


























Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Este documento analisa a noção de reincidência no direito penal e tributário, demonstrando a divergência entre esses ramos do direito e seus impactos no estado democrático de direito. Além disso, aborda a relação entre a autonomia dos ramos do direito, a antinomia jurídica e a coerência do ordenamento jurídico.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
1 / 34
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Marcelo Wendel da Silva *****
Resumo: O presente trabalho, cujo tema é tratar do conceito de reincidência tributária visa, antes de tudo, quebrar paradigmas tendentes a desmistificar conceitos formalmente legais, mas materialmente contrários ao ordenamento. É esse o conteúdo que se extrai da maioria dos conceitos de reincidência propostos pelos diversos entes federativos competentes. Demonstra-se que diante da avidez por arrecadação os entes federativos, sem nenhum compromisso com a coerência, completude e unidade do direito, criam normas em total descompasso com a Constituição, transformando um Estado Democrático de Direito em um estado arbitrário, em total desrespeito às garantias constitucionais erigidas com cláusulas pétreas pelo legislador constituinte.
Palavras-chave : Reincidência. Reincidência tributária. Conceito. Direito penal. Princípios constitucionais.
Abstract: This work, which subject is to treat concept of tax backsliding aims, before all, break paradigms tending to contradicting formally legal concepts, but opposite to an constitutional right. There is the content that is extracted of most of the concepts of backsliding when several competent States were proposed for. It is demonstrated that the greediness for the collection of taxes, without obligation with the coherence and unity of the right, the States were believing standards in total disagreement with the Constitution, turning a democratic State of right into an arbitrary state, disregarding the constitutional guarantees, stony clauses set up by the constitutional legislator . Keywords : Backsliding. Tax backsliding. Concept. Penal right. Constitutional beginnings.
Introdução
No direito, assim como em todas as ciências exige-se um vocabulário técnico com termos específicos.
Mesmo sendo o direito uno, completo e coerente é possível que didaticamente possa ser dividido em áreas, com a finalidade de tornar o estudo e o uso mais simples e prático, não se podendo admitir a existência de conflitos entre os conceitos técnicos existentes.
Partido da possibilidade de uma divisão meramente didática, tanto o direito penal como o direito tributário, por serem ramos do direito público e estarem diretamente relacionados com uma limitação ou intervenção na liberdade e propriedade do cidadão, devem estar estritamente ligados ao princípio da legalidade, não podendo, em nenhum momento, distanciar dessa diretriz básica do ordenamento.
Não somente diante do princípio da legalidade, mas, sobretudo, diante da coerência, completude e unidade do ordenamento, não se pode conceber a existência de conceitos divergentes dentro de uma mesma estrutura jurídica.
O presente trabalho visa demonstrar que o conceito de “reincidência” previsto no direito penal e o previsto no direito tributário, têm a mesma finalidade, mas divergem em um ponto significativo, colocando em questionamento a completude, unidade e coerência do ordenamento.
Pretende-se primeiramente demonstrar em que consiste um ordenamento jurídico, traçando características como a completude, a unidade e a coerência, defendidas por Norberto Bobbio.
Em seguida será proposta a idéia de que não se concebe uma autonomia de qualquer ramo do direito, demonstrando que as divisões propostas são meramente didáticas e buscam uma maior praticidade, mas que em nada influencia na análise do ordenamento como um todo.
Será tratado também, o conceito de reincidência previsto no direito penal e os demais conceitos previstos nas diversas leis estaduais tributárias, para se concluir que há uma divergência significativa nesses conceitos, causadora de prejuízos ao contribuinte. Essa divergência incita a exposição de argumentos tendentes a identificar dentro do ordenamento, qual conceito deve prevalecer.
Dentro dos argumentos a serem propostos, estão os princípios basilares do direito, como o princípio da presunção de inocência, princípio do contraditório e da ampla defesa, princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional, e será demonstrado, também, que não há no ordenamento pátrio o chamado “contencioso administrativo” não havendo, portanto coisa julgada administrativa em seu sentido técnico – jurídico.
