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A Luta entre o Parlamento e a Monarquia na Inglaterra: O Triunfo do Pluralismo Político, Traduções de História Econômica

Este documento analisa a luta entre o parlamento e a monarquia na inglaterra durante o século xvii, mostrando como o parlamento conseguiu se afastar dos poderes absolutistas e se tornar um contrapeso ao trono. O texto discute como as mudanças nas instituições políticas representaram o triunfo do parlamento sobre o trono e o fim do absolutismo na inglaterra, além de explorar como isso abriu caminho para a revolução industrial.

Tipologia: Traduções

2024

Compartilhado em 30/03/2024

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ivan-totoli 🇧🇷

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7. A REVIRAVOLTA
PROBLEMAS COM MEIAS
EM 1583, WILLIAM LEE voltou de seus estudos na Universidade de Cambridge para tornar-se o
pároco local em Calverton, Inglaterra. Elizabeth I (1558-1603) havia recentemente
determinado que seus súditos sempre usassem um barrete de tricô. Lee notou que “as
tricoteiras eram o único meio de produzir essas peças de vestuário, mas a demora para
terminar cada item era demasiado longa. Pus-me a refletir. Observei minha mãe e minhas
irmãs sentadas no lusco-fusco do entardecer, às voltas com suas agulhas. Se cada peça era
confeccionada por duas agulhas e uma linha de fio, por que não várias agulhas para conduzir o
fio?”. Esse lampejo marcou o início da mecanização da produção têxtil. Lee ficou obcecado
pela construção de uma máquina que libertasse as pessoas daquele infindável tricotar manual.
Segundo ele, “comecei a negligenciar meus deveres para com a Igreja e a família. A ideia de
minha máquina e sua criação tomaram-me por completo o coração e o cérebro”. Por fim, em
1589, sua máquina de tricotar meias ficou pronta. Entusiasmado, ele se dirigiu a Londres, na
esperança de conseguir uma audiência com Elizabeth I para mostrar-lhe o quanto a máquina
podia ser útil e solicitar uma patente, a fim de impedir a cópia da ideia por terceiros. Alugou
um prédio para montar a máquina e, com o auxílio de seu representante local no Parlamento,
Richard Parkyns, foi apresentado a Henry Carey, Lorde Hundson, membro do Conselho Privado
da rainha. Carey conseguiu que a Rainha Elizabeth fosse conhecer a máquina, mas sua reação
foi devastadora; não só se recusou a conceder a patente de Lee, como o admoestou: “Quanto
atrevimento, Senhor Lee. Considera o que tal invenção me poderia causar aos pobres súditos.
Decerto lhes traria a ruína ao privá-los de emprego, convertendo-os assim em mendigos.”
Arrasado, Lee mudou-se para a França, a fim de tentar sua sorte; tendo também ali
fracassado, retornou à Inglaterra, onde requisitou a patente a Jaime I (16031625), sucessor
de Elizabeth. Jaime I também recusou, com a mesma justificativa de Elizabeth. Ambos temiam
que a mecanização da produção de meias os desestabilizasse politicamente, à medida que
deixaria as pessoas sem trabalho, geraria desemprego e instabilidade política, constituindo,
em última instância, uma ameaça ao poder real. A máquina de tecer meias era uma inovação
que prometia um gigantesco salto na produtividade, mas também muita destruição criativa.
A REAÇÃO À BRILHANTE invenção de Lee ilustra a tese central deste livro. O medo da
destruição criativa é o principal motivo por que não houve uma melhoria sustentada dos
padrões de vida entre as revoluções neolítica e industrial. A inovação tecnológica contribui
para a prosperidade das sociedades humanas, mas também implica a substituição do antigo
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Baixe A Luta entre o Parlamento e a Monarquia na Inglaterra: O Triunfo do Pluralismo Político e outras Traduções em PDF para História Econômica, somente na Docsity!

7. A REVIRAVOLTA

PROBLEMAS COM MEIAS

EM 1583, WILLIAM LEE voltou de seus estudos na Universidade de Cambridge para tornar-se o pároco local em Calverton, Inglaterra. Elizabeth I (1558-1603) havia recentemente determinado que seus súditos sempre usassem um barrete de tricô. Lee notou que “as tricoteiras eram o único meio de produzir essas peças de vestuário, mas a demora para terminar cada item era demasiado longa. Pus-me a refletir. Observei minha mãe e minhas irmãs sentadas no lusco-fusco do entardecer, às voltas com suas agulhas. Se cada peça era confeccionada por duas agulhas e uma linha de fio, por que não várias agulhas para conduzir o fio?”. Esse lampejo marcou o início da mecanização da produção têxtil. Lee ficou obcecado pela construção de uma máquina que libertasse as pessoas daquele infindável tricotar manual. Segundo ele, “comecei a negligenciar meus deveres para com a Igreja e a família. A ideia de minha máquina e sua criação tomaram-me por completo o coração e o cérebro”. Por fim, em 1589, sua máquina de tricotar meias ficou pronta. Entusiasmado, ele se dirigiu a Londres, na esperança de conseguir uma audiência com Elizabeth I para mostrar-lhe o quanto a máquina podia ser útil e solicitar uma patente, a fim de impedir a cópia da ideia por terceiros. Alugou um prédio para montar a máquina e, com o auxílio de seu representante local no Parlamento, Richard Parkyns, foi apresentado a Henry Carey, Lorde Hundson, membro do Conselho Privado da rainha. Carey conseguiu que a Rainha Elizabeth fosse conhecer a máquina, mas sua reação foi devastadora; não só se recusou a conceder a patente de Lee, como o admoestou: “Quanto atrevimento, Senhor Lee. Considera o que tal invenção me poderia causar aos pobres súditos. Decerto lhes traria a ruína ao privá-los de emprego, convertendo-os assim em mendigos.” Arrasado, Lee mudou-se para a França, a fim de lá tentar sua sorte; tendo também ali fracassado, retornou à Inglaterra, onde requisitou a patente a Jaime I (1603–1625), sucessor de Elizabeth. Jaime I também recusou, com a mesma justificativa de Elizabeth. Ambos temiam que a mecanização da produção de meias os desestabilizasse politicamente, à medida que deixaria as pessoas sem trabalho, geraria desemprego e instabilidade política, constituindo, em última instância, uma ameaça ao poder real. A máquina de tecer meias era uma inovação que prometia um gigantesco salto na produtividade, mas também muita destruição criativa.

