by black women were identified in the city, enabling an analysis of how they identify with Afro-entrepreneurship. The interaction between the Afro-entrepreneurship of the women studied, who work in the food and beverage sector, and these events can become an element of socio- economic and socio-cultural integration with tourism in the city of Juiz de Fora. However, structural racism still imposes numerous obstacles and challenges to the appreciation of the history and culture of the black population. Therefore, it is essential to encourage the production and consumption of products and services originating from black people and cultures, such as gastronomy, events, and Afrotourism. Como Citar (APA): Queiroga; R. C.; Maurício, V. C. da S.; & Moraes, E. A. (2024). Afroempreendedorismo feminino em Juiz de Fora - MG: reflexões sobre gastronomia, eventos e turismo. Ateliê do Turismo. Edição Especial - Afroturismo. 7 (2). 1 - 24. https://doi.org/10.55028/at.v8i1.1980 7 Submetido em: 03 /12/ Aprovado em: 0 5/04/ Publicado em: 19/06/ Editor: Izac Bonfim
Ateliê do Turismo, Campo Grande – MS, Edição Especial – Afroturismo. 4 para analisar o turismo e a sua relação com a existência dos sujeitos na sociedade contemporânea (Melo, 2024). Diante desse contexto, o presente artigo tem como foco de interesse o afro empreendedorismo. Frente à amplitude do tema, o recorte desta pesquisa são as mulheres negras que atuam nos setores de alimentos e bebidas, tendo em vista que, historicamente, são as que mais sofrem consequências com a exclusão, as desigualdades e a exploração no trabalho (IBGE, 2019). Assim, destaca-se como o afro empreendedorismo feminino dos setores de alimentos e bebidas pode se tornar parte das agendas relacionadas aos eventos, contribuindo, dessa forma, para fomentar o turismo e, especificamente, o afroturismo na cidade de Juiz de Fora (Minas Gerais). Nessa direção, a presente pesquisa tem como objetivo central analisar os afroempreendimentos gastronômicos de Juiz de Fora, sob a ótica das mulheres negras, e refletir sobre as possibilidades de suas inserções nos eventos oficiais de alimentos e bebidas que ocorrem na cidade. Como objetivos específicos, buscou-se: a) identificar os empreendimentos gastronômicos de mulheres pretas de Juiz de Fora; b) analisar como esses empreendimentos se identificam ou não como afroempreendedorismo; c) elencar os eventos gastronômicos oficiais da cidade e d) caracterizar possibilidades de organização das mulheres nas para sua inserção nos eventos gastronômicos. Dessa forma, este artigo contribui para a ampliação da produção científica sobre empreendedorismo, turismo e relações étnico-raciais, especificamente da população afro-brasileira, através da valorização de culturas que não sejam apenas as eurocêntricas. Além disso, visibiliza a ação de mulheres negras que, apesar de fazerem parte de uma parcela populacional historicamente excluída, empreendem esforços para a geração de renda e trabalho, em busca da diminuição das desigualdades sociais e de ações contra o racismo. Para tal, este artigo está organizado em quatro seções principais. Na primeira seção, foram apresentados alguns referenciais teóricos que guiam a compreensão do conceito de afroempreendedorismo com foco no setor de alimentos e bebidas. A segunda seção abordou a metodologia de pesquisa qualitativa escolhida para explorar o tema na cidade de Juiz de Fora. Na terceira, os resultados foram sistematizados e analisados sob a ótica das mulheres negras pesquisadas, apontando os significados e os caminhos para a melhoria da qualidade de vida e de seus próprios negócios. Por fim, nas considerações finais, foram discutidos os limites e as possibilidades de inserção das afroempreendedoras nos eventos gastronômicos oficiais de Juiz de Fora e a relação destes com o afroturismo.