Tratar da completude do ordenamento está diretamente relacionado a uma análise da existência ou não, de lacunas dentro desse ordenamento. Se se entende ser o ordenamento completo, é conseqüência inexorável dessa completude a inexistência de lacunas. Maria Helena Diniz afirma que [...] a expressão lacuna concerne a um estado incompleto do sistema. Ou como nos diz Binder, há lacuna quando uma exigência do direito, fundamentada objetivamente pelas circunstâncias sociais, não encontra satisfação na ordem jurídica. (DINIZ, 2001, p. 434)
É possível entender que um ordenamento é completo não só por inexistir lacunas. Para Hans Kelsen, não há lacunas no ordenamento, mas essa teoria das lacunas é importante como um limite à atuação do magistrado. O citado autor entende que “lacuna” é uma criação do poder legislativo visando limitar a interpretação do magistrado quando se deparar com situações não abarcadas concretamente dentro do ordenamento (DINIZ, 2001, p. 438). Outros autores entendem que não existem lacunas porque há juizes. Sendo o juiz obrigado a decidir todo e qualquer litígio que lhe é apresentado, até esse momento é possível reconhecer a existência de lacunas, pois, no momento da aplicação do direito ao caso concreto essa lacuna não mais deverá existir por ter o Juiz meios previstos no ordenamento que o possibilite dar solução ao litígio (DINIZ, 2001, p. 440). Seja admitindo a existência de lacunas ou não, a grande maioria dos autores concordam no sentido de ser o ordenamento completo. Norberto Bobbio também defende a completude do ordenamento ao afirmar que: [...] por completude entende-se a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de uma norma se chama geralmente “lacuna” (num dos sentidos do termo “lacuna”), “completude” significa “falta de lacuna”. Em outras palavras, um ordenamento é completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular qualquer caso que se lhe apresente, ou melhor, não há caso que não possa ser regulado com uma norma tirada do sistema. (BOBBIO, 1999, p. 115)
Outra característica do ordenamento jurídico é a sua unidade. Por unidade é possível entender como sendo um conjunto de normas entre as quais existe uma ordem. Essa ordem deve ser entendida como o relacionamento da norma com outras normas e dela com todo o sistema (BOBBIO, 1999, p. 71).
Por ser o ordenamento composto por diversas normas, isso faz com que o mesmo seja complexo e não por isso ele não será uno é nesse sentido que se pode traduzir as palavras de Bobbio:
Que seja unitário um ordenamento simples, isto é, um ordenamento em que todas as normas nascem de uma única fonte, é facilmente compreensível. Que seja unitário um ordenamento complexo, deve ser explicado. Aceitamos aqui a teoria da
construção escalonada do ordenamento jurídico, elaborada por Kelsen. Essa teoria serve para dar uma explicação da unidade do ordenamento jurídico complexo. Seu núcleo é que as normas de um ordenamento não estão todas no mesmo plano. Há normas superiores e inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. (BOBBIO, 1999, p. 48/49)
É essa norma suprema que Kelsen deu o nome de norma fundamental, e que é responsável por toda a unidade do ordenamento, criando um sistema hierarquizado de normas em que as inferiores são criadas pelas as superiores de onde fundamentam a sua validade e existência, sendo a “norma fundamental” o fundamento de validade de todas as normas que pertençam a esse ordenamento (KELSEN, 1998, p. 228).
Kelsen afirma que: Como a norma fundamental é fundamento de validade de todas as normas pertencentes a uma mesma ordem jurídica, ela constitui a unidade na pluralidade destas normas. Esta unidade também se exprime na circunstância de uma ordem jurídica poder ser descrita em proposições jurídicas que se não contradizem. (KELSEN, 1998, p. 228)
Para que se entenda um conjunto de normas como sendo um ordenamento jurídico, é preciso que seja unitário e essa unidade se dará por meio da construção escalonada, onde há uma estrutura hierárquica para dispor as normas (BOBBIO, 1999, p. 48). Será por meio da construção escalonada do ordenamento que será possível buscar a sua unidade, na medida em que se tem a norma fundamental, defendida por Hans Kelsen, termo unificador de todo o ordenamento.