A REAÇÃO À BRILHANTE invenção de Lee ilustra a tese central deste livro. O medo da destruição criativa é o principal motivo por que não houve uma melhoria sustentada dos padrões de vida entre as revoluções neolítica e industrial. A inovação tecnológica contribui para a prosperidade das sociedades humanas, mas também implica a substituição do antigo

pelo novo, bem como a destruição dos privilégios econômicos e do poder político de alguns. Para que haja crescimento econômico sustentado, são necessárias novas tecnologias e novas maneiras de fazer as coisas – que, em geral, virão de gente nova, como Lee. A sociedade pode enriquecer, mas o processo de destruição criativa assim desencadeado constitui uma ameaça aos meios de subsistência daqueles que trabalham com as antigas tecnologias, como as tricoteiras que a tecnologia de Lee deixaria sem emprego. Acima de tudo, inovações significativas como a máquina de tecer meias de Lee implicam também a possibilidade de uma reconfiguração do poder político. Em última instância, não foi a preocupação com o destino dos possíveis desempregados devido à invenção de Lee que levou Elizabeth I e Jaime I a lhe negarem a patente; foi seu medo de saírem perdendo politicamente – isto é, seu receio de que os prejudicados pela máquina viessem a gerar instabilidade política e pôr em risco o seu poder. Como vimos no caso dos ludistas (páginas 66-67), em geral é possível superar a resistência de trabalhadores como as tricoteiras. Todavia, a elite, sobretudo quando vê seu poder político em risco, constitui a mais formidável barreira à inovação. O fato de ter tanto a perder com a destruição criativa significa não só que ela não será uma fonte de inovações como também que vai tender a resistir e procurar impedi-las. Assim, a sociedade precisa de gente nova, que introduza as inovações mais radicais – pessoas que, junto com a destruição criativa que virão promover, terão de superar várias fontes de resistência, inclusive a das elites e autoridades detentoras do poder. Antes da Inglaterra do século XVII, as instituições extrativistas foram, ao longo da história, a norma. Vez por outra, mostraram-se capazes de gerar crescimento econômico, como mostramos nos dois últimos capítulos, sobretudo quando continham elementos inclusivos, como em Veneza e Roma. Contudo, não admitiam destruição criativa. O crescimento por elas engendrado não era sustentado, e chegava ao fim em virtude da falta de novas inovações, das disputas políticas internas decorrentes da ânsia por beneficiar-se do extrativismo ou da completa reversão dos elementos inclusivos incipientes, como no caso de Veneza. A expectativa de vida de um morador da aldeia natufiana de Abu Hureyra provavelmente não era muito diferente daquela de um cidadão da Roma Antiga. A expectativa de vida de um romano típico era relativamente próxima daquela de um habitante médio da Inglaterra no século XVII. Em termos de renda, em 301 d.C. o imperador romano Diocleciano emitiu o Edito dos Preços Máximos, estabelecendo uma tabela com os salários a serem pagos aos vários tipos de trabalhadores. Não sabemos o quanto, na prática, os salários e preços de Diocleciano entraram em vigor; porém, quando o historiador econômico Robert Allen usou tal edito para calcular o padrão de vida de um típico trabalhador sem qualificação, constatou que seria quase exatamente o mesmo de um trabalhador não especializado na Itália do século XVII. Mais ao norte, na Inglaterra, os salários não só já eram mais altos como estavam subindo, e a

despeito da Magna Carta e do primeiro Parlamento eleito, os conflitos políticos em torno dos poderes da monarquia e de quem seria nomeado rei prosseguiram. Esses conflitos dentro da elite foram encerrados com a Guerra das Rosas, uma longa querela entre as casas de Lancaster e York, duas famílias com pretendentes ao trono. Os vencedores foram os lancastrianos, cujo candidato à Coroa, Henrique Tudor, se sagraria Henrique VII em 1485. Deram-se então dois outros processos inter-relacionados. O primeiro foi o reforço da centralização política, deflagrada pelos Tudors. A partir de 1485, Henrique VII começou a desarmar a aristocracia, desmilitarizando-a e, assim, fazendo recrudescer o poder do Estado central. Seu filho, Henrique VIII, implementou uma verdadeira revolução no governo, por intermédio de seu principal ministro, Thomas Cromwell. Na década de 1530, Cromwell introduziu um incipiente Estado burocrático. Em vez de o governo restringir-se à casa real, passaria a constituir um conjunto à parte de instituições permanentes. O processo foi complementado pela ruptura de Henrique VIII com a Igreja Católica Romana e a “Dissolução dos Monastérios”, por meio da qual Henrique expropriou todas as terras da Igreja. A eliminação do poder da Igreja foi parte do processo de centralização do Estado. E instituições estatais mais centralizadas significavam que, pela primeira vez, instituições políticas inclusivas tornavam-se possíveis. O processo iniciado por Henrique VII e Henrique VIII não só centralizou as instituições, mas também incrementou a demanda por uma representação política de base mais ampla. Tal processo de centralização pode de fato acarretar uma forma de absolutismo, à medida que o rei e seus asseclas podem vir a esmagar outros grupos poderosos da sociedade – e essa é uma das razões por que há oposição à centralização do Estado, como vimos no Capítulo 3. Entretanto, indo de encontro a essa força, as instituições centralizadoras podem também mobilizar a demanda por uma modalidade incipiente de pluralismo, como na Inglaterra dos Tudors. Quando os barões e as elites locais reconhecem que o poder político será cada vez mais centralizado e que esse processo será difícil de reverter, reivindicam o direito de ter voz ativa com relação ao uso que se fará desse poder centralizado. Na Inglaterra, no final do século XV e durante todo o século XVI, isso implicou a intensificação dos esforços desses grupos no sentido de transformar o Parlamento em um contrapeso à Coroa e de impor controles parciais ao modo de funcionamento do Estado. Assim, o projeto dos Tudors não só desencadeou uma centralização política, um dos pilares das instituições inclusivas, mas também contribuiu indiretamente para o outro pilar, o pluralismo. Esses desdobramentos em termos das instituições políticas deram- se no contexto de outras mudanças significativas na própria natureza da sociedade. Particularmente significativo foi o recrudescimento dos conflitos políticos que ampliaram o leque de grupos capazes de apresentar suas demandas à monarquia e às elites políticas. A Revolta Camponesa de 1381 (página 78) foi seminal; depois dela, a elite inglesa foi sacudida