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A prática do afroempreendedorismo é conhecida no Brasil, desde o século XIX, na vigência do regime escravocrata, quando “escravizados de ganho” eram autorizados por seus senhores a comercializar alguns produtos e serviços nos espaços urbanos. Dentre as diversas atividades, ressaltam-se as realizadas pelas quituteiras, lavadeiras, cozinheiras, transportadores de cargas e pessoas, barbeiros, pedreiros e artesãos. Estas eram alternativas para aumentar as possibilidades de autonomia, sobrevivência e aquisição de recursos e compra de cartas de alforria, contribuindo, mesmo que minimamente, para romper com o colonialismo e resistir ao escravismo (Matos, 2021). No período pós-abolição da escravatura, devido à dificuldade de ocupação no mercado de trabalho formal, as pessoas negras se viram obrigadas a permanecer nas atividades laborais informais como uma das alternativas de sobrevivência. Isso porque elas tinham grandes dificuldades em conseguir trabalho, visto que as atividades remuneradas eram ocupadas pelos imigrantes europeus, árabes e asiáticos, que começaram a chegar ao Brasil entre meados do século XIX e início do século XX (Guimarães, 2006). De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019), a população negra sempre foi a que teve maior dificuldade em relação à colocação no mercado de trabalho, ocupando os mais baixos índices sociais nas áreas de educação, cultura, moradia, saúde, trabalho e segurança. Esses índices podem ser explicados pelo fato de o racismo estar na base de todas as estruturas sociais, fenômeno este conhecido como Racismo Estrutural (Almeida, 2021). Em decorrência disso, mesmo no século XXI, pessoas negras ainda sofrem discriminação, preconceito e assédio racial no mercado de trabalho. Isso contribui para o processo de exclusão de grande parte de pessoas negras do mercado de trabalho formal que, para sobreviver, ainda recorrem ao mercado informal, o que as tem motivado ou forçado a empreender o seu próprio negócio. A perspectiva do afroempreendedorismo se baseia no Movimento Black Money (MBM), criado no início do século XXI nos Estados Unidos. Uma de suas características principais é constituir um movimento político-ideológico que visa lutar contra o racismo por meio da produção de mercadorias e serviços que remetem à identidade negra junto a seus consumidores. Objetiva também estimular e fortalecer a autonomia da
Ateliê do Turismo, Campo Grande – MS, Edição Especial – Afroturismo. 7 de hospedagem por meio de uma plataforma on-line, reúne viajantes e hóspedes em mais de 100 cidades brasileiras e no exterior. Ou seja, os proprietários e os trabalhadores dos meios de hospedagem são negros e atendem majoritariamente a clientes negros. Esse tipo de afroempreendimento agrega outros produtos, somando uma interessante oferta de experiências turísticas diversas no formato on-line e presencial. Na plataforma, é possível acessar, por exemplo, um guia gastronômico de comida afro-brasileira da cidade do Rio de Janeiro (RJ), criado em 2021 e que recebe o nome de Zungu (Diáspora.black, 2023). A proposta desse guia é valorizar a gastronomia negra da cidade carioca, movimentando outros afroempreendedores, visitantes, turistas e fomentando neles o orgulho negro, através da culinária. Nessa mesma perspectiva de iniciativas em crescimento, em Juiz de Fora (MG), o Coletivo DaMata Cultural, desde 2022, realiza caminhadas na cidade que revisitam alguns fatos históricos e dão foco à história e à presença da população negra local. Sendo esta a única iniciativa de afroturismo até o momento presente no município, pode-se afirmar que o afroturismo juiz-forano, a despeito de sua grande importância, ainda é incipiente. No que diz respeito à gastronomia, é crescente o número de editais de apoio e promoção de eventos de afroempreendedorismo nos serviços associados à comida, os quais mesclam herança africana e brasileira. Isso se reflete também no nível mundial. Não é por acaso que