Ao poder constituinte é dada a legitimidade de fixar normas válidas, que serão impostas a todos aqueles que são referidos pela norma constitucional, tendo o poder de obrigar a coletividade a obedecer essas normas. Serão as normas constitucionais que fundamentarão as normas infra-constitucionais e assim será até a aplicação da lei ao caso concreto gerando a unidade do ordenamento jurídico (BOBBIO, 1999, p. 59).
No tocante à coerência do ordenamento jurídico, será coerente o ordenamento que possibilitar a correção do direito quando diante de uma antinomia jurídica (DINIZ, 2001, p. 469). Maria Helena Diniz afirma que:
Antinomia é o conflito entre duas normas, dois princípios, ou de uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular. É a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular. (DINIZ, 2001, p. 469)
conflitantes e, admitir dois significados para um mesmo instituto, como ocorre com o instituto da reincidência, é admitir a incoerência do ordenamento por existir uma antinomia e uma incompletude, por haver lacunas a serem preenchidas visando compatibilizar as duas normas e, também, a falta de unidade por quebrar a teoria do escalonamento, fundamento base da unicidade do direito.
2 A autonomia do Direito Tributário
Muito se discute doutrinariamente sobre a autonomia desse ou daquele ramo do direito. Nem mesmo a grande distinção entre o direito público e o direito privado é uma solução absoluta (KREPSKY, 2006, p. 59), KREPSKY (2006, p. 59) afirma que:
A aparente importância secundária da classificação do Direito em divisões e ramos ou sub-ramos pode trazer conseqüências inesperadas caso se intente creditar-lhe exagerada importância. Estudar o Direito considerando suas divisões, de maneira a facilitar a compreensão do fenômeno jurídico através de uma abordagem didaticamente facilitada é procedimento aconselhável para o estudioso do direito. O problema está na supervalorização dessas classificações, a ponto de emprestar aos diversos ramos do Direito uma “autonomia” capaz de justificar interpretações muitas vezes equivocadas dos operadores do Direito sobre o alcance de determinados institutos jurídicos.
Para a maioria dos autores não é possível conceber a autonomia do direito Tributário, pois eles entendem que essa autonomia é meramente didática e como informa Aliomar Baleeiro (1999, p. 239) “A autonomia do Direito Fiscal, criando conceitos próprios, leva-o em certos casos, conforme a ratio legis , a afastar-se dos conceitos do Direito Privado”.
Paulo de Barros Carvalho (2000, p. 15/16) também coaduna com a idéia de que o direito tributário não pode ser encarado de forma autônoma, informando que sua autonomia não passa de uma autonomia didática e afirma que:
[...] Com isso se predica banir a pretensa autonomia científica que chega a lhe conferir autores da melhor suposição. Repetimos a inadmissibilidade de tais foros de autonomia científica, sem destruir aquele que é o mais transcendental entre os princípios fundamentais do direito – o da unidade do sistema jurídico. O direito tributário está visceralmente ligado a todo universo de regras jurídicas em vigor, não podendo dispensar, nas suas construções, qualquer delas, por mais distante que possa parecer.
Hugo de Brito Machado (2007, p. 81) defende que a autonomia do direito dividindo-o em departamentos é meramente didática e visa facilitar os estudos, não devendo prevalecer a autonomia de nenhum ramo do Direito.
A autonomia do direito, seja ele qual for, é meramente didática, e não se confunde com a autonomia que parte da doutrina entende no sentido de fragmentação do direito positivo. Para Aurora Tomazini de Carvalho (2005, p. 49) a autonomia do direito tributário, e sua análise, é ainda mais restrita, pois analisa o ramo do direito penal tributário, e esse problema “concentra-se na distinção entre Ciência do Direito e Direito Positivo”.
