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Abordagens em psicologia social, Provas de Psicologia Social

Texto da aula. Com conteúdo de prova

Tipologia: Provas

2019

Compartilhado em 17/09/2019

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Abordagens em Psicologia Social e seu ensino
Social Psychology approaches and its teaching
Marcelo Gustavo Aguilar Calegare
1
Universidade de São Paulo
O objetivo deste artigo é dar subsídios aos estudantes de graduação e pós-graduação a respeito das
distintasabordagens em Psicologia Social e apontar algumas críticas ao seu ensino. Para tanto,
localizaremos a disciplina dentro do contexto do destacamento das ciências sociais das naturais no fim do
século XIX. Em seguida, faremos uma didática apresentação das abordagens mais salientes na disciplina,
mostrando quando surgiram e país de origem, a "crise" na Psicologia Social nos anos 1960, para então
dissertar a respeito das linhas mais contemporâneas, incluindo aquelas utilizadas na América Latina e
Brasil. Por fim, concluímos apontando alguns questionamentos do ensino da disciplina dentro dos cursos de
Psicologia no Brasil.
Palavras-Chave: Psicologia Social; Ensino; Graduação.
The aim of this paper is to provide basis to undergraduate and postgraduate students about the different
approaches in Social Psychology and point out some criticism of its teaching. To reach this goal, we locate
the discipline within the context of the detachment of social from natural science in the end of XIX century.
After that, we make a didactic presentation of the most prominent approaches in the discipline, showing
when they emerged and their origins, the "crisis"; of Social Psychology in the 1960s and discuss about the
more contemporary approaches, including those used in Latin America and Brazil. Finally, we conclude
pointing out some questions of its teaching within the Brazilian Psychologies' courses.
Key-Words: Social Psychology; Teaching; Under graduation.
1. Introdução
O ensino de Psicologia Social, nos cursos de graduação em Psicologia de todo país,
nem sempre segue uma mesma diretriz. Ao compartilharmos opiniões com estudantes de
diferentes universidades, seja em eventos científicos ou de cunho político, deparamo-nos com
um mosaico de teorias e de práticas inspiradas na Psicologia Social. Muitas vezes, encontrar
pontos em comum entre as distintas abordagens torna-se um trabalho intelectual árduo, digno
1
Possui graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (2002), mestrado (2005) e doutorado (2010)
em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
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Abordagens em Psicologia Social e seu ensino

Social Psychology approaches and its teaching

Marcelo Gustavo Aguilar Calegare^1

Universidade de São Paulo

O objetivo deste artigo é dar subsídios aos estudantes de graduação e pós-graduação a respeito das distintasabordagens em Psicologia Social e apontar algumas críticas ao seu ensino. Para tanto, localizaremos a disciplina dentro do contexto do destacamento das ciências sociais das naturais no fim do século XIX. Em seguida, faremos uma didática apresentação das abordagens mais salientes na disciplina, mostrando quando surgiram e país de origem, a "crise" na Psicologia Social nos anos 1960, para então dissertar a respeito das linhas mais contemporâneas, incluindo aquelas utilizadas na América Latina e Brasil. Por fim, concluímos apontando alguns questionamentos do ensino da disciplina dentro dos cursos de Psicologia no Brasil.

Palavras-Chave: Psicologia Social; Ensino; Graduação.

The aim of this paper is to provide basis to undergraduate and postgraduate students about the different approaches in Social Psychology and point out some criticism of its teaching. To reach this goal, we locate the discipline within the context of the detachment of social from natural science in the end of XIX century. After that, we make a didactic presentation of the most prominent approaches in the discipline, showing when they emerged and their origins, the "crisis"; of Social Psychology in the 1960s and discuss about the more contemporary approaches, including those used in Latin America and Brazil. Finally, we conclude pointing out some questions of its teaching within the Brazilian Psychologies' courses.

Key-Words: Social Psychology; Teaching; Under graduation.