a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu a “Década Internacional de Afrodescendentes” (2015-2024) com o tema “Povos Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”. Essa década comemorativa tem como objetivo incentivar a promoção de respeito, proteção, cumprimento dos direitos humanos e liberdades fundamentais dessa população. Dessa maneira, a instituição dessa década temática também pode influenciar positivamente a criação de diversas iniciativas associadas ao setor do turismo. Em nível nacional, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) aprovou o Programa Municipal São Paulo Afroempreendedor, o Fundo Baobá de Recife, dentre outras iniciativas. Tratando-se de Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (SECULT) lançou, em 2023, o edital Afromineiridades, voltado para projetos que tenham como objetivo salvaguarda, circulação, valorização ou fortalecimento da imagem, história, tradição, expressões de matriz africana e negra (SECULT, 2023). Mais recentemente, o projeto Cozinha Mineira - temporada 2023 foi considerado como patrimônio cultural imaterial de Minas Gerais pela Secretaria de Estado de Cultura e Turismo e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas
Ateliê do Turismo, Campo Grande – MS, Edição Especial – Afroturismo. 8 Gerais (IEPHA-MG). De acordo com a Revista Museu (SECULT, 2023), esse projeto tem o intuito de reconhecer e valorizar os saberes e as práticas desenvolvidas pelos povos originários e tradicionais, que incluem os afro-brasileiros. Em nível local, segundo dados do IBGE (2010), o município de Juiz de Fora, localizado na Zona da Mata mineira, possui, aproximadamente, 600 mil habitantes e 55% da população descendente de negros (pretos e pardos). Na gestão vigente da Prefeitura de Juiz de Fora (2020-2024), foi instituída a Secretaria de Turismo (SETUR). O Plano Municipal de Turismo (PMT) estabelece “programas e ações que possam contribuir para a resolução de problemas individuais e coletivos, para o avanço estratégico do turismo local e para o benefício da população juiz-forana” (Prefeitura de Juiz de Fora, 2020, p. 4). O segmento turístico prioritário é o Cultural e Gastronômico, seguido de Negócios, Eventos e Compras. No PMT, o município conta com manifestações culturais de origem alemã, italiana, africana e sírio-libanesa que propiciam à população e aos visitantes uma interação intercultural por meio da gastronomia, arte, dança e religiosidade (PJF, 2020). Juiz de Fora tem diversos eventos gastronômicos no decorrer do ano. Segundo dados do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Juiz de Fora (SHRBSJF), existem, aproximadamente, 500 estabelecimentos alimentícios e 800 bares no município. A cidade possui gastronomia bastante diversificada, da culinária regional à internacional, além de pizzarias, lanchonetes e gastronomia especializada, como árabe, alemã, portuguesa e italiana (PJF, 2018), que comumente fazem parte da programação oficial de eventos juiz-foranos. A culinária de povos afro-brasileiros passou a compor esses espaços formais somente em 2023, por meio de dois eventos sociopolíticos, gastronômicos e culturais, oriundos da população negra local, o “Feijão de Ogun” e o “Julho das Pretas”. Considerando os eventos promovidos tanto pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (ABRASEL) quanto pela JF Convention & Visitors Bureau (JFC&VB), esta última sendo uma associação que visa contribuir para o desenvolvimento do turismo de eventos na cidade, não foi identificado nenhum que tenha sido organizado com enfoque na gastronomia afro-brasileira. No decorrer do ano, são promovidos diversos eventos gastronômicos que constam no calendário oficial do município, atraindo, potencialmente, residentes, visitantes e turistas, gerando, assim, benefícios socioeconômicos. Dentre esses eventos, destacam-se o JF Sabor, Comida di Buteco, Biergarten, Festa das Nações, Deguste, Seu Mercado, A Feira, Gastrocultura, Festival de Torresmo e Costela, Festa Alemã, dentre outros.
