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A Urbe na Obra de Drummond: Uma Análise da Imagem dos Prédios, Manuais, Projetos, Pesquisas de Literatura

Este artigo analisa a obra de carlos drummond de andrade, explorando a recorrência da imagem dos prédios urbanos como símbolos da modernidade esvaziadora, que desintegra o ser humano. O autor explora a relação do poeta com a cidade, contrastando a memória do mundo rural com a experiência citadina, e como os prédios encarnam as dores e alegrias do habitante urbano. O artigo destaca a visão de drummond sobre a cidade como um espaço de solidão, angústia e desintegração, onde os edifícios representam a perda da substância humana e a fragilidade da modernidade.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2024

Compartilhado em 28/10/2024

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Ao longo da obra de Carlos Drumonnd de Andrade é possível encontrar uma
poética do espaço. A leitura das imagens urbanas e rurais na obra do poeta mineiro
traça um mapa conceitual e representativo da modernidade e da cidade moderna, em
contraste com a memória do mundo ruralizado e da cidade interiorana. O poeta que
aprendeu o “sentimento do mundo”, na pequena Itabira do começo do século XX, é
capaz de nos oferecer uma representação imagética de sua experiência citadina, assim
como a descrição significativa de muitos prédios, que se tornam tema de uma poesia
que canta a modernidade esvaziadora.
Apesar de haver em várias fases de sua escrita, poemas relacionados à temática
dos prédios, é preciso destacar-se o fato de que já em “Elegia 1938”, Drummond
falava de um mundo caduco, envelhecido, onde as formas e as ações urbanas eram
inválidas, ou sem sentido. O amanhecer de cada dia lembrava a existência da grande
máquina, ou do mundo modernizado, onde a literatura e o telefone o afastavam da
vida verdadeira. No poema, o poeta diz caminhar entre mortos que conduzem os
negócios do futuro e do espírito, ou seja, o ambiente moderno revela que os homens
destes tempos estão sujeitos a viver uma vida artificial, determinada por um modo de
vida industrial.
Condenando o homem, ou a si mesmo, ele diz: “Aceitas a chuva, a guerra, o
desemprego e a injusta distribuição, porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de
Manhattan.” Sendo uma elegia, um poema que declara sua intenção de ressaltar as-
pectos negativos ou tristes, o poeta fala a um mundo destinado à morte, e parece fazer
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Flávia Aninger de Barros Rocha (UNEB)
Nas cidades, os olhos não vêem coisas, mas figuras de coisas
que significam outras coisas. Ícones, estátuas, tudo é símbo-
lo. Aqui tudo é linguagem, tudo se presta de imediato á des-
crição, ao mapeamento. Como é realmente a cidade sob esse
carregado invólucro de símbolos, o que contém e o que es-
conde, parece impossível saber.
Nelson Brissac
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Baixe A Urbe na Obra de Drummond: Uma Análise da Imagem dos Prédios e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Literatura, somente na Docsity!

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Ao longo da obra de Carlos Drumonnd de Andrade é possível encontrar uma

poética do espaço. A leitura das imagens urbanas e rurais na obra do poeta mineiro

traça um mapa conceitual e representativo da modernidade e da cidade moderna, em

contraste com a memória do mundo ruralizado e da cidade interiorana. O poeta que

aprendeu o “sentimento do mundo”, na pequena Itabira do começo do século XX, é

capaz de nos oferecer uma representação imagética de sua experiência citadina, assim

como a descrição significativa de muitos prédios, que se tornam tema de uma poesia

que canta a modernidade esvaziadora.

Apesar de haver em várias fases de sua escrita, poemas relacionados à temática

dos prédios, é preciso destacar-se o fato de que já em “Elegia 1938”, Drummond

falava de um mundo caduco, envelhecido, onde as formas e as ações urbanas eram

inválidas, ou sem sentido. O amanhecer de cada dia lembrava a existência da grande

máquina, ou do mundo modernizado, onde a literatura e o telefone o afastavam da

vida verdadeira. No poema, o poeta diz caminhar entre mortos que conduzem os

negócios do futuro e do espírito, ou seja, o ambiente moderno revela que os homens

destes tempos estão sujeitos a viver uma vida artificial, determinada por um modo de

vida industrial.