1. Introdução

O ensino de Psicologia Social, nos cursos de graduação em Psicologia de todo país, nem sempre segue uma mesma diretriz. Ao compartilharmos opiniões com estudantes de diferentes universidades, seja em eventos científicos ou de cunho político, deparamo-nos com um mosaico de teorias e de práticas inspiradas na Psicologia Social. Muitas vezes, encontrar pontos em comum entre as distintas abordagens torna-se um trabalho intelectual árduo, digno

(^1) Possui graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (2002), mestrado (2005) e doutorado (2010) em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

de fervorosas horas de discussões político-acadêmicas – regado pelo mais alto grau de comprometimento afetivo com a transformação social em nossa pátria.

Ávidos por transformar a realidade, muitos estudantes esperam de seus mestres uma atitude crítica em relação à sociedade. Querem mudá-la para melhor, trazendo o bem-estar, igualdade e justiça social em diferentes níveis: individual, familiar, grupal, comunitário, institucional e até mesmo nacional ou internacional.

O aspecto comum a essas calorosas discussões estudantis parece ser o cunho prioritariamente social da futura prática profissional, mais do que um ponto de vista teórico específico. Em outras palavras, o desejo de atuação com compromisso social leva à busca de teorias e métodos de intervenção social, muitas vezes esperados no ensino de disciplinas de Psicologia Social. Destrinchando essa inquietação dos estudantes, percebemos que o "social" da Psicologia é o que parece definir a Psicologia Social, e não o status como disciplina científica e como campo profissional desta última.

Diante desse panorama, encontramos um lapso na formação em Psicologia Social dentro dos cursos de graduação em Psicologia no Brasil. Como argumenta Stralen (2005), a maioria dos cursos de Psicologia está marcada por uma estrutura curricular tradicional, em que a "Psicologia Social aparece apenas como uma disciplina básica que permite compreender os aspectos sociais do comportamento psicológico" (p. 94). Isso significa que o lapso contido na formação é o de que se ensina Psicologia Social como uma abordagem em Psicologia, ao invés de considerá-las como disciplinas que possuem interfaces entre si.

Como explicam Ávaro e Garrido (2006, p. 06), tende-se a confundir abordagens sociais em Psicologia com a disciplina científica Psicologia Social pela sua própria rotulação. Stralen (2005, p. 94) complementa que, no Brasil, tal confusão ocorre também: a) pela formação de psicólogos sociais dar-se em cursos de graduação em Psicologia; b) pela diminuição cada vez maior do número de disciplinas de Psicologia Social em cursos de ciências humanas e ciências sociais aplicadas; c) pela ação do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que regulamenta supervisão de estágio supervisionada por psicólogos inscritos nos Conselhos de Psicologia, o que dificulta a contratação universitária de psicólogos sociais não graduados como psicólogos.

também a Psicologia, Sociologia e Antropologia. Trata-se do contexto do destacamento das ciências sociais das ciências naturais no final do século XIX, em que antigos temas de especulação passaram a ser estudados segundo o paradigma científico moderno: teoria, levantamento de hipóteses, teste empírico das hipóteses levantadas, análise dos dados colhidos, confirmação ou rejeição das hipóteses, generalização. Por outro lado, nos primórdios da Psicologia Social moderna, nos Estados Unidos do final do século XIX e começo do século XX, os primeiros pesquisadores dessa área encontraram respaldo em centros tanto de Psicologia quanto de Sociologia (Farr, 1998). Isso resultou em origens plurais da disciplina, em disputas pelo seu status como ciência social ou ciência humana e até mesmo em sua negação como área de investigação autônoma.

Diante de tais questões, este artigo visa localizar a emergência da Psicologia Social em suas diferentes abordagens, contextualizando-a dentro dos paradigmas das ciências sociais e sua posterior evolução, com o objetivo de dar subsídios aos estudantes de graduação e pós- graduação a respeito das distintas vertentes que a disciplina oferece atualmente. Para tanto, faremos uma breve recapitulação do destacamento das ciências sociais das naturais no final do século XIX, localizando a Psicologia Social dentro desse cenário. Em seguida, faremos uma didática apresentação das vertentes mais proeminentes na disciplina, mostrando período e país de origem, e abordaremos a "crise" na Psicologia Social nos anos 1960. Então dissertaremos a respeito das linhas contemporâneas – incluindo aquelas utilizadas na América Latina e Brasil, dando maior destaque à Psicologia Social comunitária. Por fim, concluímos apontando alguns questionamentos do ensino da disciplina dentro dos cursos de Psicologia.