A citada autora, ainda afirma que: O cientista cria o objeto formal cientificamente, mas não tem o condão de alterar a natureza do dado-material (Direito Positivo) para criar juridicamente um ramo, pois são linguagens diferentes. Ademais, tentar isolar regras jurídicas como se prescindisse da totalidade do conjunto seria ignorar o Direito enquanto sistema. Aprendemos com as lições de Alfredo Augusto Becker que, “pela simples razão de não poder existir regra jurídica independente da totalidade do sistema jurídico, a autonomia (no sentido de independência relativa) de qualquer ramo do Direito Positivo é sempre e unicamente didática”. O problema é que muitos autores enxergam o “ramo” (divisão metodológica) como juridicamente existente e por isso surge toda a discussão doutrinária sobre o assunto. (CARVALHO, 2005, p. 49)
2.1 Direito positivo e ciência do direito
A ciência do direito em sentido amplo seria qualquer estudo que se faz com metodologia, sistematização e fundamentação com foco voltado para o direito, abrangendo qualquer disciplina que com ele se relaciona. Em sentido restrito, a ciência do direito é o estudo metodológico, sistematizado e fundamentado das normas previstas em um dado ordenamento jurídico (DINIZ, 2001, p. 217).
O direito positivo nas palavras de Aurora Tomazini de Carvalho (2005, p. 56): [...] apresenta-se como linguagem prescritiva, direcionada à alteração de condutas intersubjetivas. Já a Ciência do Direito apresenta-se como linguagem descritiva, informativa de um objeto, que é o Direito Positivo. Sob esta ótica, a Ciência do Direito é uma metalinguagem, ou seja, uma linguagem que tem por objeto outra linguagem. É linguagem descritiva sobre a linguagem prescritiva do Direito.
Sendo o direito positivo um conjunto de normas prescritivas de um dado ordenamento jurídico e, a ciência do direito uma linguagem descritiva do direito positivo. Infere-se que o cientista quando opta por ter por objeto determinado grupo de normas, está fazendo um corte no ordenamento no sentido, unicamente de delimitação do seu estudo (CARVALHO, 2005, p.
subsunção de uma conduta ao foto típico definido pela lei seja ela penal ou tributária. A ilicitude pode ser definida como a atijuridicidade da conduta, é uma contrariedade à conduta estabelecida pelo ordenamento. Já a culpabilidade pode ser definida como sendo o juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta do agente (GRECO, 2008, p. 28/39), o aspecto subjetivo do agente.
Partindo da premissa de que uma norma penal é toda norma que tem no seu antecedente a descrição de um crime e no seu conseqüente uma pena e que, crime é um fato típico, ilícito e culpável, sempre que uma norma abarcar estas características é possível entender que se está diante de uma norma jurídica penal, seja ela diretamente ligada ao direito penal propriamente dito, ao direito civil, ao direito administrativo ou ao direito tributário.
Fazer uma divisão entre direito penal e direito penal tributário é meramente didático e científico, são cortes epistemológicos realizados no direito que não alteram o direito positivo que é uno (CARVALHO, 2005, p. 60). Portanto, pode-se depreender que por ser uma divisão meramente didática, estando o operador do direito diante de um norma que no seu antecedente descreve uma conduta e no seu conseqüente uma sanção, a referida norma é de caráter penal devendo, por via de conseqüência, respeitar os princípios e regras gerais presentes no direito positivo.
Ricardo Lobo Torres ao escrever sobre infrações e sanções em matéria tributária, esclarece de forma precisa sobre a existência de um direito penal tributário em substituição a um direito tributário penal ao afirmar que:
Da dualidade apontada e do relacionamento por vezes íntimo entre penalidade pecuniária e tributo decorre a controvérsia sobre a existência de um Direito Penal Tributário ou de um Direito Tributário Penal. A doutrina mais antiga defendia o conceito de Direito Tributário Penal, que conteria as normas tributárias projetadas para o campo penal (cf. Rubens Gomes de Souza, op. cit., p. 105). Hoje, entretanto, prevalece a tese da existência de um Direito Penal Tributário. São normas de natureza penal que produzem conseqüências na esfera tributária. Desaparecem, portanto, as diferenças entre sanções penais e administrativas e entre multas penais e moratórias. Seja como for, a norma sancionatória se apóia em princípios incluídos no que se convencionou chamar de Constituição Penal, pois: a) se sujeita aos princípios constitucionais penais da tipicidade e da legalidade (art. 5º, XXXIX). b) aplica-se segundo o princípio da personalização, não podendo passar da pessoa que cometeu o ilícito (art. 5, XLV). c) não se converte, quando se tratar de multa, em pena privativa da liberdade (art. 5º, LXVII). d) não retroage, salvo quando beneficiar a situação do réu (art. 5, XL).