Condenando o homem, ou a si mesmo, ele diz: “Aceitas a chuva, a guerra, o

desemprego e a injusta distribuição, porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de

Manhattan.” Sendo uma elegia, um poema que declara sua intenção de ressaltar as-

pectos negativos ou tristes, o poeta fala a um mundo destinado à morte, e parece fazer

A UrbA Urb A UrbA UrbA Urbe de Dre de Dre de Dre de Dre de Drummondummondummondummondummond

Flávia Aninger de Barros Rocha (UNEB)

Nas cidades, os olhos não vêem coisas, mas figuras de coisas

que significam outras coisas. Ícones, estátuas, tudo é símbo-

lo. Aqui tudo é linguagem, tudo se presta de imediato á des-

crição, ao mapeamento. Como é realmente a cidade sob esse

carregado invólucro de símbolos, o que contém e o que es-

conde, parece impossível saber.

Nelson Brissac

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questão de frisar a culpa do capitalismo diluidor dos velhos valores naquela época

pré-II Guerra Mundial. Manhattan já comportava, naquela época, além da brilhante

“Wall Street”, outros monumentos ao poder, como o Empire State Building, emblema

de um modo de vida capitalista. Assim, Drummond acaba por conferir sentido à

megalópole e continua, em sua produção posterior, a emprestar significação aos espa-

ços contidos em sua visão poética. Odile Marcel (apud PESAVENTO, 1999, p. 13)

certifica que “a literatura como representação das formas urbanas, tem o poder meta-

fórico de conferir aos lugares um sentido e uma função. É nessa medida que as obras

literárias, em prosa ou em verso, têm contribuído para a recuperação, identificação,

interpretação e a crítica das formas urbanas.”

Drummond (1969), espectador atento das mudanças do século XX, tem alguns

de seus poemas ligados diretamente à temática da diferença entre o Rio de Janeiro, a

cidade grande, e a pequena Itabira. É no Rio que ele se sente aprisionado no prédio

como numa torre, como se pode ver em “Prece de Mineiro no Rio”:

Espírito de Minas, me visita, E sobre a confusão desta cidade, Onde voz e buzina se confundem, Lança teu claro raio ordenador. Conserva em mim ao menos a metade do que fui de nascença e a vida esgarça: não quero ser um móvel num imóvel (ANDRADE, 1969, p. 230)

O poeta se sente envolvido pela mesma profusão babilônica de sons e vozes

que T.S Eliot em “The Waste Land”, e sente necessitar de algo que ilumine e ordene

aquele mundo. O poeta se sente “esgarçar,” como um tecido que vai se afinando e

desmanchando com o gasto excessivo, assim como a hiperestesia da cidade opulenta

de Eliot.

Ainda em “O Boi”, de 1967, o poeta mineiro utiliza-se da imagem da cidade

fervilhante de sons e movimento, na qual enxerga apenas o “ermo profundo”. A soli-

dão, ou o estar só, não depende de estar isolado em um espaço imenso, como um só

boi no pasto. Estar no chamado “espaço aberto” das ruas da cidade é solidão. O

homem está tão integrado às ruas, ou pertence tanto à paisagem urbana, como o boi

ao campo. O ambiente, mesmo cheio de sons e movimento, compara-se ao ermo, ou

ao deserto interior.

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Uma cidade toda paredão Paredão em volta das casas Em volta, paredão, das almas. O paredão dos precipícios. O paredão familial. Ruas feitas de paredão O paredão é a própria rua Onde passar ou não passar É a mesma forma de prisão. Paredão de umidade e sombra, Sem uma fresta para a vida. A canivete perfurá-lo, A unha, a dente, a bofetão? Se do outro lado existe apenas Outro, mais outro, paredão? (ANDRADE,1979, p. 83)