Ateliê do Turismo, Campo Grande – MS, Edição Especial – Afroturismo. 10 uma visita na “1ª Feira Preta de Juiz de Fora”, promovida pela Fundação Alfredo Ferreira Lage (FUNALFA), bem como em outros eventos relacionados que nos proporcionaram contato direto com diversas mulheres negras juizforanas as quais criam e comercializam artesanatos e quitutes típicos da cultura afro-brasileira. Realizou-se, ainda, uma consulta junto à Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (ABRASEL-Zona da Mata), bem como a outras entidades promotoras de eventos gastronômicos, a respeito do calendário de atividades do setor para o ano de 2023, com o intuito de divulgação, publicização e possibilidade de aproximação dos eventos oficiais às afroempreendedoras. Além disso, procedeu-se a uma conversa com o representante do Movimento Negro Unificado (MNU) local, instituição promotora do “Feijão de Ogun” , evento que traz contribuições para a cultura, a história, a culinária e a religiosidade do povo negro. Posteriormente, foi feito contato com uma graduanda do Curso de Turismo/UFJF e proprietária de um restaurante, onde se realizou uma visita técnica da disciplina de Gastronomia, no segundo semestre de 2022, para conhecer seu estabelecimento e possíveis indicações de outros afroempreendimentos gastronômicos na cidade. A partir desse embasamento, realizou-se a pesquisa de campo nos afroempreendimentos de Juiz de Fora (MG) entre os meses de abril a maio de 2023. A pesquisa abrangeu 08 (oito) mulheres negras que atuam no setor de alimentos e bebidas em Juiz de Fora, escolhidas por meio da técnica “bola de neve” (Baldin; Munhoz, 2011), segundo a qual uma afroempreendedora indicava outra a ser pesquisada, seguindo a dinâmica de conversa informal com as proprietárias e observação direta dos pratos oferecidos nos estabelecimentos/eventos, do ambiente e da clientela atendida. Para viabilizar a pesquisa de campo, foi elaborado um roteiro semiestruturado, juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual constam os objetivos da pesquisa, os riscos, o compromisso com o sigilo, bem como a disponibilização dos resultados da pesquisa para todas as pessoas que dela participaram. Dessa forma, o quadro 1 apresenta a sistematização do perfil dos contatos realizados para o levantamento de dados empíricos. Quadro 1 Perfil das representantes dos afroempreendimentos Nº Modalidade Idade Escolaridade Nome da iniciativa
Ateliê do Turismo, Campo Grande – MS, Edição Especial – Afroturismo. 11 1 Evento Feijão de Ogum 64 Ensino médio Movimento Negro Unificado 2 Restaurante 48 Superior incompleto Restaurante Harmoniza 3 Eventos 57 Ensino médio Buffet Cida Franco 4 Bar/Espaço de Cultura 70 Superior completo Quintal Cultural Dadartes 5 Restaurante/trailer 44 Superior completo Espaço Cultural e Gastronômico Bete Baiana 6 Eventos 54 Ensino médio Artdellas 7 Trailer 70 Ensino médio incompleto Acarajé da Dioni 8 Restaurante 64 Fundamental incompleto Comida Caseira da Pelu 9 Restaurante 45 Superior incompleto Marta’s Restaurante Fonte: Queiroga (2023). A análise dos resultados foi inspirada em Vasconcelos (2002) para quem esse tipo de pesquisa deve apontar as aspirações, os receios, as dificuldades, os desafios, as expectativas, as crenças e os valores que fazem parte da realidade socioeconômica dos afroempreendimentos gastronômicos. Apresentação e análise dos resultados Os resultados alcançados pela pesquisa foram articulados e analisados com base em duas categorias principais: a) empreendimentos de mulheres negras e afroempreendedorismo gastronômico; b) cultura negra, gastronomia e eventos. Para tanto, foram ainda consideradas as possibilidades de as proprietárias dos restaurantes se inserirem nos eventos gastronômicos oficiais de Juiz de Fora, relacionando com algumas inferências conceituais sobre afroempreendedorismo. a) Os empreendimentos de mulheres negras e o afroempreendedorismo gastronômico Foi possível perceber que existe uma relação estreita entre os empreendimentos das mulheres e o afroempreendedorismo gastronômico em Juiz de Fora. Todos os empreendimentos investigados apresentam algumas características próximas da compreensão sobre afroempreendedorismo. Isso ocorre não apenas pelo fato de as proprietárias dos restaurantes serem negras e atuarem no setor de alimentos e bebidas, mas, principalmente, por se identificarem com os princípios de afroempreendimento, dentre eles: trabalho como fonte de renda que assegura ou auxilia no sustento próprio e/ou familiar; autonomia; empoderamento; possibilidade de ascensão social; além de