e) não se subordina, para a aplicação pelo Judiciário, à prejudicialidade do procedimento administrativo (art. 5, XXXV). f) se sujeita aos demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, que condicionam a aplicação de penas, como os princípios da boa fé, do federalismo, da independência dos juízes, do Estado de Direito etc. (TORRES, p. 291).
Ricardo Lobo Torres é peremptório ao defender que há diferenças significativas entre penalidade e tributo. No primeiro caso está-se diante do poder de punir do estado e, no segundo o poder de tributar que visa garantir recursos para atender às necessidades públicas, restringindo o direito de propriedade dos cidadãos. (TORRES, p. 2)
Os fundamentos para defender a aplicabilidade da chamada “constituição penal” reside, principalmente, na premissa de que as penalidades e as multas fiscais não se confundem com o tributo. “A penalidade pecuniária, embora prestação compulsória”, assim como a pena em matéria estritamente penal, “tem a finalidade de garantir a inteireza da ordem jurídica tributária contra a prática de ilícitos, sendo destituída de qualquer intenção de contribuir para as despesas do Estado. O tributo, ao contrário; é o ingresso que se define primordialmente como destinado a atender às despesas essenciais do Estado, cobrado com fundamento nos princípios da capacidade contributiva e do custo/benefício” (TORRES, p. 2).
4 Da segurança jurídica e a efetividade da prestação jurisdicional
4.1 Da soberania popular e o estado de direito democrático
No Estado de direito democrático sobreleva-se a submissão incondicionada do ente estatal à observância irrestrita à prescrição legal, porquanto calcado na premissa gravada no art. 1º, Parágrafo Único da Constituição Federal: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Prevalece consoante cristalinamente descrito no citado artigo, o princípio da Soberania Popular, visto que o exercício e competências das atividades legislativa, executiva e judiciária são outorgadas, por lapso determinado de tempo, a representantes eleitos direta ou indiretamente, imprimindo concluir que a gestão temporária do Estado está umbilicalmente vinculada à vontade popular, corolário do Estado Democrático de Direito.
Neste prisma, a obediência dos gestores públicos ao paradigma do Estado de Direito Democrático tem nascedouro no planejamento estratégico das políticas públicas, donde infere-se que o orçamento dos gastos e investimentos públicos deverá retratar a vontade popular.
No tocante ao processo leigiferante, este deverá considerar, no cerne das discussões e aprovação de normas a observância inarredável da Soberania Popular, posto que atrelado ao devido processo constitucional e decorrência incondicionada do Estado Democrático de Direito.
Na hipótese do descumprimento dos princípios norteadores do Estado de Direito Democrático, o sistema prevê a terceira via ou terceiro poder, tendente a tutelar os interesses desrespeitados, qual seja: o poder judiciário.
4.2 A função pacificadora do Estado
Conforme dito alhures, o Estado de Direito Democrático pressupõe a vontade popular (Soberania Popular) na condução da administração pública, consubstanciada na elaboração de planos e políticas públicas vinculadas à satisfação do interesse público e a produção de normas em estrito respeito ao devido processo constitucional e aos princípios democráticos.
Contudo, não se pode olvidar da cada vez mais freqüente incidência de desvios de conduta pelo administrador público ou também pelo administrado, em sede de planejamento, produção de normas ou execução das políticas públicas em detrimento do Estado de Direito Democrático.
Desse modo, cabe ao Estado, por intermédio de seus representantes eleitos ou diretamente, no exercício da democracia e vontade popular, punir exemplar e eficazmente o agente público ou administrado, tendo em vista coibir a reiteração da conduta do infrator e impor, respeitados os princípios derivados do paradigma do Estado de Direito Democrático, a sanção indispensável à pacificação social.