por uma longa sequência de insurreições populares. O poder político estava sendo redistribuído não apenas do rei para os nobres, mas também da elite para o povo. Essas transformações, aliadas às crescentes restrições impostas ao poder monárquico, possibilitou o surgimento de uma vasta coalizão de oposição ao absolutismo, lançando assim as bases para instituições políticas pluralistas. Apesar de contestadas, as instituições políticas e econômicas herdadas e mantidas pelos Tudors eram ainda claramente extrativistas. Em 1603, Elizabeth I, filha de Henrique VIII que subira ao trono em 1553, morreu sem deixar filhos, e os Tudors foram substituídos pela dinastia Stuart. O primeiro Rei Stuart, Jaime I, herdou não só as instituições, mas os conflitos dos quais eram pivôs. Sua ambição era ser um governante absolutista. Embora o Estado tenha se tornado mais centralizado e as mudanças sociais estivessem promovendo uma redistribuição de poder na sociedade, as instituições políticas ainda não chegavam a ser pluralistas. Na economia, o extrativismo manifestava-se não só na oposição ao invento de Lee, mas sob a forma de monopólios, monopólios e mais monopólios. Em 1601, uma lista deles foi lida no Parlamento, e um de seus membros indagou, ironicamente: “O pão está incluído aí?” Em 1621, eram 700 deles. Nas palavras do historiador inglês Christopher Hill, cada homem vivia em uma casa construída com tijolos monopolizados, com janelas [...] de vidro monopolizado; aquecia-se com carvão monopolizado (na Irlanda, lenha monopolizada), que ardia em uma grelha forjada em ferro monopolizado. [...] Lavava-se com sabão monopolizado, e às roupas com goma monopolizada. Vestia-se com rendas monopolizadas, tecidos monopolizados, couro monopolizado, fios de ouro monopolizados. [...] Suas roupas eram seguras por cintos monopolizados, botões monopolizados, alfinetes monopolizados, e tingidas com corantes monopolizados. Comia manteiga monopolizada, groselhas monopolizadas, arenque monopolizado, salmão monopolizado e lagostas monopolizadas. Temperava a comida com sal monopolizado, pimenta monopolizada, vinagre monopolizado. [...] Escrevia com penas monopolizadas, em papel de carta monopolizado; lia (com óculos monopolizados, e à luz de velas monopolizadas) livros de impressão monopolizada. Esses e muitos outros monopólios conferiam a indivíduos ou grupos o direito exclusivo de controlar a produção de muitos bens, impedindo o tipo de alocação de talentos que é tão crucial à prosperidade econômica. Tanto Jaime I quanto seu filho e sucessor Carlos I aspiravam a reforçar a Coroa, reduzir a influência do Parlamento e estabelecer instituições absolutistas similares às que estavam sendo estruturadas na Espanha e França, de modo a intensificar o controle exercido pelo trono e pela elite sobre a economia, tornando as instituições mais extrativistas. Os conflitos entre Jaime I e o Parlamento chegaram ao clímax na década de 1620, tendo por pivô o controle do comércio tanto ultramarino como dentro das Ilhas Britânicas. A concessão de monopólios pela Coroa era uma das principais fontes de renda

agraciados com lucrativos monopólios; por exemplo, os monopólios locais controlados pelos ricos e poderosos mercadores de Shrewsbury e Oswestry eram protegidos pelo trono da concorrência dos mercadores londrinos. Esses mercadores aliaram-se a Carlos I. Por outro lado, a indústria metalúrgica havia florescido na região de Birmingham porque ali os monopólios eram fracos e os recém-chegados à indústria não precisavam submeterse aos sete anos de aprendizado exigidos no resto do país; durante a Guerra Civil, fabricaram espadas e voluntariaram-se para o lado do Parlamento. Analogamente, a falta de restrições associativas no condado de Lancashire permitiu o desenvolvimento, ainda antes de 1640, dos “novos tecidos”, um novo estilo de fazendas mais leves; a região onde a produção desses tecidos se concentrava foi a única área de Lancashire a apoiar o Parlamento. Sob a liderança de Oliver Cromwell, os parlamentaristas – conhecidos como Cabeças Redondas, pelo estilo de corte de cabelo que adotavam – derrotaram os realistas, conhecidos como Cavaleiros. Carlos foi levado a julgamento e executado em 1649. Sua derrota e a abolição da monarquia, entretanto, não produziram instituições inclusivas; pelo contrário, a monarquia foi substituída pela ditadura de Oliver Cromwell. Após a morte deste, a monarquia foi restaurada em 1660 – voltando a aferrar-se a muitos dos privilégios que lhe haviam sido arrancados em 1649. O filho de Carlos, Carlos II, retomou então o velho projeto de instauração do absolutismo na Inglaterra. Suas tentativas seriam apenas intensificadas por seu irmão, Jaime II, que o sucederia no trono após sua morte, em 1685. Em 1688, a tentativa do rei de restabelecer o absolutismo provocou outra crise, desencadeando nova guerra civil. O Parlamento, dessa vez, encontrava-se mais unido e organizado, e convidou o Statholder holandês, Guilherme de Orange, e sua esposa, Maria, a filha protestante de Jaime, para o trono deste. Guilherme traria um exército e reivindicaria o trono – para governar não como monarca absoluto, mas sob uma monarquia constitucional forjada pelo Parlamento. Dois meses após o desembarque de Guilherme nas Ilhas Britânicas, em Brixham, Devon (ver o Mapa 9), as tropas de Jaime se dispersaram e ele fugiu para a França.