2. Ciências naturais, ciências sociais e a Psicologia Social

A ciência moderna surge a partir do século XVII, embora seu embrião encontre-se no século precedente (Ludwing, 2009). De modo geral, o pensamento moderno plasmou-se como consequência do declínio da cultura medieval e consolidou-se pela necessidade de separação entre teologia, filosofia e as nascentes áreas da ciência. Reforçado pelo Iluminismo e pela Revolução Francesa, um de seus aspectos centrais era o destaque concedido à razão como instrumento de obtenção do saber e, para tal, se aceitava "somente as verdades resultantes da investigação da razão através de procedimentos demonstrativos" (Ludwing, 2009, p.14).

Nesse ponto é que o método científico ganha centralidade na produção do conhecimento. Sua construção ocorreu, primeiramente, na área das ciências da natureza e teve em Galileu Galilei (1564-1642) e Francis Bacon (1561-1626) os fundadores do método experimental: observação de fatos, proposição de hipótese e verificação por meio de experiências controladas. O reforço desse tipo de método veio no século XIX, com a emergência do Positivismo, com seu rigor e acento na universalidade e objetividade científica.

Graças ao método experimental, as ciências naturais puderam evoluir de maneira consistente, consolidando disciplinas como a Química, Física e Biologia. Vale lembrar: como campo de estudos e especulação, os temas envolvendo essas disciplinas modernas são antigos, mas a maneira como se constituíram nesse novo contexto está marcada pelos modelos da ciência moderna. As ciências sociais passaram a se desenvolver graças a métodos próprios, a partir do final do séc. XIX, apesar de haverem iniciado usando os métodos das ciências naturais. Dentre os novos métodos, Ludwing (2009, p.17-20) enuncia: dialético, fenomenológico, estrutural e funcionalista. Lembramos que, para o autor, as ciências sociais e humanas são colocadas juntas na diferenciação das ciências naturais.

Álvaro e Garrido (2006) localizam a Psicologia Social nesse contexto mais amplo da diferenciação das ciências sociais. E relembram dois aspectos importantes, que destacamos no trecho abaixo:

Desde seu surgimento, no pensamento social europeu do século XIX, a Psicologia Social se definia como uma disciplina plural. A pluralidade, tanto de enfoques teóricos como de objetos de estudo, continuou caracterizando a Psicologia Social à medida que ocorria sua diferenciação e sua consolidação definitiva como disciplina científica independente, o que aconteceu simultaneamente na Psicologia e na Sociologia (Álvaro & Garrido, 2006, p. 40). O primeiro destaque refere-se ao fato de que a diversidade nas formas de entender os fenômenos psicossociais foi fundante de cada uma dessas três disciplinas, marcando campos de estudo, métodos, profissão e nicho de atuação. Portanto, a delimitação disciplinar ocorreu tanto como tentativa de demarcação dos domínios para cada tipo de cientista, quanto pela necessária fragmentação, à mentalidade da época, para desenvolvimento de campos do saber. Em nosso ponto de vista, o que marcou as distinções disciplinares estava mais ligado aos cientistas do que à ciência em si, pois as barreiras entre Psicologia, Sociologia e Psicologia Social eram tênues e havia muitas intersecções entre elas.

vieram marcar as diferenças nos fundamentos epistemológicos e estatuto ontológico de cada uma das linhas teóricas da disciplina – e ainda causa inquietação e dissenso entre profissionais, docentes e estudantes nos trabalhos de investigação e intervenção.

Para Corga (1998), a Psicologia Social é uma disciplina que tenta entender o Homem em seu contexto social, mas entre suas diferentes abordagens parece ter em acordo apenas o nome. Sua pluralidade (que gera tensões e divisões) deve ser observada segundo dois tipos de diversidade:

  1. Diversidade Gestáltica. A diversidade vista a partir da totalidade da Psicologia Social enquanto disciplina, cujas tensões de divisão aparecem: pelos estudos centrados nas inter-relações sociais a partir do ponto de vista do indivíduo; e por aqueles centrados nos aspectos sociológicos das relações sociais entre indivíduos.