Ateliê do Turismo, Campo Grande – MS, Edição Especial – Afroturismo. 13 suas frentes de trabalho voltadas para o setor de eventos, que inclui também planejamento, organização, coordenação, execução e contratação de equipe para festas de casamento, formatura, aniversário, batizado etc. Apenas uma é sócia-proprietária de um espaço de eventos onde ocorrem semanalmente atividades musicais relacionadas à cultura afro-brasileira, como samba e pagode. Nesse espaço, também são servidos petiscos relacionados às tradições ancestrais. Dentre as maiores dificuldades enfrentadas no cotidiano estão as diretamente associadas à organização, ao planejamento e à precificação dos produtos ou serviços, seja pelo trabalho em espaços fixos ou em eventos. Outro elemento importante identificado foram as dificuldades de operação nas redes sociais, que são dispositivos estratégicos para a divulgação e maior comercialização dos seus serviços e produtos. As proprietárias acreditam que, por estarem em uma faixa etária acima dos 40 anos, possuem pouca habilidade com as tecnologias de informação e comunicação, o que as torna dependentes de outras pessoas para auxiliá-las na divulgação de suas atividades. Essa necessidade de utilização das redes sociais aumentou significativamente durante a pandemia de covid-19, uma vez que o fechamento dos estabelecimentos para atendimento ao público obrigou realizar contato virtual com clientes, para realização de seus pedidos, orçamentos e divulgação dos serviços. Assim, muitas delas tiveram que aprender, na prática, como gerenciar aplicativos de tele-entrega, WhatsApp , Instagram e Ifood, além do delivery. Outras proprietárias se utilizam dos conhecimentos de familiares para auxílio nas vendas on-line , que são efetuadas pelas redes sociais e também presencialmente, em seu trailer na feira, por exemplo, exercendo funções no caixa, na anotação e na entrega dos pedidos. Este é o caso de uma afroempreendedora que compreende ser esta uma alternativa de ocupar os netos em atividade remunerada, conforme trecho a seguir: A família fica muito envolvida. Eles que me dão suporte. É deles que eu tenho que pegar porque eu vivo aqui por eles. Não é que eu faço valer isso, mas eles sabem que é por eles, senão eu não estaria mais aqui em JF, eu estaria na Bahia junto com minha família lá, no meu tabuleiro que tem lá...... Porque não dependo, não peço, não encho o saco deles pro braçal. Então, pelo menos pra divulgação que eu entendo pouco. Sou sincera em dizer ‘eu não sei mexer muito nesses trâmites de informática. Eles já nasceram com a coisa já plantado na cabeça’ (Proprietária 7). A pesquisa revelou que a realidade dessas mulheres negras reafirma que o afroempreendimento implica envolvimento e participação efetiva de outros membros da família para alavancar o negócio, em que cada um auxilia com seus conhecimentos.
Ateliê do Turismo, Campo Grande – MS, Edição Especial – Afroturismo. 14 Consequentemente, isso faz com que o negócio se torne uma possibilidade de circulação de renda entre os familiares, possibilitando ascensão social. b) Cultura negra, gastronomia e eventos Em vários dos afroempreendimentos visitados, observou-se a interseção entre cultura negra, gastronomia e eventos. Um dos empreendimentos se destaca por não se restringir apenas à gastronomia, mas agregar cultura, culinária e educação. Esse espaço, conhecido como “Quintal Cultural”, é onde acontecem samba de raiz, eventos gastronômicos, comemorativos, promovidos por pessoas negras, além de atividades de estímulo à leitura na biblioteca e às artes marciais. Esse afroempreendimento surge como um espaço multicultural de lazer, entretenimento e de convivência, “de preto para preto”, onde as pessoas podem interagir, divertir-se e ampliar as relações socioculturais. Todos os membros do empreendimento são negros e as ações são destinadas prioritariamente