A REVOLUÇÃO GLORIOSA Após a vitória na Revolução Gloriosa, o Parlamento e Guilherme negociaram uma nova Constituição. As mudanças, prenunciadas pela “Declaração” feita por Guilherme às vésperas de sua invasão, seriam consagradas na Declaração de Direitos, formulada pelo Parlamento em fevereiro de 1689. A Declaração foi lida para Guilherme na mesma sessão em que lhe foi ofertada a coroa. Sob diversos aspectos, a Declaração, intitulada Carta de Direitos (Bill of Rights) após ser convertida em lei, era vaga; o mais crucial, porém, era o fato de que efetivamente estabelecia certos princípios constitucionais centrais. Determinava

a sucessão ao trono e de um modo que divergia significativamente dos princípios hereditários em vigor até então. Se o Parlamento pudera uma vez destituir um monarca e substituí-lo por outro mais do seu agrado, por que não fazê-lo novamente? A Declaração de Direitos asseverava também que o monarca não poderia suspender ou promulgar leis e reiterava a ilegalidade dos impostos que não gozassem de aprovação parlamentar. Ademais, determinava que não poderia haver Exército permanente na Inglaterra sem consentimento parlamentar. A ambiguidade se manifestava em clausulas como a de número 8, que estabelecia que “a eleição dos membros do Parlamento deve ser livre”, sem explicitar como esse grau de liberdade seria determinado. Ainda mais obscura era a cláusula 13, cujo ponto central era que o Parlamento se reunisse com frequência. Uma vez que quando e se o Parlamento se reuniria haviam sido questões tão contenciosas durante todo o século, seria de se esperar uma especificidade bem maior nesse artigo. Não obstante, o motivo de tamanha imprecisão é claro. Cláusulas têm de ser cumpridas. Durante o reinado de Carlos II, estivera em vigor uma Lei Trienal que estipulava que o Parlamento fosse convocado, no mínimo, uma vez a cada três anos. Entretanto, Carlos a tinha ignorado por completo sem que nada acontecesse, pois não havia como impor seu cumprimento. Após 1688, o Parlamento poderia ter aproveitado para introduzir algum dispositivo que assegurasse que ela fosse respeitada, do mesmo modo como os barões haviam feito com seu conselho depois da assinatura da Magna Carta pelo Rei João. Não o fez, entretanto, por ser desnecessário: a autoridade e o poder decisório, após 1688, passaram às mãos do Parlamento. Mesmo sem regras ou legislação específicas, Guilherme abdicou de muitas das práticas dos monarcas anteriores. Parou de interferir em decisões legais e abriu mão de “direitos” régios até então, como a apropriação vitalícia da receita alfandegária. Em seu conjunto, essas mudanças nas instituições políticas representaram o triunfo do Parlamento sobre o trono e, portanto, o fim do absolutismo na Inglaterra e, posteriormente, na Grã-Bretanha (a partir da integração de Inglaterra e Escócia pela Lei da União, em 1707). Desde então, o Parlamento mantevese no firme controle das políticas de Estado – o que fez uma enorme diferença, visto que os interesses do Parlamento eram muito diversos daqueles dos reis Stuart. Como muitos integrantes da casa tinham consideráveis investimentos no comércio e na indústria, nutriam o mais profundo interesse pelo asseguramento dos direitos de propriedade. Se, antes, eles volta e meia eram infringidos pelos Stuarts, de agora em diante seriam defendidos com vigor. Ademais, quando cabia aos monarcas determinar como o governo despenderia seus recursos, os parlamentares opunham-se ao aumento de impostos e bradavam contra qualquer menção ao reforço do poder do Estado. Agora, que era a própria casa que controlava os gastos, este de bom grado aumentava a carga tributária e canalizava fundos para as atividades que considerasse relevantes. Destas, a principal era o fortalecimento