  2. Diversidade Analítica. Fruto desta primeira, a diversidade tratada analiticamente, em seus fundamentos científicos, com delimitações de: objeto de estudo, método, conceitos, teorias, etc.

Em suma, podemos perceber que a pluralidade na Psicologia Social deve-se tanto à ênfase em pontos de vista focados seja nos indivíduos ou nos aspectos mais sociológicos das relações, quanto nos fundamentos científicos que configuraram cada abordagem. Quais as linhas teóricas decorrentes desses momentos iniciais e os seguintes desdobramentos, especialmente na América Latina, isso é o que veremos a seguir.

3. As principais "tradições" da Psicologia Social

A partir dessa diversidade na disciplina, Corga (1998) circunscreve agrupamentos segundo quatro principais ";tradições"; da Psicologia Social, que a autora compreende

como um conjunto dos fundamentos, convicções e expressões que compõe e dinamiza uma cultura. Esse conjunto é reconhecido por uma comunidade, tal qual suas marcas, como as características pertencentes a este grupo, e que, portanto, o diferencia dos demais (Corga, 1998, p. 70). A autora complementa que é por meio de congressos, sociedades científicas, revistas, centros de pós-graduação e handbooks que tais tradições são cultivadas. Em outras palavras,

pela maneira como os paradigmas científicos são compartilhados, que Kuhn (2006) entende como " o conjunto de regras, padrões, modelos e valores compartilhados por um determinado grupo de praticantes da ciência que legitimam um campo de pesquisa" (p. 30). Como já afirmamos anteriormente, é pelo trabalho dos cientistas que os paradigmas científicos são validados – e não pela ciência em si, como algo independente das pessoas que a praticam.

Para Corga (1998, p.75-183), existem quatro principais "tradições" em Psicologia Social, que se sobressaíram não apenas nas origens da disciplina, mas que até hoje têm fortes influências tanto no ensino quanto nas pesquisas. São elas:

A) a tradição sociológica americana do interacionismo simbólico, iniciada por George Herbert Mead (1934/1962) nos EUA, entre 1900 e 1931, e desenvolvido por seus discípulos, entre eles, Blumer (1969), que alcunha o termo "interacionismo simbólico". Posteriormente, dentro desta tradição, Sarbin (1968) desenvolve a teoria do papel e Stryker a teoria da identidade (Styker & Burke, 2000). As teorizações de Mead continuam influenciando teóricos contemporâneos, como por exemplo Habermas (1990), que afirma que "a única tentativa promissora de apreender conceitualmente o conteúdo pleno do significado da individualização social encontra-se na Psicologia Social de G. H. Mead" (p. 185).

B) a tradição do experimentalismo psicológico (Psicologia Social experimental), ocorrida nos EUA também no início do século XX, com seu desenvolvimento e transformações por meio das influências do Behaviorismo (Allport, 1924), Neobehaviorismo (Hull, 1952; Skinner, 1938), Gestalt (Lewin, 1951, 1970^2 ; Asch, 1952/1977), e Psicologia Cognitiva. A Psicologia Social ganhou visibilidade principalmente pelos autores provenientes desta tradição. Farr (1998) aponta Asch como um dos precursores da Psicologia Social cognitiva, nos EUA. No entanto, por ter boa parte de suas idéias inspiradas na Gestalt, Corga (1998) o localiza ainda sob as influências desta última, e não da Psicologia Cognitiva.

C) a tradição dos "estudos de grupos sociais". Corga localiza vários autores que contribuem para a edificação desta tradição, nos primeiros anos de produção acadêmica norte- americana: 1) os estudos de Mayo (1933/1945), com pequenos grupos de trabalhadores da Western Electric Company em Hawthorne, Chicago, entre 1924 e 1932; 2) os estudos

(^2) Livro editado por sua mulher, após seu precoce falecimento. Lewin é o autor que alcunha os termos "dinâmica de grupo" e "action research" (pesquisa-ação)