para os consumidores negros, embora se registre a presença de clientes de outras etnias. O depoimento de uma das pesquisadas demonstra a ênfase nesse público-alvo: Eu tenho este espaço cultural, espaço de cultura, onde a gente faz churrasco, a gente samba, a gente canta... os eventos acontecem às sextas-feiras...... eu falo e vou continuar falando. É uma casa de preto. Todos podem vir. Brancos são bem vindos, mas é uma casa de preto (Proprietária 4) A relação da comida com os saberes tradicionais passados através de gerações também foi um item analisado capaz de proporcionar lembranças afetuosas com seus ancestrais, de suas infâncias e histórias de vida. Dessa forma, foi possível reafirmar que o afroempreendedorismo gastronômico contribui para o resgate da memória e da ancestralidade, para a valorização da cultura e da identidade do povo negro. Isso produz estímulo para continuar e perseverar, pois, nesse caso, estão contribuindo para manter a tradição dos saberes de seus antepassados na memória viva. Este foi o relato de uma das pesquisadas, originária de uma comunidade quilombola que, enquanto trabalhadora de um restaurante local, utilizou o ora-pro-nobis, uma ‘Planta Alimentícia Não Convencional’ (PANC) na elaboração de um prato para que o estabelecimento concorresse a uma premiação em um dos eventos gastronômicos de Juiz de Fora. Mesmo tendo seu prato premiado, ela não recebeu o prêmio, mas sim a proprietária do restaurante, que, tendo recebido uma quantia em dinheiro, investiu-a na aquisição de novos utensílios e equipamentos para a cozinha do estabelecimento. Como ela mesma
Ateliê do Turismo, Campo Grande – MS, Edição Especial – Afroturismo. 16 percorridos para o restaurante se manter em funcionamento há 11 anos, contribuindo para que diversos membros de sua família conseguissem estudar. Tendo se formado em Odontologia e Psicologia, além de ascenderem socialmente, ainda exercem ações de caráter voluntário, solidário, humanitário e fraterno para pessoas que não têm fácil acesso a esses serviços. O depoimento em especial dessa proprietária enfatiza a importância de seu empreendimento para o investimento na educação como instrumento de mudança da situação da família: Quando um gradua, gradua a família toda. Então, a gente tá vendo que a possibilidade que eles estão tendo, através do nosso trabalho, porque essa sempre foi a nossa intenção: que a gente fizesse com que eles tivessem uma condição de vida melhor, mas pra eles poder enxergar mais longe, pra eles poder alcançar outras coisas. Então, isso a gente tá vendo isso acontecer. Então, isso é muito gratificante porque, se não fosse o restaurante, se não fosse a oficina, se não fosse a gente estar em prol dessa educação, talvez a gente não conseguiria (Proprietária 9). Cabe ressaltar que, apesar de algumas das mulheres negras serem cadastradas como Microempreendedor Individual (MEI), não são filiadas em sindicatos ou em outra instituição que possa representá-las enquanto grupo. Algumas pesquisadas participam de coletivos em que se discutem questões de gênero, raça, classe e território. Faz-se necessário, entretanto, ir além, organizar-se coletivamente e cobrar que instituições possam realizar parcerias para melhorar o acesso dessas mulheres a cursos específicos, que atendam às suas necessidades profissionais. Foram mencionadas, na pesquisa, algumas instituições de formação localizadas em Juiz de Fora, como a Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (FUNALFA), o Sebrae, o Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (SENAC), a Uni Academia, o Instituto de Gastronomia das Américas (IGA) e outras escolas de gastronomia que podem oferecer cursos e firmar parcerias para contribuir e aprimorar o processo de formação na área gastronômica. Observou-se, pelos relatos, que as mulheres pesquisadas primam pela busca constante em oferecer serviços e produtos de qualidade, diversidade e inovação dos pratos, o que demanda cursos de formação profissional. Uma iniciativa que proporciona representatividade ao povo negro da cidade e poderia ampliar visibilidade ao trabalho das afroempreendedoras investigadas é o “Feijão de Ogun”. Ogum é o orixá que abre os caminhos e que dá nome ao evento. Em 2023, a 20ª edição do evento, aprovado pela Câmara Municipal, foi inserido no calendário oficial do