todos os monopólios que afetavam a vida da população no âmbito doméstico. Embora nem Carlos II nem Jaime II os tenham restaurado, conseguiram resguardar sua capacidade de conceder monopólios ultramarinos. Um deles foi a Royal African Company, cuja carta de monopólio foi emitida por Carlos II em 1660. Essa companhia detinha o monopólio do lucrativo tráfico de escravos africano, e seu governador e principal acionista era o irmão de Carlos, Jaime, que em breve seria entronizado Jaime II. Depois de 1688, a companhia perdeu não só seu governador, mas seu maior defensor. Jaime havia se dedicado assiduamente à proteção do seu monopólio face aos “entrelopos”, os comerciantes independentes que tentavam adquirir escravos no Oeste da África e vendê-los nas Américas. Era um comércio muito rentável, e a Royal African Company enfrentava muitos desafios, já que todas as demais atividades mercantis inglesas no Atlântico eram livres. Em 1689, a companhia confiscou o carregamento de um desses entrelopos, um certo Nightingale. Nightingale processou-a por confisco ilegal de bens, e o Presidente da Suprema Corte, Holt, determinou a ilegalidade do ato, por tratar-se do exercício de um direito de monopólio criado por prerrogativa real. Ora, argumentou Holt, os privilégios de monopólio só podiam ser criados por estatuto, o que tinha de ser feito pelo Parlamento. Assim, Holt depositou todos os futuros monopólios, não só a Royal Africa Company, nas mãos do Parlamento. Até 1688, Jaime II teria rapidamente destituído qualquer juiz que emitisse tal sentença; desde 1688, porém, muita coisa estava diferente. O Parlamento precisava agora decidir o que fazer com o monopólio e começaram a chegar petições – 135 no total, vindas de entrelopos que solicitavam livre acesso ao comércio no Atlântico. Embora a Royal African Company tenha respondido na mesma moeda, não tinha como fazer frente ao número ou escopo das petições que exigiam sua derrota. Os entrelopos conseguiram enquadrar seus protestos em termos não só de seus mais estritos interesses pessoais, mas do interesse nacional, o que de fato eram. Por conseguinte, apenas 5 das 135 petições eram assinadas pelos entrelopos em si, e 73 das petições dos entrelopos vinham de províncias fora de Londres, contra 8 em favor da companhia. Das colônias, onde as petições não eram permitidas, os entrelopos reuniram 27 petições; a companhia, 11. Os entrelopos colheram também um número muito maior de assinaturas para suas petições, montando a 8 mil, contra 2,5 mil em favor da companhia. A batalha prosseguiria até 1698, quando o monopólio da Royal African Company foi abolido. Junto com esse novo núcleo para elaboração das instituições econômicas e a nova responsividade pós-1688, os parlamentares começaram a implementar uma série de mudanças fundamentais nas instituições econômicas e políticas públicas que, em última instância, preparariam o terreno para a Revolução Industrial. Os direitos de propriedade, tão desgastados sob os Stuarts, foram reforçados. O Parlamento deu início a um processo de reforma das instituições econômicas a fim de fomentar a atividade

manufatureira, em vez de ameaçá-la e onerá-la. A “fumagem” – imposto anual cobrado por cada lareira ou fogão e que incidia mais pesadamente sobre as manufaturas, que eram suas ferrenhas opositoras – foi extinta em 1689, logo após a ascensão de Guilherme e Maria ao trono. Em vez de taxar as lareiras, o Parlamento começou a onerar a terra. A redistribuição da carga tributária não foi apenas uma política pro-manufatureira apoiada pelo Parlamento. Foi aprovada toda uma série de leis no intuito de expandir o mercado e a rentabilidade dos têxteis de lã – o que fazia todo sentido em termos políticos, já que muitos dos parlamentares opositores de Jaime investiam pesadamente naqueles empreendimentos manufatureiros nascentes. O Parlamento aprovou ainda uma legislação que possibilitou a total reorganização dos direitos de propriedade sobre a terra, permitindo a consolidação e eliminação de diversas formas arcaicas de propriedade e direitos de uso. Outra prioridade do Parlamento era a reforma das finanças. Embora tivesse havido uma expansão do sistema bancário e financeiro no período que levou à Revolução Gloriosa, o processo seria consolidado com a criação do Banco da Inglaterra em 1694, como fonte de recursos para a indústria – outra consequência direta da referida revolução. A fundação do banco preparou o terreno para uma “revolução financeira” mais ampla, que acarretaria grande expansão dos mercados financeiros e serviços bancários. No princípio do século XVIII, havia empréstimos disponíveis para quem dispusesse das garantias necessárias para oferecer. Os registros do período 1702–1724 de um banco londrino relativamente pequeno, o C. Hoare’s & Co., que chegaram intactos até nós, ilustram essa questão. Embora o banco emprestasse dinheiro para aristocratas e nobres, dois terços dos maiores tomadores do Hoare’s nesse período não pertenciam às classes sociais privilegiadas. Pelo contrário, eram mercadores e homens de negócios, entre eles certo John Smith, epônimo do inglês médio, que contraiu um empréstimo de £2,6 mil junto ao banco entre 1715 e 1719. Até aqui, sublinhamos como a Revolução Gloriosa transformou as instituições políticas inglesas, tornando-as mais pluralistas, além de lançar as bases para instituições econômicas inclusivas. Contudo, outra mudança significativa nas instituições nasceu da Revolução Gloriosa: o Parlamento deu continuidade ao processo de centralização política iniciado pelos Tudors. Não foram só as restrições que aumentaram ou o Estado que passou a regular a economia de outra forma ou a gastar dinheiro com outras coisas, mas a capacidade e recursos estatais se ampliaram também em todos os sentidos – o que vem novamente ilustrar a relação entre centralização política e pluralismo: até 1688, o Parlamento se opusera a aumento da eficácia e melhor aparelhamento do Estado por não dispor de meios para controlá-lo. Depois dessa data, a história já era outra. O Estado começou a se expandir, e seus gastos logo chegaram a cerca de 10% da renda nacional – graças a uma expansão da base tributária, relativa sobretudo aos impostos que incidiam sobre a fabricação de uma longa lista

começou a depender mais do talento e menos de indicações de cunho político, desenvolvendo uma complexa infraestrutura para administrar o país.