D) a tradição sociológica européia das representações sociais, iniciada Serge Moscovici (1978), a partir dos anos 1960 na França, com a publicação do livro "A representação social da psicanálise". Moscovici se inspira na obra de Émile Durkheim (com seus conceitos de representação individual e coletiva), que critica duramente a Psicologia, mas que acrescenta:

não temos nenhuma objeção a que se caracterize a Sociologia como um tipo de Psicologia, desde que tenhamos o cuidado de acrescentar que a Psicologia Social tem suas próprias leis, que não são as mesmas da Psicologia individual (Durkheim, 1898 citado por Farr, 1998, p. 152-3). Nessa esteira é que Moscovici vai constituindo sua obra, diferenciando-se de Durkheim, na qual pretende analisar os processos através dos quais os indivíduos e os grupos em interação constroem uma "teoria" sobre um objeto social, a qual norteará e orientará seus comportamentos, tomando como ponto de partida as representações sociais da Psicanálise na França (Corga, 1998, p. 95). Álvaro e Garrido (2006) localizam as contribuições de Moscovici dentro do contexto da Psicologia, por se tratar de um psicólogo, não obstante tenha se inspirado em idéias de Durkheim. As teorizações de Moscovici possuem discordâncias da Psicologia Social cognitiva tradicional, com o enfoque individualista para leituras dos processos cognitivos e, por isso, Corga (1998) o insere dentro da tradição sociológica de Psicologia Social.

Como se nota, há "tradições" em Psicologia Social no contexto da Sociologia e aquelas no contexto da Psicologia, como preferem descrever Álvaro & Garrido (2006), com teóricos que se influenciam mutuamente e que são, prioritariamente, de origens européia e norte-americana. As "tradições" no contexto da Sociologia seguiram mais inovações metodológicas das abordagens qualitativas, enquanto aquelas no contexto da Psicologia desenvolveram-se mais segundo metodologias quantitativas.

A importância dos norte-americanos para a Psicologia Social vai além do desenvolvimento teórico-metodológico de teorias que tentassem explicar os fenômenos psicossociais (com as ressalvas das diferenças já explicitadas). Para Farr (1998, p. 28-31), após a Segunda Guerra, muitos psicólogos sociais norte-americanos, entre eles Cartwright e Festinger (discípulos de Lewin), ajudaram os europeus com suas pesquisas até então isoladas, no apoio logístico necessário para a constituição de sociedades científicas. Entre elas, a Associação Européia de Psicólogos Sociais Experimentais, que fora liderada por

personalidades proeminentes como Tajfel e Moscovici. Segundo Farr (1998), Cartwright chega a influenciar até mesmo no apoio ao estabelecimento da Psicologia Social no Japão.

Por outro lado, Lane (1981, p. 76-7) descreve que a produção da Psicologia Social (prioritariamente experimental, norte-americana e de viés pragmático), desde seu florescimento até os anos 1960, tinha seu foco de pesquisas centrado nos estudos dos fenômenos de liderança, opinião pública, propaganda, preconceito, mudanças de atitudes, comunicação, relações raciais, conflitos de valores, relações grupais, etc. Em suma, todos estudos e experimentos que procuravam procedimentos e técnicas de intervenção nas relações sociais, que se traduziam em fórmulas de ajustamento e adequação de comportamentos individuais ao contexto social. A crítica a esse tipo de produção foi um dos motivos da chamada "crise" da Psicologia Social, que teve repercussão direta nas produções latino- americanas, como veremos a seguir.

4. A "crise" da Psicologia Social: abordagens latino-americanas

No final da década de 1960, críticas vindas principalmente da Europa começam a colocar a Psicologia Social tal como praticada em solo norte-americano em xeque. No mesmo período, um movimento de autocrítica também chega aos psicólogos sociais norte-americanos e aos seguidores latino-americanos, que se inspiravam nessas teorizações. Este momento foi denominado de "crise da Psicologia Social". Os questionamentos vieram de vários lados e os artigos e livros produzidos nessa linha

refletiam criticamente a Psicologia Social, como os de Bruno, Poitou, Pêcheux e outros publicados na Nouvelle Critique sob o título "Psicologia Social: uma utopia em crise", assim como o prefácio de Moscovici numa obra organizada por ele com o título Introduction de la psychologie sociale. Por outro lado, Merani na Venezuela, Sève na França, Israel e Tajfel na Inglaterra contribuíram para uma reflexão mais profunda, assim como a releitura de Politzer, George Mead e Vigotski trouxeram novas perspectivas de estudo (Lane, 2006, p. 68-9). Corga (1998, p. 152-154) aponta que tais críticas tinham como foco principal o questionamento do laboratório como ambiente de produção científica, complementando que passou-se a problematizar os avanços dos experimentos em laboratório em detrimento da relevância do que se estava produzindo para o enfrentamento de problemas sociais. Lane (1981, p. 78-80; 2006, p.67-8) descreve que as críticas dirigiam-se principalmente ao caráter