Trazendo à colação as concisas lições de Ada Pellerini Grinover, Antônio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco:
[...] compreende-se que o Estado moderno exerce o seu poder para a solução de conflitos interindividuais. O poder estatal, hoje, abrange a capacidade de dirimir os conflitos que envolvem as pessoas (inclusive o próprio Estado), decidindo sobre as pretensões apresentadas e impondo as decisões. No estudo da jurisdição, será explicado que esta é uma das expressões do poder estatal, caracterizando-se este como a capacidade, que o Estado tem, de decidir imperativamente e impor decisões. O que distingue a jurisdição das demais funções do Estado (legislação, administração) é precisamente, em primeiro plano, a finalidade pacificadora que o Estado a exerce. (CINTRA, 2002, p. 24)
Segundo dito linhas atrás, o gestor público está amarrado à vontade da lei e esta, induvidosamente, à Soberania Popular. Reflexamente, em sendo o Estado um ente ficto criado pelo homem para servir aos seus interesses e propósitos, o administrador público outorgado da competência (temporária) administrativa deverá exercê-la visando o interesse público.
Dessa forma, uma vez avocada as prerrogativas para a punição dos indivíduos, esta deverá ser concretizada sob um duplo aspecto: pacificação social do conflito e, sobremaneira, a efetividade da pena como instrumento inibidor de reincidências delitivas.
Neste prisma, deverá o gestor público guiar-se pela solução eficaz do conflito. Assim, em sendo aplicada a sanção neste duplo aspecto, pacificação social do conflito e efetividade da tutela estatal, estar-se-á atendendo o princípio da segurança jurídica.
Ao contrário do que pretendem alguns, a segurança jurídica não deve ser interpretada exclusivamente sob o ponto de vista da uniformidade e coerência da resolução de conflitos. Mais que isso, carece de contextualização sob o ângulo da pacificação social e efetividade da solução do litígio como forma de evitar as reiteradas práticas de desvios de conduta.
A segurança jurídica está diretamente relacionada à proibição tendente a prejudicialidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada, nos exatos termos do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal.
Todavia, este não é o fundamento único pertinente ao princípio segurança jurídica. Mais que a coerência, o referido princípio está conectado, também, ao restabelecimento da ordem pública, notabilizado pela prestação eficaz de solução de conflitos que, induvidosamente, incute na mente do pretenso agente delituoso a certeza e efetividade da punição, evitando-se assim futuros conflitos.
Conquanto dito linhas atrás, o Estado é subordinado ao primado da lei e, na medida em que lhe foram atribuídas as prerrogativas inerentes a gestão da coisa pública, cumpre a este o cumprimento irrestrito de tal encargo.
A Carta Constitucional de 1988, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, na dicção do art. 1º, proclama o princípio federativo, consubstanciado na separação e harmonia dos poderes legislativo, executivo e judiciário.
Interpretando-se sistematicamente os comandos constitucionais citados, preliminarmente, conclui-se pela incontroversa existência na sistemática constitucional brasileira dos processos judicial e administrativo, derivados de esferas diversas de poder, quais sejam: no âmbito do poder executivo, processo administrativo e, atinente ao poder judiciário, o processo judicial.
Doravante se depreende da existência de recurso administrativo e judicial, seria ponderável proceder a seguinte indagação?
É possível a coexistência de processo administrativo e judicial? Inicialmente, em cognição sumária, a prescrição do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, não subordina, ordinariamente, a tutela administrativa como pressuposto ao ingresso do poder judiciário.
Invocando o abalizado jurista Alexandre de Moraes (2006, p. 297): Inexiste a obrigatoriedade de esgotamento da instância administrativa para que a parte possa acessar o judiciário. A Constituição de 1988, diferentemente da anterior, afastou a necessidade da chamada jurisdição condicionada ou instância administrativa de curso forçado, pois já se decidiu pela inexigibilidade de exaurimento das vias administrativa para obter o provimento judicial (RP 60/224), uma vez que exclui a permissão que a Emenda Constitucional nº 7 à Constituição anterior estabelecera, de que a lei condicionasse o ingresso em juízo à exaustão das vias administrativas, verdadeiro obstáculo ao princípio do livre acesso ao poder judiciário. Esgotamento das vias administrativas: Não pode a lei infraconstitucional condicionar o acesso ao Poder Judiciário ao esgotamento da via administrativa, como ocorria no sistema revogado (CF/67, art. 153, § 4º).