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A Revolução Industrial afetou todos os aspectos da economia inglesa. Houve grandes avanços nos transportes, metalurgia e energia a vapor. Entretanto, a área mais significativa de inovação foi a mecanização da produção têxtil e o surgimento de fábricas para a produção desses tecidos manufaturados. Esse processo dinâmico foi deflagrado pelas mudanças institucionais geradas pela Revolução Gloriosa. Já não era mais uma questão de abolição de monopólios domésticos, o que já fora conquistado em 1640, ou de arrecadação fiscal, ou de acesso a recursos financeiros. Tratava-se agora de uma reorganização fundamental das instituições econômicas em favor dos inovadores e empreendedores, a partir do surgimento de direitos de propriedade mais seguros e eficientes. A maior segurança e eficiência dos direitos de propriedade desempenhou um papel central, por exemplo, na “revolução dos transportes”, que preparou o terreno para a Revolução Industrial. Os investimentos em canais e estradas com cobrança de pedágio aumentaram em progressão geométrica após 1688 – e, à medida que reduziram os custos de transporte, ajudaram a criar um importante pré-requisito para a Revolução Industrial. Até 1688, esse tipo de investimento em infraestrutura era obstaculizado por intervenções arbitrárias dos Stuarts. A mudança pós- 1688 é vividamente ilustrada pelo caso do Rio Salwerpe, em Worcestershire. Em 1662, o Parlamento aprovou uma lei estimulando iniciativas que tornassem o rio navegável, e a família Baldwyn investiu £6 mil para esse fim – obtendo, em contrapartida, o direito de cobrar pela navegação de suas águas. Em 1693, apresentou-se um projeto ao Parlamento para transferir os direitos de pedágio para o Conde de Shrewsbury e Lorde Coventry. A nova lei foi questionada por Sir Timothy Baldwyn, que imediatamente fez ao Parlamento uma petição alegando que o referido projeto representava basicamente uma expropriação de seu pai, que fizera pesados investimentos no rio na expectativa do pedágio que poderia cobrar. Baldwyn argumentava que “o novo projeto tende a invalidar a lei anterior e a tornar nulos todo o trabalho e materiais gastos na sua consecução”. Esse tipo de realocação de direitos era exatamente o que os Stuarts costumavam fazer. Baldwyn, porém, advertiu: “Há consequências funestas em privar um indivíduo de seus direitos, adquiridos por determinação parlamentar, sem seu devido consentimento.” O novo projeto foi indeferido, e os direitos de Baldwyn, mantidos. Depois de 1688, os direitos de propriedade tornaram-se bem mais seguros, em parte porque sua garantia estava de acordo com os interesses do Parlamento, em parte porque as instituições pluralistas podiam ser influenciadas pelo mecanismo de petições.

Observa-se que, a partir desse ano, o sistema político tornou-se significativamente mais pluralista, criando maior igualdade de oportunidades na Inglaterra. Subjacentes à revolução dos transportes e, de modo mais geral, à reorganização da terra ocorrida ao longo do século XVIII, estavam leis parlamentares que viriam a modificar a natureza da propriedade. Até 1688, vigorava ainda a ficção jurídica de que toda a terra na Inglaterra pertencia, em última instância, à Coroa, um legado direto da organização feudal da sociedade. Muitos terrenos estavam submetidos a várias formas arcaicas de direitos de propriedade e uma série de reivindicações sobrepostas. Boa parte da terra correspondia às chamadas propriedades “equitativas”, o que significava que o proprietário não podia hipotecar, arrendar nem vender a terra. As terras comuns em geral só podiam ser utilizadas de maneira tradicional. Havia gigantescos impedimentos ao seu uso de maneiras que pudessem ser economicamente desejáveis. O Parlamento começou a reverter esse quadro ao permitir que grupos de pessoas apresentassem petições solicitando a simplificação e reorganização dos direitos de propriedade, alterações que posteriormente se traduziriam em centenas de leis. Tal reorganização das instituições econômicas manifestou-se também no empenho em proteger a produção têxtil nacional dos produtos importados. Não admira que parlamentares e seus eleitores não se opusessem a todas as barreiras alfandegárias e monopólios: aqueles que lhes ampliassem os mercados e lucros eram bem-vindos. Entretanto, o pluralismo das instituições políticas – o fato de que o Parlamento representava, conferia poder e dava ouvidos a amplo segmento da sociedade – significava que tais barreiras não poderiam estrangular outros industrialistas ou excluir por completo a entrada de sangue novo, como fizera a Serrata em Veneza (páginas 122- 123). Os poderosos fabricantes de lã não demorariam a fazer essa descoberta. Em 1688, os tecidos indianos, madras e musselinas, respondiam por larga fatia das importações inglesas, chegando a cerca de um quarto do total de importações de têxteis. Também importantes eram as sedas chinesas. Madras e sedas eram importadas pela Companhia das Índias Orientais, que até 1688 desfrutava de um monopólio governamental sobre o comércio com a Ásia. Contudo, tal monopólio e poder político eram mantidos às custas de pesadas propinas pagas a Jaime II; após 1688, a companhia viu-se em posição vulnerável e não tardou a sofrer ataques, sob a forma de um intenso bombardeio de petições. De um lado, comerciantes ávidos por atuar no Extremo Oriente e na Índia demandavam que os parlamentares liberassem a concorrência com a Companhia das Índias Orientais; de outro, a companhia respondia com contrapetições e ofertas de empréstimo ao Parlamento. A companhia perdeu, foi fundada uma nova Companhia das Índias Orientais para fazer-lhe frente. Entretanto, os produtores têxteis não queriam apenas aumentar a concorrência no comércio indiano: demandavam o aumento da carga tributária ou mesmo o banimento das