Fato importante a ser mencionado, tal vertente da Psicologia Social surge, na América Latina, em um contexto em que as desigualdades sociais e o momento político explicitavam uma urgência de trabalhos críticos voltados para a realidade de seus povos. Segundo Montero (2004b, p. 42-49), a Psicologia Social comunitária nasce de uma prática emergente e transformadora de psicólogos sociais colocados diante de situações concretas, apelando para uma pluralidade de fontes teóricas e revisões críticas das mesmas, que os conduziram à elaboração de um modelo teórico próprio às realidades latino-americanas. A autora expõe que o desenvolvimento dessa vertente na América Latina ocorreu por meio de primeiras influências, influências mais centrais e por relações interinfluentes, entre três correntes: a Psicologia Social comunitária, ela mesma; a Psicologia da Libertação (Martín-Baró, 1998); e a Psicologia Social crítica (Lima, 2010).

Diante desse campo emergente, Freitas (1999, p. 50) agrega que o tipo de práxis da Psicologia Social comunitária vem se desenvolvendo por duas preocupações básicas: a) a construção do conhecimento, que configura esse campo. b) Aquela comprometida explicitamente com a transformação da realidade. Nessa linha, Montero (2004a, p. 53) argumenta que os modelos construídos dentro dessa abordagem são tratados em seis frentes: prático-teórico, ontológico, epistemológico, metodológico, ético e político.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que a Psicologia Social comunitária é um ramo da Psicologia Social que aborda as comunidades e que é realizada com as mesmas. Ou, nas palavras de Montero (2004a),

o ramo da psicologia [social] cujo objeto é o estudo dos fatores psicossociais que permitem desenvolver, fomentar e manter o controle e poder que os indivíduos podem exercer sobre seu ambiente individual e social para solucionar problemas que os afetam e lograr mudanças nesses ambientes e na estrutura social (p. 70, tradução nossa). Segundo Sawaia (1997, p. 86), pode-se dizer que o objetivo dessa práxis psicossocial é de atuar pela legitimação social dos envolvidos, que pressupõe a legitimidade individual na vida pública e na privada, no sentido de buscar firmar o exercício da autonomia e da criação no espaço coletivo. Ou seja, atua-se pela potencialização das ações individuais e coletivas em prol do bem comum e da felicidade particular.

Um dos impulsionadores das vertentes críticas aos modelos vigentes em Psicologia Social foi Martín-Baró (1998; 1999; 2001), com suas contundentes colocações a respeito da

disciplina e do caráter histórico das teorias, do caráter ideológico das práticas dos psicólogos e do ético-político a ser adotado na atuação transformadora. Como exposto por Blanco (1998), Martín-Baró propõe a atuação do psicólogo por meio do compromisso pela emancipação, desideologização e bem-estar, o que configuram a própria libertação. Adotando a idéia de conscientização de Paulo Freire, Martín-Baró (2001, p.169-172) afirma ser este o horizonte primordial do fazer dos psicólogos, trabalhando-se pela desalienação da consciência social. Ao falar sobre a consciência, o autor a descreve da seguinte maneira:

A consciência não é simplesmente o âmbito privado do saber e sentir subjetivo dos indivíduos, mas sobretudo aquele âmbito onde cada pessoa encontra o impacto reflexo de seu ser e de seu fazer em sociedade, onde assume e elabora um saber sobre si mesmo e sobre a realidade que lhe permite ser alguém, ter uma identidade pessoal e social. A consciência é o saber e o não-saber sobre si mesmo, sobre o próprio mundo e sobre os demais, um saber práxico antes que mental, já que se inscreve na adequação às realidades objetivas de todo comportamento (Martín-Baró, 2001, p.167-8, tradução nossa).