Outra questão tormentosa que se apresenta diz respeito ao fato de que, caso o poder judiciário preste a tutela jurisdicional em momento anterior à decisão administrativa, não estaria invadindo a competência do poder executivo?
A título de exemplo, o administrado “A” interpõe recurso administrativo em face do órgão “B”, requerendo a anulação de auto de infração e que dito recurso não comporta efeito suspensivo. Desse modo, “A” aciona o poder judiciário e ingressa com uma ação judicial
postulando a anulação do auto de infração com pleito de efeito suspensivo e, consequentemente a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
Ora, não se pode negar que o ingresso ao poder judiciário, in casu , inobstante a desnecessidade do esgotamento da instância administrativa, se fez necessário, tende em vista a imprestabilidade do recurso administrativo no tocante à suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
Outro ponto controvertido diz respeito ao ingresso de recurso administrativo e judicial fundado no mesmo objeto e causa de pedir.
Diante do exemplo colacionado, forçoso admitir que, em princípio, ingressar com o mesmo objeto e causa de pedir não poderia parecer coerente, caso não se buscasse guarida ao Código de Processo Civil que dispõe:
Art. 3º. Para propor ou contestar a ação é necessário ter interesse e legitimidade.
Seguindo os ensinamentos da doutrina mais abalizada, o interesse de agir é informado pelo binômio “necessidade” e “adequação”. A necessidade pressupõe a relevância de invocar a prestação jurisdicional, não se permitindo, por conseguinte, acessar o aparato jurisdicional por mero capricho.
Nos ensinamentos de Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 118): O Estado não pode exercer suas atividades senão quando esta atuação se mostre absolutamente necessária. Assim, sendo pleiteado em juízo provimento que não traga ao demandante nenhuma utilidade (ou seja, faltando ao demandante interesse de agir), o processo deverá ser encerrado sem que se tenha um provimento de mérito, visto que o Estado estaria exercendo atividade desnecessária ao julgar a procedência (ou improcedência) da demanda. Tal atividade inútil estaria sendo realizada em prejuízo daqueles que realmente precisam da atuação estatal, o que lhes causaria dano (que adviria, por exemplo, do acúmulo de processos desnecessários em um juízo ou tribunal). [...] O interesse de agir é verificado pela presença de dois elementos, que fazem com que esse requisito do provimento final seja verdadeiro binômio: “ necessidade da tutela jurisdicional” e “ adequação do provimento pleiteado”[...]. [...]Essa necessidade da tutela jurisdicional decorre da proibição da autotutela, sendo certo assim que todo aquele que se considera titular de um direito (ou outra posição de vantagem) lesado ou ameaçado, e que não possa valer seu interesse por ato próprio, terá de ir a juízo em busca de proteção.
Humberto Theodoro Júnior (2007, p. 47) ao trazer em seu livro, ensinamentos sobre interesse de agir, afirma que:
Uma vez concebido o conceito de coisa julgada como aquela qualidade de não mais poder ser discutido o dispositivo da sentença de mérito, nas precisas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, pode-se deferir a coisa julgada administrativa:
[...] a situação sucessiva a algum ato administrativo em decorrência do qual a Administração fica impedida não só de retratar-se dela na esfera administrativa, mas também de questiona-la judicialmente.
Na doutrina de Hely Lopes Meirelles (2007, p. 681): [...] a denominada coisa julgada administrativa, que, na verdade, é apenas um preclusão de efeitos internos, não tem o alcance da coisa julgada judicial, porque o ato jurisdicional da Administração não deixa de ser um simples ato administrativo decisório, sem a força conclusiva do ato jurisdicional do Poder Judiciário. Falta ao ato jurisdicional administrativo aquilo que os publicistas norte-americanos chama the final enforcing power , e que se traduz livremente como o poder conclusivo da Justiça Comum. Esse poder, nos sistemas constitucionais que não adotam o contencioso administrativo, é privativo das decisões judiciais.