ferrenha oposição dos produtores de fustão, dos florescentes centros industriais de Manchester, Lancaster e Liverpool. O pluralismo das instituições políticas significava que todos esses grupos distintos agora tinham acesso ao processo de elaboração de políticas no Parlamento por votação e, acima de tudo, petição. Embora chovessem petições dos dois lados, recolhendo assinaturas favoráveis e contrárias, o resultado do conflito foi uma vitória dos novos interesses contra os da indústria da lã. A Lei de Manchester, de 1736, reconheceu que “vastas quantidades de produtos feitos de fio de linho e algodão vêm sendo, há muitos anos, manufaturados e tingidos ou pintados neste reino da Grã- Bretanha”. O texto prosseguia: “Nenhum ponto da referida lei *de 1721+ será estendido ou deduzido no sentido de proibir o vestuário ou aplicação em trajes, artigos domésticos, mobiliário ou outros, qualquer item confeccionado em fio de linho ou algodão, manufaturado e tingido ou pintado em qualquer cor ou cores dentro do reino da Grã Bretanha.” A Lei de Manchester constituiu uma vitória significativa para os nascentes fabricantes de algodão. Entretanto, seu significado histórico e econômico foi, na realidade, muito mais profundo. Em primeiro lugar, demonstrou os limites às barreiras alfandegárias que as instituições políticas pluralistas da Inglaterra parlamentar tolerariam. Em segundo lugar, ao longo do meio século seguinte, inovações tecnológicas na manufatura do algodão desempenhariam papel fundamental na Revolução Industrial, acarretando transformações fundamentais para a sociedade por meio da introdução do sistema fabril. Depois de 1688, enquanto no âmbito interno iam se constituindo condições mais igualitárias, no plano internacional o Parlamento empenhava-se em ampliar as prerrogativas inglesas – o que é evidenciado não só pelas leis do madras, mas também pelas leis da navegação, a primeira das quais foi promulgada em 1651, e que permaneceriam em vigor, de um modo ou de outro, pelos 200 anos seguintes. Tais leis visavam a facilitar o monopólio do comércio internacional pelos britânicos, ainda que com a crucial particularidade de que se tratava de um monopólio não por parte do Estado, mas do setor privado. O princípio básico era que o comércio inglês deveria ser transportado em navios ingleses. As leis proibiam o transporte de bens de fora da Europa para a Inglaterra ou suas colônias por embarcações de bandeira estrangeira; vetavam também o transporte de produtos originários de outros países europeus para a Inglaterra em navios de uma terceira nacionalidade. Tal vantagem dos comerciantes e produtores ingleses naturalmente aumentava sua margem de lucro e talvez tenha incentivado inovações nesses novos e altamente rentáveis ramos de atividade. Em 1760, a combinação de todos esses fatores – novos e aprimorados direitos de propriedade, melhor infraestrutura, regime fiscal renovado, maior acesso ao crédito e agressiva proteção ao comércio e à manufatura – começava a revelar seus efeitos. Desse ano em diante, ocorre um salto no número de invenções patenteadas, e a profusão de avanços tecnológicos que

constituiria o cerne da Revolução Industrial vai ficando evidente. As inovações se davam nas mais diversas frentes, refletindo o ambiente institucional mais arejado. Nesse sentido, um campo crucial foi o da energia, mais notadamente as novidades no uso dos motores a vapor, frutos das ideias de James Watt na década de 1760. A primeira inovação de Watt foi a introdução de uma câmara de condensação à parte para o vapor, de modo que o cilindro onde se alojava o pistão pudesse ser mantido em alta temperatura todo o tempo, em vez de precisar ser sucessivamente aquecido e resfriado. Mais tarde ele desenvolveria diversas outras ideias – métodos mais eficientes de conversão do movimento do motor a vapor em energia útil, por exemplo, dos quais o mais notável foi seu sistema “planetário” de engrenagens. Em todas essas áreas, as inovações tecnológicas basearam-se em trabalhos anteriores de terceiros. No caso do motor a vapor, inclui-se aí a obra pioneira do inventor inglês Thomas Newcomen e também de Dionysius Papin, físico e inventor francês. A história da invenção de Papin é outro exemplo de como, sob instituições extrativistas, o risco de destruição criativa impede os avanços tecnológicos. Em 1679, Papin desenvolveu o projeto de um “digestor de vapor” e em 1690 havia chegado a um motor de pistões. Em 1705, usou esse motor rudimentar para construir o primeiro barco a vapor do mundo. Na época, Papin era professor de Matemática na Universidade de Marburg, no estado germânico de Kassel, e resolveu testar o barco descendo o Rio Fulda até o Rio Weser. Qualquer barco que fizesse esse percurso era obrigado a parar na cidade de Münden. Naquele tempo, o tráfego fluvial no Fulda e no Weser era monopólio de uma guilda de barqueiros. Papin deve ter imaginado que poderia enfrentar problemas. Seu amigo e mentor, o célebre físico alemão Gottfried Leibniz, escreveu para o eleitor de Kassel, o chefe de Estado, solicitando permissão para que Papin “passasse sem ser molestado” por Kassel. O pedido, porém, foi negado, e Leibniz recebeu a lacônica resposta de que “os conselheiros eleitorais encontraram graves obstáculos à concessão da supracitada petição e, sem indicar suas razões, ordenaram-me que vos informasse de sua decisão; por conseguinte, o pedido será indeferido por sua Alteza Eleitoral”. Inconformado, Papin resolveu realizar a travessia do mesmo modo. Quando seu barco chegou a Münden, a guilda de barqueiros primeiro tentou que um juiz local apreendesse a embarcação, mas sem sucesso. Os barqueiros então cercaram o barco de Papin e o destruíram, junto com o motor a vapor. Papin morreria na pobreza e seu nome seria relegado ao esquecimento. Na Inglaterra dos Tudors ou Stuarts, Papin talvez recebesse tratamento hostil similar, mas tudo mudou depois de 1688. De fato, quando seu barco foi destruído, sua intenção era navegar até Londres. Na metalurgia, contribuições cruciais foram feitas na década de 1780 por Henry Cort, que introduziu novas técnicas de depuração do ferro, possibilitando a produção de um metal de qualidade muito superior – fator crítico para a manufatura de pregos, ferramentas e peças para máquinas. A