Sendo a consciência um objeto de estudos privilegiado pela Psicologia (e Psicologia Social), como colocado por Martín-Baró, é importante que a consideremos como uma realidade psicossocial, ou seja, um saber dialético das pessoas sobre si mesmas e sobre a coletividade. Nesse sentido, o trabalho de conscientização visa:

a) romper com a alienação, constituída em esquemas fatalistas sustentados ideologicamente, que consideram a maioria popular como indolente, preguiçosa e incapaz de transformar sua realidade;

b) sair da reprodução da relação dominação/submissão;

c) recuperação da memória histórica, para assumir a ligação do passado e presente numa perspectiva de futuro que integrem o pertencimento e as lutas políticas no âmbito pessoal e social.

Dentro dessa perspectiva de atuação comprometida com a realidade, Montero & Martín-Baró (1987) entendem que este campo teórico e metodológico, de processos políticos e de formas de intervenção psicopolítica são, eminentemente, marcantes da Psicologia Política

  • uma outra vertente da Psicologia Social. A Psicologia Social comunitária latino-americana

importante mencionar também outras vertentes, estudadas pelos pesquisadores da Psicologia Social no Brasil:

G) a Psicologia Social fundada pelo argentino Enrique Pichon-Rivière (2002, 2003) e seus discípulos, cujos trabalhos são mais conhecidos pela contribuição dos grupos operativos, mas que de longe não estão restritos a estes.

H) as interfaces entre a Psicologia Social e as leituras da Psicanálise dos fenômenos sociais e aquelas provenientes da Psicanálise de abordagem grupal e institucional, com autores advindos da escola argentina, inglesa e francesa de psicanálise (Castanho, 2005).

I) a Psicologia Social em sua interface com a Psicossociologia, pelas contribuições do movimento institucionalista (sociopsicanálise, psicoterapia institucional, socioanálise e esquizoanálise) (Machado & Roedel, 2001), também com autores argentinos e franceses, e da qual emerge recentemente a Psicologia Social clínica proposta por Barus-Michel (2004).

J) a corrente nomeada como Psicologia Social crítica (ou Psicologia Crítica), que adota discussões de autores marxistas, neomarxistas e da Escola de Frankfurt (Lane, 1981, 2006; Lima, 2010; Monteiro, 2006).

K) as contribuições dos russos A. N. Leontiev, L. S. Vygotsky e A. R. Luria, que dão base às teorizações da Psicologia Sócio-Histórica (B ock, Gonçalves & Furtado, 2004), com contribuições pertinentes às discussões da Psicologia Social, em especial pelo estudo a respeito: da constituição social da subjetividade; da historicidade como noção básica nos processos de formação do sujeito; da consciência e atividade como categorias centrais para compreender o indivíduo/sociedade; da aquisição da linguagem, aprendizagem e socialização como fenômenos do âmbito individual/social.

L) O construcionismo social inaugurado por K. J. Gergen (1973; 2008), afim às teorizações do interacionismo simbólico e teoria psicossocial de G. H. Mead, à fenomenologia social de Alfred Schütz (que combina a fenomenologia de Husserl e a sociologia de Weber) e aos desdobramentos dados por Berger e Luckmann (2008), no difundido "A construção social da realidade". Atualmente, o construcionismo social ganha força, como indicam Ibañez Gracia (2004), Iñiguez (2004), Mol (2008), Spink e Menegon (2004).

Além, é claro, de muitas outras leituras em Psicologia Social realizadas dentro do contexto da Psicologia e Sociologia contemporâneas, não referidas acima e que recebem o devido valor em seus respectivos centros de estudos, manuais e livros da área. Todas as tradições e correntes teriam, paradoxalmente, um mesmo ponto em comum e de litígio: a relação indivíduo-sociedade. Segundo Corga (1998, p. 240), todas essas abordagens são consideradas como pertencentes à grande disciplina Psicologia Social por tentar estudar o indivíduo psicológico e a sociedade num único objeto, deixando de lado tanto a supremacia do psicologismo quanto do sociologismo, por meio de metodologias quantitativas e qualitativas.