Imediatamente, sabemos que as ruas são as paredes, e que é impossível não

passar por elas, e que estas nos contêm mesmo que nos recusemos a estar nelas. A

prisão é do tamanho do mundo civilizado, ou seja, o que existe é uma construção

única. As casas fazem parte da rede de paredões que chegam até as almas. Os precipí-

cios, postados em forma de barreira, indicam um único caminho: a submissão ao

modo de vida citadino. As paredes já são familiares, convivemos com elas. São feitas

de umidade e de sombra, tantas são as coberturas e paredes sucessivas, sem espaço

para o sol, sem fresta para a vida. Perfurá-las com nossas armas tão fracas, não nos

traz nada além de frustração. Mais além, cerca-nos outro paredão, e além deste ainda

outro. O mundo urbano é uma série de paredes labirínticas, sem saída e sem razão,

formando longos corredores entre um paredão e outro que surge. Para Calvino, (1999,

p. 86) equivale a dizer que a cidade é um espaço em que percursos são traçados entre

pontos suspensos no vazio.

Se observarmos atentamente a obra poética de Drummond, veremos que para

ele, o céu de pedra mencionado por Calvino existe. O poeta mineiro afirma que “o

mundo é mesmo de cimento armado” (ANDRADE, 1969, p. 50) sendo que os edifí-

cios de que fala e dos quais podemos falar como emblemas da cidade, parecem conter

moradores vazios e estarem prestes a desabar. Esta é uma recorrência que merece ser

notada na obra do autor, em poemas cujo tema central são prédios e edifícios que

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resumem a vida urbana. A identificação visceral que o poeta tem com a cidade, assu-

mida em “Coração Numeroso”, quando diz: “A cidade sou eu, a cidade sou eu, meu

amor”, ganha expressão específica na vida dos prédios que encarnam as dores e alegri-

as do habitante urbano.

De acordo com Bachelard (1996), em sua reflexão sobre a casa (ou o prédio) e

a alma, a casa é um instrumento de análise para a alma humana, de modo que as

imagens da casa estão em nós, assim como nós estamos nelas. Ao mencionar a torre

usada por Jung para descrever a profundidade da alma, ele lembra o príncipe desolado

de Nerval:

Auxiliados por este instrumento, não reencontraremos em nós mesmos, sonhan- do em nossa simples casa, os reconfortos da caverna? E a torre da nossa alma foi arrancada para sempre? Somos nós para todo o sempre, segundo o hemistíquio famo- so, seres da “torre abolida”? Não somente nossas lembranças, mas nossos esquecimen- tos também estão alojados. Nosso inconsciente está alojado. Nossa alma é uma mora- da. (BACHELARD, 1996, p. 20.)

Na escrita memorial de Drummond, não é preciso estar no campo para lembrar

da Itabira tão rural do começo do século XX. Assim como perduram as lembranças da

cidadezinha mineira, na cidade grande, as imagens dos que já morreram também habi-

tam os prédios do moderno Rio de Janeiro, onde o elevador é ligado à imagem do

pensamento melancólico e convida ao suicídio, como se pode observar em “Edifício

São Borja”, “Edifício Esplendor”, “Noturno à Janela do Apartamento”, e outros. Para

o autor, o medo, importante personagem na convivência humana, é quem faz nascer

“edifícios, carcereiros e escritores” (ANDRADE, 1969, p. 81).

Os nomes dos edifícios merecem ser notados como aspectos da vida e do

pensamento do poeta, e se destacam ou se erguem à altura da visão, como a sugestão

do esplendor da modernidade desenhada nos projetos de Oscar Niemeyer (“Edifício

Esplendor”). No entanto, os nomes, de fato, longe de emprestarem significado às

construções, fazem parte, no dizer de Rikwert (1985, p. 60.), de uma aparência que

passou a prescindir de uma justificação histórica ou de uma relação de antecedentes.

Não há, na modernidade, necessidade de sentido para os nomes dos prédios, portanto.

Em “O Nome”, o poeta se apropria de maneira significativa do nome de um

edifício em demolição. Ele segue a destruição em suas partes e se pergunta: “Ficará

em mim o nome que é meu? Ficarei para preservá-lo?” A identidade profunda com o

nome faz o poeta sugerir que ele próprio deveria existir para sempre, para conservar

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Assim, pode-se verificar a posição dual, ou ambígua deste prédio que, em ruí-

nas, se situa entre dia e noite, entre o verbo e o concreto, entre vida e morte. O

“desletramento” operado pela demolição ameaça a existência do nome no mundo das

palavras. No fim do poema, temos o fim do nome e do edifício. A marca do fim está

no encerramento do ciclo da noite. O amanhã que o galo anunciará, virá trazer, como

na traição de Pedro, a precariedade de uma ligação, ou a revelação de uma ligação

ilusória. Nome e pessoa, identidade de quem é também construtor dos edifícios da

modernidade sem o desejar, se desmancharão, deixando a dúvida: a substância, a

vida, contida no edifício e no nome, é mais do que o concreto que se desmancha?