Ateliê do Turismo, Campo Grande – MS, Edição Especial – Afroturismo. 17 município, sendo um dos poucos eventos oficiais relacionados à cultura afro-brasileira em Juiz de Fora. O tema escolhido em 2023 - “Terra: Memória, Ancestralidade e Resistência” - tem relação com o Programa de Atividades para Implementação da Década Internacional de Afrodescendentes - 2015 - 2024 da ONU. Foi um evento construído coletivamente com a realização de plenárias com a comunidade e parceiros para definir os temas do debate. Foram desenvolvidas diversas programações com apresentação cultural, música, teatro, dança e filmes. Nesse evento, uma das vertentes do afroempreendedorismo juizforano se concretizou com a programação da 3ª Feira do Etnodesenvolvimento e Economia Solidária, na qual pequenos afroempreendedores locais apresentaram uma diversidade de produtos para comercialização aos visitantes, priorizando mercadorias com ênfase na cultura afro-brasileira: artesanato, roupas, livros, acarajé, doces etc. Dentre uma das programações, o Coletivo DaMata Cultural desenvolveu a “Caminhada Juiz de Fora Negra”, um passeio afroturístico pelas ruas centrais da cidade, com duração aproximada de três horas que objetiva ressaltar a cultura negra local, bem como iniciativas com novas experiências afroturísticas e promoção de empreendimentos liderados por negros. Nesse passeio são destacados lugares, personalidades e saberes ancestrais negros e suas importâncias históricas principalmente para o povo negro local (Nascimento; Cruz, 2023). Durante o ano de 2023, a Caminhada foi financiada pelo Edital Quilombagens da PJF/FUNALFA. Atendendo, em geral, ao público estudantil, o roteiro foca em reflexões afrocentradas acerca da história da cidade, considerando pontos turísticos tradicionais, como o Parque Halfeld, a Rua Halfeld, a Rua Marechal Deodoro e a Praça da Estação. Outros pontos alternativos são a Rua Floriano Peixoto, a Praça Negro Teófilo, a Praça Roza Cabinda e o Mirante São Bernardo. Todos os pontos de parada da Caminhada são localizados na região central da cidade. Essas novas experiências, que trazem reflexões acerca de identidade e pertencimento dos participantes com a ancestralidade negra (Nascimento; Cruz, 2023), têm contribuído para a luta antirracista e para a autoestima da população afro-brasileira do município. A programação do “Feijão de Ogun ” se encerra com a feijoada completa, prato preferido de Ogum , sendo preparada com a participação de uma das mulheres pesquisadas. A distribuição da feijoada é feita aos participantes do evento e às instituições que atendem a pessoas que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade. Para efetivação desse evento, foram firmadas diversas parcerias institucionais e de cooperação, além da contribuição financeira de pessoas, grupos, comércio local e instituições que se identificam com a causa. Para ampliar a arrecadação de recursos
Ateliê do Turismo, Campo Grande – MS, Edição Especial – Afroturismo. 19
Em geral, todas as empreendedoras negras pesquisadas se identificam com as premissas do afroempreendedorismo. Analisando os afroempreendimentos gastronômicos dessas mulheres e refletindo sobre as possibilidades de se inserirem nos eventos turísticos gastronômicos, percebeu-se que as dificuldades para esse público ainda permanecem. Devido às duplas ou triplas jornadas de trabalho ou dificuldade de acessar cursos de formação, fatores estes muito comuns às mulheres negras, elas não conseguem participar dos eventos. Tais mulheres apresentam dificuldades em acessar tecnologias de informação e, portanto, as informações dos eventos gastronômicos que ocorrem no município, dificilmente, chegam até elas. E, quando chegam, elas não cogitam a possibilidade de participar, seja pelos altos custos, pela dificuldade de acesso, por apresentarem outras prioridades ou não terem registro do empreendimento. Assim, pode ser interessante sinalizar para os organizadores e promotores desses eventos os motivos pelos quais tais mulheres não se fazem presentes, abrindo caminhos para iniciativas antirracistas, a fim de reconhecer sua atuação e inserir as