inovações que levariam, por fim, à substituição do trabalho manual pelas máquinas também na tecelagem, como já acontecia na fiação. Além de ser a força motriz da Revolução Industrial, a indústria têxtil inglesa também revolucionou a economia mundial. As exportações inglesas, encabeçadas pelas fazendas de algodão, duplicaram entre 1780 e 1800. Foi o crescimento nesse setor que impulsionou toda a economia. A combinação de inovação tecnológica e organizacional constituiu o modelo de progresso econômico que transformou as economias do mundo que enriqueceriam. Para levar a cabo tal transformação, era crucial que houvesse novas cabeças, cheias de novas ideias. Consideremos a inovação nos transportes. Na Inglaterra, houve sucessivas ondas de inovação: primeiro, os canais; depois, as estradas; por fim, as ferrovias. A cada etapa, os inovadores eram gente nova. Os canais começaram a surgir na Inglaterra a partir de 1770 e, em 1810, já interligavam muitas das mais importantes regiões manufatureiras. À medida que transcorria a Revolução Industrial, os canais desempenharam papel significativo na redução dos custos de transporte dos grandes volumes de novos bens industriais, como os têxteis de algodão e os insumos necessários à produção, sobretudo o algodão cru e a hulha para os motores a vapor. Os pioneiros na construção de canais foram homens como James Brindley, contratado pelo Duque de Bridgewater para abrir o canal de mesmo nome, que acabaria ligando a cidade industrial de Manchester ao Porto de Liverpool. Nascido na Derbyshire rural, Brindley era, por profissão, construtor de moinhos, e sua reputação de encontrar soluções criativas para problemas de engenharia chegou ao conhecimento do duque. Não possuía nenhuma experiência prévia com os problemas relacionados a transportes – caso também de outros grandes engenheiros de canais, como Thomas Telford, que começou a vida como pedreiro, ou John Smeaton, engenheiro e ferramenteiro. Do mesmo modo como os mais proeminentes engenheiros de canais não tinham nenhuma ligação anterior com o campo dos transportes, os grandes engenheiros de estradas e ferroviários também não. John McAdam, que inventou o macadame betuminoso por volta de 1816, era o segundo filho de uma família da pequena nobreza. A primeira locomotiva a vapor foi construída em 1804 por Richard Trevithick, cujo pai envolveu-se com mineração na Cornualha. Richard ingressou ainda jovem no mesmo ramo de negócios, tendo ficado fascinado pelos motores a vapor usados para bombear as minas. Mais importantes foram as inovações de George Stephenson, filho de pais analfabetos e construtor da célebre locomotiva The Rocket, que começou trabalhando como maquinista em uma mina de carvão. Foram também novos homens que movimentaram a crucial indústria têxtil de algodão. Alguns dos pioneiros desse novo setor foram pessoas até então profundamente envolvidas na produção e comércio de fazendas de lã. John Foster, por exemplo, empregava 700 tecelões manuais na indústria de lã quando mudou para o algodão e fundou a Black Dyke Mills, em

  1. Perfis como o de Foster, no entanto, eram minoria. Apenas cerca de um quinto dos principais industrialistas da época tinha experiência prévia em qualquer atividade manufatureira. Não admira. Por um lado, a indústria do algodão despontou em novas cidades no norte da Inglaterra. As fábricas eram uma maneira completamente nova de organizar a produção. A indústria da lã organizava-se de maneira muito distinta, distribuindo a matéria- prima para os trabalhadores levarem para casa, onde fiavam e teciam por conta própria. Em sua maioria, portanto, os envolvidos na indústria da lã estavam muito mal preparados para aderir ao algodão, como no caso de Foster. Era preciso forasteiros para desenvolver e utilizar as novas tecnologias. A rápida expansão do algodão dizimou a indústria da lã – a destruição criativa em ação. A destruição criativa promove uma redistribuição não só da renda e da riqueza, mas também do poder político, como William Lee pôde constatar ao deparar-se com autoridades que, por receio de suas consequências políticas, mostraram-se tão pouco receptivas à sua invenção. À medida que a economia industrial se expandia em Manchester e Birmingham, os novos donos de fábricas e grupos de classe média que surgiram ao seu redor começaram a questionar sua falta de direitos políticos e as políticas governamentais que se opunham aos seus interesses. Seu alvo principal foram as leis do trigo, que vedavam a importação de “trigo” – na verdade, todos os grãos e cereais, mas principalmente o trigo – caso os preços caíssem demais, garantindo assim a margem de lucro dos grandes proprietários rurais. Era uma ótima política para os grandes produtores de trigo, mas péssima para os manufaturadores, que precisavam arcar com salários mais altos para compensar a alta do preço do pão. Com os trabalhadores concentrados nas novas fábricas e centros industriais, ficou mais fácil organizar-se e promover insurreições. Na década de 1820, a exclusão política dos novos manufaturadores e centros manufatureiros estava se tornando insustentável. Em 16 de agosto de 1819, planejou-se um comício para criticar o sistema político e as políticas governamentais, a realizar-se em St. Peter’s Fields, Manchester. O organizador era Joseph Johnson, fabricante local de pincéis e um dos fundadores do jornal radical Manchester Observer. Entre outros organizadores estavam John Knight, produtor de algodão e reformador, e John Thacker Saxton, editor do Manchester Observer. Reuniram-se 60 mil manifestantes, muitos exibindo cartazes com os dizeres “Chega das Leis do Trigo”, “Sufrágio Universal” e “Voto na Urna” (referência ao voto secreto, não aberto, como ainda em voga então). As autoridades, muito nervosas com a manifestação, haviam reunido uma força de 600 hussardos. Quando começaram os discursos, um magistrado local decidiu emitir um mandado para prisão dos palestrantes. Quando a polícia tentou executar a ordem, deparou-se com a oposição da multidão, e instalou-se o conflito. A essa altura, os hussardos arremeteram-se contra a multidão. Ao cabo de alguns minutos caóticos, havia 11 mortos e provavelmente 600