Permanece ou se esvai com os tijolos?

O conflito do nome se apresenta ainda em “Canção Imobiliária” (ANDRADE,

1979, p. 703) de 1952, que pode talvez ser a resposta ao mistério do nome não reve-

lado e do edifício que o poeta considera seus. Em plena Avenida Copacabana, um

edifício aparece “num vão de sombra esquiva”, relembrando um mundo morto.

Drummond diz que o edifício Itabira não é seu, mas também não é de seus apagados

moradores, que desfrutam do lugar exatamente como os mortos fruem os sete palmos

de terra, ou seja, como um túmulo. Palavra e concreto se confundem e o poeta resu-

me: “Meu edifício Itabira / todo em abstrato concreto, / vais cumprindo teu ofício /

com seres o meu retrato”. O retrato do poeta, portanto, é o próprio nome de Itabira, é

a cidade que o gerou.

Ainda neste ambiente bermaniano dos contrários que se anulam, em “Edifício

Esplendor”, a grandiosidade da construção moderna revela não o brilho, ou esplendor

da obra, mas apresenta, como nas ligações sem uso da cidade invisível de Ercília,

relatada por Calvino (1999, p. 72), a falta total de brilho das famílias fechadas em

células estanques, sem comunicação:

Na areia da praia Oscar risca o projeto. Salta o edifício Da areia da praia. No cimento, nem traço Da pena dos homens. As famílias se fecham Em células estanques O elevador sem ternura Expele, absorve

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Num ranger monótono Substância humana. Entretanto há muito Se acabaram os homens Ficaram apenas tristes moradores. (...) “- Que século, meu Deus! diziam os ratos. E começavam a roer o edifício. (ANDRADE, 1969, p. 64)

No cimento, não há traço da pena, como sensibilidade, ou da arte presente na

pena do arquiteto que fez saltar o edifício. Os apartamentos são como alvéolos sepa-

rados, pequenas células onde acontece a desumanização. Não há mais homens, na

acepção da palavra. “Ficaram apenas tristes moradores”, o que significa que os ho-

mens são agora restos de homens, sem a alegria da humanidade, são apenas “os que

moram” sem viver, como ruínas humanas. Entre as descrições minuciosas, as instala-

ções de gás que são úteis para o suicídio, e as memórias dos mortos que convivem

com os vivos, no edifício de um século supostamente glorioso, onde um elevador

range monotonamente o movimento das pessoas. O esplendor da modernidade, por-

tanto, está condenado; já é ruína.

Desta forma, é possível deduzir que, para Drummond, além de emblematizarem

o mundo modernizado, os edifícios são aqueles que recolhem as perdas da vida mo-

derna, são depositários de restos de substância humana. E como obras de um século

produtor de ruínas, só lhes resta serem roídos pelos ratos, como velhos mausoléus.

Em “Edifício São Borja” (ANDRADE, 1969, p. 99), poema de compreensão

adiada, em estrofes cuja única ligação parece ser a repetição do nome do edifício, os

moradores são “esqueléticos, desajustados, brigando com a vida, nus, surgindo à noi-

te em fragmentos”. O nome São Borja , também nome de cidade, parece ser uma invo-

cação a um santo desconhecido, caindo, assim, no vazio da angústia que não obtém

resposta.

O poeta combina fragmentos de memórias e sonhos e deseja boa viagem no

caos moderno, no pressuposto “mar” de gente, aos navios que não se cruzam, como

na suposta imagem de uma cidade que talvez tenha sido como Veneza. Drummond

sugere que todo edifício é uma “imolação das venezas”, o que retira da cidade seu

caráter de fluidez e beleza, sempre como movimento contrário da preservação. O

tempo obedece a uma ordem retrógrada, ao se despencar por trás das guerras púnicas.