6. Conclusão

Com esta breve exposição e localização da Psicologia Social, vimos que sua crise movimentou a produção de novas abordagens teóricas, metodológicas e políticas. Isso teve repercussão direta sobre a maneira como os psicólogos lidaram com sua formação, produção acadêmica e intervenção na realidade. Neste caminho, passou-se a privilegiar métodos qualitativos em detrimentos dos quantitativos, cujas bases se encontravam sedimentadas na Psicologia Social criticada. Esse mesmo movimento de contestação à ciência realizada por métodos quantitativos também teve sua repercussão, a partir dos anos 1960, em outras ciências humanas e sociais, como descrito por Minayo (2000), num momento em que passam a ganhar credibilidade as pesquisas qualitativas, como formas legítimas de produção do conhecimento.

Atualmente, continuam as discussões a respeito da superação da dicotomia qualitativo/quantitativo dentro das ciências humanas e sociais. Dentro desse movimento, já se fala em triangulação de métodos, como elaborado por Minayo, Assis e Souza (2006), em que se cruzam técnicas vindas de ambas as perspectivas para poder estudar um objeto de vários ângulos e, assim, ter uma visão mais diversificada e completa a respeito de um determinado fenômeno. Do mesmo modo, Álvaro & Garrido (2006) apontam que um dos desafios da Psicologia Social contemporânea é superar tais barreiras e desenvolver pesquisas e intervenções que se utilizem dessa combinação, pois a adequação de cada uma das técnicas de

um campo de atuação profissional que exige psicólogos capazes de perceber e transformar, para melhor, a realidade social brasileira.

Como cada cadeira depende do grupo de professores que a ministra, o que muitas vezes implica privilegiar apenas um ponto de vista teórico, é importante mostrar quais as raízes epistemológicas da abordagem ensinada e as possíveis interfaces intra e inter- disciplinares. Igualmente, as pesquisas norteadas por abordagens da Psicologia Social deveriam ser guiadas de modo a esclarecer aos estudantes como elas podem contribuir para futuras práticas profissionais. Conectar ensino, pesquisa e extensão na formação que engloba a Psicologia Social é fundamental para a absorção dos ricos conteúdos oferecidos por essa disciplina.

Por fim, resta o questionamento do fazer do psicólogo em sua formação: quais as limitações que os ramos da Psicologia possuem ao lidar com o âmbito social, que merecem reconsiderações segundo as contribuições da Psicologia Social? Por acaso seria melhor uma graduação em Psicologia Social, como ocorre em outros países?

Na esfera das sociedades científicas e instituições representativas da categoria de psicólogos no Brasil, há grupos que vêm questionando a formação de psicólogos sociais por meio de cursos de Psicologia, por entender que deve haver a devida separação entre ambas, no que se refere a: campos de estudo, métodos, conceitos, formação e nichos de atuação. Obviamente, essas disputas ocorrem mais no âmbito político do que acadêmico, o que gera intrigas e discórdias entre grupos dominantes e emergentes no cenário nacional das políticas da Psicologia. Segundo expõe Stralen (2005), a Psicologia Social se constitui como disciplina científica e como campo profissional, apesar de não haver regulamentação no Brasil à atuação do psicólogo social, restando-lhe "se manter incluído na categoria profissional relativamente mais forte: a psicologia" (p. 95). A nosso entender, esse debate deveria ocorrer inicialmente no âmbito acadêmico, ao invés de se restringir ao jogo de forças entre grupos políticos, representados por sociedades científicas e pelos Conselhos.

O ponto central dessas discussões, segundo nosso ponto de vista, não é lutar por mais uma especificidade profissional, mas ampliar a visibilidade das produções em Psicologia Social, tanto no âmbito acadêmico quanto das práticas profissionais. Acreditamos que a formação sólida em Psicologia Social, dentro ou fora das graduações e pós-graduações em

Psicologia, podem acrescentar sustância ao fazer de psicólogos (sociais) comprometidos com a transformação social. Esse é o norte a que devemos chegar: uma boa formação, que compreenda o máximo de possibilidades dentro dos domínios da Psicologia Social. Uma vez que se ganhe tal visibilidade, então será o caso de se ponderar uma formação específica a partir dessa disciplina no Brasil.

Referências

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