empreendedoras. Excetuando o “Feijão de Ogun” , e mais recentemente o “Julho das Pretas”, não há registro de outro evento do calendário oficial na cidade que tenha como iniciativa a participação do povo negro como afroempreendedor. Esses poucos eventos existentes apresentam limitações em relação ao número de participantes das afroempreendedoras investigadas. Em relação aos pratos que fazem parte da história dos afrodescendentes, pouco se tem de informação e divulgação. A pesquisa revelou a necessidade de essas mulheres criarem espaços de conversa, trocas e maior disseminação do trabalho comprometido com a história, o que poderia ser potencializado pelas redes de afroturismo Diaspora.black e pelo Coletivo Damata Cultural_._ Nesse caso, o Coletivo juiz- forano que desenvolve o afroturismo poderia incluir em seu roteiro uma visita e, ou um almoço nos afroempreendimentos pesquisados para os visitantes consumirem os seus serviços e/ou produtos. Dessa forma, as práticas do afroturismo quanto os empreendimentos gastronômicos podem beneficiar o turismo no município. De maneira geral, as afroempreendedoras também podem se apoiar, estreitar laços e, potencialmente, atingir mais clientes e um público interessado em consumir produtos e serviços turísticos compromissados com a história da população negra. Também se faz necessário que movimentos sociais se articulem em conjunto com as demais instituições promotoras de eventos e relacionadas ao turismo. Nesse caso, a
Ateliê do Turismo, Campo Grande – MS, Edição Especial – Afroturismo. 20 atuação conjunta do Movimento Negro Unificado e instituições de ensino em turismo podem ser interessantes para encontrar mecanismos que ajudem no aumento da autoestima das afroempreendedoras do setor de alimento e bebidas e, assim, propicie- se concretamente o enfrentamento ao racismo. É imprescindível que debates acerca do tema sejam promovidos com o intuito de propiciar novas experiências que possibilitem ampliar a interação da população juiz-forana e da cultura afro-brasileira de maneira geral. Quiçá, por essas vias, seja possível até mesmo entender melhor a cultura afro- brasileira juiz-forana. Mediante as dificuldades enfrentadas no cotidiano dessas mulheres, percebe-se que elas ainda têm um longo caminho a percorrer para sua emancipação. Diante do exposto, a inserção dessas mulheres nos eventos turísticos dos setores de alimentos e bebidas ainda é uma realidade bem distante. Considera-se, portanto, que o afroempreendedorismo é um meio, uma alternativa, mas não o fim. Na tentativa de apontar caminhos para diminuir o distanciamento entre esses afroempreendimentos e as instituições promotoras de eventos gastronômicos de Juiz de Fora, é importante retomar a discussão da importância de fortalecimento dos movimentos sociais enquanto categorias de organização da sociedade. Atualmente, existem diversos grupos nas redes sociais de afroempreendedores. Deve-se buscar uma proximidade com esses grupos para fortalecê-los. Enquanto essas trabalhadoras atuarem individual e anonimamente, não buscarem vínculos com alguma instituição associativa que as represente, elas continuarão desvinculadas dos processos de participação, tendendo a permanecer na invisibilidade e no trabalho isolado, sem interação sequer com outras afroempreendedoras. Portanto, esta pesquisa pretendeu dar visibilidade ao tema sensível e de importância para o povo negro, em especial às mulheres que historicamente foram discriminadas, invisibilizadas, desvalorizadas e excluídas, durante muitos anos, dos eventos gastronômicos oficiais do município. De fato, o racismo estrutural impõe inúmeros obstáculos e desafios para a valorização da história e da cultura da população negra. É preciso viabilizar ações concretas para combatê-lo, incentivando a produção e o consumo de produtos e serviços oriundos de pessoas e culturas negras, como a sua gastronomia. Além disso, é fundamental que o Plano Municipal de Turismo de Juiz de Fora seja colocado em prática, de forma que seja cumprida a proposta de valorização da história e cultura de todas as etnias, sem distinção, promovendo a ampliação de eventos relacionados às culturas afro-brasoleiras e afirmando a importância do afroturismo para