A suposta santidade do nome do edifício se converte em santuário ou proteção para

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l e ! s muletas desabando nem gritar dava tempo soterrados novos desabamentos insistiam sobre peitos em pó desabadesabadesabadavam as ruínas formaram outra cidade em ordem definitiva. (ANDRADE, 1979, p. 459.)

O poema ratifica a idéia de que a novíssima ordem da pós-modernidade vem

dando aos nossos cenários urbanos, através da compressão de espaço e tempo a que

assistimos acontecer, a impressão de que “o presente é tudo que existe” (HALL,1999,

p. 70.) ou seja, a cidade acaba por absorver as faces do tempo, misturando as formas

de um passado que cada dia é mais recente e fazendo surgir, junto com a visão do

desabamento da realidade, a necessidade de registrar na literatura e em outras repre-

sentações, a pressão das novas velocidades e os problemas trazidos por elas, como as

novas experiências cinematográficas, ou as alternativas surpreendentes de emprego e

moradia.

Por isso, para o autor mineiro, o coração já é pó, depois de sucessivos desaba-

mentos, e a ruína é a única ordem real da cidade, como menciona Benjamin (1975:

19) acerca da nova Paris. Para ser Cosmópolis, ou parecer-se com uma, então, é preci-

so entrar no processo de demolição, que é um dos dois lados da moeda da construção.

Mais tarde, o poeta escreve “A Torre sem Degraus”, de 1968, onde sugere a

infinitude de uma torre babélica citadina. Os habitantes de cada andar são seres pe-

quenos e centrados em si próprios, por terem sido modelados pela filosofia contida

nos prédios, a qual impôs sua forma capitalista de viver.

No térreo se arrastam possuidores de coisas recoisificadas No 1 o^ andar vivem depositários de pequenas convicções, mirando-as, remirando-as Com lentes de contato. No 2 o^ andar vivem negadores de pequenas convicções, pequeninos eles mesmos. No 3 o^ andar – tlás tlás- a noite cria morcegos. No 4 o, no 7 o, vivem amorosos sem amor, desamorando. (...)

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No 28o^ saem boatos de revolução e cruzam com outros de contra- revolução. Impróprio a qualquer outro uso que não seja o prazer, o 29 o^ foi declarado inabitável. No 43o^ , no 44o, no... (continua indefinidamente) (ANDRADE, 1979: 424.)

Os andares são infinitos. Em todos, pessoas ou lugares vazios de sentido, con-

traditórios, incoerentes. A mesma torre que é Babel e edifício moderno, não tem de-

graus, porque em sua infinitude, todos os andares são o mesmo, apenas se sobrepõem

como uma imensa colagem de situações onde a cidade contém, em sua forma, todos

que a habitam.

Podemos afirmar que o poeta mineiro se liga de forma significativa às questões

urbanas pela maneira como percebe a desintegração humana causada pelo fluxo de

progresso e urbanização segregadora, bem como em sua forma de sentir as dores e

tristezas dos moradores da modernidade em seus melancólicos prédios. Como con-

firma o poema “O Boi”, para ele, “a cidade é inexplicável e as casas não têm

sentido algum”.

Assim, confirma-se na obra de Drummond a força evocativa e simbólica do

prédio como emblema da cidade moderna. E isto lembra as impressões de Benjamin

acerca da cidade de Paris representada pelo pintor preferido de Baudelaire: “Meryon

fez dos prédios de apartamentos de Paris os monumentos da modernidade”. O poeta

Drummond fez de seus prédios em verso retratos vivos de uma modernidade brasilei-

ra e universal.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião. Rio de Janeiro: José Olímpio Editora, 1969.

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BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes: 1996.

BENJAMIN, Walter. A Modernidade e Os Modernos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.

CALVINO. Italo. As Cidades Invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

HALL,Stuart.. A Identidade Cultural na Pós Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,1999.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. O Imaginário da Cidade. Visões literárias do urbano. Porto Alegre, UFRGS, 1999.

RIKWERT, Joseph. Para onde vai a cidade? Revista Diógenes, nº 9, jul-dez de 1985, Universidade de Brasília.

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