Nos ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 829): Podemos conceituar, portanto, a coisa julgada administrativa como sendo a situação jurídica pela qual determinada decisão firmada pela Administração não mais pode ser modificada na via administrativa. A irretratabilidade, pois, se dá apenas nas instâncias da Administração.
Segundo se pode inferir das lições dos preclaros juristas, a coisa julgada administrativa está circunscrita ao âmbito do poder executivo, visto que não goza definitividade, podendo ser anulada pelo poder judiciário. Em verdade, o termo “coisa julgada administrativa” é impróprio, haja vista que este conceito é restrito ao poder judiciário, pois este, sim, exerce jurisdição. Destarte, o emprego da palavra coisa julgada pode ser empregada no processo administrativo, mas limitando-se o seu alcance na esfera da administração.
Nas palavras de José do Santos Carvalho Filho (2007, p. 829): O instituto da coisa julgada é estudado na teoria geral do processo, indicando uma decisão judicial que não mais pode ser alterada. Nas palavras de Frederico marques, “é a imutabilidade que adquire a prestação jurisdicional do Estado, quando entregue definitivamente. No Direito Administrativo, a doutrina tem feito referência à coisa julgada administrativa, tomando por empréstimo o instituto em virtude de alguns fatores de semelhança. Mas semelhança está longe de significar a igualdade entre essas figuras. Primeiramente, é preciso levar em conta que a verdadeira coisa julgada é própria função jurisdicional do Estado, função essa que tem o objetivo de autorizar que o juiz aplique a lei no caso concreto.
De outra maneira, conforme estatuído no art. 37, da Constituição Federal, que condiciona expressamente à administração pública a observância aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, imprime ao ente público o dever de anular os atos administrativos eivados de ilegalidade ou praticados com abuso de poder.
Inclusive, tal matéria está pacificada no Supremo Tribunal Federal, a teor da Súmula 473, verbis :
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que o tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivos de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Neste prisma, a Súmula ressalva expressamente a possibilidade de apreciação judicial, mesmo sendo permitida a revogação ou anulação dos atos eivados de ilegalidade.
Outro fundamento que rechaça a tese da “coisa julgada administrativa” está adstrita a circunstância de que, não podendo a administração pública socorrer-se ao poder judiciário para anular seus atos, uma vez escoados os prazos de anulação ou revogação dos mesmos, fere o princípio da isonomia, doravante restringe o acesso ao poder judiciário à administração pública, fato este incondicionalmente permitido em relação ao administrado.
Por derradeiro, o mais forte fundamento para a inexistência da coisa julgada administrativa está respaldado no princípio da inafastabilidade da proteção jurisdicional, princípio basilar do Estado de Direito Democrático, na qualidade de palavra última de conflito levado à apreciação do poder judiciário.
Retomando o exemplo alhures colacionado, na hipótese da aplicação de auto de infração fundado na saída de mercadoria descoberta de documento fiscal no valor de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais), na data de 01/01/2000. A legislação do referido tributo prevê o prazo de 30 (trinta) dias para a interposição do recurso administrativo, o qual é dotado de efeito suspensivo. Não logrando êxito no recurso de primeiro grau, interpôs recurso dirigido ao colegiado, sendo o mesmo julgado, à unanimidade, totalmente improcedente. Nesse sentido, o administrado exercitou todas as prerrogativas de defesas previstas no regulamento administrativo, o qual foi definitivamente julgado em 31/12/2004. Na data de 02/01/2005, ingressa com ação anulatória de débito fiscal objetivando o cancelamento do referido auto de infração. Eis que, na data de 01/12/2006, foi lavrado outro auto de infração no importe de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) pela suposta saída de mercadoria sem a emissão de nota fiscal. Conforme fundamentado pelo agente fiscal na lavratura do auto de infração, a multa foi majorada em 50% (cinqüenta por cento) em função da reincidência do sujeito passivo.